quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

SOBERANIA ou AUTONOMIA da UNIVERSIDADE ?

“Uma das funções primaciais da universidade é cultivar e transmitir a cultura comum; não havendo o Brasil criado a Universidade, mas apenas cursos profissionais superiores, deixou de ter o órgão matriz da cultura nacional a qual elabora pelo cultivo da língua, da literatura e das ciências naturais e sociais da universidade.” (TEIXEIRA, 1989: 74)[1].



[1] TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio(5ª ed) Rio de Janeiro : UFRJ. 1994, 250 p.

Fig. 01 – Portal da Academia Imperial de Belas Artes (1826). Jardim Botânico --RJ

http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/ad_portalaiba.htm


A universidade ocidental, como a conhecemos hoje, nasceu em Bolonha, na Itália. Mantida pelas repúblicas dos estudantes ela gozava de várias formas de soberania. Tinha soberania financeira na medida em que era mantida pelas contribuições dos estudantes das suas repúblicas. Tinha soberania didática na medida em que eram estes estudantes que contratavam e mantinham os seus mestres. Tinha soberania administrativa na medida que era gerida pelo poder estudantil. Contudo este acúmulo de poder desencadeou tensões incontroláveis para quem deveria administrar tal conjunto explosivo. A intervenção do poder civil e religioso não tardou.


Contudo este experimento medieval foi muito importante para as diversas repúblicas italianas que tentavam aglutinar os antigos e os estreitos feudos medievais e proclamaram a soberania dos estados do Renascimento Italiano.


Na França a experiência começou em Paris com uma universidade mantido pelos mestres que ofereciam as suas lições aos estudantes que pagavam o serviço prestado. As divisões e os confrontos não foram menores que as de Bolonha. Os reis franceses e o clero intervieram e mantiveram a Sorbonne sob o seu controle até e Revolução Francesa que a extinguiu. Criou o ‘Institut de France’ com as suas academias, sem estudantes e que por sua vez gerou a escolas para os estudantes.


O Brasil só teve legalmente, em 1931, uma universidade para todo território nacional. A partir do final período Colonial o Brasil teve os seus cursos superiores profissionalizantes e, a partir de Regime republicano, algumas universidades regionais temporãs[1].



[1] CUNHA, Luiz Antônio, Universidade temporã : o ensino superior da Colônia à Era Vargas. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira. 1980, 295p

Fig. 02 – Logo da UFRJ.

http://www.lccv.ufal.br/downloads/copy_of_imagens/marcas/ufrj.jpg/view



A instalação da universidade no Brasil teve viva e continuada resistência dos positivistas que percebiam nela um instrumento de ‘pedantocracia’. Com o hábito latente da escravidão e a heteronomia do poder originário nas mãos de uma elite racial e econômica, o perigo da instalação de universidade brasileira era evidente. Até hoje há docente que defendem que ‘o professor não aprende nada com seus estudantes’. Enquanto isto os primeiros mestres do Brasil trataram de aprender a língua do nativo e conferir-lhe uma gramática universal (avanhenga). Mas foram impedidos, pela corte lusitana[1], de criar e de gerir fundações de escolas que se pudessem tornar autônomos, ao estilo adotado posteriormente pelos norte-americanos.



A universidade brasileira foi fundada por um governo provisório e que chamou a si, em 1937, todos os poderes nacionais, inclusive os da universidade. Uma das primeiras vítimas deste Estado Novo foi o Desembargador André da Rocha primeiro reitor da UFRGS.



Já em 1947, com retomada nominal da democracia brasileira, o reitor da época Universidade da Bahia tentou continuar os hábitos do regime de 1937. Nisto ele foi interceptado pelo seu conterrâneo o Ministro da Educação Clemente Mariani Bittencourt que elucidou



no conceito de autonomia há dois elementos essenciais: um é o das raias que limitam a ação; o outro, é o poder de agir livremente dentro dessas raias. Sem raias limitadoras, estaríamos em face, não da autonomia, mas da soberania ou do arbítrio. Assim entendido, seria ilógico falar-se em autonomia ‘absoluta’: o conceito é sempre relativo e a amplitude do círculo de liberdade pode sofrer infinitas variações” (in Nóbrega, 1952, p. 329)[2]


Clemente Mariani estava falando do interior e fazendo-se porta-voz do governo federal e do qual a Universidade da Bahia se considerava uma das suas instâncias.



[1] TOBIAS, José Antônio. História da Educação Brasileira. São Paulo : Juriscredi, 1972, 484p


[2] NOBREGA, Vandick Londres. Enciclopédia da legislação do Ensino. Rio de Janeiro; Revista dos Tribunais. 1952.

Fig. 03 – Clemente MARIANI BITENCOURT

http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/CleMaBit.html


Uma universidade do Estado Brasileiro possui os seus claros limites num projeto nacional. Uma universidade mantida pelo Estado Nacional, como instrumento deste projeto, encontra-se limitada economicamente pelo orçamento federal. Limitada administrativamente pela estrutura e pela hierarquia dos órgãos federais e limitada didaticamente por aquilo que aponta a constituição brasileira e o que é elucidado pela LDB.


No interior destes limites existe um imenso espaço para desenvolver a ação universitária.

Contudo não há necessidade de alargar os limites orçamentários se esta universidade delibera e decide, na sua imensa liberdade, fechar-se no que o mestre Anísio Teixeira denúncia no epígrafe do presente artigo. Os exemplos desta deliberação e decisão estão no hábito continuado de apenas se constituir numa federação de cursos superiores profissionalizantes. Com esta deliberação e decisão a universidade estatal torna-se presa fácil do mercado para o qual ela se auto-limita a preparar mão do obra, não tão qualificada assim e também dessincronizada devido a violenta e rápida evolução dos mercados e do anacronismo de profissões tradicionais


A universidade ao escolher o caminho da fazer e não da ação está heteronomia das empresas que possuem a meta do trabalho e não da obra. Assim o seu caminho se encontra na obsolescência programada que distingue a era fabril e a formação do ‘homo faber’ na concepção de Hannah Arendt.


No Brasil o fracasso das fundações da Escola dos Meninos da Bahia, das Escolas Livres, das Universidades Técnicas e das Escolas de Artes e Ofícios e tantas outras tentativas naufragadas na ganância os lucros das escolas empresa cuja memória foi queimada como se queimou os papeis da escravidão no início do Regime Republicano.

Fig. 04 - Tomaz Aroldo da Mota Santos

http://www.andifes.org.br/ex-presidentes/tomaz.html


Para contrapor todos estes desvios da universidade brasileira vale o sábio conselho do Reitor da UFMG e Presidente da Andifes, Tomaz Aroldo da Mota Santos, do qual este autor ouviu, em plenas quadrilhas, numa festa junina celebrada no átrio da Escola de Belas Artes da UFMG:

A universidade não é só gerenciamento !

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