17.0 – Uma obra de Francis Pelichek como
índice das artes visuais do Rio Grande
do Sul e de um estrangeiro com olhar
maravilhado que criou com carinho e competência profissional a partir da
cultura local.
17.1 – Francis Pelichek como artista 17.2 – Pelichek como um zeloso
docente de artes visuais. 17.3 – A
disciplina de Pintura como ponto crítico. 17.4 – Pelichek coloca-se aos lados
estudantes. 17.5 – As buscas de Pelichek para abrir espaço institucional para
os estudantes socializar as suas obras. 17.6 – A reprodução institucional como
uma das preocupações de Francis Pelichek . 17.7 – O profissionalismo
institucional de Francis Pelichek 17.8 – O papel da academia de artes na vida
do artista Pelichek. 17.9 – A obra de Pelichek como metáfora doas valores da
época.17.10 – A memória da obra e da pessoa de Francis Pelichek
Continuação e
complemento de Artes Visuais sul-rio-grandenses
http://profciriosimon.blogspot.com.br/2015/07/arte-no-rio-grande-do-sul-10.html
Foto de Francis
PELICHEK como professor da Escola de Artes do IBA-RS. A máscara de Beethoven é do
seu amigo Fernando Corona- Acervo do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto
de Artes da UFRGS
Fig. 01 – Na sua opção pela arte Francis
PELICHEK não renunciou ao lado
intelectual e nem se isolou numa torre de marfim acadêmica. Na sua busca pela
universidade e no trabalho inerente à esta instituição artificial conservou e estimulou todas as suas exigências e ritos sócias que a
protegem da barbárie e da entropia
natural. Num depoimento da sua estudante Cristina Balbão ela
acentuava esta transfiguração entre o homem natural e social quando Pelichek
assumia as suas funções do magistério.
17.1– Francis Pelichek como artista
A vida e
a obra de Francis Pelichek (1896-1937)[1] são
exemplares para ilustrar em Porto Alegre o projeto político da Velha República
do Rio Grande do Sul e o seu projeto estético decorrente. Exemplar, tanto nas
conquistas, como nas fraquezas e contradições desse projeto no seu
desenvolvimento entre as duas guerras mundiais.
Estas
conquistas acumuladas ao logo de breve vida - de 41 anos de existência - o
livram de receber nas suas costas um alfinete classificatório de uma
determinada estética, tendência artística muito menos de um único “estilo”. Sem
este alfinete nas suas costas, a obra Francis Pelichek faz refletir e caminhar
para buscar este breve e pequeno ENTE refugiado no seu modo singular de SER e
fora de qualquer quadro classificatório estético, político ou econômico. Na qualidade de um temerário econômico não se
deixar pelo conforto da cultura europeia lançou-se numa viagem exploratória do
seu mundo. No título dos seus diários deixou um aviso claro desta temeridade
“ASSIM NÃO se VIAJA”. Na sua juventude viu naufragar a “BELLE EPOQUE” do seu
mundo político nos horrores e consequências da I Guerra Mundial. Salva-se na
sua obra múltipla e num trabalho intenso apesar de disfarçar este esforço na
mais franca boemia. Transfigura em obras de artes visuais o que encontra na
rua, entre amigos ou na noite.
[1] Há poucos documentos disponíveis em língua
portuguesa sobre sua vida particular na Checoslováquia. Ele nasceu no dia 11 de
setembro de 1896 segundo a ‘Certidão de
qualidade de cidadão brasileiro para fins eleitorais’ com a data de
23.05.1935 {039-040} . Os seus dados
pessoais, na maioria das vezes, foram registrados na sua língua materna- O Arquivo Gerar do IA-UFRGS possui a
carteira da ARI e Francis PELICHEK e o Acervo da Pinacoteca do IA-UFRGS o seu
auto-retrato.
FRANCIS PELICHEK. “Velho Gaúcho” Origem da
imagem Pinacoteca Alfo Locatelli – Prefeitura Municipal de Porto Alegre:
Fig. 02 – O
olhar de um estrangeiro é competente para perceber e diferenciar aquilo que o hábito dos nativos já
naturalizou. O olhar estrangeiro de Francis PELICHEK percebeu e diferenciou, na figura do “Velho Gaúcho”, aquilo a
multissecular tradição havia naturalizado. Ao mesmo tempo PELICHEK despojou
o tema do TIPO de GAUCHO gerado e necessário para a propaganda, o marketing
e a sua MITIFICAÇÃO pela Era Industrial. Os regimes totalitários
da Europa empreendiam a busca do IDEAL OLÌMPICO com o qual forjaram o TIPO
ARIANO e de SANGUE PURO sem berço, sem velhice ou
A imagem
do “Velho Gaúcho Servindo Chimarrão”,
que ilustra este texto, mostra uma imagem implacável da passagem do tempo e
conduzindo a criatura humana, e a sua obra para a inexorável entropia universal.
Ele mesmo, com uma saúde frágil, nascido e criado em Praga e vivendo a Primeira
Guerra Mundial, registrou nesta imagem esta entropia universal e que não
pouparia uma civilização brasileira que estava nascendo e com um otimismo ainda
a toda prova.
Acervo
do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 03 – O
professor Francis PELICHEK se colocou a
altura do olhar dos seus estudantes. Mesmo que para isto necessitasse de um
pequeno estado portátil com o qual se igualava ao porte de seus discípulos. Porém
a plataformas nos saltos seus sapatos a estudante anula este esforço do mestre.
O artista percebe e registra no seu diário pessoal sem chamar atenção publica
para esta anulação do seu esforço pessoal.
17.2– Pelichek como um zeloso docente de artes visuais.
Pelichek
foi o artista plástico que exerceu, por mais tempo, só o cargo docente na
Escola de Artes. Durante 15 anos consecutivos Libindo Ferrás foi o diretor de
Pelichek. Eles alternavam-se na mesma sala de aula, atendendo os mesmos alunos.
Francis Pelichek ingressou[1]
oficialmente como docente na EA do Instituto, no dia 17 de abril de 1922, aos
26 anos de idade. No final desse ano Libindo Ferrás teceu os maiores elogios[2]
em relação à atuação do jovem professor. Durante os 14 anos seguintes, essa
primeira avaliação, da parte de Libindo, não foi desmentida em nenhum outro
documento[3].
Percebe-se, nos seus detalhados relatórios de Pelichek ao seu diretor, o
profissional competente, zeloso e trabalhador.
[1] - A sua designação foi
assinada por Marinho Chaves, presidente do Instituto. No verso da folha de rascunho da minuta do
contrato estão registrados os gastos do mês de abril com a Escola de Artes do
I.B.A. Num total dos gastos do mês somando 1:050$000, destina-se 577$500 a
Libindo, 350$000 a Bellanca e para Pelichek apenas 122$000. Num segundo
documento o presidente determina que o Instituto lhe pague 245$000, em maio
permanecendo os gastos da Escola no total de 1:050$000. Assim se diminuía
105$000 de Libindo e 140$000 de Bellanca
[2] -“Foi admittido o professor Francis Pelichek, que prestou excelentes
serviços à Escola, revelando-se um proffissional competente, zeloso e
trabalhador. No próximo exercício poderá prestar optimos serviços ao Instituto” Relatório de 1922 de Libindo Ferrás a Marinho Chaves Presidente
do ILBA-RS{030 Relat}
[3] - Não foi possível observar o menor registro de
animosidade entre Pelichek e o diretor da Escola, apesar de existir versões que
os dois não se deixariam fotografar juntos, como testemunhou Cristina Balbão,
aluna de ambos,.
Acervo
do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFR
Fig. 04 – Esta tomada de fotografia na qual Francis
PELICHEK aparece sentado entre as suas alunas atribui-se a Libindo Ferrás. Em
pé e de chapéu esta Luís Augusto de Freitas que voltara, em 1925, para Escola de Artes e reivindicava um cargo
que Pelichek preenchera na sua ausência, em 1922, quando Freitas estava
pintando dois murais para o Palácio do Governo do Estado. O número de
estudantes era reduzido e muito mais reduzido era o número daqueles que podiam
pagar o seu estudo; No final dos conflitos o cargo ficou para Pelichek que
permaneceu nele até a sua morte,
Em 1923,
ele substituiu definitivamente Francisco Bellanca. Pelichek repartiu com
Augusto Luis de Freitas, as aulas e os seus poucos alunos, quando o pintor
rio-grandino retornou para Escola, em 1925. Esta situação durou até o afastamento definitivo de Freitas, no mesmo
ano.
