O ABRIGO dos BONDES:
ORIGEM DO ATELIER LIVRE de PORTO ALEGRE
“Boa é a formação, má
é a forma,
porque a forma é fim,
é morte”.
Paul Klee (1879-1940).
Fig. 01 – O antigo ABRIGO
dos BONDES da PRAÇA XV de NOVEMBRO -
apesar de suas funções iniciais terem
serem alteradas - constitui um ambiente
urbano e arquitetônico que o porto-alegrense reconhece facilmente, usa e acha
natural ainda no século XXI . Na parte alta e circulara nasceu, foi
implementado a experiência do ATELIER LIVRE de PORORTO ALEGRE por iniciativa da
classe artística consciente desta potencialidade e que recebeu imediatamente o
afluxo, não só dos usuários do bonde, mas das mais variadas idades, classes
socais e econômicas.
Na imagem “Abrigo da Praça XV” 1945 de Benito Castañeda (1885 -1955) óleo s/ tela 75,0 x 80,2 cm Pinacoteca ALDO
LOCATELLI da PM–POA-RS –
Em relação este tema recomenda-se a leitura de
CORREIO
do POVO - ANO 117 Nº 147 - PORTO ALEGRE, SEXTA-FEIRA, 24 DE FEVEREIRO DE 2012
p. 02 Nosso Colaborador
O tema da ORIGEM do ATELIER
LIVRE de PORTO ALEGRE no ABRIGO dos BONDES arrasta a nossa memória para um
universo de práticas, obras e mentalidades que passaram. Ficaram no passado
como o último bonde que ali circulou a que deixou de recolher os seus
passageiros neste ponto.
Revista Globo-
ano 35 - nº 861 - pp. 32-35
-07-20 dez 1963
Fig. 02 – O
ambiente do Instituto de Belas Artes de Novo Hamburgo em pleno funcionamento , em 1963, Este
experimento com ARTES buscava sintonia com o meio social, cultural, econômico,
industrial e trazia para o âmbito local este mentalidade da Arte em profunda
sintonia e coerência com as suas circunstâncias. Destas circunstâncias evoluiu
para o CURSO SUPERIOR e ORIGEM da FEEVALE.
Pela memória é possível
fazer desfilar vários cotejos entre o MOVIMENTO da LEGALIDADE e as experiências
estéticas do ATELIER LIVRE. As práticas,
as obras e as mentalidades que se implantaram no ABRIGO dos BONDES de PORTO
ALEGRE correram paralelas às práticas, obras e mentalidades pelo PALÁCIO
PIRATINI no evento da Legalidade. Nestes dois pontos e tempos a política e a
estética correm paralelas e simultâneas como os trilhos da Carris. Alimentaram-se
do mesmo imaginário e da mesma busca de afirmação de autonomia nos seus
respectivos campos de forças. Política e estética deixaram poucos objetos e
documentos físicos para a História a semelhança do bonde que passa. Omo os
trilhos sem uso provocaram narrativas as mais desencontradas. Entregues à
entropia natural do trabalho humano, ambos os momentos, perecem no mundo empírico natural. Perdem a
essência como numa narrativa positivista e se reduzem a pobres lembranças
desencontradas. Perdem sentido para uma coletividade, uma cultura ou para uma
civilização. Perdem sentido apesar que alguns cultivarem a sua memória, criarem
narrativas e ainda guardarem documentos que os seus guardas insistirem em reduzir
ao momento isolado das suas circunstâncias originais . É a fatalidade da “forma, porque a forma é fim, é morte”.
Fig. 03 – O
pintor Francisco Brilhante
(1901-1987) formado pela Escola de Artes do Instituto Livre de Belas Artes do
Rio Grande do Sul - levou silenciosa e continuadamente para as ruas de Porto
Alegre o ensino informal e avulso da
prática de Arte e muito a antes do experimento formal e institucional
praticado o
no ABRIGO dos BONDES de PORTO ALEGRE.
