O TEXTO da OBRA de ARTE :
A DESCRIÇÃO
Roland Recht
RECHT, Roland .Le texte de l´œuvre d´art: la description. Strasbourg/ Colmar: Presse Universitaire/Musée
d´Unterlinden, 1998 pp. 11-17
«O que não poder ser
decomposto diretamente, é necessário tentar dissociá-lo indiretamente ou
idealmente – quer dizer elevá-lo ao
nível da linguagem – em seguida decompõe-se o fenômeno – a expressão – encontrando-se
assim as partes constituintes e sua relação» Novalis, L´encyclopédie, 119 (IV-879)
Entre todas as ferramentas da investigação disponíveis da história da
arte, a descrição, é sem dúvida, uma das
mais específicas, aquela que funda em parte a legitimidade da própria
disciplina. Nem a filosofia da arte, nem
a estética concedem, para descrição, a função de uma verdadeira introdução para
uma melhor visibilidade da obra de arte.
O
olhar, como se sabe, não é um dado primário: a descrição não é o resultado do
exercício do olhar, mas ao contrário é fazendo o esforço de descrição que se
acaba vendo bem. Mobilizando conjuntamente as faculdades visuais e a capacidade
para encontrar um equivalente linguístico e as formas plásticas, transformamos a obra de arte em objeto de
conhecimento.
Mas, como a própria história da arte, a descrição também possui uma
história. Seu estatuto é cambiante e essa mudança é tributária da função de
quem descreve atribui à descrição. Na Antiguidade, conhecemos ao menos duas
descrições célebres que procedem de um
gênero literário denominado ekphrasis.
Trata-se de evocação, nos textos homéricos, do famoso Escudo de Aquiles e a da
não menos célebre Galeria dos Quadros
de Filostrato. O autor descreve os
motivos e as figuras que ornamentam um objeto, ou uma obra de arte, mas
introduz, na descrição, o efeito que o objeto produz sobre o espectador.
Filostrato, por exemplo, quer dar ao auditório, ao qual se dirige, aliás ao
leitor, a possibilidade de compreender os temas representados pelos quadros e
permitindo uma rememoração poética.
«Compreender os temas»: tal é, com efeito, um dos objetivos da
descrição. De Filostrato até Panofsky, passando por Bellori, das Stanze de Rafael, deixa-se entrever uma
função hermenêutica da descrição que está estreitamente associada à teoria da Ut pictura pœsis. Com efeito, é graças à
linguagem e só pela linguagem que o conteúdo de uma obra de arte pode ser
recuperada e explicada ao mesmo tempo em que Aristóteles considera arte e
literatura como parentes próximos. Se a pintura é uma poesia muda, a poesia é
uma pintura falante como diz Plutarco. Então uma pode considerar a
possibilidade de se servir da outra afim
de tornar-se plenamente compreensível. É finalmente Lessing que procurará acabar com séculos de confusão afirmando que
a poesia é uma arte tributária do tempo – ação que ela descreve é uma adição
sucessiva de elementos – enquanto a pintura possui o poder de mostrar
instantaneamente a totalidade de uma ação. Pode-se concluir, por sua vez, que
toda a descrição de um quadro reintroduz uma totalidade linear lá onde o pintor
extraiu o momento justo e apropriado.
LACOONTE e os seus filhos
As definições proclamadas por Lessing sobre o Lacoonte evitam
artificiosamente uma distinção que conviria fazer entre descrição e narração.
Tomemos o caso dos reforços dos elementos visuais nos textos da Idade Média,
reforços que se desejava atribuir em parte à influência das artes figurativas.
Seja qual for o lado no qual se situa a prioridade, me parece que importa antes
de mais nada constatar que existem boas e belas relações efetivas. . Nas Meditações sobre a Paixão de Cristo do
Pseudo Boaventura, o verbo «ver» pontua a narrativa da Paixão de maneira que se
tem a impressão de um movimento de câmara que se aproxima, depois se afasta da
cena, enquadra num plano panorâmico depois volta a um enquadramento mais
fechado, o escritor procurando estimular a imaginação do leitor transpondo-o
para o meio dos espectadores da cena. Aproveita-se de todos os recursos da arte
visual, faz-se pintor. De fato, o Pseudo Boaventura alterna descrição com
narração. Essa distinção, que é particularmente válida para caracterizar gêneros de narrativas da literatura romanesca
do século passado, seria válida uma vez
aplicada à obra de arte?
