terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

ARTE SACRA SUL-RIO-GRANDENSE – 20

A ARTE SACRA no RIO GRANDE do SUL: AQUI e AGORA

“Cesse tudo o que a Musa antigua canta,
Que outro valor mais alto se alevanta”.

Camões – Lusíadas 1572 – Canto 1 – 3[1]

Fig. 01 – IGREJA SANTA TERESINHA.

Emílio SESSA e Aldo LOCATELLI - 1952-1955 - Foto ACHUTTI

. “Rua Ramiro Barcelos - Porto Alegre-RS


O poeta lusitano sabia que um outro mundo é possível. Ele é possível na medida em que a criatura humana possui novos projetos mais coerentes com a atualidade. O autor dos Lusíadas propõe outra forma de realizar revoluções. A musa antiga não é eliminada. Apenas ela é convidada a cessar seu canto arcaico diante de algo novo que ela, talvez, não esteja percebendo e que não está evidente ainda.


A solidariedade das épocas entre si.[1]., não só projeta esperanças, mas compartilha entre elas também as frustrações. A arte na medida em que escapa de forma perene desta projeção é um dos poucos campos em que a criatura humana pode realizar autênticas revoluções sem derramar o próprio sangue ou dos outros. Como a arte não é cumulativa - e na proporção de sua autonomia - ela não só pode, mas necessita inovar e recomeçar todos os dias e em todas as épocas. Só com esta inovação – e com o seu recomeçar perpétuo - a arte mantém a coerência entre o ENTE e o SER em permanente mutação.


A transcendência a potencializa a arte. A transcendência põe em cheque “o aqui e o agora”. A arte coincide com as religiões institucionalizadas na sua busca para dilatar “o aqui e o agora” vivido tanto pelo olhar retrospectivo como através do anúncio do apocalipse e da parusia. A arte questiona o presentismo pela ciência da “vita brevis- ars longa”.





[1] “É tal a força da solidariedade das épocas que os laços da inteligibilidade entre elas se tecem verdadeiramente nos dois sentidos. A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado. Mas talvez não seja mais útil esforçar-nos por compreender o passado se nada sabemos do presente” . Marc Bloch 1976, p.42BLOCH, Marc (1886-1944) . Introdução à História.[3ª ed] Conclusão de Lucian FEBVRE - .Lisboa :Europa- América 1976 179 p.


Fig. 02 – CATEDRAL e CÚRIA de PORTO ALEGRE .

Porto Alegre - RS - Foto Luis Roque KLERING

.A igreja mergulhada na concentração urbana.

Com este mentalidade é necessário afastar qualquer veleidade de estetização, alienação da vida e ideologia salvacionista pela arte. A arte sacra no Rio Grande do Sul esta iniciando uma nova etapa com novos meios e em novas circunstâncias.


A arte está em quem a produz[1]. Este ente chamado ‘artista’ para merecer este nome, sempre esteve em sintonia, mental e física, com a civilização na qual desenvolvia a sua criação.


O tempo da arte servil - e apenas usada para outros fins - também venceu esta etapa de sua heteronomia no Rio Grande do Sul. A autêntica arte ao deliberar e decidir - pelos meios de comunicação da cultura contemporânea - afasta qualquer instrumento de fomento manipulado pelo populismo interesseiro. Assim a arte não prospera mais nas circunstâncias nas quais se cultiva formas que a induzem à heteronomia de sua vontade.


[1] - “Toda a arte está no que produz, e não no que é produzido”. Aristóteles[1](1973: 243 114a 10 )

Fig. 03 – IGREJA SÂO DOMINGOS.

MAXIMILIANO de ALMEIDA - RS - Construída em 1943 na piora fase da II Guerra Mundial e Estado Novo.

. Igreja na qual a arte colocou as estrelas ao alcance das mãos.


