MARIN, Louis «O
quadro da representação e algumas das suas figuras» in De la Represéntation. Paris : Gallimard- Seul. 1994 pp342-363
.
Antes de entrar no âmago da questão não é
inútil, sem dúvida, recordar, no plano teórico da arte, como naquele da arte de
escrever, alguns elementos da reflexão filosófica nos quais se constrói a
problemática da representação da pintura e se colocam os problemas do quadro: -
Num prólogo, não conviria, sem cair numa questão estéril, esboçar quadros
filosóficos do quadro da representação pictoral ?
No Dictionnaire
de Furetière encontra-se no século XVII, no início do verbete
«representar», uma frutuosa tensão que atravessa o sentido: «representar»,
significando, no início, substituir alguma coisa do presente por algo ausente
(que é, para dizê-lo de passagem, a estrutura mais geral de um signo). Esta
substituição é sabidamente regulada por uma economia mimética, a similaridade
postulada do presente e a ausência autorizando esta substituição[2].
Mas, além disso, representar significa mostrar, exibir algo do presente. Assim
é próprio do ato de apresentar que constitui a identidade do que é
representado, que se identifica como tal[3].
De um lado, pois, uma operação mimética entre o presente e a ausência, permite
o funcionamento e autoriza a função do presente no lugar do ausente. De outra
parte é uma operação espetacular, uma auto representação que constitui uma
identidade e uma propriedade dando-lhe um valor legítimo[4].
Em outros termos, representar significa
apresentar-se representando alguma coisa. Toda representação, todo signo
representacional, todo processo de significação compreende duas dimensões que
costumo denominar primeira, reflexiva –se apresentar- e a segunda, transitiva –
representar alguma coisa -; duas dimensões que não são facilmente separadas do
que a semântica e a pragmática contemporâneas conceitualizaram como a opacidade
e a transparência do signo representacional[5].
Explorando essas duas dimensões, entre
reflexividade do sujeito e a transitividade em relação ao objeto, a Lógica de Port Royal[6] numa das mais
destacadas elaborações, durante o século XVII, da teoria do
signo-representação, propôs dois exemplos paradigmáticos do signo que são, para
os lógicos deste tempo, o mapa e o
retrato[7],
eu encontrei o quadro, seus operadores e os processos do ato de enquadrar e o
enquadramento e sua figuras, entre esses dispositivos que toda representação
comporta para se apresentar na sua função, seu funcionamento, até a sua
funcionalidade da representação. Esses dispositivos passam tanto mais despercebidos,
são tanto mais inconfessáveis pelo discurso de descrição das obras de pintura,
que insisti com maior força na dimensão transitiva, que se manifesta com tanto
mais sedução na transparência mimética, que na prenhes da imagem, os jogos e os
prazeres da substituição ocupam com mais força a atenção do olhar e ativam seu
desejo[8].
Esses dispositivos funcionam aparentemente
por si mesmos; como o dizia Yves Michaud num texto já antigo[9],
essa pintura de quadro, de decoração, não é vista, e da qual não se fala.
Façamos pois «retornar», de seu esquecimento ou do desconhecimento, ao primeiro
plano da atenção teórica e do olhar descritivo, três de seus dispositivos de
apresentação da representação da pintura, o fundo, o plano, o quadro, três
dispositivos que, para bem compreendê-los, constituem o enquadramento geral da
representação, o fechamento, como se dizia a uma década atrás.
O fundo, o suporte material, a superfície da
inscrição e da figuração, o fundo, pelo qual toda figura chega ao olhar, se
apresenta nas suas relações com outras figuras na sua eventual referência[10].
É esse fundo que nega a profundidade realizada ilusoriamente pelo aparelho
perspectivo que cava, até pontos distantes[11],
mesmo até o infinito, um ilimitado representado, e pintura, pelo trabalho
atmosférico do horizonte[12],
limite na instância do ilimitado[13].
Assim no Desembarque de Cleópatra em
Tarso, de Claude (Lorrain) ou na
Ponte de Pedra de Rembrandt. Para caminhar ainda um pouco sobre esse limite
pelo qual uma superfície «quadro», a representação caminha inversamente sobre o seu fundo, assiste-se a
uma colocação para frente do fundo pela neutralização relativa da profundidade
e pela negação de toda a figura ou de toda representação do longínquo; a tela
do fundo constitui uma superfície como muro, parede, como uma superfície negra
ou gris.. O fundo aparece como superfície, é então que o quadro se apresenta
como quadro, ele se apresenta, menos representando alguma coisa do que como
representação. Assim o fundo negro da
Vanitas atribuída a Champaigne (Fig.01),
cujo discurso apenas o pode descrever como
nada senão que ele representa nada, no momento mesmo em que o olhar
descobre que é esse nada que concede às figuras da Vanitas a sua fertilidade[14].
[1] - Conferência pronunciada no
Centre Georges- Pompidou no dia 19 de dezembro de 1987, e publicado em Art de voir : art de décrire II, n° esp.
dos Cahier du Musée d’ art moderne,
1988. Pp. 62-81
[2] - Confira A. Furetière..
Haia – Rotterdam, Arnout & Reiniers, p. 62-81. 1690, rubrica «Represntation» : s. f. Imagem que nos
remete, através da idéia e da memória, aos objetos ausentes, e que nos pinta
tais quais são [...] Quando se vê os Príncipes mortos nos seus carros fúnebres,
não são vistos que na representação da efigie..»
[3] - «Representação : diz-se de
algo exibido no palácio das exposições {...} Quando se faz o processo de um acusado, faz a representações das armas
das armas com os quais foi surpreendido, do corpo mesmo do próprio assassinado.
.» « Representar, significa também, comparecer em pessoa em juízo, de exibir as
coisas» (Ibid)
[4] - Esta valorização e esta
legitimação se caracterizam pelo uso essencialmente jurídico do termo nesse
sentido.
[5] - Cf. F. Racanani , La Transparence
et l’Énonciation, Paris : Seul, 1979
[6] -La logique ou l’Art de penser.., Paris : Desprez, 1683, 5ª ed.
revista e aumentada.
[8] - É esse prazer da
substituição mimética que os lógicos de Port-Royal denunciam em proveito de uma
instrumentalização do signo representacional no seu uso sob o título de
comunicação racional.
[9] - Y Michuad, « a arte à qual
não se presta atenção ( a respeito de Gombrich)» Crítique, 416, jan. 1982, pp. 22-41
[10] - Apresentação da figura a
mesmo tempo pela sua circunscrição sobre
a superfície e pelo suporte do fundo
[11] - O dispositivo perspectivo
pela sua inscrição sobre a superfície do
fundo tem como efeito anulara essa mesma
superfície que permite a operação, efeito particularmente eficácia na
pintura da paisagem
[12] - É particularmente frutuoso
analisar rigorosamente o que se denomina perspectiva atmosférica na sua relação
com um conceito tão histórico e
epistemologicamente determinado como aquele do infinito.
[13] - Sobre as variações
teóricas, plásticas e poéticas da noção de horizonte, , ver os trabalhos de
Collot. L’Horizon Fabuleux, Paris :
Corti, 1988
[14] - Sobre a relação entre o discursos da descrição e nominação
confira o nosso estudo «Mimésis et
description», Word & Image, 4
(1), 1988, p. 25-36. Cf. supra p.
251-266 NdE
Fig.
01 - CHAPAIGNE Philippe (1602-1674) MEMENTO MORIS – Vanitas – 1671 óleo
28 c 37 cm.
