segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

149 – LOGÍSTICA em ESTUDOS de ARTE a História como narrativa


O TEXTO da OBRA de ARTE :

A   DESCRIÇÃO

Roland Recht 

RECHT, Roland .Le texte de l´œuvre  d´art: la description. Strasbourg/ Colmar:        Presse Universitaire/Musée d´Unterlinden, 1998 pp. 11-17   
                                                                                                                                     


«O que não poder ser decomposto diretamente, é necessário tentar dissociá-lo indiretamente ou idealmente – quer dizer  elevá-lo ao nível da linguagem – em seguida decompõe-se o fenômeno – a expressão – encontrando-se assim as partes constituintes e sua relação»   Novalis, L´encyclopédie, 119 (IV-879)


     Entre todas as ferramentas da investigação disponíveis da história da arte, a descrição,  é sem dúvida, uma das mais específicas, aquela que funda em parte a legitimidade da própria disciplina.  Nem a filosofia da arte, nem a estética concedem, para descrição, a função de uma verdadeira introdução para uma melhor visibilidade da obra de arte.
    O olhar, como se sabe, não é um dado primário: a descrição não é o resultado do exercício do olhar, mas ao contrário é fazendo o esforço de descrição que se acaba vendo bem. Mobilizando conjuntamente as faculdades visuais e a capacidade para encontrar um equivalente linguístico e as formas plásticas,  transformamos a obra de arte em objeto de conhecimento.
    Mas, como a própria história da arte, a descrição também possui uma história. Seu estatuto é cambiante e essa mudança é tributária da função de quem descreve atribui à descrição. Na Antiguidade, conhecemos ao menos duas descrições célebres que procedem  de um gênero literário denominado ekphrasis. Trata-se de evocação, nos textos homéricos, do famoso Escudo de Aquiles e a da não menos célebre Galeria dos Quadros de Filostrato.  O autor descreve os motivos e as figuras que ornamentam um objeto, ou uma obra de arte, mas introduz, na descrição, o efeito que o objeto produz sobre o espectador. Filostrato, por exemplo, quer dar ao auditório, ao qual se dirige, aliás ao leitor, a possibilidade de compreender os temas representados pelos quadros e permitindo uma rememoração poética.
   «Compreender os temas»: tal é, com efeito, um dos objetivos da descrição. De Filostrato até Panofsky, passando por Bellori, das Stanze de Rafael, deixa-se entrever uma função hermenêutica da descrição que está estreitamente associada à teoria da Ut pictura pœsis. Com efeito, é graças à linguagem e só pela linguagem que o conteúdo de uma obra de arte pode ser recuperada e explicada ao mesmo tempo em que Aristóteles considera arte e literatura como parentes próximos. Se a pintura é uma poesia muda, a poesia é uma pintura falante como diz Plutarco. Então uma pode considerar a possibilidade de se servir  da outra afim de tornar-se plenamente compreensível. É finalmente Lessing que procurará  acabar com séculos de confusão afirmando que a poesia é uma arte tributária do tempo – ação que ela descreve é uma adição sucessiva de elementos – enquanto a pintura possui o poder de mostrar instantaneamente a totalidade de uma ação. Pode-se concluir, por sua vez, que toda a descrição de um quadro reintroduz uma totalidade linear lá onde o pintor extraiu o momento justo e apropriado.
LACOONTE e os seus filhos