De sua parte, as artes abandonaram, há muito tempo, o seu castelo medieval de marfim das Belas Artes e circulam na cidadania contemporânea. Com esta cidadania ingressaram, decididas, no campo da busca da verdade e da justiça. A arte postula, por meio desta busca de justiça e de verdade, o seu lugar na universidade. Esta possibilidade existe desde que Leonardo da Vinci anunciou que “uma pintura é algo mental”. A arte sustenta esta decisão apesar de toda a carga de desqualificações gratuitas que a arte carregou ao longo da heteronomia em que viveu.


As artes - ao assimilarem as dúvidas de Sócrates e de Cézanne - entenderam, assimilaram e foram solidárias com as dúvidas dos fiéis. Com estas dúvidas em mente as artes penetram no mistério humano e de lá regressam com os signos que vinculam a criatura humana ao seu Criador.


As artes transformam, com os seus meios sensoriais, em obras perceptíveis aos sentidos humanos. Estas obras não possuem significados - e são limitadas - para quem cultiva a onisciência, onipotência, eternidade ou onipresença. Estas pessoas são absolutamente incapazes, pelas suas próprias escolhas, de qualquer ruptura epistêmica pois - se a praticassem esta ruptura- todo o seu castelo de areia correria riscos e o transformariam em escombros.

Fig. 04 – O QUOTIDIANO das CONCENTRAÇÕES URBANAS .

SOB a MARQUISE da PALÁCIO da JUSTIÇA PORTO ALEGRE - RS - Foto Círio em 21.01.2010

. Intensifica-se em Porto Alegre tapete humano da Avenida São João de São Paulo –SP. .


O “aqui e agora”, contraria a onipresença e os mecanismos de fuga da verdade, da justiça e da autêntica beleza. Justiça inaceitável para quem contempla, com objetividade, o tapete humano formado por “habitantes de rua” de metrópoles como São Paulo - e onde se inclui Porto Alegre[1] - com cada vez mais marginais. A autêntica beleza é impossível constituir-se cultivando sentimentos de onisciência, de onipotência ou de eternidade num mundo transitório e sujeito á entropia de qualquer projeto humano.


Se os problemas são visíveis e contundentes, parece que a solução não é se precipitar sobre eles e aumentar a sua complexidade[2].


Nas críticas aos meios numéricos digitais é necessário entender que eles representam um recurso material da pós modernidade, mas para a sua transformação em cultura, exigem uma nova arte que supõe mudança de mentalidade. Também houve necessidade de mudanças de mentalidades - ampliação e consolidação de outros repertórios culturais e artísticos - quando da mudança da era pastoril quando o nomadismo foi substituído pelo sedentarismo da era agrícola. A mesma mudança - de mentalidade pastoril ou agrícola - foi necessária quando da passagem da era agrícola para os imensos acúmulos de gente, recursos e capitais ao redor da fábrica gerando metrópoles imensas e incompreensíveis. Houve resistências e abismais descompassos entre grupos humanos colocados nestas exigências de mudanças de mentalidades, ampliação e consolidação de outros repertórios culturais e artísticos.




[2]Querer o bem com demais força e de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal por principiar. Esses homens ! Todos puxavam o mundo para si, para concertar consertando. Mas cada um só vê e entende as coisas dum seu modo .

GUIMARÃES ROSA, João. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro : José Olympio, 1963, p. 18.

Fig. 05 – SINCRETISMO RELIGIOSO de PORTO ALEGRE.

OUT-DOR - RS - 01.02.2010

. Práticas religiosas afro-brasileiras em Porto Alegre[1]

Com os meios numéricos digitais a humanidade tropeça numa mina que pode render muito se bem tratada, estudada e o seu uso-fruto socializado adequadamente. Muitos já tentaram realizar esta tarefa individualmente e de forma empírica. Contudo esta tarefa é coletiva e que inclui o Estado. Estado portador de um projeto civilizatório compensador do exercício da violência. Exercício da violência da qual o cidadão individual abdica, e que ele delega contratualmente ao Estado[2].


A ausência dos pelourinhos, derrubados em 1822 e dos papeis da escravidão, queimados pela república, permitiu construir o mito do “homem cordial brasileiro”. No Rio Grande do Sul a “benignidade da escravidão” foi contra todas as evidencias[3] registradas pelos visitantes estrangeiros e da lenda do Negrinho do Pastoreio.