Pelichek
faz transparecer nos seus relatórios anuais[1]
poucos indícios do meio social, político ou cultural-artístico. Para isto é
preciso procurar os seus dois diários que se encontram no AGIA-UFRGS. Nesse
Arquivo estão também os relatórios, que dirigiu ao Diretor da Escola. Estes
registros foram submetidos a um filtro crítico e formal, qualificando os dados
que Pelichek fez ali constar[2].
Ele trabalhava com uma forte discrição e um formalismo simétrico com a sua
atitude profissional[3].
O Regulamento instituiu a ‘Congregação dos Professores’ em cada uma
das suas unidades, a partir de 16.12.1927. Na Escola de Artes, esta Congregação
reduzia-se a Pelichek e a Libindo e por isto mesmo nunca funcionou, pois
exigia, no mínimo, cinco docentes na sua constituição.
[1] - “Art.
100 – Ao professor compete: k) Apresentar annualmente ao Director, até
quinze dias após o encerramento dos trabalhos do anno lectivo, minusioso
relatorio das occorrencias relativas ao ensino e aos exames de sua classe ou
anno”. Os cinco relatórios
localizados de Pelichek, são a continuação daqueles de Libindo Ferras, mas em
outro tom. Os de Pelichek são sintéticos, quase textos jornalísticos. Foram
encontradas apenas as segundas vias datilográficas em papel-seda, onde cada ano
foi resumido numa única folha. {039-040} Esses documentos formam um
conjunto colocado numa caixa de papelão. Pertencem ao espólio de Pelichek que
foi depositado no Arquivo do Instituto de Belas Artes quando Pelichek faleceu
em 01.08.1937, solteiro e sem familiares m Porto Alegre. O seu diário, que se encontra na Pinacoteca
do Instituto, segue uma linha absolutamente distinta. Constitui-se num
manuscrito, no idioma tcheco, e fartamente ilustrado com desenhos e recortes de
jornais e revistas, sobre os quais continuava a desenhar(. Pelichek: sátiras ao
mundo rural, misturando cow-boy com gaúcho.) Esses desenhos possuem alto grau
de humor e irreverência com a realidade que o cercava. Talvez por essa razão
escolheu a sua língua materna para esses escritos.
[2] - Não se conhece registro de
que, esses relatórios de Pelichek,
tenham tido alguma publicação.
Ficaram apenas entre o seu autor e as
autoridades institucionais. Aproveita-se a moldura da presente texto para
enunciá-los no contexto institucional no qual foram produzidos. Para ler e
conhecer o que foi possível recuperar deles, ver RELATÓRIOS de PELICHEK: CD-ROM
DISCO 8. Pasta 8.6 -. Arquivo 8.6d. e ANEXOS -
[3] - Quando assumia o seu papel
docente Pelichek transformava inteiramente o seu comportamento social que lhe
atribuem seus contemporâneos. Cristina Balbão caracterizava-o sempre como o
‘europeu’ e diante do qual sentia um imenso temor e respeito contrapondo o seu
comportamento institucional formal ao
comportamento informal dos mestres da terra.
Acervo
do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 05 – Um
grupo des estudantes na sala de desenho da Escola de Artes. Supõe-se que o
fotógrafo tenha sido o próprio Francis PELICHEK. As oito moças e os cinco
rapazes compareciam ao curso num dos turnos. No outro frequentavam colégios e
se preparavam para profissões regulamentadas e remuneradas. Para as moças,
no entanto as artes era um caminho de profissionalização como artista e
professoras de artes visuais. Assim um número seleto permaneceu nas artes e
nela se profissionalizaram
Nos
relatórios, que iniciam em 1930, destacam-se as expressões de Pelichek quanto à
instituição, quanto ao sistema de arte local, aos agentes institucionais da Escola e suas
representações em relação à teleologia institucional na reprodução da arte.
No que se refere à instituição de arte, ela havia promovido uma reforma curricular com
a qual Pelichek não concordava. Esta reforma, nesse período, é um sintoma da
evolução da Escola de Artes do ILBA-RS diante das novas condições políticas que
a Revolução de 1930 havia feito aflorar. Pelichek era avesso a mudanças que não
tivessem sido discutidas e compreendidas como significativas. No seu relatório de 1930 lembrava que o antigo currículo era melhor
quanto ao aproveitamento escolar[1]. Em
1933, ele afirmava que a maior
dificuldade da Escola provinha do
novo currículo[2].
Para um europeu como Pelichek, deve ter sido muito difícil compreender a
facilidade das mudanças permanentes realizadas nas instituições e as leis
brasileiras que precediam o fato, especialmente as leis promulgadas sob o
efeito da Revolução de 1930. Kern atribui (1996: 235/6) a estas leis descoladas
da realidade, a fragilidade do campo artístico sulino onde “as instituições de arte em geral não possuem
regulamentos próprios sofrendo a cada mudança de direção e governo
interferências nos seus programas e recursos além do problema de ordem
financeira que tem conduzido à deterioração das mesmas”. Ao questionar a
norma institucional Pelichek apresentava os entraves reais e propunha um ensino
que contemplasse as condições concretas do seu estudante, sem deixar de exigir
dele todo o esforço possível. Esse esforço deveria ser realizado apesar de o
país haver sofrido uma revolução, da qual um dos seus alunos participou como
soldado. Ele mesmo tentou transformar em arte este evento ao representar, em
cartões postais[3],
a Revolução de 1930 e a passagem do Brasil agrário para uma tímida industrialização
ainda remota e escondida no horizonte[4].
[1] No relatório de 1930
Pelichek escreveu “Corroborando o que
acima exponho lembro o aproveitamento mais completo, dos alunos em geral,
quando da vigencia do programa que vigorou de 1929 até o próximo findo”.
[2] - Pelichek escreveu “Considerando os resultados finaes do curso
que dirijo, poderiamos apontar como um dos entraves do aproveitamento do
ensino, as dificuldades que apresenta as modificações constantes do programa
deste anno, não só quanto a distribuição de alguns pontos de ensino, como
maioria das disposições geraes, inexiqüiveis por diversas causas”. Relatório de 1933 (f.2)
[3] - Cartões postais de Francis
Pelichek relativos a Revolução de 1930 nos seus Diários.
[4] - Ver Pelichek: cartão para exposição Agro-Pastoril-Industrial. 1931.
Reparar o pouco espaço concedido à indústria.
Acervo
do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 06 – Um
cartão postal de Francis PELICHEK evidencia a pequena densidade da ERA
INDUSTRIAL no Rio Grande do Sul amplamente dominado pela vida pastoril e
agrícola no início da década de 1930. Após estes cartões sérios ele
elaborou uma série de autocaricaturas ele tentado ser cavaleiro, ou pintando no
meio do gado ou de uma pequena granja de um modesto agricultor.
17.3 A disciplina de Pintura como ponto crítico.
Pelichek
apontou, nos seus relatórios, um aspecto institucional crítico na disciplina
escolar de Pintura. Ele tentou
lecionar esta disciplina, em 1934, mas
não teve sucesso. Apenas duas alunas, do curso superior, acompanharam estas
aulas até o final. As demais não estavam preparadas para essas aulas. Libindo
Ferrás havia recebido, em 1926, a autorização e o dinheiro da CC-ILBA-RS para a
instalação e o funcionamento da disciplina de Pintura. Oito anos depois dessa
concessão essa disciplina ainda era contornada e depois de vinte e cinco anos
de funcionamento ininterrupto da Escola. Esse fato ensejava questionar, não só
a Escola, mas a própria instalação de um sistema de artes. Pelichek anotava: “Flora Gonçalves e Regina Simonis somente
lecionei pintura, em virtude dos outros alumnos não possuirem preparo
suficiente para tal fim. Os motivos são explicados nos relatórios anteriores”.
Depois, explica que essas duas alunas podiam fazer esse estudo porque “repetiram o 2º anno deste curso a titulo
de aperfeiçoamento e demonstrarem um optimo aproveitamento”. Com este ano
suplementar, Pelichek havia concedido a prova, ao estudante, de que tais
progressos provinham do tempo dedicado à arte. Das oito alunas do curso
superior, que se formaram dentro do tempo normal, cinco delas diplomaram-se
sem terem seguido as aulas de pintura[1].