Ou
ainda o famoso ex-voto de 1662 do
mesmo Champaigne no qual, sem qualquer solução de continuidade entre o canto da
cela, cava o espaço representado no qual
filha do pintor é miraculada, e o suporte da inscrição que faz da imagem
representação um ex-voto[1],
(Fig.1 b), o fundo perde sua profundidade
fingida de «imagem» para tornar-se a superfície escrita de uma reza[2].
[1] Philippe de CHAPAIGNE - Ex VOTO - 1662 https://en.wikipedia.org/wiki/Ex-Voto_de_1662
[2] - Confira o nosso estudo
sobre o Ex-Voto de 1662 de
Chamapaigne, «Escritura-pintura : O
ex-Voto de Chamapaigne» em Vers una
Esthétique sans entrave. Mélanges offerts à Mikel Dufrenne. Paris : Union
génerale d’edition. 1975, pp. 409-429 (10-18)
Fig.
01 b - CHAPAIGNE Philippe (1602-1674) EX VOTO (1662) óleo 164.8 x228.9 cm – Museu do Louvre.
[Clique sobre a figura para ampliar e ler]
O plano de representação, segundo elemento do
enquadramento da representação que se
desprega all over, de borda a borda,
da esquerda para a direita, de alto a
baixo, sobre toda a obra, tanto mais esquecida quanto ele é perfeitamente
transparente, quarta parede «frontal» do cubo cenográfico, aquele que Michael
Fried evoca a respeito de Diderot, que pedia que a supor fechada sobre a cena para que as
figuras da narrativa ali se comportassem
como se elas ali não fossem olhadas, em
representação e na representação, presentes totalmente aos seus atos[1];
assim nos (quadros) de Greuze no qual nenhum olhar exterior atravessa essa
fronteira invisível e assim distrair as figuras das suas funções. A menos que,
inversamente, esse plano-quadro não apareça obliquamente ao olho pelo excesso
que deposita ali por uma gota de água de um ‘tromp-l’œil’ ou a mosca numa
natureza morta[2],
excesso que aparece no pepino um tanto quanto obsceno na Anunciação de Crivelli[3]
(Fig. 2) . E vocês irão perceber como, pela comparação, no Ex-Voto
de Champaigne, a superfície escrita joga,
indecidida, entre o fundo-superfície e o plano-representação.
[1] - Michael Fried, Absorption and Theatricality. Paynting and
Beholder in the Age of Dideirot, BerkeleyLos Angeles : University of
California T]Press, 1980, 1980 * Trad. Fr. Por C. Brunet : La Place du spectatauer, Paris : Gallimard, 1990, NdE
[2] - Sobre a mosca em trompe-l’œil, cf. G. Vasari,
Vies de meillers peintres... edition
e trad. De A. Castel et ali., Paris :
Berger- Lecrault, 1984, vol. 2, p. 120
[3] - Cf. L. Marin «Imitação e
trope-l’œl na teoria clássica da pintura no século XVII» in L’Imitation. Rencontres de l’École du Louvre. Paris : La Documentatoion
française. 1984, p. 181-196 * o pepeino do qual se escreve é uma «abobri nha»
no artigo de P. Cahrapetrant comentada por L.M. supra, p. 301-312, DdE
[3] - Michael Fried, Absorption and
Theatricality. Paynting and Beholder in the Age of Dideirot, BerkeleyLos
Angeles : University of California
Press, 1980, 1980 * Trad. Fr. Por C. Brunet : La Place du spectatauer, Paris : Gallimard, 1990, NdE
Fig. 02- CRIVELLI, Carlo (1435-1495). Anunciação (1486) (detalhe).
O quadro, enfim, a tela com bordas e
rebordas, fronteira e limite[1].
É esse quadro que será, entre os diversos dispositivos do enquadramento da
representação que o apresenta, o objeto essencial da minha reflexão. Cadre, cornice, frame: parece que as três línguas cooperam trocando
as palavras e significações para designar a problemática do quadro, da moldura
e do enquadramento : o quadro como «quadro» significando a borda de madeira, ou
outro material, sobre o qual se estende uma tela. Mme de Sévigné
escrevendo « Eu não vos aconselho de colocar uma moldura nesta pintura», ao que
Rousseau respondeu, interpondo o dicionário «Aos desenhos os mais grosseiros,
eu coloco molduras bem brilhantes[2]».
Ainda que “quadro” significa etimologicamente
quadrado, no entanto se fala em quadro redondo ou oval.. O francês insiste pois
sobre a noção de borda: o quadro
guarnece o limite extremo da superfície geométrica recordada da
tela.
O italiano
apropria-se, em cornice[3],
de um termo arquitetônico : é o
avanço ao redor do corpo do prédio que o
protege da chuva: moldura em saliência que coroando todo tipo de obras e
especialmente o friso do entablamento nas ordens : os valores do ornamento e de
proteção, as noções de prenhes e de avanço juntam-se ao termo[4].
O quadro como frame seria antes um elemento estrutural de construção do painel
estendido do que representação ou imagem, mais como tela. Frame, no quadro é o chassis que estende a tela para torná-la apta
para receber os pigmentos. Antes que uma borda ou moldura, antes que um
instrumento de extremidade, ele é estrutura de suporte da superfície de representação[5].
Notável polissemia do artefato quadro
suplemento e complemento, ornamento gratuito e dispositivo necessário: Poussin escrevia para Chantelou ao lhe enviar
o quadro o Maná (Fig.3):
“Quando tiverdes recebido o vosso trabalho, eu vos
solicito de orná-lo de uma pequena cornija, pois ele tem necessidade, afim de que o considerando em todas as suas
partes, as linhas do olhar sejam retidas e não dispersas pelo lado de fora ao
receber as espécies de outros objetos vizinhos que vindo em desordem com as
coisas pintadas confundindo o dia[6]”
[1] - Cf. A.M. Lecoq «Quadro e
borda», Revue de l’art, 26,
1974; e, sobre o quadro e suas funções
semióticas e sublimadores do limite, L. Marin, Do quadro à decoração ou a
questão do ornamento na pintura» em L’ornamento,
n° esp. de Rivista di estetica, XXII,
12, 1982, p. 16-35
[2] - Essas duas citações do
dicionário apontam, em especial em Rousseau, um dos valores ideológicos do
quadro. Ver também a esse respeito os interessantes documentos trazidos por Bruno
Pons em De Paris à Versalhes, 1699-1736, Strasbourg : Association des publications près les
universités de Strasbourg, 1986
[3] - Cornice: sf,
moldura. Arquite: cornija, caixilho Fig: situação, ambiente, quadro. (Dicionário Eletrônico Michaelis)
[4] - Cf o número 76 da Revue de l’art, 1987, consagrado ao
problema dos quadros: em particular os artigos de P. J.T. Van Thiel, «Elogio do
quadro : a pratica holandesa» e de Milena Mosco , «Os quadros de Leopoldo de
Medicis».
[5] - Sobre a relação do quadro
como moldura e de chassis, cf. M. Schapiro , « On some Probelems in semioticas of Visual Art : Field Vehicle
in Image- Signs» Semiótica, 1 (3),
1969, pp. 223-242 trad. Fr. In M.S. Style, artiste societé, Paris :
Gallimard, 1982 pp.7-34 NdE
[6] - N. Poussin, Lettres et propos sur l’art, ed. par A.