A nova geração - cada vez mais preocupada e alienada destas “velharias” - não encontrará sentido para um passado que em outras culturas que constitui a base econômica pelo turismo e a indústria cultural


Contudo este material continuará sendo constituído por papéis velhos, peças artesanais e prédios em acelerada entropia sem que as instituições e os parâmetros científicos - universalmente reconhecidos e sejam acatados de fato e de direito.


A arte, na medida em que é ética, consciente e coerente, não pode jogar o manto da ignorância ou da fácil estetização populista sobre as suas circunstâncias.


A arte - na sua busca e dúvidas em relação à verdade, à justiça e também ao belo - é realizada pelos sentidos humanos e que estão colocados, como meios, entre o ENTE e o SER. A continuidade desta busca e a instalação de projetos civilizatórios compensatórios e competentes, supõe a existência e pleno funcionamento de instituições. Certamente o Museu de Arte Sacra da Arquidiocese de Porto Alegre será uma destas instituições. A adesão coletiva a este projeto poderá mudar a arte e a cultura. O Museu de Arte Sacra da Arquidiocese poderá acrescentar os seus bens matérias e imateriais, da justiça e da beleza de Porto Alegre, como aconteceu nas passagens que a humanidade já enfrentou e venceu aqui e alhures.




[3] CARDOSO, Fernando Henrique 1931 –Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul – São Paulo : Difusão Européia do Livro. 1962, 337 p. il - No sistema de bibliotecas UFRGS Nº 000159133



Fig. 06 – PRÉDIO da CÚRIA METROPOLITANA de PORTO ALEGRE.

Rua Fernando Machado com Espírito Santo - POA - RS - Mr. VILLAIN, em 1865 – Mestre João GRÜNEWALD, em 1888

. http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%BAria_Metropolitana_de_Porto_Alegre

http://zerohora.clicrbs.com.br/pdf/6128824.pdf

20 de março de 2009 ZH - N° 15913 – CADERNO CENTRO POA, p.01 PATRIMÔNIO Catedral e Cúria são patrimônios Após oficialização do tombamento, prédios devem passar por restauração Texto enviado pelo leitor José Severino Toigo ZERO HORA –nº 15.913 Porto Alegre - Caderno Centro Patrimônio p. 01 20 de março de 2009

http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2445828.xml&template=3898.dwt&edition=11943&section=1054


CORONA, Fernando Cem anos de formas plásticas e seus autores. in Enciclopédia Rio-grandense – O RIO GRANDE ANTIGO [2ª ed] Porto Alegre : Livraria Sulina 2º volume 1968, pp.140 – 161




SUMARIO e LINKS dos ARTIGOS RELATIVOS à

ARTE SACRA SUL-RIO-GRANDENSE:


01 - SALÃO de ARTE SACRA.

http://profciriosimon.blogspot.com/2010/01/salao-de-arte-sacra-no-mutirao.html


02 - A IMAGEM FOTOGRAFICA na EXPOSIÇÃO de ARTE SACRA no MUTIRÃO de COMUNICAÇÃO AMÉRICA LATINA e CARIBE: processos de Comunicação e Cultura Solidária.

http://profciriosimon.blogspot.com/2010/01/arte-sacra-sul-riograndense-02.html


03 -DOIS ARTISTAS que PRATICAM a ARTE SACRA no RIO GRANDE do SUL GLÊNIO BIANCHETTI - DANÚBIO VILAMIL GONÇALVES

http://profciriosimon.blogspot.com/2010/01/arte-sacra-sul-riograndense-03.html

04 -QUANDO ARTE e RELIGIÃO DIALOGAVAM.. Arte cinética na Igreja São João.