O impulso inicial que
deu origem ao Atelier Livre, como objeto e os fatos que nos ocupam, foi assumido posteriormente
pela administração burocrática da Prefeitura de Porto Alegre. Esta origem
também está sob o presságio de Paul KLEE de que “boa é a formação, má é a forma, porque a forma é fim, é morte”. O
tempo é dos anos de 1960 e 1964. O espaço físico desta formação são os ambientes
do Teatro de Equipe, dos porões de Theatro São Pedro, o Abrigo de Bondes da
Praça XV e antes este experimento chegar até ao Mercado Público da cidade de
Porto Alegre.
Revista Globo-
ano 35 - nº 861 - pp. 32-35
-07-20 dez 1963
Fig. 04 – O experimento
formal e institucional praticado o no ABRIGO dos BONDES de PORO ALEGRE não
aconteceu num vazio cultural. Ele já contava
com as Escolinhas da Arte do Brasil e da Inglaterra. Aqui vemos um delas
em pleno funcionamento , em 1963,no âmbito de Instituto de Belas Artes de Novo Hamburgo
Porém o que é necessário
prestar atenção é `s circunstâncias e ao momento cultural, político e administrativo
em curso da Guerra Fria, da Revolução cubana e ao período que cercou o evento
da Legalidade. A narrativa nasce morta ou é um aborto se o seu autor se deixar
patrulhar pelos limites ideológicos, se deixar levar pela endogenia do seu
grupo ou da sua geração, agravado e precipitado quando se restringe ao fazer
físico artístico local e abruptamente cortado no tempo.
Fig. 05 – O experimento
formal e institucional praticado no
ATELIER LIVRE do ABRIGO dos BONDES de
PORTOA ALEGRE expandiu-se para as
instituições de ensino formal do 1º e 2º graus ( primário-ginásio- científico)
acompanhava a formação escolar e que para Marcel DUCHAP (1888-1968) é
indispensável para o artista contemporâneo.
Há necessidade de
reconstruir este vasto mundo que deu
alento aos primeiros passos do ATELIER LIVRE e que aprendeu a caminhar no
ABRIGO dos BONDES de PORTO ALEGRE. Vasto, rico e mundo coerente com a LIBERDADE
brutalmente quebrado e destroçado em 1964. Aqueles que se reuniam nos primórdios do Atelier
Livre nos altos do Abrigo dos Bondes de Porto Alegre não se davam conta destes
perigos latentes e contradições que pelas mais razões não conseguiram transformar
em complementaridade a não aceitar as regras do jogo burocrático e formal. Os
bondes traziam e levavam ao Centro de Porto Alegre e passavam estridentes e
barulhentos sob a marquise deste Abrigo. É necessário retornar ao texto da
nossa tese Origens do Instituto de Artes da UFRGS:
“O
antagonismo entre arte e qualquer forma, que ela eventualmente venha a tomar,
que aqui é a institucional, está presente na observação do artista Paul Klee[1]
de que “boa é a formação, má é a forma, porque a forma é fim, é morte”. A forma
institucional teme a arte por ela se apresentar como uma perpétua revolução e
um caos imponderável. Enquanto a arte teme ser acomodada numa ordem perpétua de
uma instituição. Surge, pois, a necessidade de
entender o equilíbrio homeostático entre os contrários da arte e da
instituição”.
Fig. 06 – A
formação escolar superior para Marcel DUCHAP é indispensável para o artista
contemporâneo. .Mesmo para que este artista entenda e administre o tabu de ele
ser “o mais inútil de temerários da era
taylorisre e desta inutilidade competente para construir o tótem pelo qual
deduz as consequências do seu sobre-humano que necessita praticar em cada uma
das suas ações criadoras” nas palavras de Nietzsche (1844-1900) .
Na imagem o curso
superior de arte e de escultura, do início da dedada de 1960, numa camaradagem franca,
de estímulo recíproco e de socializações de dúvidas, descobertas sob a
orientação do professor Fernando Corona (1895-1979)
O retorno à memória da ORIGEM
do ATELIER LIVRE de PORTO ALEGRE no ABRIGO dos BONDES não é só um ato de
nostalgia ou coisa que valha. A busca das origens é, na sua essênciam a
retomada do sentido da boa a formação,
das motivações e das forças em pleno vigor e energia potencial da teleologia de
uma instituição desta natureza. Esta operação é possível. Esta possibilidade é
real na medida em que acontece aquilo que o arquiteto e artista plástico Corbusier (1887-1965) avisava “ o que permanece é o pensamento”. Esta possibilidade é real apesar de a “forma” potencialmente poder corromper
tudo o que se pensava na origem do processo.