    As definições proclamadas por Lessing sobre o Lacoonte evitam artificiosamente uma distinção que conviria fazer entre descrição e narração. Tomemos o caso dos reforços dos elementos visuais nos textos da Idade Média, reforços que se desejava atribuir em parte à influência das artes figurativas. Seja qual for o lado no qual se situa a prioridade, me parece que importa antes de mais nada constatar que existem boas e belas relações efetivas. . Nas Meditações sobre a Paixão de Cristo do Pseudo Boaventura, o verbo «ver» pontua a narrativa da Paixão de maneira que se tem a impressão de um movimento de câmara que se aproxima, depois se afasta da cena, enquadra num plano panorâmico depois volta a um enquadramento mais fechado, o escritor procurando estimular a imaginação do leitor transpondo-o para o meio dos espectadores da cena. Aproveita-se de todos os recursos da arte visual, faz-se pintor. De fato, o Pseudo Boaventura alterna descrição com narração. Essa distinção, que é particularmente válida para caracterizar  gêneros de narrativas da literatura romanesca do  século passado, seria válida uma vez aplicada à obra de arte?
  Uma cena representada sobre um quadro apropria-se do momento exato de uma narrativa, da qual ele descarta o antes e depois. Mas para compreender o sentido desta instantaneidade,  é evidentemente necessário evocar durante a descrição da cena, a própria história, quer dizer um trama narrativo. Se a descrição do historiador de arte  limita-se a transcrição de corpos «estendidos no espaço»., como diz Lessing, o quadro torna-se ininteligível. Para recorrer ao esquema de Panofsky, a passagem da análise pré-icônico a análise iconográfica consiste justamente passar do descritivo ao narrativo – a iconografia, quer dizer do narrativo.. Ele supõe o que Paul Ricœur denomina «a colocação em intriga».
 Assim, a única forma de uma representação pintada, não seria antes uma descrição do que  uma narrativa?  No final de contas a narrativa não é a única modalidade segundo a qual o historiador da arte, misturando descrição e narrativa, escreve a obra de arte singular? Em razão de seu estatuto «diegético», como diz Gerard Genette referindo-se a Aristóteles, a descrição marca uma fronteira relativamente «indecisa» da narração.  Mas essa indecisão, por si mesma, poderia ser localizada com a ajuda de uma análise propriamente linguística, aquela dos verbos e seu uso. 
Mathias GRÜNEWALD c.1480 - 1528 Retábulo de Issenheim  

 No célebre ensaio intitulado Contribuição ao problema da descrição de obras das artes plásticas e aquela da interpretação de seu conteúdo, Erwin Panofsky usa o exemplo do Cristo da ressurreição de Grünewald. Descrevendo «o homem flutuando no ar com as mãos e os pés  perfurados», Panofsky observa que nesse estágio da descrição, ainda não se penetra no registro da interpretação: essa só chega quando quem  descreve é capaz  de dizer que um tal homem é Cristo. Ora dizer que ele flutua ou que se eleva mais do que cai, já faz parte da interpretação iconográfica. A descrição é inteiramente comandada por seu fim e esse fim é dominado pelo sujeito que descreve. A descrição que um historiador das mentalidades faz de um quadro de Prudhon ou de Georges de La Tour, tem pouco a ver  com o que  escreveria o historiador de arte dos séculos XIX ou do XVII sobre o mesmo quadro.
 A impossibilidade de uma descrição objetiva é verificada quando se tenta separar arbitrariamente os dados formais e os dados do conteúdo de uma obra. (Digo dados formais e não «estilo», pois não se pode propriamente «descrever» o estilo de uma obra de arte). Se cada elemento formal pode ser descrito, a evocação do estilo supõe uma  colocação em intriga, da qual a organização de um sequência narrativa cujos verbos conjugam os tempos da subjetividade.
 Num artigo de 1907, Heinrich Wölfflin estima que num bom catálogo de museu, as «análises estéticas acontecem poucas vezes. «Seriam verdadeiras descrições, diz ele,  iluminando o que é determinante para a impressão de conjunto» e o que distingue «o essencial» do «acessório». Esses textos deveriam ser uma verdadeira «introdução à imagem» para Wölfflin. Mas ao mesmo tempo, ele é constrangido a admitir que certos «caracteres formais» devem ser evocados: o «tratamento da luz», por exemplo, ou ainda o «colorido».
 Aliás a cor ocupa um lugar menor nas suas famosas Grundbegriffe[1], em grande parte devido a impossibilidade na qual se encontrava Wölfflin para ilustrar o seu livro com pranchas coloridas na sua primeira edição de 1913. Um pouco mais tarde,  Otto Grautoff irá publicar a sua magistral monografia sobre Nicolas Poussin com o editor Georg Müller. Usando os trabalhos de Hans Posse (para o museu de Berlim) e de Wilhelm Watzold, ele se inspirou numa ideia de Wilhelm Worringer para estabelecer um sistema descritivo das cores. Sobre cada reprodução em preto e branco do catálogo, uma folha de papel cristal está munido de números que correspondem a uma escala de valores cromáticos colocada no final do volume, esse número estava algumas vezes acompanhado dos qualitativos como «saturado» ou «não saturado». Cada uma dessas reproduções de 62 tons arbitrariamente definidos está acompanhado de uma nota que especialmente compreende uma rubrica «descrição» referente essencialmente sobre o conteúdo iconográfico do quadro estudado.


