Os arquivos são índices positivos e comprobatórios das civilizações que contribuem, ou contribuíram, para retirar a criatura humana do seu estado natural entrópico.
A ausência, ou destruição deliberada dos arquivos, é índice da barbárie e do infra-humano a que a criatura pode chegar na sua degradação. A barbárie é direta e objetiva: depreda, silencia e aniquila tudo o que possa denunciar o seu lado negativo e sem deixar rastros das suas atrocidades.
As grandes civilizações criaram instituições, educaram e nomearam profissionais competentes para guardar para si mesmas e para as novas gerações tudo que as enaltecem. Assim as instituições e Arquivistas constituem a parte logística de uma civilização amadurecida e sobre as quais é possível planejar novas conquistas, sem correr p risco repetir a História.
A História, como narrativa – posterior ao evento e datada - necessita destes referenciais, não para imitá-los, mas para evitar a sua repetição e para a superação do que já foi visto. Contudo na maioria das vezes encontra, em vez do arquivo, a sua ruína ou o silencio e o temor que a barbárie infundiu de qualquer documento autêntico. A narrativa é constrangida a se calar diante desta cena deprimente e passa a buscar a memória de outros grupos humanos e onde valha a pena o esforço de fazer falar os que o tempo emudeceu. De outra parte é possível, a partir do documento datado, estabelecer o contraditório que uma certa narrativa datada que necessita enfrentar periódica revisão.
Torna-se mais do que evidente que
“é tal a força da solidariedade das épocas que os laços da inteligibilidade entre elas se tecem verdadeiramente nos dois sentidos. A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado. Mas talvez não seja mais útil esforçar-nos por compreender o passado se nada sabemos do presente” . Marc Bloch 1976, p.42.[1].
Estes laços de inteligibilidade passam necessariamente pelo tipo de documentos, existentes, ou inexistentes, que alimentam esta circulação do poder de uma civilização para outra.
Infelizmente o historicismo positivista arrastou esta circulação para uma terrível estagnação ou impôs uma verdade dada e definitiva, proveniente de uma ideologia equivocada[2]. O que se verifica, neste caso, é a repetição da história como uma farsa. A simples existência de um arquivo pode infundir, aos menos avisados, a ojeriza, pelo arquivo, proveniente da onipotência, da onisciência, da onipresença e da eternidade do simples documento sem a viva presença atualizadora do Arquivista. Deste sentimento para a destruição ou abandono do Documento e doa Arquivo, é um passo só.
O cargo de Arquivista é simplesmente ignorado nas universidades federais do Brasil. Basta verificar o que aconteceu com a Lei nº 12.156 de dezembro de 2009. na qual não costa NENHUM cargo de ARQUIVISTA.
Depois do leite derramado, seria necessário verificar a quem cabe a culpa de quem realizou a minuta desta lei. Certamente não foi quem assinou ! Certamente quem elaborou esta minuta tem aversão a que este profissional Arquivista conste com este nome nesta estrutura. Esta ausência abre o flanco para irresponsabilidades fiscais e de tantos outros objetos de inquéritos administrativos que poderiam ser facilmente prevenidos pela inclusão do Arquivista profissional, e com este nome, no corpo administrativo destes entes federais. A leitura do discurso omisso se impõe diante da estrada aberta para as manipulações, desvios e prestações de contas não documentadas integralmente. O crime é cometido antes que se abram os portões das Procuradorias, dos Tribunais de Contas e a chegada da Polícia Federal. Após este crime praticado, a única providência, em relação a estes descontroles, é remeter estes desvios para debaixo do tapete e dos engavetamentos de processos que poderiam ser evitados pelo Arquivista como profissional qualificado que acompanha o dia a dia da geração, circulação e arquivamento documental. A administrador poderia dedicar-se tranquilamente às funções do seu cargo se os documentos fluíssem, fossem devidamente arquivados e recuperados na hora oportuna quando há necessidade de tomadas de decisões. Isto sem pensar no imenso potencial para o continuum institucional nas horas das avaliações e nas pesquisas acadêmicas, que possuem como objeto estas universidades como pólos de um saber indispensável. Documentos que poderiam evitar os labirintos, o eterno recomeçar e a repetição da história como uma farsa pela falta de conhecimento da natureza do campo que ali está sendo trabalhado pela carência de circulação de documentos significativos.
- Onde está ao menos um mísero prêmio Nobel das nossas universidades brasileiras?
- ou qual o seu lugar no ranking publicado pelas universidades chinesas ou francesas?
Contudo, na maioria das vezes, este sentimento de aversão ao arquivo nasce de projetos mal sucedidos, criminosos ou pela vinda de um novo período administrativo ao qual se quer negar a notícia dos projetos alimentados e não realizados pela administração que se encerra ou realizados de uma forma equivocada. Aí os arquivos e os seus documentos sofrem a decapitação como aquele mensageiro que traz ao califa de Córdoba a notícia da perda de Granada.
O poder originário brasileiro está colaborando, para o incremento da barbárie e do infra-humano, enquanto o ARQUIVO seguro sejam as CUECAS ou as MEIAS SUJAS, em vez de profissionais capazes de assegurar a vida da documentação adequada. Estas práticas das CUECAS ou as MEIAS SUJAS, contornam, evidentemente, todos os arquivos. Pessoas que praticam tais atos querem ver bem longe qualquer documento e que seja capaz de denunciar tais desvios das boas práticas administrativas. Estas boas práticas administrativas são corrompidas na raiz se as funções dos profissionais do arquivo estão esvaziados e arquivistas são afastados de qualquer concurso publico, como é possível verificar no silêncio sobre o Cargo de Arquivista na Lei nº 12.156 de dezembro de 2009.
No lugar do arquivista cresce e se avoluma o indivíduo que se oferece e busca encarnar o papel como agente da HISTÓRIA – que os outros deverão escrever a partir dele como origem e fonte. Uma tal mentalidade afunda-se na imaginação infantil e na triste figura de Dom Quixote querendo ser o herói de algo que já passou há muito tempo ou foi sublimado como um mito. Ou, pior ainda, arrasta-se na contravenção pois está seguro de ninguém segue ou seja capaz de iluminar as suas pistas sórdidas.
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