Uma cena representada sobre um quadro
apropria-se do momento exato de uma narrativa, da qual ele descarta o antes e
depois. Mas para compreender o sentido desta instantaneidade, é evidentemente necessário evocar durante a
descrição da cena, a própria história, quer dizer um trama narrativo. Se a
descrição do historiador de arte
limita-se a transcrição de corpos «estendidos
no espaço»., como diz Lessing, o quadro torna-se ininteligível. Para
recorrer ao esquema de Panofsky, a passagem da análise pré-icônico a análise
iconográfica consiste justamente passar do descritivo ao narrativo – a
iconografia, quer dizer do narrativo.. Ele supõe o que Paul Ricœur denomina «a colocação em intriga».
Assim, a única forma de uma representação
pintada, não seria antes uma descrição do que
uma narrativa? No final de contas
a narrativa não é a única modalidade segundo a qual o historiador da arte,
misturando descrição e narrativa, escreve a obra de arte singular? Em razão de
seu estatuto «diegético», como diz Gerard Genette referindo-se a Aristóteles, a
descrição marca uma fronteira relativamente «indecisa» da narração. Mas essa indecisão, por si mesma, poderia ser
localizada com a ajuda de uma análise propriamente linguística, aquela dos
verbos e seu uso.
Mathias GRÜNEWALD c.1480 - 1528 Retábulo
de Issenheim
No
célebre ensaio intitulado Contribuição ao
problema da descrição de obras das artes plásticas e aquela da interpretação de
seu conteúdo, Erwin Panofsky usa o exemplo do Cristo da ressurreição de
Grünewald. Descrevendo «o homem flutuando no ar com as mãos e os pés perfurados», Panofsky observa que nesse
estágio da descrição, ainda não se penetra no registro da interpretação: essa
só chega quando quem descreve é
capaz de dizer que um tal homem é
Cristo. Ora dizer que ele flutua ou que se eleva mais do que cai, já faz parte
da interpretação iconográfica. A descrição é inteiramente comandada por seu fim
e esse fim é dominado pelo sujeito que descreve. A descrição que um historiador
das mentalidades faz de um quadro de Prudhon ou de Georges de La Tour, tem
pouco a ver com o que escreveria o historiador de arte dos séculos
XIX ou do XVII sobre o mesmo quadro.
A
impossibilidade de uma descrição objetiva é verificada quando se tenta separar
arbitrariamente os dados formais e os dados do conteúdo de uma obra. (Digo
dados formais e não «estilo», pois não se pode propriamente «descrever» o
estilo de uma obra de arte). Se cada elemento formal pode ser descrito, a
evocação do estilo supõe uma colocação
em intriga, da qual a organização de um sequência narrativa cujos verbos
conjugam os tempos da subjetividade.
Num
artigo de 1907, Heinrich Wölfflin estima que num bom catálogo de museu, as
«análises estéticas acontecem poucas vezes. «Seriam verdadeiras descrições, diz
ele, iluminando o que é determinante
para a impressão de conjunto» e o que distingue «o essencial» do «acessório».
Esses textos deveriam ser uma verdadeira «introdução à imagem» para Wölfflin.
Mas ao mesmo tempo, ele é constrangido a admitir que certos «caracteres
formais» devem ser evocados: o «tratamento da luz», por exemplo, ou ainda o
«colorido».
