SÓCRATES ao LAP-TOP[1]
O silêncio que acompanhou, em todas as épocas, o operário no seu ritual do trabalho individual e coletivo - foi rompido pela chegada das estrepitosas e frenéticas máquinas da 1ª era industrial. Estas também voltaram ao silêncio na era pós-industrial.
O silêncio que acompanhou a mítica construção do templo de Salomão - na qual não se teria ouvido qualquer batida de martelo durante a sua montagem - fornece uma imagem do silêncio que acompanhou o operário na concentração ao longo dos trabalhos dignos deste nome.
Este silêncio era motivado, e ganhava sentido, no discurso lógico e consequente do intelectual. Discurso que motivava líderes e trabalhadores a manter a coerência de sua ação naquilo que deveria ser uma obra digna deste nome.
Contudo este intelectual silenciou. Silenciou diante da cacofonia das máquinas. Cacofonia que forneceu a oportunidade para qualquer idiota criar e emitir o discurso mais absurdo. Discurso ampliado e disseminado pelas máquinas estrepitosas e sem alma.
O “homo faber” mergulhou na monótona algaravia destes idiotas das máquinas, a cacofonia das pseudo-idéias nascidas das máquinas e marcadas pela obsolescência. Pseudo-idéias que queriam fazer sentido apesar das poluições visuais, auditivas, olfativas, táteis e gustativas que forma e invadem o mercado. Mercado opressivo, cada vez maior e cada vez mais saturado de produtos descartáveis. Produtos que apenas desejam, para si mesmos, a criatura humana toda e do início ao final da vida. Produtos que marcam carimbo LIXO os seus consumidores. Este quadro não pode suscitar mais do que pena e repulsa da parte de quem contempla esta cena.
Mas esta repulsa não pode ser ativa. A única coisa que esta cultura da barulhenta da máquina necessita é que ela seja notada e apreciada. Notada e apreciada para que ela possa jogar, com segurança a rede da sedução e arrastar a sua vítima para a sua lógica do consumo e do descarte no triturador do LIXO.
Neste ponto é necessário escutar Sêneca
“não se deve combater de frente as dores que causam a violência do primeiro arrebatamento, pois esta exaltação só pode intensificar e aumentar as dores; como em todas as enfermidades não há nada mais pernicioso do que remédio prematuro”. SÊNECA.Consolo à Hélvia , p3.
Seguindo o mesmo caminho de Sócrates, certamente Sêneca estava pensando nisto quando foi compelido à morte pelo seu aluno Nero. Este, por sua vez, morreu afirmando “o mudo não sabe que artista ele está perdendo”. Avaliação digna de todos os seus desatinos e da falta de meditação sobre os três livros que seu antigo mestre havia escrito para tirá-lo do caminho da compulsão do fazer pelo fazer das multidões que confluíam, em massa, para uma super-povoada Roma Imperial. Império que improvisava a sua sobrevida pela política do “pão e circo”.
A resistência ao primeiro impulso, o silêncio e a não-violência representam o AGIR na sua forma mais pura e o antídoto do FAZER pelo FAZER. No espaço do AGIR ganha sentido o intelectual que declara “só sei que nada sei” . Posição que diz da repulsa daquele que para esquivar se do embate com o idiota. Desvio recomendado para outro intelectual pois “não se deve argumentar com todo mundo, nem praticar argumentação com o homem da rua, pois há gente com quem toda discussão tem por força que degenerar” [2]..
No silêncio o que mais assusta é a possibilidade, e o risco que alguém corre, de ver quebrado e subvertido o seu poder longamente construído. O silêncio absoluto permite levantar o temor de alguém aproveitar o vazio para impo o seu poder. Na arte as operações aleatórias do silêncio apaga a clássica relação entre autor e aquele que recebe a obra de arte.
Em plena cacofonia das maquinas e na efervescência da algaravia dos discursos dos seus idiotas, o intelectual Ludwig WITTGENSTEIN,(1889-1951) encerrou enigmaticamente o seu Tractatus Logico-Philosophicus pelo Aforismo 7 “O que não pode ser dito deve ser calado”[3]. Para obter este distanciamento e silêncio aceitou trabalhar numa escolinha nas montanhas da Áustria.
A Catalunha esta mostrando[4], no início do ano de 2010, as contribuições para reinstalação da obras da obra de arte a partir do silencio[5]. Trata-se do músico John Cage (1912-1992) e as suas colaborações com o artista Marcel Duchamp (1887-1968) . Cage que ficou conhecido pela sua peça que ele intitulou 4’33”, na qual ele permaneceu, exatos quatro minutos e trinta e três segundos sentado, em absoluto silêncio, diante do piano aberto. Enquanto isto Marcel Duchamp recusava-se a negociar qualquer das suas obras. Recusa que lê praticava em plena vendaval do mercado de arte que seus colegas de geração levantaram e sustentaram no período clássico da arte moderna. Dedicou-se ao xadrez para sobreviver. Talvez mais do que qualquer artista, da era da máquina, ambos merecem, e demonstraram coerentemente, ao longo de suas existências, o que Aristóteles já afirmara“toda a arte está no que produz, e não no que é produzido”[6]. assim Cage e Duchamp são pilares de movimentos como o minimalismo[7] nas artes. Minimalismo que faz o seu caminho nos espaços do silêncio e onde caminharam Piet Mondrian, Brancusi, e tantos outros, que realizaram a sua vida nesta estrada afastada do ruído e da cacofonia.
Cage contava com a experiência no “espaço zero” do Nirvana oriental. Enquanto Duchamp continuou e ampliou o “espaço zero” da arte que foi o dadaísmo. Dadaísmo que disseminou o silêncio, do alto das montanhas da Suíça, para o mundo surdo com os trovões das maquinas dos canhões da Primeira Guerra Mundial. Ruído que não deixou de crescer e de se intensificar. Ruído que colocou de frente a possibilidade concreta de riscar a existência humana da face do planeta Terra e devolvê-la, aniquilada, aos ruídos naturais dos demais planetas do sistema solar.
Infelizmente as antigas instituições sucumbiram e tornaram-se lugares de cacofonia. Abriram indiscriminadamente as suas portas, tornando-se lugares de multidões barulhentas, confusas e assustadiças. Instituições que abriram espaços e a audiência para o discurso do homem da máquina. Contudo as autênticas instituições sabem do valor do silencio e que elas não são sinônimos das ruidosas e numerosas multidões, entre as quais possam contar com os intelectuais e com os artistas consistentes. Multidões - que no exemplo de um rebanho - caminham para o matadouro como última estação e lugar do seu berro derradeiro.
[2] Aristóteles –Tópicos – [Penúltimo aforismo ]http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2300
[3] “7 What we cannot speak about we must pass over in silence”. Satz 7 “Wovon man nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen” WITTGENSTEIN, Ludwig. (1889-1951)Tractatus Logico-Philosophicus. Trad. Luiz Henrique Lopes dos Santos. São Paulo: EDUSP, 1994. http://www.masonic-library.org/Texte/WovonManNichtsprechenkann.pdf
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=36545
[4]http://www.macba.cat/controller.php?p_action=show_page&pagina_id=28&inst_id=25201&lang=ESP&PHPSESSID=7jijj7u741jd2msna0hvv85ol4
[5] http://www.lemonde.fr/culture/article/2009/12/31/quelques-minutes-de-silence-avec-john-cage_1286313_3246.html#ens_id=1286368
[7] http://pt.wikipedia.org/wiki/Minimalismo
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