O
relatório Pelichek, do ano de 1935 pode ser considerado uma culminância das
exigências do mestre com a instituição, com os seus superiores hierárquicos e
consigo mesmo. É necessário ressalvar que nos relatórios de Pelichek existem
poucas referências ao sistema de artes
de Porto Alegre e nem era esse o objetivo dos seus relatórios. No meio
cultural, ocorreu a inauguração da Exposição Farroupilha, no dia 20 de setembro
de 1935, evento no qual Pelichek colaborou com um desenho do cartão e com obras
de arte. Isto não impediu que ele recuperasse os dias feriados dedicados a esta
Exposição memorável[2].
[1] - Pelichek escreve no relatório de 1934 “Diplomaram-se
os alumnos: Ida Felizola, Eleonora Wander, Edla Silva, Lúcia Pila, Celina
Lenhart, sem terem recebido aulas de pintura. Nas condições actues,
relativamente ao tempo que poderá dispôr o alumno e a extensão do programma,
torna-se impossivel lecionar pintura, a não ser casos especiaes de talento e
esforço de alguns alumnos”.
[2] - Pelichek escrevia no Relatório de 1935 “EXPOSIÇÃO DE TRABALHOS – Por motivo
desconhecido, deixou de figurar na Exposição, como é do REGULAMENTO DESTE
INSTITUTO (sic: em caixa alta), varios dos trabalhos executados pelos alumnos
que frequentaram o curso no corrente anno de 1935, tal facto já ocorreu no
ultimo anno, sendo que com este é o segundo anno em que o Instituto não realiza
a Exposição dos trabalhos executados durante o anno pelos alumnos”
Acervo
do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRS
Fig. 07 – Francis PELICHEK n]ao se continha quando a vítima dos seus
desenhos era altura corporal. Na imagem ele se representa de costas saindo da
escola com uma estudante . O que lhe faltava em altura física ele
compensava com sua arte, no trabalho e na condução ético de suas funções no
magistério
17.4– Pelichek coloca-se aos lados estudantes
Nos
relatórios de Pelichek, entre os agentes
da instituição diretamente citados, ele se colocava decididamente ao lado dos
seus estudantes, apesar do temor que infundia neles. Não perdoou o seu diretor por não haver
promovido o salão de arte anual, que era obrigatório, pela determinação
expressa do Regulamento em vigor. Além disto lhe recriminava o fato de o
dirigente institucional ter permitido que o nível de aprovação dos estudantes
fosse rebaixado, no final de 1934. Estas recriminações não eram fatos isolados e pontuais, pois “nos relatórios anteriores, tenho feito
referencias, aos trabalhos em geral e quanto á questão de horário em relação á
extensão do programa”. Conclui-se, na falta de resposta, que o poder não
circulava na Escola de Artes e no Instituto, pois estes dados foram arquivados[1].
O ILBA-RS estava, em 1935, incorporado oficialmente à Universidade de Porto
Alegre (UPA)[2].
Isto significava que esta providência tinha de vir de outra parte, que o poder
do diretor da Escola fora desqualificado definitivamente e um paradigma
institucional chegava ao seu final.
[1] - Acredita-se que estes
relatórios de Pelichek foram parar no Arquivo do Instituto de Artes junto com
os espólios do seu atelier do artista. Estes relatórios de Pelichek são cópias
datilográficas em papel de segunda via. Pode-se chegar a conclusão que os de
primeira via não chegaram ao Arquivo Geral do IBA-RS.
[2] - A UPA foi criada
oficialmente em 20.11.1934. Mas iniciou as suas atividades em 1936. Neste ano
tomou posse o primeiro reitor, Manuel André da Rocha. No Instituto a direção
acadêmica ficou a cargo de Tasso Bolívar Corrêa, enquanto a mantenedora
continuava a ser CC-ILBA-RS. Gradativamente a Escola de Artes e o Conservatório
de Música migravam para cursos Superiores de Artes Plásticas e de Música ao
modelo dos Curso Superiores da Universidade Brasileira do Decreto Lei 19.851 de
11.04.1931.
Acervo
do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 08 – Francis PELICHEK captou o olhar de Luís Augusto Freitas e seu
cacoete de de fala ao se se referir “Eu
em Roma,,,” . De outra parte como
não havia cargos fixos, muito menos carreira de magistério no Instituto de
Belas Artes do Rio Grande do Sul a garanti de permanência dependia da
presidência da Comissão Central “conforme
as necedades da casa e as funções dos diretores durarão enquanto merecerem a
confiança da casa “ [1]. Assim alguém ocupava o cargo docente enquanto servia, ao modo dos atuais jogadores de
futebol..
A
frustração e a maior revolta de Pelichek vinham dos seus superiores
hierárquicos que não compreendiam as suas motivações e aquelas dos seus
estudantes. Estes superiores ignoravam
as exigências que eles mesmos haviam escritas no artigo 89, do Regulamento do
Instituto. Este foi descumprido, de novo, em 1935[2]. Em
vez de se conformar com a diminuição de aulas, apesar do seu precário estado de
saúde[3]
e da sua participação efetiva no movimento cultural de 1935, ele conseguiu “augmentar o numero de aulas com a dilatação
do horário”. A ética de Pelichek, no cumprimento do dever, tornava a sua
luta pelo poder da arte e contra a falta de compromisso dos seus superiores com
esse poder, ainda mais trágica. Ele formulava claras expressões de autonomia,
que a prática da arte impunha nesta circunstância. Não se calou diante da autoridade dos agentes
institucionais ao longo de todos os seus relatórios. Incentivava inferiores e
superiores a assumir o hábito da coerência com esta ética, tornando possível
exigir a instalação, a continuidade e a reprodução sadia de um sistema de arte.
[1] - Conforme os artigos 28 e 30 do Estatuto do IBA-RS de
14. 08.1908
[2] - Pelichek
escrevia no Relatório de 1935“EXPOSIÇÃO DE TRABALHOS – Por motivo
desconhecido, deixou de figurar na Exposição, como é do REGULAMENTO DESTE
INSTITUTO (sic: em caixa alta),
varios dos trabalhos executados pelos alumnos que frequentaram o curso no
corrente anno de 1935, tal facto já ocorreu no ultimo anno, sendo que com este é o segundo anno em que o Instituto não realiza a
Exposição dos trabalhos executados durante o anno pelos alumnos”
[3] A Folha da Tarde informava num artigo do dia 02 de agosto de 1937,
assinado por Sérgio Gouveia, que o “artista
havia falecido na noite anterior na Beneficência Portuguesa, onde estava sendo
velado. Pelichek fora um doente constante e que estivera em Minas Gerais,
buscando saúde”.
GOUVEIA, Sérgio de.«PELICHEK» in Folha
da Tarde, Porto Alegre, ano II, nº
82, 02.08.1937.,
Acervo do Francis
Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRS
Fig. 09 – Uma
obra de Francis PELICHEK da sua passagem
pela boemia do Rio de Janeiro.. Apesar do tema, estão presentes as cores
sombrias eslavas em relação às quais faz referência Dante Laytano no seu texto.
Cores, tons e matizes que o irão acompanhar como a sua impressão digital
identificadora na multiplicidade de sua obra..
Pelichek
não recusava ser agente até mesmo na
direção da Escola. No final de ano de 1932 supomos que era ele quem estava na
direção da Escola e que Libindo estivesse fora. Existe uma ordem de serviço[1]
de Libindo Ferrás dirigida ao “Snr.
Francis Pelichek”, do dia 12 de outubro de 1932, com carimbo da Escola, que
determinava a equalização das aulas entre os diversos cursos e as prescrições
para aplicar as bancas finais só para quem não atingisse a média sete. Pelichek fez, na margem desse texto
datilografado, vários registros manuscritos em tcheco, a sua língua materna,
além de algumas anotações em português. Ele questionava, com lápis vermelho e
com um duplo ponto de interrogação: “nestes
dias não foi permitido, pelo aviso, aos alunos do 2º ano superior,
aproveitar o modelo!”. Era a defesa intransigente que o docente fazia de
condições mais favoráveis ao seu estudante para se dedicar à aprendizagem
adequada da arte.