Aliás a cor ocupa um lugar menor nas suas
famosas Grundbegriffe[1],
em grande parte devido a impossibilidade na qual se encontrava Wölfflin para
ilustrar o seu livro com pranchas coloridas na sua primeira edição de 1913. Um
pouco mais tarde, Otto Grautoff irá
publicar a sua magistral monografia sobre Nicolas Poussin com o editor Georg
Müller. Usando os trabalhos de Hans Posse (para o museu de Berlim) e de Wilhelm
Watzold, ele se inspirou numa ideia de Wilhelm Worringer para estabelecer um
sistema descritivo das cores. Sobre cada reprodução em preto e branco do
catálogo, uma folha de papel cristal está munido de números que correspondem a
uma escala de valores cromáticos colocada no final do volume, esse número
estava algumas vezes acompanhado dos qualitativos como «saturado» ou «não
saturado». Cada uma dessas reproduções de 62 tons arbitrariamente definidos
está acompanhado de uma nota que especialmente compreende uma rubrica
«descrição» referente essencialmente sobre o conteúdo iconográfico do quadro
estudado.
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Nicolas_Poussin_-_The_Inspiration_of_the_Poet_-_WGA18276.jpg
Nicolas POUSSIN 1594-1665 - Et in Arcádia
Ego
O
resultado, de uma tal iniciativa editorial hoje em dia, nos parece um pouco
ridícula, pois sabemos que uma reprodução fotográfica nos fornece apenas
aproximadamente as cores de um quadro. Mas o ‘designio’ científico da obra de
Grautoff não é menos exemplar, pois ele pressupunha uma capacidade
inaudita no leitor para reconstruir
mentalmente os acordes cromáticos de uma obra dada, supondo com isso que as palavras permitiam
descrever as propriedades da cor.
Chegamos assim aos limites do poder descritivo da linguagem.
A
primeira dificuldade com que a descrição de um quadro tropeça, é que ele
transforma a duração espacial em temporalidade.
(Paul Klee já havia notado que, desde que um ponto tornava-se linha, ou
uma linha tornava-se plano, intervém a noção de temporalidade) . Em seguida, a
descrição deve ser capaz de nomear os diferentes níveis de visibilidade e de
classificá-los, de os submeter a uma
hierarquia. A ordem da descrição responde necessariamente a aquela que o pintor
introduz na sua composição. Mas admite-se também que essa concordância não pode
atingir a totalidade da descrição. Na
medida em que o texto se desdobra, partindo do geral, depois se afastando para
particular, a ordem da descrição torna-se independente do que o pintor intencionalmente
privilegiou: as descrições que Diderot apresenta no Salon em 1765 dos quadros de Vien e de Doyen ilustram claramente esta observação.
Não existe facilmente uma descrição «objetiva»: ela não pode estar a não
ser na sua intenção primeira. Para colocar no plano da linguagem tal obra
expressionista – coloquemos o famoso Mandril
de Franz Marc que Panofsky comenta – O
escritor deve encontrar-se de posse de um vocabulário e de uma capacidade para
centrar o olhar que torna essa descrição fiel. O conhecimento do modo de
constituição do signo pictural a partir de dados espaciais e cromáticos
permitem compreender a sintaxe figurativa característica do Expressionismo e
partir desde quadro preciso. Este conhecimento está reservado a quem
efetua um trabalho análogo ao trabalho do
próprio artista e que Panofsky qualifica de Umdeutung[1] .
O que me parece constituir um problema,
deixado em suspenso por Panofsky, ao longo do seu desenvolvimento, é que ele
não toma em consideração o caráter textual da descrição. Não o sentido e o
pressuposto da descrição, mas a forma propriamente literária que ele
reveste: procedendo assim, ele supõe a
existência de uma descrição objetiva. É que para Panofsky, descrição e
interpretação, são uma única e mesma coisa.. Mas sobretudo: não existe, aos
seus olhos, a diferença entre a
descrição de uma cena real e aquela que um quadro representa..
Voltemos novamente as descrições das mais elaboradas dos Salons de Diderot: a do Saint
Denis pregando a fé na França de Vien e aquele do Milagre dos Inflamados de G.F. Doyen. Seu «método científico»
consiste em descrever no início todos os elementos, animados ou não, que compõe
a cena: indica o localização de cada um,
sua relação espacial com a sua vizinhança. Depois ele retorna sobre diferentes
personagens para os detalhar, para sublinhar sobretudo o tratamento
propriamente pictural.
