domingo, 1 de novembro de 2009

TABU e TOTEM

A morte sempre foi um mistério para o ser humano e constituiu um tabu com o qual todas as civilizações tiveram dificuldade para lidar. A melhor forma de lidar, com este mistério e tabu, foi a sua estetização, tanto por meio de rituais, como em signos materiais.

A arte foi um amplo recurso nos signos matérias para transformar o tabu da morte em totem.

Na era digital numérica a morte corresponde ao deletar. O deletar suprime o corpo físico pela cremação. Cremação, tradicional nas civilizações hindus e romanas, contrapõem-se aos rituais das culturas egípcias e cristãs com as suas elaboradas obras.

O lema positivista "cada vez mais os mortos necessariamente comandam os vivos"[1] sustentou a mentalidade egípcia e cristã. Mentalidade que está migrando, na contemporaneidade, para as concepções pragmáticas romanas ou a viagem mental ao Nirvana hindu. A cultura brasileira acompanha a contemporaneidade. Contudo ela ostenta as suas vastas cidades dos mortos da mentalidade cristã que concorriam com a cidade dos vivos.

As pesquisas empíricas e teóricas, nas cidades erguidas para os mortos, revelaram ricos dados estéticos, sociais e até econômicos. Dados que são índices chaves das representações de que os diversos segmentos e estratos da sociedade brasileira são portadoras. No aspecto econômico, o médico baiano Clarival do Prado VALLADARES (1918-1983), ao pesquisar o monumental legado do Nordeste brasileiro, observou que em certas épocas e lugares, 80% do seu orçamento - destinada às artes plásticas - era aquele das cidades dos mortos[2].

Porto Alegre não fugiu a esta tradição. A primeira metade do século XX assistiu o apogeu de sua arte funerária. As exemplares pesquisas empíricas e teóricas do professor Harry RRODRIGUES BELLOMO[3] revelaram e continuam a revelar as mais profundas conexões, obras e gestos para lidar com o tabu da morte e a sua estetização, tanto por meio de rituais como em signos materiais.

A imagem acima é do Cemitério São José em Porto Alegre. Trata-se de uma cópia, de 1931, da obra do escultor e intelectual Adolf Ritter von Hildebrand (1847-1921). O escultor e intelectual certamente tinha presente na sua memória - quando elaborou o original em 1919 - a hecatombe das melhores vidas e esperanças ceifadas nos campos das batalhas, entre 1914 e 1918. Esta hecatombe foi seguida pela fúria do anjo exterminador, que abateu indiscriminadamente milhões de vidas, pela Gripe Espanhola, em todos os continentes, no ano de 1918.

A morte é inexorável e constitui um duro golpe na onipotência, eternidade e onipresença do individuo humano. Este golpe pode abrir, ao menos, clareiras nestas evidências para que uma parte das pretensões à onisciência humana possa realizar-se no tempo. Clareiras que servem como degraus para a inteligência contemplar, no presente, os rituais, obras e hábitos que continuam transformando o tabu da morte em totem.

Clareiras da inteligência, rasgadas na contemporaneidade passageira e acelerada. Contemporaneidade, cujas luzes, dúvidas ou sombras, conferem sentido ao passado. Luzes, dúvidas ou sombras que podem pressagiar um futuro mais coerente com as circunstâncias humanas locais e universais.

19º dia deste BLOG



[1] - Do 10º Mandamento Cívico da Associação Brasileira de Medicina Psicosomática Regional do Distrito Federal [ ABAMPDF] Adaptado ao Positivismo, por P. A . Lacaz, do Breviário Cívico de Coelho Netto – Publicação da Liga da Defesa Nacional – 15 de novembro de 1921. http://www.abmpdf.com/mandamentos_c_vicos.html

[2] VALLADARES, Clarival do Prado Arte e sociedade nos cemitérios brasileiros. Rio de Janeiro : Conselho Federal de Cultura 1972 2v. Il Esta obra do baiano é um estudo, realizado no período de 1960 a 1970, da arte cemiterial ocorrida no Brasil desde as sepulturas de igrejas e as catacumbas de ordens e confrarias até as necrópoles secularizadas.

[3] BELLOMO Harry Rodrigues A estatuária funerária em Porto Alegre: 1900-1950 Porto Alegre : PUCRS, Inst. de Filosofia e Diss. (Mestrado em História) Ciências Humanas1988, 187 f

------ Cemitérios do Rio Grande do Sul: arte, sociedade, ideologia. BELLOMO.[org.] ( 2ª ed.) Porto Alegre : EDIPUCRS, 2008, 278 p.

Um comentário:

  1. Cirio - A partir de hoje reservo-me um tempinho para ler teus artigos.Este gaucho que nunca foi teimoso,pois nunca teimou com outro gaucho, desterrado nas plagas da heroina Anita Garibaldi,que,falam as más linguas, foi o único valente que o Estado teve,quando pode dá suas escapadas para a saudosa querência, e na falta de tempo para isso, deleita-se com a amisade à distância....Aloisio

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