[1] - Essa ordem de serviço do
diretor da Escola de Artes determinava a
seu único docente que “No dia 12 de
novembro serão afixadas as médias de todos os alunos, e aprovados e promovidos
aqueles que a tiverem igual ou superior a sete (7). Os alunos do Curso Superior
(2º ano), visto terem que fazer obrigatoriamente provas finaes, ficam
dispensados – pois não se comprehende que façam uma prova na 1ª quinzena de
novembro e outra na 2ª. Em novembro os alunos deste curso (Superior 2º ano
trabalharão normalmente, no atelier, nos dias 4, 7, 8, 9,10 e 11 X)”. Libindo Ferrás – diretor
12.10.1932
Acervo
do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 10 – Um
convite para uma exposição de Francis PELICHEK na Casa Jamardo. Daniel Jamardo acolheu PELICHEK em Porto Alegre no fundo de sua loja e
marcenaria de móveis de alta qualidade. Estes móveis mobiliaram o a Biblioteca
Pública de Porro Alegre e depois o Palácio
do Governo. Daniel Jamardo esteve entre os integrantes grupo que organizou a Salão de Outono de 1925
e onde Francis Pelichek expôs suas obras
17.5– As buscas de Pelichek para abrir espaço institucional para os
estudantes socializar as suas obras.
O mestre conduzia os
seus estudantes de arte a
constituírem-se em agentes ativos da
arte que eles haviam escolhido. Incentivava-os a dedicar todo o seu tempo para
adequar esse novo mundo físico às suas práticas diárias. Nos seus primeiros
relatórios, como aquele de 1930,
Pelichek concedia aos seus estudantes um tratamento honorífico e
cerimonioso, distinguindo-os como ‘Senhores’
e ‘Senhoras’, apostos aos seus nomes.
Este tratamento desapareceu completamente nos últimos relatórios. Mas se desapareceram
as formas de tratamento cerimonioso, nunca desapareceu a atenção centrada nos
seus estudantes e nas suas obras. Assim registrava, em 1931, que “em geral, o aproveitamento dos alunos foi
bom e mais uniforme do que nos anos anteriores” pois houve um maior esforço
como um incremento de produção. Para ele “isto
demonstra o grande esforço dos alunos - que executaram quasi 1.000 trabalhos
durante o ano letivo, e como se pode apreciar na Exposição da Escola, pois as
seções das minhas aulas foram expostas para mais de 200 trabalhos”. Esta
melhora não era ocasional ou fruto do improviso. Ele empenhava-se para que os
estudantes tivessem aulas extras e gratuitas[1]. Para isto, ele não podia assistir indiferente
a estes estudantes serem privados de realizar a socialização, por meio da
exposição anual, destas descobertas pessoais,. Pelichek conseguiu reunir 712
obras, em 1930, com índice numérico do seu trabalho e dos seus estudantes. Em
1931 eram mil obras. Já em 1933 o número decaiu para 800. No ano de 1934, o número
era apenas de 500 trabalhos. O relatório de 1935 registrou o mais baixo, desde
1930, com apenas 425 obras
[1] - Pelichek escrevia nesse
relatório de 1931:“com o fim de melhor
desenvolver e tornar mais eficiente o ensino do meu curso, afigurou-se-me
conveniente ministrar as referidas aulas extras, sem remuneração, o que fiz com
o consentimento expresso do Exmo Sr. Dr. Presidente”
Acervo
do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 11 – Uma
vista das obras Francis PELICHEK numa
das exposições em Poro Alegre. O artista e a obra são primordiais. Porém
estavam distantes de qualquer valorização expositiva, visual que conferissem
destaque a esta obra visual. . Porto
Alegre estava carente de profissionais de galerias, de mercado ou uma crônica
ou crítica Ao longo da vida de Francis PELICHEK tudo estava a ser feito ainda.
Esta decadência numérica foi simétrica com a
decadência nos estudos. Ele escreveu em 1934: “Por determinação dessa Directoria os alumnos foram promovidos pela
media obtida durante o anno, com exepção dos alumnos que terminaram o curso e
que prestaram os exames”. No ano seguinte o fato mais calamitoso na ótica de Pelichek foi que: “Os alumnos foram promovidos e terminaram o
curso com a media 6 por determinação da Directoria deste Instituto”. O fato
aconteceu à revelia do docente, pois ele não se calou, apesar de colocar em
risco o seu cargo, inteiramente nas mãos do superior, a quem recriminava a sua
conduta relapsa. Correr este risco institucional só pode qualificar essas
expressões de autonomia desse docente.
A alma do
seu estudante merecia toda a atenção de Pelichek. Ele constatava neste
estudante um progressivo desencanto, como consequência da "facilitação" irresponsável,
levando-o um desinteresse na medida em que este chegava ao final dos seus
estudos de arte. Pelichek trabalhava esse estudante no sentido contrário para
que ele pudesse assumir a arte na mais absoluta autonomia e que a escolha do
estudante fosse feita pelo valor que ela representava para o indivíduo, sem
apontar e carregar nas circunstâncias adversas externas. Mas como pessoa
consciente das circunstâncias culturais e sociais de origem e destino deste
estudante, ele apenas apontava a visível falta de aplicação e de frequência de
quem se iludia em relação ao estudo da arte.
Acervo
do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 12 – O
lugar do atelier de Francis PELICHEK também
foi vítima de uma caricatura. Este
imóvel de cômodos de aluguel ficava na
Rua Duque de Caxias nº 769 [1] Superou a precariedade do lugar por um intenso trabalho de produção de
pinturas, desenhos e preparação de aulas e relatórios
17.6- A reprodução institucional como uma das preocupações de Francis
Pelichek
Não havia
segurança no ambiente onde ele trabalhava para implementar uma reprodução, nem num sistema de arte que
pudesse fazer frente às circunstâncias adversas, internas e externas. A Escola
de Artes passou a ser, a partir de 1910, o recurso institucional para a
reprodução do saber individual. A instituição de arte oferecia o Curso Superior
que era realizado em dois anos, até 1936, destinado à construção deste saber
individual. O primeiro passo era o Curso Elementar, realizado em um ano
obrigatório e em três anos sucessivos do Curso Preparatório. Assim um jovem de
19 anos podia enfrentar legalmente tanto as dificuldades da reprodução dos seus
conhecimentos numa ‘carreira solo’
como tornar-se um professor de artes plásticas.
Na prática essa reprodução foi realizada pelos poucos ex-alunos dessa
Escola. Evidentemente que isso não seria fácil para um formando, com tão parca
preparação institucional e num ambiente sem permanente renovação de estímulos
culturais como a Porto Alegre da época. Muito da persistência neste ideal deve
ser creditado a Pelichek e aos valores que conseguiu desenvolver neste
estudante.
[1] - Pelichek estabeleceu o seu atelier de pintura na rua Duque de
Caxias nº 769, onde era procurado para desenhos para jornais e revistas além de
pinturas de Pelichek [F4. 039.2]: ‘Velho Chimarreando’, [F4.
039.3]: ‘Velho Chimarreando’ e [F4. 040] : Quadro de Exposição.
CD-ROM - Disco 6
- IMAGENS. - Arquivo F1.
Acervo
do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 13 – A
facilidade com que Francis PELICHEK promovia o seu pertencimento ao grupo não
era perturbada por nenhum gracejo, mal
entendido ou ressentimento. De outra parte os amigos participavam animadamente
nos happenings, antes do tempo, que o artista comandava. A sua altura
corporal era, muitas vezes, pretexto para essas brincadeiras e chistes. Esta
disposição e aproveitamento intenso de sua curta vida se refletem em temas,
técnicas que transpunha para a arte.
Pelichek
foi apresentado, muitas vezes, como boêmio ou como doentio. Mas nos seus
relatórios aparece como profissional e com vigor que desmentem completamente
essa fama. Nesses relatórios é possível surpreender expressões de autonomia
autênticas, apesar de completamente diferentes daquelas do diretor da Escola.
Essas expressões são coerentes com a autonomia que também mantinha na sua arte.
Um exemplo é seu tema recorrente do “Gaúcho
Velho Servindo Chimarrão”[1].
Em relação a esse tema Kern observou (1998: 28) que “mesmo ao retratar o gaúcho, não vemos o herói defensor de fronteiras,
jovem e viril, mas, ao contrário, figuras envelhecidas com as marcas da idade
bem evidenciadas”.
