Uma AULA de
Mário Raul de Morais Andrade
(1893-1945)
Fig. 01 - Mário de Andrade era músico, antes de
tudo. Como tal havia desenvolvido a sua competência de escuta e de memória
auditiva. Capacidade de escutar e de memorizar os mais diversos repertórios
de idades e culturas orais das regiões brasileiras. Com a sua mais alta
competência intelectual sabia que a base estava em quem estava se iniciando na
civilização.
.
A Conferência de Mario de Andrade para a UNE representa uma aula magna
raramente igualada ou superada nalguma universidade brasileira. Esta aula, muito
além de resgatar o essencial do passado recente, possui dimensões que afirmam o
presente de 1942. Texto que expressa o ENTE brasileiro no seu modo de SER. Para
tanto Mario lança as bases dos parâmetros culturais de um pacto nacional a ser
construindo coletivamente no porvir.
Fig. 02 – Em 1942 toda a civilização humana estava
em perigo e dilacerada entre dois perigos antagônicos e irreconciliáveis
interna e externamente. Culminância de regimes e ideologias absurdas, cegas e surdas aos mais elementares
direitos a vida e as conquista de civilizações. Mário de Andrade soube explanar, no mais nível, as bases da civilização brasileira. Sem se
impor ou buscar prosélitos o PODER ORIGINÀRIO pronunciou-se unido e solidário
com a busca da Democracia e por dela, a Paz.
Do passado realiza uma síntese dos 20 anos posteriores à Semana de
Arte Moderna de 1922. Do presente aponta os valores pelos quais o Brasil estava
entrando na II Guerra Mundial e sem mencionar o fato. Para o futuro traça as
competências e os limites de uma consciência coletiva nacional. Na riqueza
destas três dimensões do TEMPO destaca-se uma frase desta Conferência que
sintetiza o PRESENTE, o PASSADO e o FUTURO que ele aguardava do Brasil. Assim Mário
de Andrade propõe (1942, p.45)[1] para a
UNE:
“O
direito permanente à pesquisa estética; a atualização da inteligência artística
brasileira; e a estabilização de uma consciência nacional [..] A novidade
fundamental, imposta pelo movimento, foi a conjugação dessas três normas num
todo orgânico da consciência coletiva”
O autor é cuidadoso ao preferir o termo “CONJUGAÇÂO” afastando o fantasma do “ECLETISMO”. O próprio
Mario havia fulminado, em 1938, o termo
“ECLETISMO” como “acomodatício e máscara de todas as covardias”. - [in Andrade 1955, fl. 13]
[1] - ANDRADE, Mario O movimento modernista:
Conferência lida no salão de Conferências da Biblioteca do Ministério das
Relações Exteriores do Brasil no dia 3 de abril de 1942. Rio de Janeiro :Casa
do Estudante do Brasil, 1942, p.45.
Esta conferência evocava os resultados
culturais da Semana de Arte Moderna de 1922. Mario da Andrade havia sido umas
das figuras centrais desta Semana. Ele se indispusera em 1938 com o Estado
Novo. A conferência ocorria no auge desta ditadura que entrava em guerra com o
Eixo.
Mário
coloca a nacionalidade como primeiro principio os concluía com busca da
construção de uma consciência coletiva.
Fig. 03 - Mário de Andrade manejava com maestria o
VERBO escrito e falado Com os pés profundamente assentados na terra
paulista [WELTGEST] soube escutar, escrever e interpretar os mais
escondidos e esquecidos recantos nacionais dos quais trouxe as vozes, as
imagens e as energias populares [VOLKSGEST] elaboradas e guardadas durante séculos [ZEITGEST] .
No momento desta Conferência de
Mário de Andrade ganhava adeptos e estava em pauta a busca do “TIPO” ARIANO. Em nome deste tipo eclético - e que jamais
existiu ou existirá - mentes sinistras forjavam este TIPO IDEAL. Em nome deste
TIPO IDEAL aniquilavam fisicamente milhões de seres humanos que não se enquadravam
nesta monstruosidade forjada.
A própria obra MACUNAIMA de
Mário pode ser vista como paródia e farsa desta busca do “TIPO IDEAL
BRASILEIRO” na saga do “Dom Quixote” de Cervantes, “Don Juan” de Molière ou
“Servo de Dois Patrões” de Goldoni.
Fig. 04 - Mário de Andrade entregou, em 1928, para a imaginação do seu leitor um texto
poético e uma metáfora tão poderosa e tão competente em todos os repertórios e
tempos suscitar imagens e apropriações que correm por conta e risco dos seus
leitores e dos seus repertórios pessoais. Na medida em que Mario consegue recuperar toda
a história brasileira, Realiza esta narrativa sob a forma da farsa e do mito
escrachado sob o domínio popular. Costura o repertório costura numa peça na melhor companhia de um Molière,
Cervantes e de Goldoni.