http://profciriosimon.blogspot.com/2010/01/arte-sacra-sul-rio-grandense-04.html

05 - QUANDO ARTE e RELIGIÃO BUSCAVAM DIALOGAR.. UMA OBRA CINÉTICA PARA AMBIENTE RELIGIOSO

http://profciriosimon.blogspot.com/2010/01/arte-sacra-sul-rio-grandense-05.html


06 - DOIS ARTISTAS ITALIANOS CONCEBEM e REALIZAM o que ERA POSSÍVEL no RIO GRANDE do SUL na METADE do SÉCULO XX. Aldo de Danielli Locatelli [*1915 +1962] e Emílio Sessa[1] [*1913-+1990]

http://profciriosimon.blogspot.com/2010/01/arte-sacra-sul-rio-grandense-06_6816.html

07 - VITRAIS em PORTO ALEGRE na PESQUISA de MARIANA WERTHEIMER

http://profciriosimon.blogspot.com/2010/01/arte-sacra-sul-rio-grandense-07_1576.html


08 - A ARTE SACRA e a INTELIGÊNCIA GRIS trabalho acadêmico do Dr. Altamir MOREIRA

http://profciriosimon.blogspot.com/2010/01/arte-sacra-sul-rio-grandense-08.html

09 - JOSEPH FRANZ SERAPH LUTZENBERGER e o GÓTICO HISTORICISTA no RIO-GRANDE do SUL

http://profciriosimon.blogspot.com/2010/01/arte-sacra-sul-rio-grandense-10_21.html


10 - O MESTRE JOÃO GRÜNEWALD e o GÓTICO HISTORICISTA.

http://profciriosimon.blogspot.com/2010/01/arte-sacra-sul-rio-grandense-09.html


11 - João do COUTO SILVA e a etnia e cultura lusitanas Entalhe em madeira.

http://profciriosimon.blogspot.com/2010/01/arte-sacra-sul-rio-grandense-11.html


12 - A ARTE e o USO da MADEIRA ao SERVIÇO da PROPAGANDA da FÉ

http://profciriosimon.blogspot.com/2010/01/arte-sacra-sul-rio-grandense-12.html


13 - O RIO GRANDE do SUL do LITORAL e do PAMPA.

http://profciriosimon.blogspot.com/2010/01/arte-sacra-sul-rio-grandense-13.html

14 - RIO PARDO e a TRANQUEIRA INVICTA do PROJETO LUSITANO para o RIO GRANDE do SUL

http://profciriosimon.blogspot.com/2010/01/arte-sacra-sul-rio-grandense-14.html


15 - As MISSÕES do RIO GRANDE do SUL – JESUITAS – PROPAGANDA da FÉ

http://profciriosimon.blogspot.com/2010/01/arte-sacra-sul-rio-grandense-15.html

16 - A ESTÉTICA AFRO-SUL-RIO-GRANDENSE e a ARTE SACRA

http://profciriosimon.blogspot.com/2010/01/arte-sacra-sul-rio-grandense-16.html

17 - ARTE SACRA e CIRCULAÇÂO do PODER NO RIO GRANDE do SUL

http://profciriosimon.blogspot.com/2010/01/arte-sacra-sul-rio-grandense-17.html


18 - ARTE SACRA e sua DIACRONIA e SINCRONIA com os ESTÁGIOS PRODUTIVOS do RIO GRANDE do SUL.

http://profciriosimon.blogspot.com/2010/01/arte-sacra-sul-rio-grandense-18.html


19 - COMISSÂO de ARTE SACRA. COMISSÂO ARQUIDICESANA de ARTE SACRA [CAAS] – PORTO ALEGRE – RS

http://profciriosimon.blogspot.com/2010_02_01_archive.html

20 – A ARTE SACRA no RIO GRANDE do SUL: AQUI e AGORA



O presente artigo é solidário com o MUTIRÃO de COMUNICAÇÃO AMÉRICA LATINA e CARIBE a realizar-se de 03 a 07 de fevereiro de 2010 na PUC-RS Porto Alegre –RS. http://muticom.org/cultural/




[1] Em relação à Emílio Sessa veja o site http://www.emiliosessa.com.br/

Um comentário:

  1. Luiz Eduardo Robinson Achutti2 de março de 2010 às 17:45

    O meu ex-diretor, professor Círio Simon é uma das poucas pérolas de toda a história de cem anos do Instituto de Artes, parabéns, tua energia e fé são invejaveis.
    abs
    Achutti.

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