[1] - Ver a capa da Revista do Globo. Porto Alegre :
Editora Globo ano 2, n o 1,
fascículo 25, jun. 1931. Ver a íntegra
da Revista do Globo no site http://www.ipct.pucrs.br/letras Ver também o cartão
desenhado por Pelichek para a Exposição Agro-Pastoril de 1931
Acervo
do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 14 – Francis PELICHEK sabia que artista não possui fim de semana,
férias ou aposentadoria. Nos períodos de dispensa das suas aulas formais ele
continuava e adensava a sua produção. Transformava a praia em laboratório tanto
de produção estética como a pedagógico produzindo a sua obra ao vivo e
diante dos olhares curiosos dos
veranistas de Torres. Esta produção alimentava as suas exposições
individuais tão bem com as suas participações coletivas como aquela do
prestigioso Salão de 1931 organizado pelo ENBA sob a coordenação de Lúcio Costa
no qual participou[1]
Nos
relatórios de Pelichek aparecem as mais vigorosas expressões que possuem como
objetivo a defesa de uma ética profissional, mantendo a coerência entre o que a
instituição prometeu ao estudante e
aquilo que esta instituição realizava a favor deste estudante. Exigia o
comprimento do dever, tanto por parte dos estudantes como dos seus superiores,
se respaldado nos estatutos institucionais. O espaço físico, o currículo e o
tempo, oferecidos para a aprendizagem e a prática da arte, são os pontos
críticos sobre os quais retornou em vários relatórios, como aquele de 1935, no
qual registrava: “nos
relatórios anteriores, tenho feito referencias, aos trabalhos em geral e quanto
à questão de horário, em relação à extensão do programa em geral”. Mas a
denúncia mais viva se referia ao descaso com socialização da produção dos seus
estudantes. Pelichek direcionava as atividades dos estudantes durante todo o
ano escolar para a socialização que era
prevista e prometida pelo regulamento, mas, que no final não acontecia de fato.
Dentro de sua limitada competência docente ele tentava suprir esta falta,
elevando o grau de sua atenção ao seu estudante. Nos seus relatórios,
registrava minuciosamente o nome dos estudantes e a turma a que pertenciam.
Mas, em muitos casos, percebe-se que ele vai além do número, pois ele
distingue, qualifica e estimula os seus estudantes[2]. A
sua avaliação não era reduzida a uma simples presença física na sala de aula.
Ele pautava esta avaliação pela obra autêntica do seu estudante.
[1] Catalogo do Salão de 1931 http://www.jobim.org/lucio/handle/2010.3/3949 onde
Francis Pelichek apare ce com três obras arroladas nas pp. 16 e 17
[2] - Percorrendo os nomes dos
seus estudantes é possível verificar que no ano de 1930 estavam matriculados 29
estudantes. No curso geral eram 9 alunos, no médio 15 alunos, com cinco em cada
ano. No superior havia 4 alunos. Desse total 19 são alunos antigos e 10 novos.
No último ano do curso superior não houve aluno. No ano de 1931 a Escola de
Artes atinge o número mais elevado até aquele momento, de 35 estudantes
matriculados. Tendo 10 no curso geral e, 18 no médio e 6 no curso superior.
Desse total 25 são antigos e 10 novos. Adail Costa (Silva, 1996) está no 1º ano
do Curso Superior. Em 1933 estão matriculados 27 estudantes. Sendo 5 no curso
geral. Nesse ano e nesse estágio, Cristina Balbão iniciou os seus estudos de
artes plásticas. No curso médio estavam 7 alunos. O curso superior era agora o
mais numeroso com 15 matrículas. Do
total 23 são antigos e 4 novos, 23 mulheres e 4 homens. Em 1934 o número dos
estudantes caiu ainda mais. Dos 27 alunos de 1933 reduziu-se para 22. Apenas 3
ingressaram no curso geral. No curso
médio estão 7 alunos. No superior estão10, dos quais se formam 5. Do total
geral da Escola, 18 são do ano anterior e 4 são novos. Estão matriculados
apenas dois homens. Em 1935 o número de estudantes caiu para 20. O alento era o
curso geral no qual se matricularam 9 alunos. No curso médio nos três anos
estavam 5 alunos. No superior o total era de 6 alunos. Doze deles já tinham
sido alunos, no ano de 1934 e 8 eram novos.Ver
estatísticas dos relatórios de Pelichek
com os nomes, suas turmas e disciplinas. CD-ROM. Disco 8 ANEXOS
Acervo do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto
de Artes da UFRGS
Fig. 15 – Francis PELICHEK enfrentando a natureza buta na tentativa de transfira-la em obra de arte.. Este desafios não faltaram ao pintor e artista tcheco na sua viagem pelas circunstâncias geográficas, sociais e econômicas do Rio Grande do Sul que estava passando de sua condição de fronteira agrícola para investir na industrialização e urbanização
17.7– O profissionalismo institucional de Francis Pelichek.
O profissionalismo de Pelichek aparece em
vários relatórios. Quanto ao ensino queixava se, em 1930, da exiguidade do
espaço físico e do pouco tempo disponível.
Ele não suportava e nem se calava, quando o seu o trabalho e o dos seus
estudantes era desconsiderado. Foi o que aconteceu em 1931. Em 1933, uma das
suas grandes preocupações era a falta de espaço e de tempo para implementar um
ensino melhor ao escrever que:
“Nos dois cursos superiores, especialmente no
1º anno, não apresentam alguns alumnos um conjunto alentador de trabalhos, em
virtude de dificuldades didaticas, como: dar aulas um total de quinze alumnos,
com falta de espaço e um único modelo, para os dois cursos. Aliás, tanto verbalmente,
como nos relatórios anteriores, venho apontando tal deficiência”.
Esta
preocupação ele a manifestou de todas as formas e tons. No relatório de 1934
Pelichek revoltou-se contra a falta de profissionalismo, quando denunciou o
encerramento antecipado da exposição anual da Escola. Registrou com veemência:
“peço venia para informar a V.S. que varios
alunos me têm procurado, para que os informe qual o motivo por que foi
encerrada a Exposição, sem prévio aviso; pois a muitos progenitores dos mesmos
não foi dado observar os trabalhos expostos. Como eu ignorasse esses motivos
não lhes pude responder”.
Da parte
do destinatário, que era a direção da Escola, não foram encontradas, no Arquivo
do Instituto, nem resposta ao docente, nem vestígio de reparação pela
desconsideração praticada. Quando, em 1935, a média de aprovação foi rebaixada,
pela direção do Instituto, passando de 7 (sete) para 6 (seis) existe outro
registro de sua insatisfação com a falta de seriedade institucional.
17.8– O papel da academia de artes na vida do artista Pelichek
As
academias de arte, desde a sua origem, organizavam exposições com a finalidade de socializar as obras dos estudantes
e lhes oferecer prêmios como
estímulos pessoais, conforme escreveu Pevsner (1982: 48/9). O Instituto de
Belas Artes determinava tal exposição, num artigo do regulamento para a Escola
de Artes. Ela deveria ser organizada pelo seu diretor[1] e
aberta ao público antes do exame final. Contudo não há referências a prêmios de
viagem de estudos, tradicionais em outras escolas de artes plásticas[2]. Pelichek os implementava os estímulos positivos para a arte nos limites do que lhe era possível, ao
acreditar na sua eficácia. Em 1931 ele relatou que “os resultados obtidos, com as aulas extraclasse, foram melhores, não só
pelo progresso técnico, como pelo desenvolvimento e ampliação da parte
propriamente artística”. Pelichek
registrou que estava consciente de sua posição como agente ativo do processo
ensino-aprendizagem, sabendo identificar as suas motivações e os resultados
obtidos pelo estudante, como escreveu em 1931
“Tendo sempre em vista trabalhar em todo os
sentidos para o progresso do Instituto e maior aproveitamento do ensino,
organisei as referidas aulas, com o intuito de sanar algumas insuficiências,
não só na parte material do ensino, como tambem na orientação e melhoramentos
da parte didática”.
Pelichek,
sabendo dos limites e das insuficiências da instituição, ele não as tornava
públicas indiscriminadamente. Contudo estava documentado por escrito de “informações mais detalhadas [...] constam
[...] nas notas particulares que possuo e que serão fornecidos a V.S. si assim
o exigir”. Mostrava erudição e consciência necessária na medida em que
poderiam tornar-se úteis, se fossem para o real ‘progresso do Instituto’.
A erudição e a consciência de Pelichek, fazia
com que ele não trabalhasse o regimento pelo formalismo acadêmico. Na avaliação
do desempenho dos estudantes ele relevava a freqüência regular[3]
se este apresentasse boa qualidade de trabalho e tivesse êxito ao se submeter
às bancas anuais. Ele registrou no seu relatório de 1935.- “Apesar de ter tido 25 faltas, não existe
prejuízo no estudo de Z.T., por apresentar um numeroso e forte conjuncto dos
trabalhos do curso e fez ambas as provas parciais com exito”. Apesar da pouca competência e do restrito
poder que ele possuía como agente institucional, ele aproveitava todas as
oportunidades para expressar a autonomia que arte exige. Na leitura dos relatórios de Pelichek
surpreende-se o reforço da teleologia institucional para que o seu estudante
pudesse exercer um extremo rigor consigo mesmo, com o objetivo de ser capaz
de mudanças adequadas na escolha que havia feito pela arte.