Blunt, Paris : Hermann, 1964, p. 35-36
(carta de 28 abril de 1639) *sublinhado por L. M. DdE
Fig.
03 - Nicolas-Poussin (1594-1955) - Maná c.1637 óleo 149 x 200 cm - Louvre Paris
Numa palavra parergon necessário, suplemento constitutivo, o quadro autonomiza a
obra no espaço visível[1];
ele coloca a representação em estado de presença exclusiva ele fornece a justa
definição das condições da recepção visual e da contemplação da representação
como tala. Ao analisar de perto as recomendações de Poussin a Chantelou – se
encontraria idênticos conselhos nos tratados sobre a pintura[2]
- o quadro transforma o jogo variado da diversidade sensível, materiais da
síntese perceptiva do reconhecimento das coisas que as articulam por
diferenças, numa oposição entre a
representação que se identifica como tal pela exclusão do campo do olhar de
todo outro objeto[3]
estranho ao quadro. Pelo quadro, o painel não é simplesmente dado para ser
visto, entre as outras coisas : ele torna-se objeto de contemplação. As coisas
que animam simplesmente o espaço do mundo de suas diferenças, as árvores, o céu, os palácios as nuvens, o lago, seus
barcos ... tornam-se, na sua representação na tela de Claude ou de Poussin,
paisagem a contemplar[4],
ideal pastoral, heróico, exclusivo das espécies dos objetos vizinhos, como o
diz Poussin, pela virtude de suas margens e das suas bordas que assumem o seu
quadro. O mundo está contido ali inteiramente, fora do qual não há nada para
contemplar. Operação de autonomia da construção representativa, mudança de
aspecto, simples apreensão perceptiva das coisas em prospecto, ofício da razão,
como escreve ainda Poussin,[5]
modificação, modalização do olhar: lá, olhando, contemplava-se o mundo, a
natureza; aqui, contempla-se a obra de arte e somente ela. Inútil acrescentar
que essa operação do quadro e enquadramento será investido pelos poderes,
modalizada pelas instituições, observada
atentamente pelas instâncias de determinação econômica, social e ideológica[6].
A representação, na sua dimensão reflexiva, se apresenta a alguém. A
apresentação representativa é tomada na sua estrutura dialógica de um
destinador e de um destinatário, quem quer que eles sejam, aos quais o quadro
fornecerá um dos lugares privilegiados do «fazer saber» e «fazer crer», do
«fazer sentir», instruções e injunções que o poder de representação, e em
representação, se dirige ao espectador leitor[7].
É assim que entramos no mundo das figuras do
quadro e do enquadramento. As figuras de ostentação no início, as figuras de
ornamento das bordas, flores e frutos, tecendo, de sua simetria e de sua repetição
calculada, as bordas[8]
: na sua operação pura, o quadro mostra:
é uma exibição, uma demonstração icônica : « é aqui». As figuras de guarnição das bordas
«insistem» na indicação, a ampliam : a deixis[9]
torna-se epideixis, a mostração, de-monstração, a narração da história
representada, discurso de elogio[10]
articulando mais sutilmente que se poderia crer no espaço de presentificação,
no espaço do espectador. Assim na tapeçaria
da História do Rei do cartão desenhado por Le Brun[11],
o quadro (Fig. 4) não é só um poderoso
dispositivo ostentatório de auto-apresentação da cena histórica representada,
mas ainda ele é construído como um dispositivo de captação da luz natural,
aquela que ilumina o lugar de exposição da tapeçaria, pois que as bordas
internas da direita e inferior do quadro estão iluminados, enquanto que os dois
outros lados estão na sombra.
[1] - J. Derrida,La vérité en Peinture, Paris : Flamarrion, 1978, p. 44 sq. Em particulara pp. 83-90
[2] - Por exemplo, as observações de G. Mancini,
“Regole per comprare, collocare e conservare la pintura” in G. M. Considerazioni sulla pittura [ca. 1620], ed. par A. Marucchi,
Rome, Accademia nazionale dei Lincei, 1956-57, p. 141-146ç ou as de Florent Le
Comte, Gabinet des singularitez
d’arachitecture..., Paris, E. Picart & N. Le Clerc, 1699-1700, vol. 3
p. 241-273
[3] - Em termos semióticos, a
transformação de uma oposição de
contrários de A contra B em uma oposição de contraditórios A contra não-A.
[4] - A operação de
enquadramento ou de moldura não é assim um momento empírico de uma operação
ideal ou essencial da constituição de um objeto percebido em objeto teórico
[5] - N. Poussin, Lettres et Propos.., p. 62-63 (carta a
Sublet de Noyer, 1642)
[6] - Conviria, sem dúvida,
distinguir cuidadosamente investimentos, modalização e distinções que não
dependem nem do mesmo nível da descrição, nem dos mesmos dispositivos da
inscrição
[7] - É nessa perspectiva que,
da forma mais geral, o quadro revela o
aparelho de enunciação e é susceptível de ser analisado segundo os mesmos
procedimentos metodológicos e técnicos do que aqueles aplicados ao discurso.
[8] - Cf. E. H. Gombrich, The Sense of Order, Itahaca -New York :
Corneill University Press, 1979, p. 95 sq.
[9] - Deitico: provém do grego
de dei kt ikoz «ostensivo», «exibição», «mostrativo». Do verbo dei knumi. Dicionário de
Filosofia Ferrater Mora, 1994 p.800
[10] - - Sobre a transformação da
deixis em epideixis, cf. L. Marin, Le
portrait du roi, Paris : Minuit, 1981, pp. 49-143
[11] - D. Meyer, A História do Rei, Paris : Reunion des
musées nacionaux, 1 1980
Fig.
04 Charles
de Le Brun - Audiência com o Conde de FUENTES _ tapeçaria Gobelin
A partir daí a luz interna «artificial» que
ilumina a cena entre a coerência com a luz externa «natural» : é a mesma.
Através disso o espaço do espectador é neutralizado ou mais ele é convertido em
espaço de representação[1].
¿A tapeçaria não faz parte do mobiliário do Versalhes? A decoração ornamental
do quando através de sua figuras torna-se assim uma «meta-representação»,
poderoso instrumento de apropriação e de propriedade da representação mesma, no
seu motivo – aquilo que é representado sobre a cena da história – a seu
respeito do seu tema – o tema desta história : e no caso, o rei[2].
É assim igualmente o quadro (eu entendo por
isso os processos de procedimentos de enquadramento, a dinâmica e o poder de
encerrar) delegará algumas das sua funções a uma figura particular que, participando da ação, a história recontada,
representada, enunciará por seus gestos, sua postura, seu olhar, menos o que
seja ver, mas o que o espectador deve ver,
que a maneira de o ver: são figuras patéticas do enquadramento. . Por ser
honesto, Le Brun ou Poussin não fazem nada mais do que explorar um preceito de
Alberti relativo a representação da storia,
ou seja o de colocar uma das figuras
em posição de comentarista, de admonitor
e de advocator da obra :
“Numa história, eu gosto
de ver alguém que avisa e que nos indica o que aconteceu lá: que através de sua
mão nos convida para ver; ou nos ameaça com a sua face encolerizada e seus
olhos brilhantes que ninguém se aproxime, ou mostra algum perigo ou maravilha;
ou nos convida a chorar ou rir com eles[3]”.