Na origem do processo o ATELIER
LIVRE nascia numa somatória de motivações, forças e energias latentes. Motivações, forças e energias latentes que se
expressam e materializavam em experimentos locais concretos. Experimentos como
aqueles do Hospital São Pedro, o Atelier de Escultura Fernando Corona na Penitência
Central e Escolinha de Artes do Ex- alunos do Instituto de Belas Artes do Rio
Grande do Sul (IBA-RS). Espalhavam-se pelo interior do estado como o IBA de
Novo Hamburgo, que deu origem à FEEVALE.
A professora Cecília Zingaro do Amaral levava a mesma experiência para Passo
Fundo e uma das raízes da Universidade
de Passo Fundo (UPF), a de Santa Cecília de Cachoeira do Sul e os experimentos
da Arte na origem do UFSM. Traduzia para o âmbito local os experimentos nos
morros cariocas de Augusto Rodrigues Este por sua vez era motivado por Herbert
Read (1893-1968) presença constante nas Bienais de São Paulo iniciadas em 1951.
No entanto a experiência do legendário Leopoldo Mendez (1902-1969) no “Taller del Grabado Popular” mexicano não poder ignorada http://en.wikipedia.org/wiki/Taller_de_Gr%C3%A1fica_Popular
Fig. 07 – A
formação estendida aos lugares mais inesperados como o Hospital Psiquiátrico São Pedro e ao Presídio Central afinavam com os experimentos carinhosos da Dra
Nise da Silveira. (1905-1999) Aqui o
artista Edgar KOETZ (1913-1969) internou-se
entre os pacientes do São Pedro e aproveitou a sua estadia neste Hospital para
registra os seus colegas de doença. A
Arte, ao retornar ao ritmo da Vida e dos seus percalços, transcende o formalismo e é capa de criar o
sobre-humano. Neste âmbito de caos, doença e degradação a vida continua a
pulsar. Mais do que nunca necessita e exige do artista contemporâneo, neste
momento, a formação escolar de Marcel DUCHAP ou
individual para que tenha condições para buscar a sua identidade, autonomia e
reconheça os seus limites de toda ordem.
A arte m PORTO ALEGRE nunca esteve tão próxima
do PODER ORIGINÀRIO como no ATELIER LIVRE no ABRIGO dos BONDES. Esta presença
mágica não foi notada e sustentada adequadamente na época. Esta desatenção e
falta de ação coerente permitiu a quebra do encanto. Encanto quebrado pelas
sucessivas intervenções da mentalidade industrial do taylorismo pragmático e
legalista que transformam tudo em linha de montagem just-of-time. O taylorism
não é ruim nem é condenável. Apenas é péssimo quando os que o usam não conhecem,
não querem admitir as suas competências industriais específicas e os
respectivos limites. Estes conseguem corromper tudo na sua cegueira, sua surdez
e a falta de tato. As vítimas desta corrupção são aqueles que se aproximam ingenuamente
da forma que sobrou e não exigem um contrato prévio, pois tudo é de graça como
o lixo da rua. Na origem os estudantes não iam ao no ATELIER LIVRE no ABRIGO
dos BONDES ATELIER para APREENDEREM e submissos aos regimentos, horários ou
professores. Iam ao ATELIER LIVRE para socializar, encontrar
outros olhos, ouvidos e sensibilidades para os seus projetos, para as suas
dúvidas e as suas obras.
Percebiam no ATELIER LIVRE no ABRIGO dos
BONDES o nascimento de mais uma organização associativa. Para conferir visibilidade a esta produção
surgiam os embriões de Galerias. Só pare citar
“No Rio Grande do Sul, ele teve origem
recente, inaugurando-se com a criação, em Porto Alegre, ao longo da década de
60, das primeiras galerias dedicadas, basicamente, à venda de obras de arte,
como a Galeria do Instituto dos Arquitetos (1961); a Galeria Espaço (1964); a
Portinari (1964), a Domus (1963), a Carraro (1967), a Mondrian Atelier de Arte
(1965); a Leopoldina (1965), a Lak´Art (1965); a Sete Povos (1965) e a Didática
(1967). Entretanto, nesse momento, o mercado de arte não se consolidou
plenamente e as galerias dificilmente ultrapassaram uma década de atuação”.