[1] - No Regulamento do
Instituto de Belas Artes aprovado em 06.05.1932
consta no “Art. 89 – Ao Director
da Escola de artes, cabe, orgamnisar, antes dos exames finaes, uma exposição
dos trabalhos executados na escola durante o anno, franqueanda à apreciação
publica, depois de aprovada pelo Presidente”.
[2] - Nunca houve prêmio de viagem conferido pelo
Instituto. A pesquisadora do setor de
Música, Claudia Maria Leal Rodrigues
(2000, f. 121) chegou a conclusão
de que o Instituto foi fundado pelo governo do estado para contornar e
substituir esse tipo de estímulo pecuniário. “Acreditamos que o empenho do Presidente Carlos Barbosa na manutenção
desse projeto foi fundamentado não só em seu ideal de desenvolvimento do ensino
das artes, mas também por circunstância de ordem prática institucional. A
freqüente concessão de verbas aos jovens músicos porto-alegrenses que se
dirigiam a centros musicais no exterior em busca de uma formação musical
poderia ser revertida para a construção de um Instituto de Belas Artes oficial
com apoio dos governantes, justificado pela sintonia desse empreendimento com o
projeto republicano da criação de instituições que dessem feição própria à nova
nação que se construía”. Essa foi a
frustração de Francisco Bellanca que apesar da promessa do prêmio pelos
deputados, ela não se cumpriu (Scarinci, 1982, p.30)
[3] - Não havia obrigatoriedade
nos Cursos Superiores das chamadas diárias. Esta chamada e registro em
cadernetas só se tornou regulamentar e exigida a partir da criação da Universidade Brasileira. Esta
chamada escolar é simétrica ao ponto na entrada das fábricas e das linhas de
montagem da era industrial. De outro lado a predominância dos exames públicos
permitia que um estudantes se preparasse em casa, apresentando-se apenas para
os exames finais, ou par ingressar na escola no “exames vagos”ao estilo do que são os exames supletivos.
Acervo
do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 16 – A
revolução de 1930 foi oportunidade para Francis PELICHEK criar imagens nas
quais une ícones visuais do Brasil e do Rio Grande do Sul para inspirar o
presente. Presente profundamente perturbado e perturbador após a Quebra da
Bolsa de Nova York e das fulgurantes ascensões de líderes audaciosos do TUDO ou
NADA. O nacionalismo estava
atingindo o seus apogeu e se sustendo com as armas provenientes das linhas de
montagem em volumes cada vez maiores e com tecnologias cada vez mais letais
Entre os relatórios de Pelichek é possível destacar
aquele de 1931 como uma culminância. Este relatório é longo, comparado com os
demais. Mas foi nele em que foi capaz de colocar por escrito o que pensava. O
artista docente conseguiu explicitar para si mesmo e para os destinatários, às
condições locais do campo das artes plásticas. Registra o que ele tentou no
espaço institucional para abrir o exercício da criação artística dos agentes
que formava, no interior das condições que a arte encontrava em Porto Alegre.
Apesar dos rigorosos aspectos técnicos, este relatório busca colocar as ideais
da Revolução de 1930 no mundo prático da arte. Este relatório de Pelichek,
elaborado em dezembro de 1931, se intercalou de forma simétrica, entre a
Revolução de 1930 e as questões que Tasso Corrêa explicitou no dia 24 de
outubro de 1933, em seu discurso desafiador no Theatro São Pedro. Como artistas
e docentes, tanto Pelichek, como Tasso, tinham em comum a defesa intransigente
do seu trabalho profissional. Ambos defendiam as condições de autonomia da arte
e a reprodução mínima da sua teleologia imanente institucional sob o controle
político e administrativo do artista docente.
Encerra-se
aqui o registro e análise da atividade docente de Pelichek. A partir do início
do ano letivo de 1936, o IBA-RS estava integrado na UPA. Tasso Corrêa[1]
estava no lugar de Libindo Ferrás. Não constava mais no regulamento da UPA a
obrigação do professor encaminhar relatórios anuais ao seu diretor, agora
substituídos por apontamentos diários em ‘cadernos
de chamada’.
[1] - No ano de 1936 Tasso
Corrêa, como diretor do Instituto da UPA, irá ocupar o lugar do diretor da
Escola de Artes ao transformá-la em Curso de Artes Plásticas, eliminando o
posto de Libindo Ferras e a necessidade dos docentes de apresentar os
relatórios ao diretor da Escola.
Acervo do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 17 – O tradicional
ritual da “VERNISSAGE” protagonizado por
Francis PELICHEK o colocou entre as suas obras recentes e os
seus observadores que ele conseguia manter atentos por meio deste recurso. Consciente
de que sua obra se completaria no olhar do seu observador este artista
construir por meio de temas e de técnicas que faziam sentido ao repertório
destes observadores. Observadores com
pouca, ou nenhuma, informação das competências e dos limites da arte num
universo periférico dos grandes centros culturais, técnicos e sociais.
17.9– A obra de Pelichek como metáfora doas valores da época
Convém agora examinar a obra de Pelichek. Cabe-lhe
também aforismo "do mínimo de forma o máximo de conteúdo".
Pelichek fez da sua obra uma forma de registro profundamente atento às suas
circunstâncias sem serem panfletários. Transformando-a em forma de diálogo e de
projeção do seu meio cultural, político e econômico. Como uma metáfora do período, esta obra das
artes visuais, carrega os demais valores culturais, vividos em Porto Alegre
entre 1922 e 1937.
Acervo do Francis
Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 18 – O orago de Francis PELICHEK era SÃO FRANCISCO o
patrono dos animais inspirou esta obra lírica. Uma obra de desabafo confiado ao seu
diário e que até o presente não encontrou um tradutor do tcheco e a altura de
transcrição para a língua portuguesa. Evidente que não s trata de uma tradução
mecânica e formal. Esta tradução impõe um profindo mergulha no inconsciente do
autor, da sua origem e das circunstâncias pelas quais pergronou na sua brve e
intensa vida.
Os instrumentos, os materiais e as técnicas usadas
na elaboração formal da sua obra, mostram um período de grande
efervescência de atividades gráficas. Em
Porto Alegre encontram-se editoras que fazem circular jornais e revistas de
repercussão nacional. As obras de Pelichek revelam as técnicas escolhidas e
materiais usados e que eram estimuladas pelos mesmos desafios que a primeira
era industrial vivia. As suas obras revelam o cenário nacional na Revolução de
1930 e na esteira da obras de políticos e de escritores. Na obra de Pelichek é
visível a sua formação em Praga e em Berlim, ao longo da Primeira Guerra
Mundial, num olhar retrospectivo e por cima da fronteira nacional. Dante
Laytano referiu-se, no Correio do Povo,
às cores escuras eslavas, que caracterizavam a pintura do mestre. Elogiou
Pelichek por haver fixado tipos populares, do antigo mundo açoriano de Porto
Alegre. Distinguiu os dois ritmos do tempo, onde antes da (1ª) Guerra Mundial,
havia ‘demora da adaptação’ do “habitus açoriano”, confrontando-o com o
ritmo das mudanças rápidas da nova época da americanização, tanto do meio
arquitetônico, como dos novos costumes. Este texto de Laytano nos fornece uma
verdadeira leitura estilística dos
elementos formais de Pelichek. Como docente da Escola de Artes atribuiu a
Pelichek a capacidade de preparar os seus discípulos a bem desenhar o rosto e
as cabeças das figuras.
As dimensões das pinturas e dos desenhos
eram proporcionais e refletiam a pequena estatura física de Pelichek[1].
Isto não o impediu de projetar uma escultura monumental em homenagem a Aparício
Borges[2],
hoje colocada num quartel da Brigada Militar com sede numa rua com o mesmo
nome.
[1] - Nos desenhos, que
acompanham os seus diários manuscritos, ele não poupa a si mesmo, ou se
retratando de costas ao lado de uma moça alta ou não atingindo a altura do
cavalete para fazer as avaliações dos desenhos dos estudantes.