A
estrutura adotada para sua descrição é a do próprio quadro, materializada por
aquilo que Diderot denomina a «linha de ligação» ou linea serpentina, o «caminho da composição»: « Existe em toda a
composição, um caminho, uma linha que passa pelas sumidades das massas ou de
grupos, atravessando diversos planos, introduzindo-se nas profundezas do
quadro, e de lá retornando para a frente
(...). Uma composição bem ordenada não
terá mais do que uma só e única linha de ligação verdadeira; e essa linha
conduzirá, aquele que a olha e a tenta
descrever». Essa linha de ligação fornece para a descrição, um desdobramento as
vezes espacial e temporal: ela permite a Diderot invocar, para sua escritura, uma ordem
estabelecida pelo pintor. Ao fazer esse uso, mostra que Diderot é cuidadoso em
não perder de vista a realidade fenomenal que é a pintura, mesmo, se em toda a
sua obra de crítico de arte, mostra, antes de tudo, as suas preocupações
morais.
Esta
realidade fenomenal, ele procura algumas vezes examiná-la de perto portanto
como o mostra sua admiração por Chardin. No Salon
de 1765, ele constata: «O fazer de
Chardin é particular. Ele possui a maneira distante que de perto não se sabe o
que é, e que, na medida em que a gente se afasta o objeto se cria e acaba sendo
aquele da natureza; algumas vezes ele agrada tanto de perto como de longe.»
Baptiste Simeon CHARDIN – (1699-1776) -
RAIA
Desde o
Salon de 1763, sobre a Raia,
Diderot escrevia: «O objeto é nojento ;
mas é a carne do próprio peixe. É a pele. É seu sangue; o aspecto da coisa não afetaria de outra
forma (...). Não se entenderia nada dessa magia. São as camadas espessas da
cor, aplicadas umas sobre as outras, e cujo efeito transpira acima e abaixo.
Outras vezes é um vapor que paira sobre
a tela; alhures, uma leve espuma jogada
aí (..). Aproximem-se: tudo se queima, se achata e desaparece. Afastem-se: tudo
se cria e se reproduz.».
Eis
Diderot na matéria mesma da pintura, na sua «carne» Ele não descreve mais as
formas miméticas, ele não julga mais as ações, ele se atém a pura espessura da
superfície pictural. Como em Rembrandt é conveniente perceber Chardin a partir
de uma certa distância para ser legível.
Essa distância ótica conveniente, ele o havia definido de uma forma
geral em Ensaios sobre a pintura para
seguir o Salon de 1765: «Há dois tipos de pintura: uma que colocando o olho
tão próximo do quadro quanto é possível sem privar a sua faculdade de ver
distintamente, torna os objetos em todos os seus detalhes, que é possível
perceber nesta distância, com tanto escrúpulo como as formas principais, de
maneira que na medida em que o espectador se afasta do quadro, perde os
detalhes, até chegar a uma distância onde tudo desaparece; de maneira em que se
aproximando desta distância e sucessivamente os detalhes até que o olhar
recolocado em seu primeiro e menor afastamento, ele enxerga nos objetos do
quadro as variedades os mais leves e os mais minuciosos. Eis a bela pintura,
eis a verdadeira imitação da natureza.
Eu sou, em relação a esse quadro, o que eu sou em relação à natureza que o
pintor tomou para modelo. Eu a vejo melhor na medida em que meu olho se
aproxima; eu a vejo menos na medida que
meu olho se afasta. Mas existe uma outra pintura que não está menos na
natureza, mas que não a imita perfeitamente a não ser que de uma certa
distância, ela não é imitadora, para assim falar, a não ser de num ponto dado: é aquela em que
o pintor não tornou, viva e fortemente, a não ser os detalhes que ele percebeu
nos objetos, do ponto de vista que ele escolheu; além desse ponto, não se vê
mais nada, pior ainda, de mais perto. Seu quadro não é um quadro depois sua
tela, sob o seu ponto de vista, não se sabe o que é (...).»