Porém, em 1942, Mario de Andrade soube distinguir três momentos do
processo criativo brasileiro no meio de um oceano de dúvidas e de certezas mínimas. Certezas
mínimas do direito primordial e fundamental à “PESQUISA ESTÉTICA” que
autor reivindica para a sua obra e dos
demais artistas brasileiros. Não menos importante e necessária é a “ATUALIZAÇÂO
da INTELIGÊNCIA” Porém a criação e inteligência necessitam da terra fértil do
contínuo da “CONSCIÊNCIA NACIONAL”. Consciência
de todas as competências e dos limites surgidos a partir da obra e do
conhecimento das suas circunstâncias.
Fig. 05 – O pintor e gravador Lasar Segall, amigo de
Mário de Andrade, conseguiu uma imagem síntese do método de trabalho do escritor ao
produzir, em 1928, num período de
férias a obra MACUNAIMA. O artista não possui fim de semana, férias ou
aposentadoria. O trabalho do artista nos trópicos é singular e necessita
sintonia com a Natureza para superá-la e produzir algo que ela nã arraste para
uma rápida e irreversível entropia física, intelectual e cultural.
Mário de Andrade conseguiu recuperar toda a história brasileira. A sua
extensa obra escrita move-se e é impulsionada pelas circunstâncias
internas e externas à célula nacional. A membrana desta célula nacional é competente
para conter a inteligência, a vontade e sensibilidade brasileira. Ao mesmo
tempo dá conta da filtragem das demais culturas externas por meio do exercício
da inteligência e da Razão.
Na obra escrita de Mário de Andrade é passível perceber a diacronia
interna da nação brasileira atualizadas na sincronia com as demais culturas.
Percebe-se uma “PESQUISA ESTÉTICA” portadora de um “ZEITGEIST” no contínuo da
sua diacronia. A “ATUALIZAÇÃO da INTELIGÊNCIA” no âmbito de uma sincronia no
“VOLKSGEIST” que se torna cada vez mais cumulativo planetário. Concepção
“CONSCIÊNCIA NACIONAL” que possui uma territorialidade de um “WELTGEIST” com
outras culturas e nacionalidades das quais se distingue e contribui à sua
maneira singular de SER.
Fig. 06 – O sentimento de pertencimento de Mário de
Andrade ao seu grupo de artistas, para a sua geração, língua e cultura vai
muito além do evento da Semana de Arte
Moderna de fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo.. O evento
fez convergir para uma espécie de pacto
ou contrato estético do qual cada um dos participantes se encarregou de
desenvolver. Se houve conflitos e excomunhões recíprocas elas ganhavam sentido
e força na medida em que o artista produz para oseus concorrentes que são os
primeiros e, as vezes, os únicos a compreender os acertos e desvios de projetos
individuais e coletivos.
Circunstâncias internas e externas à célula nacional e passiveis de
serem percebidas na diacronia interna, atualizadas na sincronia externa das demais
culturas. Uma “PESQUISA ESTÉTICA” portadora de um “ZEITGEIST” no contínuo da
sua diacronia. A “ATUALIZAÇÃO da INTELIGÊNCIA” no âmbito de uma sincronia no
“VOLKSGEIST” que se torna cada vez mais cumulativo planetário. Concepção
“CONSCIÊNCIA NACIONAL” que possui uma territorialidade de um
“WELTGEIST” com outras culturas e nacionalidades das quais se distingue e
contribui à sua maneira.
Fig. 07 – Muito antes de Marcel Duchamp desafiar o artista a desafiar e ampliar a sua
sensibilidade por meio da formação institucional e erudita Mário de Andrade frequentou
o Conservatório Dramático Musical de São Paulo e depois tornou-se um dos seus
mestres. Além de encontrar pessoas com o mesmo ideal de cultivo da
sensibilidade, inteligência e vontade no meio da “Pauliceia Desvairada”
encontrava desafios, crítica autorizdas e circulação de artistas do mundo
inteiro que seriam muito difíceis de encontrar sem esta instituição.
Estes três vetores são artificiais e constituem apenas ferramentas racionais
para mover-se neste oceano de saber. Saber de Mário de Andrade que guarda ainda
muito a ser explorado por meio de outras
ferramentas. O âmbito destes três vetores cartesianos é a inteligência e a
razão humana. Os três eixos cartesianos (X-Y-Z)[1].
O X da diacronia e da linha de tempo “ZEITGEIST”. é um contínuo que pode ser
dividido em infinitas partes na concepção de Leonardo da Vinci. O Y da
sincronia remete para a ATUALIZAÇÂO da INTELIGÊNCIA de outros povos
“VOLKSGEIST” e de culturas que possuem
projetos distintos do brasileiro. O Z contempla a TERRITORIALIDADE “WELTGEIST”
do imenso espaço físico brasileiro com todas as conexões possíveis de fluxo
para e de culturas planetárias.