[2] - Foi contratado pelo
governo estadual para projeto de monumentos como o de Aparício Borges, na
‘Chácara das Bananeiras’Recebendo pelo projeto e pela execução 36:000$000. ‘Termo de contrato entre o governo do Estado
e o sr. Francis Pelichek’ assinado pelo interventor Flores da Cunha, no dia
3.08.1933.
Acervo do Francis
Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 19 – Vitório
LIVI[1] e Francis PELICHEK diante da estátua do Coronel Aparício Borges
para o quartel da Brigada Militar que se localiza na Avenida Aparício
Borges . O projeto executado por
Pelichek foi a pedido e contrato assinado pelo General Flores da Cunha
Pelichek era um homem urbano. Assim os condicionamentos geográficos, da qual
a sua obra resultou, revelam as preocupações com esse meio. Mas isso não o
impedia, e talvez por isso mesmo, ter uma atração especial pelo meio rural.
Poderia se aplicar a Pelichek também as observações de Bernhard em relação à
Natureza[2].
Na sua arte esta Natureza era interpretada com mais humor, do que a veneração
que Libindo dedicava à paisagem.
[1] ALVES de Almeida, José Francisco (1964). A Escultura pública de Porto Alegre –
História, contexto e significado – Porto Alegre : Artfólio, 2004 246 p.
[2] - “Só vivo no meio da natureza, porque os médicos me disseram que, se
quiser sobreviver, tenho de viver no meio da natureza, não por qualquer outra
razão. Efetivamente eu amo tudo, mas só não amo a natureza, porque a natureza é
para mim algo de sinistro e eu senti no próprio corpo e na própria alma a sua
malignidade e a sua inexorabilidade e como eu só posso observar as suas belezas simultaneamente com a sua malignidade
e a sua inexorabilidade, receio-a e evito-a sempre que me é possível. Eu sou um
citadino e apenas aceito a natureza como algo de inevitável, esta é a verdade”. BERNHARD, 200, p 72/3
BERNHARD,
Thomas. O sobrinho de Wittgenstein: uma amizade. Lisboa ;
Assírio & Alvim, 2000 , 137 p.
Acervo do Francis
Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 20 – Francis
PELICHEK mergulhava fisicamente nos seus
temas ao levar ao seu cavalete de pintura, os seus pinceis, as tintas e o seu
inseparável guarda sol para um estábulo. PELICHEK saltava por cima de
qualquer preconceito, contradição ou contraste entre vida e o ofício do homem
erudito da academia e a vida natural,
intuitiva e rural. Importava a sua OBRA e as interações VITAIS que a a
ARTE lhe proporcionava e que ele cultivava em todas as suas circunstâncias
A não
existência de um mercado de arte estável em Porto Alegre, nessa época, fazia
com que o mestre silenciasse, nas suas aulas, qualquer estímulo ao seu
estudante nesse sentido. Compensava essa fragilidade local, pela ênfase na
formação de artistas qualificados e de agentes seguros de si mesmos no
exercício das bases da atividade artística pessoal.
A obra de Pelichek resultou de uma intensa
atividade gráfica na qual as imagens devem ser mais ilustrações, com leitura
imediata e em que o tema deve ser unívoco. Numa sistematização temática da iconologia presente na obra de Francis
Pelichek percebe-se uma atenção permanente das suas circunstâncias humanas. Por
isto na sua obra está ausente qualquer imagem de cunho transcendente, mesmo que
ele tenha de trabalhar uma metáfora ao recorrer a imagens bem concretas e
possíveis de uma existência singular. Os seus modelos para as imagens dos
guerreiros são seus amigos, inclusive do gaúcho velho. Os trabalhadores de
ofícios em vias de desaparecimento, são as figuras avulsas que ele ainda
encontrava nas esquinas de uma cidade provinciana.
Recortes
e colagens extraídas por Francis Pelichek da revista MÁSCARA. Porto Alegre,
Ano 7, Nº 7, jun. 1925 – Salão de Outono Acervo do do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 21 – A
organização e a a participação como protagonista do Salão de Outono de 1925 propiciou para Francis
PELICHEK o contato direto com um grupo
de intelectuais e artistas que haviam feito de Porto Alegre o seu cenário de
vida e de aproximação da arte possível nestas circunstâncias. Circunstâncias que não comportavam nenhum
grito de soberania e nem uma dócil
subordinação a alguma tendência hegemônica externa
As obras de Pelichek pertencem a uma série
cultural na qual o artista se inscreveu por decisões pessoais vindas das
suas escolhas técnicas, estilísticas e temáticas. Nestas escolhas fica evidente
a empatia que ele tinha com o seu observador e com o qual não queria guerra de
repertórios e paradigmas. O seu repertório e os seus paradigmas técnicos se
adaptavam perfeitamente ao estágio técnico, gráfico e cultural que a cidade de
Porto Alegre estava atingindo quando ele ali
desembarcou no dia 19 de março de 1922[1].
Isto não significava conformismo. A tensão, na busca de transcender este meio,
ficava evidente nas suas aulas, nas quais exigia e era temido pela ética nas
suas propostas didáticas.
Fig. 22 – A
breve e intensa vida de Francis PELICHEK aconteceu no auge da Era Industrial e
a sua projeção planetária. A vida de Francis Pelichek se apagou no dia 01
de agosto de 1937, quatro meses após o bombardeio aéreo da cidade de Guernica ocorrido no dia 27 de abril de
1937 e as vésperas da hecatombe da II GUERRA MUNDIAL iniciada em 01 de setembro
de 1941.
[Clique sobre o gráfico para ler]
A obra de Pelichek possibilita traçar uma série
cultural em diacronia colocada numa
linha de tempo na sua evolução cronológica, na qual ela não oferece altos e
baixos. A sua produção é contínua e intensa, apesar do seu compromisso
profissional com a Escola e as frequentes doenças que assolam o seu corpo
debilitado. Uma obra do início da carreira em Porto Alegre possui o mesmo
cuidado formal do que as sua últimas. Este artista também carece de um "catalogue raisonée" o que poderia
confirmar essa tese da coerência da sua obra, numa diacronia linear.
Acervo do Francis
Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 23 – Um
fotografia da movimentação das tropas em Porto Alegre se preparando para a
marcha sobre a capital federal entre os dias 03
e 24 de outubro de 1930. Até prova em contrário esta foto é do
próprio Francis PELICHEK.. O que é
certo que Pelichek realizou uma série de desenhos, pinturas e esculturas
que são índices destes momentos de
tensão política, social e econômica no Brasil e no mundo Índice das mudanças violentas entre a Velha República brasileira e as
esperanças de uma mudança radical mas de efeitos ainda desconhecidos
As outras séries de obras de arte que se desenvolveram
em Porto Alegre paralelamente à obra de Pelichek, permitem olhar para os lados
e perceber que esta sincronia é
pacífica e sem paradigmas concorrentes em oposições acirradas. Satisfeito e
socialmente participativo do minúsculo sistema a de artes, vigente na capital
do estado, tinha entre os seus concorrentes mais admiradores do que detratores.
Talvez a sua fina ironia o deixava no seu espaço pessoal e temido por algum
eventual concorrente.
Acervo
do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 24 – Francis
PELICHEK registrou graficamente e
materializou índices da barbárie, do caos social que, na sua visão, se produziam na micro sociedade de pequenos encontros de lazer ou “pic-nics” que
eram cenários e ocasião uma catarse coletiva e barulhenta. Distantes de
qualquer etiqueta, contratos e hierarquias eram ocasiões para a barbárie e os
instintos humanos de agressão mais primitivos.
Pelichek
manteve uma intensa intervenção na produção artística[1] de
Porto Alegre. Dedicou-se à pintura da figura, da paisagem local[2],
ao desenho com fina ironia[3]
e até a escultura. Foi ilustrador e caricaturista em periódicos locais[4],
onde as homenagens de 1937, de Sérgio Gouveia[5],
Olinto Sanmartin[6]
e Dante Laytano[7].
Estes textos estampavam e traduziram o apreço pela pessoa e pela obra de
Pelichek no meio cultural de Porto Alegre.
[1] - Em Porto Alegre
inicialmente Pelichek abrigou-se nos fundos da loja de móveis e da marcenaria
da Casa Jamardo.