[1] - Begriffe = compreensão  Grund = básica, chão, piso..
Nicolas POUSSIN 1594-1665 - Et in Arcádia Ego

 O resultado, de uma tal iniciativa editorial hoje em dia, nos parece um pouco ridícula, pois sabemos que uma reprodução fotográfica nos fornece apenas aproximadamente as cores de um quadro. Mas o ‘designio’ científico da obra de Grautoff  não é menos exemplar,  pois ele pressupunha uma capacidade inaudita  no leitor para reconstruir mentalmente os acordes cromáticos de uma obra dada,  supondo com isso que as palavras permitiam descrever as propriedades da cor.  Chegamos assim aos limites do poder descritivo da linguagem.
 A primeira dificuldade com que a descrição de um quadro tropeça, é que ele transforma a duração espacial em temporalidade.  (Paul Klee já havia notado que, desde que um ponto tornava-se linha, ou uma linha tornava-se plano, intervém a noção de temporalidade) . Em seguida, a descrição deve ser capaz de nomear os diferentes níveis de visibilidade e de classificá-los,  de os submeter a uma hierarquia. A ordem da descrição responde necessariamente a aquela que o pintor introduz na sua composição. Mas admite-se também que essa concordância não pode atingir a totalidade da descrição.  Na medida em que o texto se desdobra, partindo do geral, depois se afastando para particular, a ordem da descrição torna-se independente do que o pintor intencionalmente privilegiou: as descrições que Diderot apresenta no Salon em 1765 dos quadros de Vien e de Doyen  ilustram claramente esta observação.
   Não existe facilmente uma descrição «objetiva»: ela não pode estar a não ser na sua intenção primeira. Para colocar no plano da linguagem tal obra expressionista – coloquemos o famoso Mandril de Franz Marc  que Panofsky comenta – O escritor deve encontrar-se de posse de um vocabulário e de uma capacidade para centrar o olhar que torna essa descrição fiel. O conhecimento do modo de constituição do signo pictural a partir de dados espaciais e cromáticos permitem compreender a sintaxe figurativa característica do Expressionismo e partir desde quadro preciso. Este conhecimento está reservado  a  quem efetua um trabalho análogo ao trabalho do  próprio artista e que Panofsky qualifica de Umdeutung[1] .
O que me parece constituir um problema, deixado em suspenso por Panofsky, ao longo do seu desenvolvimento, é que ele não toma em consideração o caráter textual da descrição. Não o sentido e o pressuposto da descrição, mas a forma propriamente literária que ele reveste:  procedendo assim, ele supõe a existência de uma descrição objetiva. É que para Panofsky, descrição e interpretação, são uma única e mesma coisa.. Mas sobretudo: não existe, aos seus olhos,  a diferença entre a descrição de uma cena real e aquela que um quadro representa..
  Voltemos novamente as descrições das mais elaboradas dos Salons de Diderot: a do  Saint Denis pregando a fé na França de Vien e aquele do Milagre dos Inflamados de G.F. Doyen. Seu «método científico» consiste em descrever no início todos os elementos, animados ou não, que compõe a cena:  indica o localização de cada um, sua relação espacial com a sua vizinhança. Depois ele retorna sobre diferentes personagens para os detalhar, para sublinhar sobretudo o tratamento propriamente pictural.
  A estrutura adotada para sua descrição é a do próprio quadro, materializada por aquilo que Diderot denomina a «linha de ligação» ou linea serpentina, o «caminho da composição»: « Existe em toda a composição, um caminho, uma linha que passa pelas sumidades das massas ou de grupos, atravessando diversos planos, introduzindo-se nas profundezas do quadro,  e de lá retornando para a frente (...).  Uma composição bem ordenada não terá mais do que uma só e única linha de ligação verdadeira; e essa linha conduzirá,  aquele que a olha e a tenta descrever». Essa linha de ligação fornece para a descrição, um desdobramento as vezes espacial e temporal: ela permite a Diderot  invocar, para sua escritura, uma ordem estabelecida pelo pintor. Ao fazer esse uso, mostra que Diderot é cuidadoso em não perder de vista a realidade fenomenal que é a pintura, mesmo, se em toda a sua obra de crítico de arte, mostra, antes de tudo, as suas preocupações morais.
 Esta realidade fenomenal, ele procura algumas vezes examiná-la de perto portanto como o mostra sua admiração por Chardin. No Salon de 1765, ele constata: «O fazer de Chardin é particular. Ele possui a maneira distante que de perto não se sabe o que é, e que, na medida em que a gente se afasta o objeto se cria e acaba sendo aquele da natureza; algumas vezes ele agrada tanto de perto como de longe.»