[1] - Os três eixos cartesianos na pesquisa estética
ver http://profciriosimon.blogspot.com.br/2014/11/101-isto-e-historia-da-arte.html
Fig. 08 – O próprio desvario é uma afirmação
antagônica à racionalidade cartesiana. As ordenadas cartesianas permitem o conhecimento
dos desvios da vontade e dos sentimentos do artista. Trata-se de uma
ATUALIZAÇÂO da INTELIGÊNCIA e da RAZÂO para aferir a CRIAÇÂO. Se não for
possível esta aferição a obra perde-se no imponderável e retorno para o mundo
da Natureza entrópica, cíclica e implacável
Esta tripla percepção do mesmo objeto constitui uma criação cartesiana
artificial e artificiosa no âmbito da inteligência e da razão humana. Como
instrumento possui a função de um ponto externo de apoio da alavanca de
Arquimedes. O seu objetivo é praticar distinções para contornar o caldeirão do
ecletismo intelectual, da vontade e do sentimento humano comum diante do
fenômeno estético.
Fig. 09 – O retrato de Mario de Andrade por Tarsila
do Amaral constitui um retorno para a tinta e pincel sobre uma superfície.
Tintas portadoras e carregadas com o
cromatismo e a emoção que guiadas as pinceladas pela uma ATUALIZAÇÂO da INTELIGÊNCIA e da
RAZÂO para aferir a CRIAÇÂO. Se não for possível esta aferição a obra perde-se
no imponderável e retorno para o mundo da Natureza entrópica, cíclica e
implacável
De outra parte é indispensável a leitura da aula magna de Mario de
Andrade, proferido em 1942, em pleno Estado Novo. É necessário entender esta
Conferência sob impulso das decisão de o
Brasil entrar ou não entrara na II Guerra Mundial. Supõe conhecer a vontade de
o estudante brasileiro compreender as razões para sacrificar os bens materiais
e inclusive a vida nesta opção.
Fig. 10 – A fotografia de Mario de Andrade onde
aparece colocado no limiar do Conservatório Dramático Musical de São Paulo e o
mundo externo é paradigma. É a imagem do
intelectual, do professor e do musicista intimista que se expõe à critica, ao
movimento e fazer pragmático de uma cultura em plena fase de mudanças Nesta interação tanto o mudo interno da
cultura e da arte ganham como o mundo externo percebe circular as energias, as
forças do mundo simbólico. Interação indispensável para o nascimento, a criação
e a reprodução de um pacto político, social e econômico de uma nação..
A lição da aula magna de Mario de Andrade, do dia 3 de abril de 1942, no Ministério das Relações Exteriores
do Brasil revela a sua atualidade. Muitos escondem sob o tapete da
Pós-Modernidade e o interpretam como um
ecletismo, um caos e um “vale tudo” e refúgio de todas as covardias. Certamente
a Era Pós-Industrial necessita muita pesquisa, desafia uma atualização da
inteligência na rede mundial e sem se deixar arrastar pela torrente da
heteronomia dos mais fortes e espertos. Espertos e fortes como aqueles de 1942 com
os seus regimes e ideologias absurdas,
cegas e surdas aos mais elementares direitos a vida e das conquista de
civilizações.
Porém acima de todas as
intrigas - entre estéticas possíveis - paira a lição maior da aula magna de
Mário de Andrade que remete para a busca de uma consciência coletiva brasileira.
Consciência proveniente de baixo para cima e convergindo para um autêntico
pacto nacional e um contrato coletivo coerente e competente para expressar e
tornar sensível o ENTE brasileiro no seu modo de SER.
FONTES
BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Mario O movimento modernista:
Conferência lida no salão da Biblioteca do Ministério das Relações Exteriores
do Brasil no dia 3 de abril de 1942. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do
Brasil, 1942, 81 p .
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Curso de Filosofia e História da Arte. São Paulo : Centro de Estudos Folclóricos, 1955. 119 f.
FONTES
NUMÉRICAS DIGITAIS
90 anos da Semana da arte moderna
1942 – Duas mentalidades antagônicas no Brasil
ARTE e POLÌTICA
CARTA de MÁRIO de ANDRADE para TARSILA do AMARAL
ESCOLA DRAMÀTICA MUSICAL de São PAULO
ESCRITOS e FONTES de MÀRIO de ANDADE
MACUNAIMA - 1928
O BRASIL NASCEU VELHO e CONTINUA ARCAICO
ODE ao BURGUES
PINTURA BRASILEIRA APÒS 1922
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Referências para Círio SIMON