Fig. 08 – As
instituições de ensino formal do 1º e 2º graus (primário-ginásio- científico), do início da década de 1960, buscavam formas
para a socialização da ARTE e decorrentes do estímulo daquilo praticado no ATELIER LIVRE do ABRIGO dos BONDES de PORTOA ALEGRE.
A OBRA DE ARTE
sempre foi considerada primordial neste processo. Esta OBRA de ARTE constitui o
degrau sensível colocada entre o ENTE oculto do artista e do seu observador,
tornando o seu SER concreto aos sentidos humanos neste MUNDO. .
Clique sobre a imagem para poder ler o texto
A par destas galerias
embrionárias, estes observadores circulavam avulsamente nos ateliers
individuais mantidos pela maioria dos nomes e profissionais das artes visuais. É
verdade que o INSTITUTO CULURAL BRASIL NORTE AMÉRICA – ICBNA a primeira galeria de arte da cidade, a Gallery of Arts
Dante Sfoggia, em meados de 1947, sediando exposições que marcaram época. Seu
acervo reúne hoje obras de arte de alguns dos maiores talentos brasileiros e
norte-americanos.
O conceito do “LIVRE” é
indispensável pra entender do que estamos falando. Etimologicamente o “LIBER”
era o estágio de maturação somática no qual o cidadão de Roma era declarado
oficialmente apto para gerar e reproduzir outros cidadãos. Esta concepção do
“LIVRE” ganhou foros conceituais e
legais. A Arte sempre foi uma destas forças culturais que buscam afirmar -
mesmo contra todos e tudo - o seu direito à reprodução da mentalidade que
sustenta a sua ação no mundo físico. No contraditório esta concepção elucida
também as forças que hostilizam, buscam patrulhar e manipular tudo aquilo que
não constitui a sua própria reprodução. Certamente esta hostilidade,
patrulhamento e manipulação explicam a falta de registro, a brevidade da existência física e os outros rumos do ATELIER
LIVRE de PORTO ALEGRE no alto do ABRIGO dos BONDES
Fig. 09 – A obra
inicial de Regina Silveira valia-se
da democrática xilogravura dos
cordéis nordestinos ou das imagens populares mexicanos de Mendes . os eus
estímulos conceituais e obras era uma das referências do ATELIER LIVRE da do
ALTO do ABRIGO dos BONDES
A História se
materializa numa narrativa. Nesta narrativa o se objeto toma forma de
comunicação humana e torna-se outra coisa em relação ao que é o seu
objeto. Ocorre o mesmo na ARTE que
segundo Aristóteles “está em quem produz
e não no que produz”. A soma de narrativas contribui mais para o ruído e a
mitificação coletiva de um fato ou objeto que não existe mais.
O mundo do início da
década de 1960 foi descrito com um otimismo contagiante pelo mestre Aldo
Locatelli (1915-1962) na sua tese de cátedra que a morte impediu que ele a
defendesse pública e institucionalmente. Mas no texto desta época, e que ele
nos legou, consta na sua conclusão:
“Gentes
e homens, elementos expressivos gerados das secretas dificuldades da vida, dos
eventos heróicos para os quais o anônimo se imola para o cumprimento de um
dever cívico ou para defesa de um princípio espiritual que inspirará os
artistas de muitas épocas e de nacionalidades diferentes, hoje fazem parte de
uma civilização cujas premissas e esperanças abraçam todo o mundo.
Assim é, conseqüentemente, neste clima que o
Brasil, o nosso mesmo Rio Grande do Sul tão pródigo em vocações artísticas,
vivem internacionalmente no mesmo valor de Paris, Roma, Tóquio, Nova York e de
Moscou. Estamos errados se pensamos que os centros de maior tradição e
movimento artístico devem ser os nossos guias, absorvendo-nos com teorias
resultantes de ambientes bem diferentes e preocupados de não repetir-se nos
exemplos de uma grande tradição. Ao
contrário, nós vivemos no princípio da nossa formação de civilização e devemos
tentar expressá-la nos nossos próprios valores. –
CORREIO DO POVO. Caderno de Sábado, Volume X, ano V nº 232,, 22.Jul.1972, p. 8-12.