Para continuar a trabalhar com o corpus real e
clássico, é de se notar que esta, ou estas figuras de enquadramento na maioria
das vezes são figuras da bordas da cena, a primeira da esquerda ou da direita,
não delegada do espectador ( e-ou do pintor) mas delegada do quadro para
significar ao espectador a modalidade empática (patética) do olhar que ele deve
levar sobre a storia[4].
Assim o camponês contemplando, na borda direita a cena, a epifania real da Entrada em Dunkerque (fig. 5), uma cabeça que é a retomada, com algumas
variações, de um perfil de expressão do próprio Le Brun, com o espanto no
sentido de século XVII[5].
Ou ainda, já destacado numa conferência da Academia, a figura da borda extrema
da esquerda no O Maná, figura de
reverente admiração diante da cena da Caridade romana que se desdobra sobre
seus olhos[6].
Compreende-se pois que decorre do discurso da descrição deva, no seu
desdobramento o mais exato sobre a obra, desviara-se de alguma maneira de ela
mesma e da leitura interna, menos por uma interpretação externa que uma
marcação de pontos de referência e sobretudo formulara através de construções
conceituais adequadas os processos significantes e os limites pelo quais a
representação da pintura define as modalidades específicas de sua apresentação[7].
[1] - Encontraria-se também no
interior das obras da pintura elementos figurativos não determinados pelo quadro e que operam a
integração do espaço representado na obra e o espaço real no qual a obra é
apresentado. Assim na Anunciação de
Piero della Francesca na igreja de São Francisco de Arezzo, a sombra pintada da
barra de madeira igualmente pintada, mas produzida ficticiamente pela luz
natural da grande janela do fundo da capela
[2] - Cf. L. Marin O retrato do rei, p. 49 sq
[3] - L. B. Alberti , De pictura, livro II (1435), ed. e trad.
Por J. Spencer, Yale University Press, 1956, p. 78. * Trad. Fr. Por J.-L-Shefer, De la peinture, Paris : Macula, 1992, p.
179. NdE
[4] - É necessário convir que
disposição – o lugar cênico – da figura sobre a borda interna da representação
que predispõe para a função de
figura-de-quadro, que é que não aliás absolutamente exclusiva de uma função
narrativa determinada
[5] - Cf. C. Le Brun
«Conferência sobre a expressão geral e particular»,pronuncaiado em
1668,publicados por Testielin em 1696, ed. Por Hubert Damissh em Nouvelle Revue de psychanalyse, 21,
1980, pp. 93-121
[6] - Cf. C. Le Brun «Confere
[..] sobre O Maná (1667, in Felibien,
Conferences da l’Academie riyale de peinture
e de sculpture, Londres : d. Martier, 1705, p. 69-71
[7] - Cf a este respeito em
particular M.Schapiro, «Field na
Vehicle»
Fig.
05 - Charles de Le Brun – ENTRADA em
DUNQUERQUE _ tapeçaria Gobelin
Já indiquei no início que os lógicos de
Port-Royal encontravam no mapa e no retrato os exemplos paradigmáticos do signo
representacional. É pois sobre alguns mapas e alguns retratos que gostaria de
continuar as operações de encerramento e
de enquadramento, esse trabalho sobre as margens e sobre as bordas. E para
começar , o modelo do mapa geográfico : seja, por exemplo,, esse fragmento de
um plano de Paris de Gomboust em 1652 (fig.6).
GOMBOUST Plano de
Paris 1652 https://de.wikipedia.org/wiki/Jacques_Gomboust
Fig.
06 - GOMBOUST – Mapa de Paris - França -
ano de 1652 .
(Reimpresso Geographicus_-_Paris 1900)
[Clique sobre a figura para ampliar e ler]
Exemplificação
a primeira vista ao mesmo tempo exata e rigorosa da dimensão transitiva do
signo, a representação torna presente de novo uma coisa que não é mais assim ou não existe mais; a carta de Paris nos coloca sob os olhos,
por uma hipótese icônica,[1]
uma Paris que ninguém jamais verá, mesmo Gomboust na época em que ele levava
ao plano «científico» a capital[2]
: a carta de Paris, configuração real da coisa, Gomboust o sabe muito bem pois
ele coloca, no canto superior da esquerda de sua carta, um quadro com a legendo
escrita « Paris vista de Mont Marte»(fig. 7a) e, na parte superior direita, um outro
com a legenda «Galerie du Louvre»(fig. 7b).
[1] - Cf. meu estudo sobre essa
planta in L. Marin, Utópicas : Jogos do espaço, Paris : Minuit, 1973
[2] - O que indica com toda clareza
Gomboust na apresentação de seu plano ao rei. É possível notar que essa mapa
foi feita com a ajuda de J. Petit, engenheiro militar, o mesmo que assistirá
Pascal nas suas experiências sobre o vácuo. O mapa foi gravado por A. Bosse.
Duas
imagens, dois quadros de uma configuração da borda que propõe utilizar o mapa,
como representação mimética de Paris, um
percurso privilegiado de sua aproximação exterior pelo norte até o centro onde
a cidade se concentra : o lugar do rei.
GOMBOUST Plano de
Paris 1652 https://de.wikipedia.org/wiki/Jacques_Gomboust
Fig.
07b - GOMBOUST – Mapa de Paris - França
- ano de 1652 .- Ângulo direito superior
(Reimpresso Geographicus_-_Paris
1900
[Clique sobre a figura para ampliar e ler]
Pelo
duplo quadro da borda, a cidade no mapa, e o mapa da cidade, cidade e mapa numa
coexistência exata e idealmente perfeita, se apresenta uma como representada, e
a outra como representante, uma na outra como representação; elas se apresentam
pois, mas segundo um percurso particular e segundo uma modalidade singular no
qual se afirma, numa representação construída segundo uma modalidade singular
onde se afirma, numa representação construída segundo a ordem da razão a
geometria universal na verdade do seu rigoroso e exato de sua referenciação
empírica, o poder político do monarca[1].
Ao olhar de mais perto o mapa, eis que na parte inferior da esquerda e da
direita, uma segunda configuração de quadro com pequenas figuras humanas que,
de uma colina fictícia do lado de Charenton, contemplam Paris, olhando como nós
o fazemos, seu mapa, sua representação (fig. 7c)...
No alto e em embaixo, dois processos de quadro, dois efeitos modalizados de
opacidade reflexiva : as pequenas figuras são os representantes, sobre a margem
inferior, daquilo que os quadros o são para a borda superior o são, de «se
presentificar representando Paris» do mapa, pela qual o sujeito da
representação, como efeito do dispositivo de representação, entra no mapa,
sobre a lei do poder, sobre a lei da representação do príncipe[2].
[1] - Cf. L. Marin O retrato do
rei, p. 209 sq.
[2] - Cf. L. Marin «Os caminhos
dos mapas» in Cartes et Figures de la
Terre, p. 47-54 e, em particular, pp. 50-52
GOMBOUST Plano de
Paris 1652 https://de.wikipedia.org/wiki/Jacques_Gomboust
Fig.
07c - GOMBOUST – Mapa de Paris - França - ano de 1652 .- Ângulo direito
inferior (Reimpresso Geographicus_-_Paris 1900
[Clique sobre a figura para ampliar e ler]
Um contra exemplo dessas figuras do quadro,
nas bordas e margens no mapa, propõe-se com duas imagens de enquadramento, de um
livro que no seu tempo, no início do século XVI, foi um best-seller europeu :
dois frontispícios, imagens de entrada nas leituras do livro, a primeira gravada por um anônimo e a segunda pelos
irmãos Holbein, para a primeira em 1516 (fig.8a) e
a segunda em 1518(fig.8b) da Utopia
de Thomas More[1].