Existe toda uma
legenda a ser explorada e documentada sobre a casa dos irmãos Jamardo, que
ficava na Praça da Alfândega, abrigo de
vários artistas plásticos e locais de suas exposições. Essa casa era
fornecedora de móveis de requinte para palacetes particulares da época
Art-Nouveau., Francis Pelichek foi acolhido na oficina de móveis, na qual
residiu por algum tempo. Bernardo Jamardo era tesoureiro da Sociedade
Sul-Rio-Grandense de Belas Artes que promoveu o Salão de Outono de 1925, segundo
o depoimento oral de Sandra Jamardo Dani, professora do DAV e Diretora do
Instituto de Artes da UFRGS. A Casa Jamardo entrou em declínio, ainda conforme
a profª Dani, quando o governo deixou de pagar os móveis fornecidos ao Palácio Piratini. (Ver também Guido, 1956 e Damasceno, 1971).
[2] - Pelichek: ponte do
Riacho.
[3] - Pelichek: sátira ao mundo
rural.
[4] - Como jornalista do Correio do Povo foi-lhe conferida em 1936 a carteira nº 53 da ARI,
assinada pelo seu presidente Érico Veríssimo.
[5] - Sérgio Gouveia informava num artigo da Folha da Tarde do dia 02 de agosto de
1937 que o artista havia falecido na noite anterior na Beneficência Portuguesa,
onde estava sendo velado. Estampava que Pelichek fora um doente constante e que
estivera em Minas Gerais, buscando saúde. Descreve o sentimento de nostalgia e
a busca da arte e da Beleza, que estavam agora sendo levados na retina de
Pelichek. GOUVEIA, Sérgio
de..«PELICHEK» in Folha da Tarde,
Porto Alegre, ano II, nº 82,
02.08.1937. Ver também: GOUVÊA, Paulo «Um Barão da Tchecoslováquia»
in Correio do Povo . Caderno de Sábado volume XIII, ano VII,
n o 303, 26.01.1974, p 2
[6] - O artigo de Olinto
Sanmartin, noticiando a sua morte, além de uma verdadeira apologia à pessoa do
artista, colocava esse agente no contexto e o seu significado no sistema de
artes sulino. O articulista centrava-se e destacava os elementos lingüísticos
de Pelichek. Relembrava a sua verve oral nos colóquios entre amigos, o seu fino
espírito de ironia e sua caricatura publicada na imprensa local. Nas Artes
Plásticas, o domínio da técnica, permitiu-lhe exercer essa linguagem visual, na
temática da paisagem, costumes, história e arquitetura do Rio Grande do Sul.
Colocava-o como continuador atualizado da temática sulina, cultivada por Pedro
Weingärtner. Relembrava a sua capacidade de fazer e cultivar amigos, tão bem
como suas qualidades de professor do Instituto de Belas Artes.SANMARTIN,
Olyntho. «A morte de um artista» in Correio do Povo, ano XLII, nº 183, p.5. 07.08.1937.
[7] - LAYTANO, Dante. «Ultimo quadro» in Correio do Povo, ano XLII, nº
180, p.5, dia 04.08.1937.
Fig. 25 – Uma
página do diário de Francis PELICHEK realiza um retrospecto de sua existência e através dos signos visuais, gráficos e
narrativos.. O artista jogado no meio
de rápidas e profundas mudanças mantinha a sua conclusão “ASSIM NÂO SE VIAJA” . A sua obra salvou a
sua memória. Ele teve a fortuna de remeter,
ao seu futuro e desconhecido observador, - nesta obra se valendo do
mínimo da forma gráfica - o máximo de
conteúdo dos seu tempo lugar e sociedade
17.10– A
memória da obra e da pessoa de Francis Pelichek.
A obra de Pelichek exerceu uma influência tranquila e sem rupturas ou estardalhaços. Foram principalmente os seus jovens discípulos
que assimilaram esta influência. Também não deve ser buscada na sua obra a
tipologia técnica ou na temática. A arte era para ele o meio para formar um
caráter e para interagir positivamente com o seu observador.
Acervo do Francis
Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 26 – O
galope sem fim e constantemente relembrado e retomado na ritualizações da
identidade sul-rio-grandense foi ocasião para
Francis PELICHEK mostrar, em
imagens, o ritmo implacável do TEMPO que percorre o passado e seu próprio
presente e aquele que virá . Trás da terra natal os recursos gráficos
tchecos e que põe ao serviço de sua pátria adotiva especialmente nos momentos
de profundas mudanças políticas, sociais e econômicas.
Na medida em que a sua obra é estudada acontecem
periódicas valorizações. Estas
valorizações não podem ser vistas como
renascimentos. A sua obra cumpriu o seu ciclo estilístico e formal ao
pertencer à verdade imanente do seu tempo. Contudo a erudição, a ética no
trabalho e a busca da verdade na arte, são valores intemporais e como tais
necessitam das imagens e das figuras, como Pelichek, para lembrar a
contemporaneidade desta busca de algo que transcende ao seu tempo. Por estas
razões a obra de Pelichek ocupa um lugar
único. Numa instituição que estava
passando por uma fase crítica e modelar no meio cultural de Porto Alegre a ação
de Pelichek como artista e como pessoa
humana, constitui uma exemplaridade única.
O artista faleceu, em 01 de agosto de 1937.
Nesta ocasião o material do seu atelier foi confiado ao Arquivo do Instituto.
Este Arquivo Geral é um dos meios pelos
quais o autor, da presente postagem, teve acesso ao estudo da obra, da biografia de Pelichek e das fontes
bibliográficas. A reversibilidade entre essas fontes e a vida e obra do artista
é precário como todo o processo e sistema artístico incipiente numa cultura
periférica. Contudo, não é possível fabricar ou forçar qualquer projeção que
não corresponda a essa reversibilidade para as obras e o pensamento de uma das
pessoas mais queridas do meio cultural do Sul do Brasil
Acervo do Francis
Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 27 – As
celebrações da vida coletiva eram caras para Francis PELICHEK. A noite festiva, vivida na Praça da Matriz de Porto Alegre,
mereceu uma pintura . A cena iluminada pela luz elétrica e pelo fulgurantes
fogos de artifício marca outro momento de passagem do TEMPO
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042 SOUSA SOUSA, Carmen. De Libindo a Malagoli:
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Porto Alegre : Pinacoteca
IA-UFRGS, 1994. 16 fls.
Periódicos
A FEDERAÇÃO. Porto Alegre: .
CORREIO do POVO. Porto Alegre :
Companhia Caldas Júnior, 01/ 10/ .1895........
DIÁRIO de NOTÍCIAS. Porto Alegre :
Diários Associados, .
DIÁRIO
OFICIAL do Estado do Rio Grande do Sul,.
FOLHA da TARDE, Porto Alegre: Companhia Caldas Junior. 1936
MADRUGADA. Porto Alegre ; Revista (1926), Nº 5
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MÁSCARA. Porto Alegre, Ano 7, Nº 7, jun.
1925 – Salão de Outono
REVISTA do GLOBO. Porto Alegre : Editora Globo. 1929- 1967 (fascículo n o 941) - Ver a íntegra da Revista do Globo
no site http://www.ipct.pucrs.br/letras
Entrevistas Informais com:
BALBÃO,
Cristina: aluna na Escola de Artes dos professores Libindo Ferrás e Francis
Pelichek. Depois do Curso de Artes Plásticas onde foi aluna de Escultura com o
professor Corona. Tornou-se depois professora de Desenho do Curso de Artes
Plásticas.
PARAGUASSU, Olga:
aluna da Escola de Artes dos professores
Libindo Ferrás e Francis Pelichek. Professores de Desenho do Colégio Júlio de
Castilhos. Fundadora da cadeira de Desenho no Colégio de Aplicação
PORTO ALEGRE Praça
da MATRIZ na noite de CARNAVAL do dia 09 de fevereiro de 2016 in ZH em 09.02.2016
Fig. 28 – A
fotografia da noite de carnaval celebrada e vivida na Praça da Matriz de Porto
Alegre no ano de 2016 continua no tempo
da vida coletiva cara para Francis PELICHEK. A cultura brasileira sempre
foi marcada por eventos externos deslumbrantes, intensos e prolongados o mais
possível. Numa cultura colonial e
escravocrata a passagem implacável do TEMPO necessita destes momentos para
alienar a população de sua condição de heteronomia e manter o regime de
servidão, de exploração e de saque.
Este
material possui uso restrito ao apoio do processo continuado de
ensino-aprendizagem
Não há pretensão de lucro ou de apoio
financeiro nem ao autor e nem aos seus eventuais usuários
Este material é editado e divulgado
em língua nacional brasileira e respeita a formação histórica deste idioma.
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