ANTONIO
HOHLFELDT
Desde que Leonardo da
Vinci (1452-1519) esboçou a concepção de que “um quadro é trabalho intelectual” a Arte não mais a mesma. Traçou
fronteira definitiva entre a Arte e o Artesanato, além de se habilitar para
conviver com os demais saberes que buscam renovar as civilizações e gerar
mundos além da Natureza dada.
Fig. 10 – O MATA-BORRÂO - um dos experimentos arquitetônicos
mais marcantes de Porto Alegre -e ainda não superado pela sua capacidade de
diálogo com a população, autoridades e movimentos sociais . Lugar da consagração
pública na Semana Santa de 1961 da Via
Sacra de Aldo Locatelli 1915-1862 antes de seguir para a Igreja São Peregrino
da Caxias do Sul
O processo
educacional necessita ser retomado pela raiz, pois existem os alunos e os
estudantes assim como existem os professores e os educadores em novas
circunstâncias. Estes últimos conduzem o processo do E-DUCERE - ou
"tirar de dentro para fora" ou o processo pedagógico
que Sócrates propunha como a "maiêutica", pois a mãe dele
era parteira. A inteligência é fecundada pela informação que ela recebe num
processo coerente com a "maiêutica". De outro lado uma
gestação - exitosa e desejada - só ocorre se a vontade e a sensibilidade
estiverem envolvidas e comprometidas como um todo, e o tempo todo, com esta
fecundação.
Fig. 11 – A
relação íntima e sem mediação autoritária fazia do denominado MATA-BORRÂO um
lugar obrigatório de Porto Alegre. Ali se aglutinaram pelo MOVIMENTO POPULAR da
LEGALIDADE as forças do PODER ORIGINÀRIO que conseguiram barrar provisoriamente
as ameaças autoritárias, centralistas e fixas que se concretizaria em 01 de abril de 1964. O Mata-Borrão pagou
por esta ousadia, abertura e liberdade e foi aniquilado fisicamente
De uma certa
forma reproduzia o ambiente social, cultural e abertura arquitetônica propiciada também
pelo ABRIGO dos BONDES que continua a funcionar readaptado às novas funções da
cidade de Porto Alegre em pleno século XXI.
Na conclusão é necessário registrar a fragilidade de uma cultura local
da época - e da atual - que não consegue apreender com os próprios tropeços,
pois não possui ainda projetos, nem
contratos culturais dignos deste nome e muito menos identidade própria. A
cultura de Porto Alegre com esta carência de referenciais próprios deixou-se
arrastar por modas e por identidades alheias. Contenta-se com um triunfalismo
barato, inconseqüente e passageiro. Por estas modas passageiras e identidades
exóticas buscava sentido nos variados experimentos que, de fato, lhe subtraíram
o seu conhecimento específico, a sua sensibilidade própria e o seu direito
inalienável. Jogada na heteronímia do
seu querer próprio, da perda de rumo e alterações bruscas de humor e sentido
resultaram de interesses inconfessados, de meias verdades e da falta de contratos perfeitos.
Porém voltando às origens do
ATELIER LIVRE acima destes tropeços é
necessário registrar que Porto Alegre era feliz há 50 anos e não o sabia. A Arte
e o espelhavam coerentemente, ainda, dúvidas, tristezas e alegrias. Porto
Alegre era feliz, há 50 anos, sem os monstruosos shoppings, destinados, de fato
e de direito, para poucos privilegiados. Para as frágeis multidões e maioria da
população constituem tentações que as afundam em compromissos pelos quais traçam
ou vendem as suas alegrias, suas realizações pessoais e aquilo pelo qual anda
vale a pena. Porto Alegre era feliz, há 50 anos, com ruas que são as mesmas de hoje,
ainda sem um trânsito infernal e que só aumentou o tormento e a insegurança de
todos.