Esses frontispícios mostram, nas suas semelhanças e diferenças, os sutis jogos
modais das figuras do quadro da representação, visto que a utopia é
representada (no livro e pelo texto de
More) como um mapa, produzido através da arte de escrever, muito sábia, que faz
«ser»,o que ele mostra e faz «ver» o que ele escreve [2]
: um mapa pois que a utopia é uma
representação cartográfica que constitui sua representação como referente
fictício, um mapa que não está nos mapas entre os quais se encontra, sem que
ela ali seja localizável [3].
[1] - Cf ..The Complete Works of St.
Thomas More, éd. Par E. Surtz, S.J., et J. H. Hexter, New Hvan – Londres,
Yale University Press, 1965, vol. 4, p. 16-17
[2] - Cf. L. Marin,Utopiques..,
Cap. 5 et 6
[3] - Sobre os textos
‘quadrantes’ a Utopia na época de sua publicação em 1516, que, que entretém
ironicamente a incerteza dos correspondentes de More sobre a situação geográfica
da ilha da Utopia, cf. L. Marin « Viagens
em Utopia» O Espírito criador (Universidade da Louisiane, 25 (3), 1985, p.
42-51. Retomado em L.M. Leitura
transversais, Paris Ç A Michel, p.39-49 NdE.
Fig.
08 a - UTOPIA capa – 1516 – Gravura
dos Irmãos Holbein
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Naquele de 1516, a caravela está amarrada
diante da entrada da baia interior, sob a ponte do navio, com as velas
recolhidas, chegando ao termo de sua viagem, uma pequena silhueta, olha a ilha, e- ou o seu mapa : ela contempla a vista topográfica de
sua capital na paisagem e lê os eu nome , Civitas
Amauratum, gravado sobre o mapa. O barco de 1518 é uma reprodução exata,
mas invertido, sua imagem no espelho : ele não mais está amarrado, ele corre
sobre a sua rota no qual três homens se elevam sobre uma falésia sobre o mar.
Por essa reversão da imagem, esta re-flexão, ele volta em nossa direção, para o
nosso mundo, e o pequeno personagem sobre a ponte, de costas voltado para ilha,
olha sua pátria se aproximar. Nenhum dos homens em cima da falésia olha para a
ilha, mas um, entre eles, empoleira-se sobre um cartucho no qual está escrito o
seu nome, mostra com o dedo a ilha e-ou seu mapa a seu companheiro, Thomas More
: ele lhe conta sua viagem, ele lhe mostra, ele lhe faz ver, mas pela descrição
pela linguagem, a ilha maravilhosa. O terceiro, um soldado, com a espada de
lado, de perfil, escuta a conversação[1].
[1] - Esse soldado foi objeto de
inúmeros comentários. ¿ significaria, a título de «enquadramento» da obra, os
projetos da conquista do novo mundo¿
Fig.
08 b - HOLBEIN Ambrosius 1494- 1519 - ILHA da UTOPIA - capa - 1518
- Xilogravura 17.8 x 11. cm.
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Repitamo-lo, nenhum a ilha, e-ou seu mapa, no
espaço do mundo, no espaço da imagem. Ele tornou-se objeto de linguagem, de
escuta e de escrita, um texto, e nós – que iremos ler a Utopia de Thomas More,
que vemos a sua imagem e retornamos ao que a imagem representa, não vemos que através da mediação das duas
figuras de Rafael e More, que através do diálogo, a narração e a descrição que
essa figuras representam, como ekphrasis que a narrativa de um e escritura do outro
ali construíram: ficção[1].
Os Holbein, sábia e ironicamente, gravaram esse jogo de viagem e de mapa, do
real e da ficção : em 1516, o artista anônimo havia escrito três toponímios, Civitas Amarrotam., Fons Anydri, Ostium Anydri sobre o mapa da
ilha. Em 1518, os Holbein, os escreveram em três cartuchos que estão suspensas
através de guirlandas fixadas no quadro
de representação. (fig.8 c)
Fig.
08 c - HOLBEIN Ambrosius 1494- 1519 - ILHA da UTOPIA - capa - 1518
- Xilogravura Detalhe e cartuchos
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Esses
toponímicos, que nos mapas, estão escritos sobre os lugares que eles nomeiam,
operando a coincidência do referente, da representação e do nominado[1],
esses nomes na gravura dos Holbeins, pelo aparelho decorativo que os leva,
visualmente vem antes dos objetos representados dos quais eles são os nomes,
ele vem antes da imagem, eles pertencem ao seu quadro, ao seu bordo. Eles são
colocados, se é possível dizê-lo, sobre o quadro transparente da tela (ecran)
da representação. Eles mostram de forma obliqua esta parte irrepresentável do signo icônico, esta parte
que, se ela é representada, neutralizaria e anularia pela sua opacidade o que a
representação representa[2].
Eles mostram que a utopia (ilha, o mapa) é somente uma representação, um ekphrasis discursiva, uma ficção das
coisas pelas palavras. Mas eles mostram também inversamente de toda a
representação esconde, por suas bordas e de seus limites, pelo trabalho de seus
quadro e das suas forças de enquadramento, uma utopia, a ficção de um desejo
realizado aliás e dos quais os desenhos de Cristo para Surroundede Islands
seriam, em 1983, a representação, um eco da gravura dos irmãos Holbeins em 1518[3].
O modelo do retrato é outro paradigma do signo
representação. Ele exemplifica diretamente a dimensão reflexiva do signo. Todo
signo, no momento mesmo no qual ele torna presente um ser abstrato ou morto,
redobra, reflete ou insiste na operação
de representação: a representação dessa operação. A representação dessa
operação, como o ato de um modelo de representação e identificando o retorna a esse modelo como
sua representação, é particularmente evidente no retrato. O EU é representado
como se apresentando no signo representado[4].
O retrato é a figura mesma da presentificação de representação, a fortiori quando se trata do
auto-retrato. De este ponto de vista, o que não seria um dos menores paradoxos
do auto-retrato em geral, não seria considerado enquanto como figura de quadro.
É o que me parece entre a intenção explicita de Poussin no auto-retrato do
Louvre de 1650[5](fig.9).
[1] - Cf. C. S. Peirce , «sobre
o mapa de uma ilha, colocado sobre o chão de desta ilha, deve haver ali ter
normalmente um lugar, um ponto, marcado ou nome, que representada sobre o mapa
o lugar que o mapa ocupa na ilha...» in Collected
Paper, trad. Fr. Et ed. por G.
Deledalle, Escitos sobre o signo,
Paris, 1978, p. 123, n° 2230
[2] - É pelo mesmo que, apesar
da sua «transparente», o plano da representação se encontra presente.
[3] - «Surrounded Islands.
Project for Biscayne Bay, Greather Miami, Florida, 1982-83» in W. Spies,
Christo, Ctaloque de l’exposition de Cologne Hambourg, : Dumont, 1985
[4] - J. Pope Henessy, The
Portrait in the Renaissance, New York : Pantheon Books, 1966, cap. 1., « The
Cult of Personality» e cap. 4, «The Court Portriat»
[5] - Sobre os auto retratos de
Poussin, cf L. Marin, «Variações sobre um retrato ausente: os auto-retratos de
Poussin, 1649-1650» Corps écrit, 5,
1983, p. 87-107
Fig. 09 - Nicolas-Poussin
(1594-1655) - auto retrato
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Não
é o indivíduo Poussin, a pessoa singular, o eu da Normandia vivendo em Roma que
o pintor representa. É antes o sujeito-pintor, e mais ainda o sujeito do
trabalho da pintura, da pintura em trabalho e do trabalho com seus instrumentos
e seus meios. Dois atributos deslocam a inicialmente este trabalho sobre a
imagem representada do pintor : o portofolio de desenho que contém, invisível,
os esboços preparatórios, o disegno,
além do quadro, o diamante montado no anel, emblema, sobre a mão do mestre, da
gênese de toda a variedade de cores pela refração no prisma de sua
transparência, da luz do sol[1].
