segunda-feira, 14 de dezembro de 2009





EU FAÇO a HISTÓRIA – VOCÊS a ESCREVEM”.


Fernando Collor de Mello



A frase do ex-presidente demonstra não só todo o seu desconhecimento do que seja História, como, a vista de todos, exibe a sua onipotência, onisciência, eternidade e onipresença de que se julga portador.


Para iniciar, a História sempre é constituída por uma narrativa que pode tomar formas orais, escritas ou icônicas. Os dados empíricos pertencem à Natureza e como tais são meros objetos e sem alma própria[1].


O historiador autônomo, ao construir esta narrativa vai buscar o referencial como profissional, desta narrativa, em dados empíricos do passado, que ele seleciona sob um paradigma ou mentalidade que constitui o seu repertório. Evidente que os poetas do cordel e os trovadores nordestinos louvam o que consta num imaginário humano universal. Como tais não possuem a ambição da fidedignidade e nem interessa o que aconteceu de fato. Os poetas são superiores e mais universais do que os historiadores, pela concepção de Aristóteles [2]. Contudo, até o presente, a grande poesia universal ficou indiferente ao ego inflado deste ex-presidente. O poeta-cantor nordestino louva-se no que lhe é oferecido, em segunda ou terceira mão, pela mídia da indústria cultural e premido por necessidades primárias básicas.


O historiador autônomo e profissional, possui a liberdade de deixar de lado, na sua seleção, este ex-presidente, por considerá-lo irrelevante, ou um equívoco do povo ou um embuste de marketing. Neste caso este historiador não possui outra saída do que remeter os fatos, de que este personagem julga-se protagonista, para casos de marketing, dolo ou insignificância. Tudo isto apesar de o personagem julgar-se onipotente, onisciente, eterno e onipresente e digno da mais alta consideração.


O historiador pode fixar também nos efeitos que um personagem provoca sem se dar ênfase para a causa de tantos males que provocaram um povo inteiro para levantar se unânime contra ela.


O pobre homem catapultado para a órbita do cargo presidencial, não encontra meios para descer para atmosfera da cidadania e da condição dos demais mortais. Re-encena-se a triste figura do Dom Quixote de La Mancha de Cervantes.


A frase “eu faço a História” atualiza as palavras de consolo ao onipotente, ao onisciente, ao eterno e ao onipresente, que Moliére[3] coloca na boca de:


Don Juan: - Il n’y a plus de honte maintenant à cela: l’hypocriesie est vice à la mode, et tous les vices à la mode passent pour vertus. Lê personnage d’homme de bien est lê meileur de tous lês personnages qu’on puísse jouer aujourd’hui, et la profession d’hypocrite a de merveilleux avantages. C’est um art de qui l’imposture ets toujours respectée; et quoiqu’um la découvre, on n’ose rien dire contre elle”.


O sofrimento de personagens, desta natureza, vai até o momento da sua desintegração física e o seu retorno à Natureza que não tem nada por dentro. Permanece o consolo de


Sganarelle[4] - Ah ! mes gages ! mes gages [...] il n'y a que moi seul de malheureux, qui, après tant d'années de service, n'ai point d'autre récompense que de voir à mes yeux l'impiété de mon maître punie par le plus épouvantable châtiment du monde. Mes gages ! mes gages ! mes gages ¡








[1]- “ A Natureza não tem nada dentro: senão não era a Natureza” Li Hoje – Fernando Pessoas (Alberto Caeiro)




[2] “O historiador e o poeta não se distinguem um do outro, pelo fato de o primeiro escrever em prosa e o segundo em verso Diferem entre si, porque um escreveu o que aconteceu e o outro o que poderia ter acontecido. Por tal motivo a poesia é mais filosófica e de caráter mais elevado que a história, porque a poesia permanece no universal e a história estuda apenas o particular”.


Aristóteles – Da arte poética http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2235




[3] MOLIÈRE (Jean-Baptiste Poquelin, 1622 - 1673) ELOGIO da HIPOCRISIA Don Juan ou le festin de Pierre Acte V, p 79/80





[4] - Moliere gostava de interpretar este personagem

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