[1] - Deutung = explicação, interpretação,  Um = ao redor de.., próximo de.. 
Baptiste Simeon CHARDIN – (1699-1776) - RAIA

Desde o Salon de 1763, sobre a Raia, Diderot escrevia: «O objeto é nojento ; mas é a carne do próprio peixe. É a pele. É seu sangue;  o aspecto da coisa não afetaria de outra forma (...). Não se entenderia nada dessa magia. São as camadas espessas da cor, aplicadas umas sobre as outras, e cujo efeito transpira acima e abaixo. Outras vezes  é um vapor que paira sobre a tela; alhures, uma leve espuma  jogada aí (..). Aproximem-se: tudo se queima, se achata e desaparece. Afastem-se: tudo se cria e se reproduz.». 
 Eis Diderot na matéria mesma da pintura, na sua «carne» Ele não descreve mais as formas miméticas, ele não julga mais as ações, ele se atém a pura espessura da superfície pictural. Como em Rembrandt é conveniente perceber Chardin a partir de uma certa distância para ser legível.  Essa distância ótica conveniente, ele o havia definido de uma forma geral em Ensaios sobre a pintura para seguir o Salon de 1765: «Há dois tipos de pintura: uma que colocando o olho tão próximo do quadro quanto é possível sem privar a sua faculdade de ver distintamente, torna os objetos em todos os seus detalhes, que é possível perceber nesta distância, com tanto escrúpulo como as formas principais, de maneira que na medida em que o espectador se afasta do quadro, perde os detalhes, até chegar a uma distância onde tudo desaparece; de maneira em que se aproximando desta distância e sucessivamente os detalhes até que o olhar recolocado em seu primeiro e menor afastamento, ele enxerga nos objetos do quadro as variedades os mais leves e os mais minuciosos. Eis a bela pintura, eis a verdadeira imitação  da natureza. Eu sou, em relação a esse quadro, o que eu sou em relação à natureza que o pintor tomou para modelo. Eu a vejo melhor na medida em que meu olho se aproxima; eu a vejo  menos na medida que meu olho se afasta. Mas existe uma outra pintura que não está menos na natureza, mas que não a imita perfeitamente a não ser que de uma certa distância, ela não é imitadora, para assim falar,  a não ser de num ponto dado: é aquela em que o pintor não tornou, viva e fortemente, a não ser os detalhes que ele percebeu nos objetos, do ponto de vista que ele escolheu; além desse ponto, não se vê mais nada, pior ainda, de mais perto. Seu quadro não é um quadro depois sua tela, sob o seu ponto de vista, não se sabe o que é (...).»
  Se se aproximam os dois textos que a precedem, compreende-se que a matéria pictural de Chardin, essa «pele» da tela, não se organiza em formas identificáveis que a partir de uma certa distância: deste lado, o fazer, para depois, as formas imitativas. Não é por acaso se, procurando atravessar o mistério desta pintura, sua «magia» - a palavra é sua própria invenção -, Diderot exerce sua acuidade visual sobre a matéria cromática  num pintor de objetos inanimados. A tentação da narrativa não  tem risco de compreender: ele é impelido de uma certa maneira para penetrar no matéria pictórica como ele sabe penetrar no espaço paisagístico do quadro. É nesse esforço da colocação do ponto focal, nessa busca da distância e do ponto de vista e uma zona de legibilidade, do quadro que reside o imenso esforço de Diderot que ficará sem continuidade.
    Se nós o reabilitamos, é por que nos permite  retornar sobre a questão da descrição através de um caminho que é a da iconografia. No início de seu texto, Panofsky evocava a impossibilidade de uma «descrição  verdadeira e puramente formal (que) deveria por princípio se limitar a falar (...) de cores., de múltiplos contrastes que elas formam entre elas, de inúmeras passagens que lhes permite a infinita variedade de suas nuanças e, o  extremo rigor, de seus reagrupamentos na medida de complexas  formas, quase ornamentais, ou quase tectônicas. Mas uma tal descrição não deveria ver lá, a não ser elementos de composição que estariam totalmente despojadas de sentidos, ou que possuíssem sobre o plano espacial, uma pluralidade de sentidos».
  Otto Pächt, e toda a tradição vienense, colocaram um grande desmentido a essa afirmação. Panofsky, na medida em que  está ligado á tradição hermenêutica, não se interessa, a não ser que pelo conteúdo literário  das obras e não esteve em condição de admitir, até no seu estudo sobre a perspectiva e seu livro sobre os primitivos flamengos, de que é  a superfície pictural que constitui a superfície de projeção dos objetos, das figuras ou dos espaços. Não se pode considerá-la como transparente, a não ser ao preço de um imenso contrassenso.  Contra a hermenêutica de Panofsky, Pächt opôs a Gestalt.  A teoria da Gestalt introduziu no trabalho da descrição de novos pontos de vista, contribuindo para definir novos horizontes. Também  levou a perigosas distorções. Basta  recordar certas análises já antigas para melhor definir a sua contribuição: eu penso no Retábulo Merode da Mestre de Flemalle, confrontando a leitura que Panofsky faz com a descrição de Pächt. Depois se entregar  à confrontação desse texto de Pächt e a descrição que Clement Greenberg faz das colagens cubistas de Picasso ou de Braque. Pode-se então medir tudo o que a história e a crítica da arte recente devem a esse Umdeutung.
Retábulo Merode do Mestre de Flemalle