Mas a figura do pintor remete esses dois atributos ao campo da pintura mesma,
ao espaço do quadro representado reflexivamente como aquele do processo da
fabricação do quadro, representado reflexivamente como aquele do processo de
fabricação da obra e suas diferentes
etapas : confrontação comovente do pintor com os limites e os quadros da
representação do pintor. O fundo do
quadro representa, com efeito, entre
dois chassis voltados de costas e uma tela preparada mas não pintada, um
fragmento de quadro-tela e um tela acabada insinuada na direção esquerda, mas
da qual não se percebe a não ser que um fragmento do que ela representa. Ao
fundo mais longe ,o quadro representa quadros que mostram o que não se mostra
habitualmente , as costas. Mais próximo do fundo e servindo de fundo à figura
do pintor, uma tela mostra o que não se vê
no quadro, , o que existe em baixo, o espaço subjacente ao espaço
representação. O que é imostrável e invisível no quadro da pintura e aqui não
são só mostrado, mas ainda representado como se aquilo que não é mostrável, nem
visível. O pintor pinta a superfície
de seu quadro na tela que ele representa – o que é efetivamente debaixo e atrás ao a tela que ele pinta mas aos quais a sua figura vira as
costas.
É necessário ir mais longe nessa
exploração reflexiva dos quadros e dos
limites pelo pintor. A tela que mostra a parte inferior impede o quadro da
esquerda de mostrar tudo aquilo que ele representa : o quadro da tela
dissimulada esconde uma parte e aquele do quadro que nos olhamos, a
auto-retrato do pintor oculta um outro. Entre os dois, sobre o quadro interno
da obra, está pintada a figura de mulher, figura do quadro que parece não
aparecer senão para escapar da tela : alegoria da pintura, nos diz Bellori[2]:
figura da teoria da arte, a teoria da arte de pintar, como demonstrou o
professor Posner[3].
A teoria da arte, a teoria da pintura está representada como «termo»
parcialmente visível da prática da pintura.
Ora, nesse quadro duas vezes escondido,
apercebem-se duas mãos de uma figura fora do quadro que contornam a alegoria da
teoria da arte, duas mãos da prática da pintor, desse pintor do qual nós
espectadores, jamais veremos as mãos na representação : nós jamais veremos em
todo caso a alegoria da prática juntando-se à teoria da pintura, pois que a
autorretrato destinado a Chantelou, o quadro que nós olhamos, realiza esta
junção a praticando, na obra, a unidade indissolúvel da teoria e da prática da
pintura. Esta unidade não pode ser apresentada que por falta da representação
figurada de um dos seus termos, se bem que o quadro, nos seus efeitos de emoldura,
inerente sua função de apresentação da representação da pintura ou antes o
colocar em trabalho no intervalo de suas bordas : em apresentando a
representação do pintor, o quadro esconde a representação figurada do que se realiza
na representação mesma, a obra que vemos. Mas essa defecção no enquadramento
indica que o trabalho da pintura é o que se percebe entre uma tela e uma
apresentação
Em contraponto, com o auto-retrato de Poussin, e o trabalho dos quadros sobre o motivo da
pintura, me parece que a tela bem conhecida de Cremonini, Guet-apens (1972-1973)., seria o comentário pictoral e teórica
moderna[4]
: aqui como lá, os quadros representados se
sobrepõe e empilham e se interrompem uns aos outros, qual seja o objeto
«representado» que eles enquadram, portas, espelhos, janelas ou nada, como o
quadro vazio sobre a direita. Todos esses quadros, como as molduras, telas e
chassis no retrato de Poussin, articulam um espaço muito estreito, «in-fragmento», que se reduz só a sobreposição de planos. O quadro que
apresenta o painel, que olhamos, interrompe o os quadros que esse mesmo painel
nos re-presenta, como se fosse
precisamente a rigorosa lei do enquadramento e da moldura que torna as coisas
visíveis, as ocultando parcialmente à visibilidade. Quanto às crianças, anões
ou monstros, que aparecem entre os quadros empilhados, parece que obedecem a
mesma lei, uma cabeça sem corpo à direita, uma cabeça, um corpo sem braços nem
pernas no centro. No primeiro plano, a criança cega, braços estendidos, braços
e mãos cortados pelo quadros. No entanto que à direita, um braço sem corpo faz
deslizar um quadro para centro.
A monumental figura do tema da representação
que Poussin havia desenhada sobre o fundo, o auto-retrato da pintura, moldura,
chassis e fundo, essa figura está aqui desmembrada em quatro figuras infantis
(ou monstruosas) que parecem jogar cabra-cega; ver, ser visto sem ver, entre os
quadros vazios. Ou ainda, figuras presas
ou em movimento, móveis como no sonho onde todos esses quadros tentariam
prendê-los, os enquadrar, ou colocá-los em representação: «O espaço dos meus
quadros é para mim um espaço de contradição e de conflito[5].»
Guet-apens (cilada) é o título, nome de um jogo de cegamente num labirinto de
barreira retangulares...Colocado em profundidade da representação e a sua
colocação em cena, em presença do jogo dos quadros .. Cremonini descreveu seu
quadro como «uma relação muito tensa entre o quadro do espelho e o chassis de
um painel », que é também aquela que
tenciona o pintor entre o desejo de enclausurar o visível no quadro do seu
painel e sua fascinação para que aquilo que se
esconde: a realidade desse visível[6].
Encontra-se esse mesmo jogo de quadros entre os holandeses, em Vermeer – como
Svetlana Alpers nos comentou[7]
– ou em Velasquez – no qual, com Foucault, é possível ver o nascimento da idade
da representação[8].
Um pequeno quadro (fig.10)
de Klee, que eu encontrei by chance,
na forma de uma «mot d’esprit» - pela
oportunidade de ter recebido de seu pintor seu nome, seu título em latim que é
o mesmo (ou em parte) deste estudo : ele se denomina Ad Marginem[9],
à margem, em direção da margem, em direção do quadro da representação em
pintura. Eu disse que o pintor o nomeia, mas o quadro também se nomeia – breve paráfrase
das observações de Klee na sua conferência de Iena [10]
- : a pintura o nomeia e escreve seu nome na margem «Ad Marginem», e o quadro
se denomina Ad Marginem, «à margem».