Se
se aproximam os dois textos que a precedem, compreende-se que a matéria
pictural de Chardin, essa «pele» da tela, não se organiza em formas
identificáveis que a partir de uma certa distância: deste lado, o fazer, para
depois, as formas imitativas. Não é por acaso se, procurando atravessar o
mistério desta pintura, sua «magia» - a palavra é sua própria invenção -,
Diderot exerce sua acuidade visual sobre a matéria cromática num pintor de objetos inanimados. A tentação
da narrativa não tem risco de
compreender: ele é impelido de uma certa maneira para penetrar no matéria
pictórica como ele sabe penetrar no espaço paisagístico do quadro. É nesse
esforço da colocação do ponto focal, nessa busca da distância e do ponto de
vista e uma zona de legibilidade, do quadro que reside o imenso esforço de
Diderot que ficará sem continuidade.
Se nós o reabilitamos, é por que nos permite retornar sobre a questão da descrição através
de um caminho que é a da iconografia. No início de seu texto, Panofsky evocava
a impossibilidade de uma «descrição
verdadeira e puramente formal (que) deveria por princípio se limitar a
falar (...) de cores., de múltiplos contrastes que elas formam entre elas, de
inúmeras passagens que lhes permite a infinita variedade de suas nuanças e,
o extremo rigor, de seus reagrupamentos
na medida de complexas formas, quase
ornamentais, ou quase tectônicas. Mas uma tal descrição não deveria ver lá, a
não ser elementos de composição que estariam totalmente despojadas de sentidos,
ou que possuíssem sobre o plano espacial, uma pluralidade de sentidos».
Otto Pächt, e toda a tradição vienense, colocaram um grande desmentido a
essa afirmação. Panofsky, na medida em que
está ligado á tradição hermenêutica, não se interessa, a não ser que
pelo conteúdo literário das obras e não
esteve em condição de admitir, até no seu estudo sobre a perspectiva e seu
livro sobre os primitivos flamengos, de que é
a superfície pictural que constitui a superfície de projeção dos
objetos, das figuras ou dos espaços. Não se pode considerá-la como
transparente, a não ser ao preço de um imenso contrassenso. Contra a hermenêutica de Panofsky, Pächt opôs
a Gestalt. A teoria da Gestalt introduziu no trabalho da descrição de novos pontos de
vista, contribuindo para definir novos horizontes. Também levou a perigosas distorções. Basta recordar certas análises já antigas para
melhor definir a sua contribuição: eu penso no Retábulo Merode da Mestre de Flemalle, confrontando a leitura que
Panofsky faz com a descrição de Pächt. Depois se entregar à confrontação desse texto de Pächt e a
descrição que Clement Greenberg faz das colagens cubistas de Picasso ou de
Braque. Pode-se então medir tudo o que a história e a crítica da arte recente
devem a esse Umdeutung.
Retábulo Merode do Mestre de Flemalle
O
estatuto da descrição modificou-se consideravelmente a partir do momento em que
uma dada sociedade tomou consciência do sua aposta patrimonial. Interessando-se
pelas obras de arte como testemunhos de um passado nacional ou mesmo regional,
como suportes de memória, que se manifestou uma dupla preocupação: o de nomear
e o de conservar. O museu forneceu então um quadro, nessa dupla preocupação: de
uma parte recolher, inventariar, classificar, de outra parte, conservar e
expor. Durante o século XVIII a linguagem descritiva vai se estabelecer: não
somente, em que a grande empresa da Enciclopédia forneceu-lhe os meios, mas
também na atividade dos críticos como Diderot ou de antiquários como o conde de
Caylus. Na media em que a noção de patrimônio irá comandar a criação de
instituições destinadas a preservar, a exigência filológicas irá aumentar.