 O estatuto da descrição modificou-se consideravelmente a partir do momento em que uma dada sociedade tomou consciência do sua aposta patrimonial. Interessando-se pelas obras de arte como testemunhos de um passado nacional ou mesmo regional, como suportes de memória, que se manifestou uma dupla preocupação: o de nomear e o de conservar. O museu forneceu então um quadro, nessa dupla preocupação: de uma parte recolher, inventariar, classificar, de outra parte, conservar e expor. Durante o século XVIII a linguagem descritiva vai se estabelecer: não somente, em que a grande empresa da Enciclopédia forneceu-lhe os meios, mas também na atividade dos críticos como Diderot ou de antiquários como o conde de Caylus. Na media em que a noção de patrimônio irá comandar a criação de instituições destinadas a preservar, a exigência filológicas irá aumentar. Depois dos anos 1970, o Inventário das Riquezas e Monumentos Artísticos da França qualificou certo número de glossários especializados que contribuíram de maneira decisiva para  reforçar o caráter objetivo da descrição. Poderia pensar-se que a descrição não é hoje em dia, mais do que um exercício  acadêmico pertencente ao repertório de uma disciplina universitária. Não é bem assim.  Paradoxalmente, a exigência crítica encontra-se particularmente reforçada : afim de poder pronunciar-se sobre a data dos vidros que compõe um vitral medieval, é necessário entregar-se aquilo que se denomina uma «crítica de autenticidade». Cada vidro é descrito, no seu  estado material, na sua forma e seu estado de conservação e a partir dessa descrição  pode-se concluir sobre a  antiguidade  de tal vidro, se sua colocação é original ou se foi recolocado e em que momento. Uma tal descrição restitui ao plano da linguagem a mais precisa e a mais apropriada ao vocabulário em uso no seio do Corpus Vitrarum Medi Aevi, o estado de uma janela em um dado momento.
 Hoje em dia os monumentos de arquitetura  estão submetidos a mesma exigência. Por exemplo, a «crítica de autenticidade» foi estabelecida para a catedral de Bamberg e de Ratisbona: uma descrição pedra por pedra fornece não só a forma de cada uma entre as demais, mas também os traços de revestimento, furos de amarração, as marcas, traços de alteração. Um tal exame –  que atesta que uma descrição arquitetural não é possível a não ser ao preço de uma atomização que nos afasta da percepção de conjunto – não pode ser conduzido a não ser  por  um historiador de arte investido de arquiteto, de um técnico da construção, senão, uma boa parte dessas informações, escaparia a um olhar insuficientemente formado.  Para uma escultura, para um objeto de joalheira, tal crítica de autenticidade é relativamente fácil. Para uma pintura – mural ou sobre ou painel –, ela se revela mais delicado pois  o estado aparente pode esconder um ou mais estados mais antigos que, em alguns casos,  somente uma estratigrafia e um exame em laboratório  conseguem revelar. No caso de uma pintura, o olho deve ser particularmente exercitado, se ele quer conduzir uma descrição crítica que seja elucidativa. A descrição do desenho se avalia mais facilmente pois os diferentes estados permanecem geralmente visíveis : Pela sua própria elaboração, o desenho procura preservar seu próprio futuro.
 Uma boa descrição constitui um desafio considerável. Por sua dupla função semântica e crítica, ela é a descrição a partir da qual uma verdadeira inteligibilidade da obra torna-se possível.

Tradução de Círio SIMON, em 30.04.2000, para o Seminário “Modernidade: arte e arquitetura: questões teórico-metodológicas” Prof.ª Drª  Maria Lúcia Bastos KERN-
No programa de doutoralmente em História da FFCH abril. 2000 PUC -RS

CHARDIN a raia

GRUNEWALD

LACOONTE e os seus filhos

POUSSIN

Retábulo Merode do Mestre de Flemalle,

 UT PICTORA POESIS
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