[1] - O diamante, que o pintor
ostenta, não é definido como prisma por Furetière, Dictionnaire Universel.., rubrica «Diamante» : ‘ele possui a
particularidade que quando o Sol incide
sobre ele projeta tantos raios quantas faces ele possui, e todas as difrentes
cores, vermelho, verde, amarelo e azul’
[2] - G. P. Bellori, Le vite de’pittori.. (Rome, 1672), ed, par Borea, Turin :
:Enaudi, 1976, p. 455 : «Nicolo Pussino»
[3] - D. Posner «The Picture of Painting in Poussin’s Sel Portrait» in Essays presenteted to R. Witkower,
Londes, Pahaidon Press. 1967, vol. 1 pp. 200-203
[4] - L. Cremonini e M. Le Bot, Les
parethèses du regard. Paris :
Fayard, 1979, p. 71, 77
[5] - Ibid. p. 61
[6] - Ibid. p. 79
[7] - S. Alpers, The Art of Describing. Dutch Art inthe seventteent Century,
Chicago, The University of Chicago Press, 1983,p. 119 sq. *Trad, fr. : L’Art de depeindre. La Peiture hollandaise
au XVIIe siècle, Paris : Gallimard, 1990, p. 209 sq., NdE
[8] - M. Foucault, Le Mosts et les choses.
[9] - Paul Klee, Ad Marginem,
1930 (museu de Bâle)
[10] - P. Klee, Conferência de
Iena (1924), In theoria de l’art moderne, Gnebra : Gonthier, 1968 p. 15-33
Fig.
10 – KLEE, Paul “Ad_marginem”
Este pequeno quadro (46 cm X 35 cm) do museu
de Bale nos permitirá, se não responder às questões que eu coloquei, ao menos
fechar algumas bordas, algumas margens. Grohmann, escreve no seu comentário:
“Ad Marginem parece um
velho documento com um planeta vermelho dominando o centro de um verde-feno .
Uma escritura fantasmática está disperso ao longo das margens como num desenho
de criança. Existe também hieróglifos de plantas, um pássaro, fragmentos de
figuras e letras do alfabeto – um diploma do reino da Natureza[1]»
Disperso,
é verdade, sobre as bordas do quadro, sobre as margens, mais precisamente
apoiando-se sobre elas, no início uma vegetação refinada, preciosa, de gramíneas
e de umbríferas, mais abundante sobre um lado do que sobre os três outros :
formigamento raro de objetos nos quais o olhar se dispersa na medida da
dispersão dessas figuras botânicas do quadro. Mas o olhar é, sem cessar,
recentrado pelo disco vermelho central dotado de uma irradiação sombria que
desenha sobre o fundo verde uma espécie de halo cruciforme. Hesitação do olhar
sobre a outra borda do quadro que é o fundo : esse halo pertence ao planeta
vermelho - «figura» ou a «superfície-fundo da tavola¿ Essa irradiação sombria pertence ao sol vermelho pela
intensificação de suas fronteiras ou é de um astro que por uma espécie duma
eclipse inversa, o sol veio se ocultar¿
- Existiu alguma vez, na natureza, um pássaro
capaz de caminhar sobre a borda, de cabeça para baixo mesmo sendo apenas uma
silhueta, um signo de pássaro, hieróglifo com diz Grohmann? Hieroglifos ou
pictogramas, nunca foram escritos invertidos de fato assim. Sim, sem dúvida, se
o olhar desejar ler corretamente, convenientemente as quatro letras do alfabeto
escritas sobre as margens : «v» perto da margem superior, «r» à esquerda, «l» à
direita sobre a borda lateral, «u» sobre a margem inferior. Três consoantes,
uma vogal : o «u» central sobre a margem superior, «v» tão próximo graficamente
do «u», mas que, consonar , e é condenado a consoara com sua vogal , «v-u»,
«vu». Assim da mesma forma o «r» e o «l» : «r-u», «u-l».
À margem do quadro, entre as plantas
aquáticas, a voz sob os signos gráficos
que a representam, nomeia de hieróglifos-pictogramas que só pertencem à língua
de Klee, a voz de uma vogal ou antes uma
vogal ausente do quadro : u que faz pronunciar três outras
letras. Eis o olhar percorrendo a margem do quadro em todos os sentidos, na
busca de um sentido, rodando em círculo ( ou antes em retângulo) ao redor do
círculo vermelho central. À favor desse
percurso, no entanto, o pássaro sobre a margem caminha corretamente sobre suas
patas e não de cabeça para baixo: mas eis a surpresa, o «u» tornou-se «n»
enquanto os seus três companheiros consonantes tornam-se signo de uma escritura
indecifrável. Para ver melhor, somos rejeitados para margem a mais extrema da
voz[2].
Essa
busca de sentido à margem da voz e sobre o quadro interno da representação,
entre o signo vocálico e os signos consonânticos que a representam para a
audição e para visão, supõem, para se efetuar, um deslocamento do olho no
quadro externo do quadro ou uma rotação do quadro ao redor de seu centro
vermelho. Esse processo de anamorfose interroga o sujeito moderno pelo seu
quadro e sua representação, por suas margens e suas figuras da borda.. Com
efeito, se, para deslocar-me ao redor do quadro eu o coloco no chão, como
Pollock o fará para os seus grandes drippins,
vinte anos mais tarde, então as margens
do quadro Ad Marginem tornar-se-á um posso quadrangular, no qual,
na água esverdeada fundo, vem refletir um planeta vermelho e tomar, ao menos
que ele não venha das profundezas, muito exatamente no lugar de meu olho que
olha e se descobre com a forma de um astro com radiações sombrias :
deslocamento petrificador da reflexividade do dispositivo, deslocamento
estupefativo da representação pelo instrumento mesmo do fechamento : a margem.
Gostaria de concluir este percurso sobre as
margens da representação e suas figuras, para medir talvez essas apostas mais
diretamente, evocando um momento do
quadro (fig.11) de Frank Stella, Gran Cairo[3].
Ele pertence a uma série de pinturas do mesmo tipo e da mesma organização, nos
quais me parece que Stella explora com uma espécie de atenção sistemática as
diversas dimensões da problemática do quadro da representação da pintura : eu
sinto que esta exploração possui algumas relações com as observações que
fizemos , de Poussin até Klee, de Holbeins até Cremonini[4].
[1] - W. Grohmann, Paul Klee
Drawings, Nw York : Harry N. Abrams, 1960, p. 311
[2] - Sobre a relação de P. Klee
com o sonoro e com o musical, cf. Klee e a Música, Catálogo da exposição,
Paris : Editions du Centre Pompidou-ADAG-Genève : Cosmopress, 1985
[3] - Frank Stella, Gran Cairo, 1962
(Whitney Museum). Essa
obra pertence à série dita «Concentric
Squares»dos anos 1962-63 do qual os
protótipos foram Sharpeville et Cato Manor. Em 1947, Frank Stella
retomou essa fórmula, mas segundo um formato maior, numa série conhecida como
«Diderot Pictures», pois a maioria são nomeados segundo os títulos de Diderot,
com referência ao trabalhos de Michael Fried sobre Diderot, critico de arte.
Fig. 11 STELLA, Frank – “Grande Cairo”-1962
Esta tela, à primeira vista, é feita de
quadros. O plano de representação é invadido por eles da sua borda a mais
exterior até o centro: triunfo do quadro e enquadramento –da apresentação –
sobre a representação. A tela é o campo de uma força toda poderosa: aquela do
seu limite exterior inteiramente dirigida para o centro. Os traços que esta
força deixou inscritos sobre a tela, são os quadros.. A menos que consideremos que o tema do quadro, o que ele
visa representar, seja exatamente o processo de enquadramento, e, ali o
movimento se inverte : do centro em direção à periferia, do interior ao
exterior, em particular com as quatros potentes flechas centrífugas que
desenham as diagonais no plano[1].