:Fig. 12 – A RUA
da PRAIA (Andradas) era um lugar obrigatório de Porto Alegre. A grande ágora da
cidade é vista nesta imagem num dos seus momentos políticos da passagem para a
década de 1960. Neste logradouro público se deliberava e decidia coletivamente,
no ritmo do tempo e da proporção humana universal.
Porto Alegre era feliz, há 50 anos, sem as instituições esmagadoras -
tocadas por um taylorismo importado e triunfante - mas sem coerências com o nosso
modo de vida e nossa cultura. Porto Alegre feliz, há 50 anos, sem os grandes
líderes postiços construídos a golpes de marketing e propaganda de algo que
jamais podem cumprir. Lideres cujo único objetivo é manter-se na sela sob o
corcoveio do animal indomado e pra delírio da massa ignara quando tombam.
Porto Alegre era feliz, há 50 anos, e não se dava conta quando
deliberava e decidia tudo coletivamente na Rua da Praia. Rua da Praia - qual grande e instável ágora grega - na qual o pedestre, a passo, ou em grupos
parados ou lento desfilava para ver e ser visto, gerando um ambiente específico daquele tempo.
Ritmo coerente com a medida humana e atenção recíproca. Ritmo quebrado
inesperadamente pelos berros monótonos de “C-I-R-C-U-L-A-N-D-O” emitidos,
pelas autoridades triunfantes, a partir do 01 de abril de 1964. Autoridades que
não podiam ver e pensar o porquê de três pessoas se juntarem na rua, sem
suporem um motim contra elas. Na
ORIGEM do ATELIER LIVRE de PORTO ALEGRE no ABRIGO dos BONDES, se reuniam,
certamente, mais do que três pessoas e por livre e espontânea vontade. Gritos
histéricos do “C-I-R-C-U-L-A-N-D-O” mudaram a cultura multi-secular da rua da
Praia como ágora de uma cidade se expressando coletivamente. Gritos agourentos do
“C-I-R-C-U-L-A-N-D-O”
que apressaram a entrada do ATELIER LIVRE para uma nova fase e a sua formatação
nos moldes dos tayloristas triunfantes.
..
Com este “C-I-R-C-U-L-A-N-D-O”
a Arte, posterior a 1964, marchou para as características do SER da onipotência, da onisciência, da
busca de onipresença e da impossível eterna juventude. Arte posterior a 1964
que reflete a mentalidade una, fixa e triunfante do taylorismo tardio e
deslocado. Juventude construída e mantida para esta forma aparente que se
desmancha com a morte e é consumida pela cremação. As instituições, as universidades,
as igrejas, a política, a educação e a própria arte criaram, depois de 1964, cargos que são vistos, cobiçados e disputados
pelo golpes mais rasteiros e ignóbeis. Cargos que são vistos cobiçadas e
disputados como degraus seguros e únicos de prestígio e de lucro físico e
simbólico. Formas que morrem ao perderem
as suas raízes e a sua coerência com as suas com funções derivadas do PODER
ORIGINÁRIO. Formas atrofiadas, que se nascem mortas, fenecem cedo, pois desconhecem
o projeto que lhes deu origem e muito menos possuem esta energia de origem para
se atualizarem em tempo integral e dirigirem as suas ações para este PODER
ORIGINÁRIO.
A evolução do ATELIER LIVRE - gerado
nos ALTOS do ABRIGO dos BONDES de PORTO ALEGRE - é um referencial de uma época.
Curto período de liberdade e que se comparado com o que veio depois, constitui
um índice e das perdas que resultaram do abandono na troca de uma mentalidade que lhe deu origem
há 50 anos atrás.
FONTES:
BOSI, Alfredo. Reflexões
sobre a arte. 5.ed. São Paulo : Ática, 1995.
ATELIER LIVRE: 30 anos.Porto Alegre: Secretaria Municipal da
Cultura,1992,
100p. il.
50 anos do Atelier
Livre
O
INSTITUTO de BELAS ARTES de NOVO HAMBURGO Revista Globo- ano 35 - nº 861 - pp. 32-35 -07-20 dez 1963
GALERIAS de ARTE em PORTO ALEGRE
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