Depois dos anos 1970, o Inventário das Riquezas e Monumentos Artísticos da
França qualificou certo número de glossários especializados que contribuíram de
maneira decisiva para reforçar o caráter
objetivo da descrição. Poderia pensar-se que a descrição não é hoje em dia,
mais do que um exercício acadêmico
pertencente ao repertório de uma disciplina universitária. Não é bem
assim. Paradoxalmente, a exigência
crítica encontra-se particularmente reforçada : afim de poder pronunciar-se
sobre a data dos vidros que compõe um vitral medieval, é necessário entregar-se
aquilo que se denomina uma «crítica de autenticidade». Cada vidro é descrito,
no seu estado material, na sua forma e
seu estado de conservação e a partir dessa descrição pode-se concluir sobre a antiguidade
de tal vidro, se sua colocação é original ou se foi recolocado e em que
momento. Uma tal descrição restitui ao plano da linguagem a mais precisa e a
mais apropriada ao vocabulário em uso no seio do Corpus Vitrarum Medi Aevi, o estado de uma janela em um dado
momento.
Hoje
em dia os monumentos de arquitetura
estão submetidos a mesma exigência. Por exemplo, a «crítica de
autenticidade» foi estabelecida para a catedral de Bamberg e de Ratisbona: uma
descrição pedra por pedra fornece não só a forma de cada uma entre as demais,
mas também os traços de revestimento, furos de amarração, as marcas, traços de
alteração. Um tal exame – que atesta que
uma descrição arquitetural não é possível a não ser ao preço de uma atomização
que nos afasta da percepção de conjunto – não pode ser conduzido a não ser por um
historiador de arte investido de arquiteto, de um técnico da construção, senão,
uma boa parte dessas informações, escaparia a um olhar insuficientemente
formado. Para uma escultura, para um
objeto de joalheira, tal crítica de autenticidade é relativamente fácil. Para
uma pintura – mural ou sobre ou painel –, ela se revela mais delicado pois o estado aparente pode esconder um ou mais
estados mais antigos que, em alguns casos,
somente uma estratigrafia e um exame em laboratório conseguem revelar. No caso de uma pintura, o
olho deve ser particularmente exercitado, se ele quer conduzir uma descrição
crítica que seja elucidativa. A descrição do desenho se avalia mais facilmente
pois os diferentes estados permanecem geralmente visíveis : Pela sua própria
elaboração, o desenho procura preservar seu próprio futuro.
Uma boa
descrição constitui um desafio considerável. Por sua dupla função semântica e
crítica, ela é a descrição a partir da qual uma verdadeira inteligibilidade da
obra torna-se possível.
Tradução de Círio SIMON,
em 30.04.2000, para o Seminário “Modernidade: arte e arquitetura: questões
teórico-metodológicas” Prof.ª Drª Maria
Lúcia Bastos KERN-
No programa de
doutoralmente em História da FFCH abril. 2000 PUC -RS
CHARDIN a raia
GRUNEWALD
LACOONTE
e os seus filhos
POUSSIN
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Nicolas_Poussin_-_The_Inspiration_of_the_Poet_-_WGA18276.jpg
Retábulo Merode do
Mestre de Flemalle,
UT PICTORA POESIS
Este material possui uso restrito ao
apoio do processo continuado de ensino-aprendizagem
Não há pretensão de lucro ou de apoio
financeiro nem ao autor e nem aos seus eventuais usuários
Este material é editado e divulgado
em língua nacional brasileira e respeita a formação histórica deste idioma.
ASSISTÊNCIA TÉCNICA e DIGITAL
de CÌRIO JOSÉ SIMON
Referências para Círio SIMON
E-MAIL
SITE desde 2008
DISSERTAÇÃO: A Prática Democrática
TESE: Origens do Instituto
de Artes da UFRGS
FACE- BOOK
BLOG de ARTE
BLOG de FAMÌLIA
BLOG
CORREIO BRAZILENSE 1808-1822
BLOG PODER ORIGINÁRIO 01
BLOG PODER ORIGINÁRIO 02 ARQUIVO
VÌDEO
Nenhum comentário:
Postar um comentário