No lugar de serem traços das forças da alteridade, os quadros são assim as de
uma força interna em expansão, a força da forma regularmente repetindo as
mesmas formas, as mesmas cores a partir de uma matriz inicial e sem outra razão
que dirigir-se arbitrariamente a um fim, uma forma final englobante.
Se o quadro é um dos meios pelos quais a
representação se apresenta e é representando alguma coisa, que esta obra de
Stella representa a sua própria apresentação. A pintura é inteiramente
reflexiva e sua dimensão transitiva consiste em representar a sua dimensão
reflexiva. Como no Auto-Retrato de
Poussin, Guet-apens de Cremonini ou Ad Marginem de Klee, nós assistimos a
uma colocação em profundidade icônica da opacidade do signo representacional na
transparência ou o inverso um regressus
ad infinitum icônico, pelos quadros da apresentação à sua representação e
da representação para a sua apresentação. À partir do quadro violeta mais
externo, o olhar descritivo nota que ele
enquadra um quadro azul do qual ele está separado por um fino quadro linear branco
:depois um novo quadro azul enquadrando
um quadro amarelo com uma interferência ótica entre as duas cores que
desestabiliza o azul. Do ponto de vista da cor, parece que esses três primeiros
quadros constituem um quadro dominante na qual a dominante é azul frio e, no
interior desse, um outro com cores quentes, amarelo, vermelho, vermelho
saturado, vermelho depois amarelo. Esse quadro colorido calorosamente enquadra
um outro, denso e poderoso, cinco quadros quadrados separados por quatro linhas
brancas de enquadramento : verde profundo, azul, violeta, azul, verde profundo,
num arranjamento simétrico de cores frias exaltando o quadro central violento.
Eis nos chegado ao centro da pintura : um quadro amarelo enquadrando um quadro
vermelho e este, um pequeno quadro de um vermelho brilhante cercado da mesma
linha fina branca que já encontramos
antes[2].
Este pequeno quadrado vermelho central – lembremo-nos
que quadro significa quadrado – coloca uma questão ao mesmo tempo visual-ótico
e intelectual-teórico : enquadrado por todos os quadros enquadradores e
enquadrados ele não é enquadrado por
nada, a não ser que se sugeríssemos o paradoxo de um quadro que se emoldurasse
a si mesmo, paradoxo que não é outro que de uma infinita reflexividade:
paradoxo que é, me parece, aquele apresenta visualmente esta pintura, como os
demais da série. - O pequeno quadro central é a figura, a única e extrema
figura de um quadro que emoldurado por quinze quadros coloridos? - Ou é esse
último, o último quadro que não enquadraria mais nada a não ser a si mesmo ou
ele enquadraria uma figura zero (ao infinito), uma figura invisível? Notamos
que cada quadro largo é enquadrado por um quadro constituído por uma linha fina
branca. - Esta linha é de uma certa forma de um quadro regularmente distribuído
sobre a tela? sim e não. Pode-se, considerar, com efeito, que essas linhas são
quadros-limites, quadros tendendo ao limite, ao seu limite sem jamais atingi-lo;
mas essas linhas brancas são também restos e traços da tela de suporte,
subsistindo sobre as camadas de cor.. Essas linhas, contudo, não se tornam os
vestígios do suporte no momento da origem depois do traçado dos quadros
coloridos: descobrimos lá, visualmente, uma forma de extrair do tempo pelo
espaçamento, ou, inversamente, estruturar o espaço através de uma precisão
temporal[3].
E isso que aparece, no meu entendimento,
se, no lugar de desdobrar nossa
descrição na superfície plana da tela colorida, como se graças aos quadros
quadrados, houvesse aí uma coincidência sem sobra, entre o representado e do
plano de representação. Observamos que nosso olhar, visualmente, oticamente,
desce para a profundidade, para o interior da superfície plana da pintura, como
por uma escadaria colorida que escavaria a superfície do plano a partir do seu limite
mais externo. Nosso olhar descendo esta escada para juntar-se ao quadrado
central, quadrado «ponto» de fuga que por ele mesmo representa o «ponto» do
tema, quer dizer o lugar da reflexividade infinita.
Mas eis, de repente, que tudo muda. Acontecimento
visual, catástrofe ótico, a escadaria em direção ao fundo torna-se uma pirâmide
colorida de cujo vértice, o pequeno quadrado vermelho, tende ao ponto de vista,
ao lugar de meu olho, pirâmide saindo toda ela do plano da representação com os
seus quadros quadrantes e quadrados, entranho no espaço do espectador, no
espaço da apresentação da obra[4].
Esse acontecimento de inversão ótica ou de
conversão visual é como se sabe pela leis da psicologia da forma e da
fisiologia do olho, ao mesmo tempo
aleatória na sua aparição e complemento determinado pelo nosso aparelho ótico e
perceptivo. Tal é o tempo do quadro ou do enquadramento, dos quais os quadrados
de Stella seriam a figura, um tempo rítmico ( que é no fundo aquele das bordas
ornamentadas das representações clássicas, um tempo de construção espacial),
mas sem medida definida, um
tempo-fluxo: quanto mais ele é
determinado pelo processo de enquadramento do signo-representação, mais ele
aparece fortuito ao tema da representação; um tempo no qual esse tema é ao
mesmo tempo um produto completamente determinado do dispositivo de
representação e o produtor fortuito desse dispositivo[5]
- Esses quadrados-quadros de Stella, são
um poço ou uma pirâmide[6]? Um poço e uma pirâmide, mas jamais os dois ao
mesmo tempo. O olho não pode predizer o
momento da conversão, necessária e arbitrária, onde me parecem se
concentrar todos os jogos sérios do
quadro e de suas figuras modernas e contemporâneas: o jogo do ritmo da
apresentação e da representação, esse
motivo da arte de ver e da arte de escrever.
REPRESENTAÇÃO SINCRÉTICA BRASILEIRA
[1] - Sobre as forças
centrífugas diagonais ou angulares do quadro, Cf. G. Simmel,Der Bilderrahmens
(as molduras)», Tag, 54, 1902: e mais
recentemente, G. Grimm, «Históire du cadre : un panorama». La Revue de l’art, 76, 1987, p. 19
[2] - Cf. a este respeito as
observações de W. Rubin, Frank Stella, p. 3-52
[3] - É ocasião de reler os estudos
fundamentais de Michael Fried sobre a arte de Stella do período ao qual
pertencem Gran Cairo : para começara,
Three American Pinter : Noland,Olinki
Stella, Catálogo da exposição do Fogg Art Museum, Harvard University,
abril-maio de 1965 (trad. Fr. Por F. Stouliim]ng-Marin, Revue d’Estheteique, 1,
1976,p. 247-338) ; em seguida «Shape as form : Frank Stellas’s New Pianting», Art Forum, nov. 1966, p. 18-27, e « na
Objecthood», Art Forum, jun 1967,p.
116-117.
[4] - Ver as notas de Frank
Stella sobre a potência do espaço pictural de Caravaggio em Working Space, Cambridge- Londres,
Harvarad University Press, 1986, p. 11 sq.
[5] - Ver a esse respeito as minhas observações sobre o
acidente a acaso em Pollock : L. Marin « L’Espace Pollock» Cahiers du Musée national d’art moderne, 10, 1983, p. 327.
[6] - Sobre a referência do Gran Cairo e de Cipango na conquista do México pelos espanhóis Cf. Ricard H. Axson.
The prints of Frank Stella. A. Catalogue raisonné, 1967-1983, New York, Hudson
Hills Press, 1983, p. 97-116
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