segunda-feira, 22 de outubro de 2012

ISTO é ARTE - 050


O MAIS INÚTIL dos TEMERÁRIOS
A arte não pode ter sua missão na cultura e formação, mas seu fim deve ser alguém mais elevado que sobre-passe a humanidade. Com isso deve satisfazer-se o artista. É o único inútil, no sentido mais temerário (Nietzsche  2000, p.134)

FRANCISCO de HOLANDA 1517-1585 ilustração com auto-retrato
Fig. 01 – O artista trava luta permanente na construção de sua obra e trabalha para que esta supere o seu tempo e o seu lugar. Porém as necessidades básicas e imediatas, associadas á ignorância do seu meio, destroem e consomem a  inteligência, a vontade e o direito do artista. Esta destruição e consumo são representados por Francisco de Holanda, pelo cão que ladra, morde e tenta aniquilar esta obra deste artista e teórico lusitano.

Estamos a caminho de uma civilização quando a Arte e o trabalho buscam harmonizar-se e conviver para a sobrevivência de uma determinada sociedade.
Numa determinada civilização todas as profissões exigem dos seus praticantes doar-se mais do que recebem de uma sociedade. Este é papel de toda criatura humana adulta. Além de garantir a sua própria sobrevivência, uma criatura humana necessita reproduzir-se e manter a sua prole até ela possa tomar o seu rumo próprio e recomeçar o ciclo. 


Fig. 02 - Esta obra do ativista político Bansky  mostra as rigorosas escolhas que este artista necessita fazer com os  poucos elementos sensíveis e coerentes de sua obra despojada e direta para atingir com os seus observadores. A gratuidade da vida e os caminhos imprevisíveis do amor correspondem à Arte quando existe uma coerência interna expressa e eternizada numa obra que realiza a proeza de realizar uma medição eficiente entre as intenções do autor da obra e a sua recepção. A Arte lança mão de códigos universais aos sentidos e percepções humanas. Ela se distingue da Comunicação que se vale e necessita de códigos lineares, fixos e unívocos que dependem de convenções previamente contratados entre o emissor e receptor..


Toda obra de ARTE possui este projeto da construção da sua identidade própria, da sua reprodução exitosa e  do seu pertencimento e inclusão numa série histórica coerente com o seu tempo e seu lugar.
O artista sobreviveu nesta relação tanto no escambo dos seus serviços estéticos simbólicos como pelas retribuições pecuniárias em sistemas monetaristas. Evidente que existem lugares e tempos mais ou menos favoráveis a este projeto civilizatório.  
Caracterizando o seu próprio lugar e o seu tempo Miguel Ângelo falou (Holanda, 1955, p. 22.) ao jovem português Francisco de Holanda tendo fazer com deixasse Portugal pela Itália
...”nasceis na província [Na Itália..] ..  que é mãe e conservadora de todas as ciências e disciplinas, entre tantas relíquias dos vossos antigos, que em nenhuma outra parte se acham, que já de meninos, a qualquer cousa que a vossa inclinação ou gênio se inclina, topais ante os olhos pelas ruas muita parte daquelas, e costumados sois de pequenos a terdes vistas aquelas cousas que os velhos nunca viram noutros reinos”   

Fig. 03 – A indústria cultural insiste em mostrar as obras de Miguel Ângelo como modelares. Estas são coerentes, de fato, entre Ente humano situado na culminância do Renascimento Italiano. Porém elas pereceriam pela entropia e pela obsolescência de sua época e local, se não fossem índices do universo mental deste criador. O universo mental de Miguel Ângelo, alimentou-se na obra de Platão e daqueles que o cultivavam ao seu redor. De outra parte ele era cidadão de Florença, cujo esplendor dependia da inteligência e da diligência no trabalho com os bens simbólicos que seus comerciantes e banqueiros souberam acumular e defender no interior dos muros desta pequena República. Comerciantes e banqueiros que sabiam que o poder monetário também fluía como o seu poder político. A Arte salvou o que de melhor se produziu nesta cidade estado.

Evidente que a cidade, a cultura e o meio são educadores subliminares e eficientes. Nos locais onde isto não aconteceu ainda a preparação universitária do artista supre parcialmente esta carência. Nestes locais - de cultura dominada ainda pela Natureza - existe a necessidade de redobrar e preparar o estudante de Arte para o seu retorno e ação civilizatório no seu meio entrópico. Meio no qual a Arte ainda é artigo de luxo e de rara excepcionalidade. Assim é duplamente exigente a preparação para lidar com as forças intrínsecas da Arte. Nesta duplicidade o trabalho intelectual e físico nesta busca de interação produtiva do que a educação técnica.

Fig. 04 - O atelier do artista e ativista político Bansky  projeta os seus grafitos. O caos visível no seu atelier mostra a multiplicidade dos caminhos, das estéticas obras alheias entre as quais o artista necessita escolher os seus poucos elementos sensíveis com o objetivo de manter a coerência de sua obra despojada e direta a ser mostrada aos seus observadores.

Nunca foi fácil suprir as necessidades básicas da auto sustentação econômica por meio dos ofícios profissionais. Passada a infância uma profissão significa a possibilidade, e a necessidade, de retribuir mais do que recebeu da sociedade ao qual o artista pertence. A mãe previdente já avisava: “meu filho não faça artes..” para que a sua criança fosse competente para doar mais do que recebeu.

ART DUBAI 18-21.03.2009  Valay SHENDES
Fig. 05 - A riqueza acumulada com a exploração e comercialização do petróleo escondida sob os mantos dos seus desertos permitiram a diversos países árabes a projetar e adquirir obras de Arte e criar portentosas instituições a altura dos prédios que estão construindo. Estas obras e acúmulos de capitais se valeram das obras de arte dos ocidentais para um intercâmbio produtivo e civilizado.
  
Como o ser adulto é aquele que sabe dar mais do que recebeu ele enfrentar um mundo de perdas a serem administradas positivamente. Neste caminho da administração de suas perdas uma  obra de Arte vence no seu caminho duas etapas preliminares importantes. A primeira é escolher e fixar-se nesta escolha calculando todas as perdas inerentes a esta escolha. A segunda é dominar ofício, pois o artista competente sabe fazer com a matéria de sua escolha o que ele quiser no âmbito da autonomia do seu projeto mental. 


Thomas Hart BENTON (1889-1975)
Fig. 06 – A cultura norte-americana buscou a sua identidade nacional nos produtos da indústria cultural onde os filmes do Far West carrearam para esta cultura não só a identidade mas verdadeiras fortunas. Fortunas, não só pelos produtos em si mesmos, mas pelo imenso halo cultural no qual muitas atividades produtivas e lucrativas puderam vender,  desde alimentos, vestuário e indústria gráfica, além de garantir uma simpatia subliminar.

A escolha voltada para as matérias coerentes com o seu aqui e agora. Assim ele produz, além da obra de Arte, documentos das suas próprias circunstâncias e da sociedade à qual pertence ainda que contrariem os objetivos imediatos do seu grupo. As cavernas de Altamira e Lascaux constituem documentos muito anteriores aos códigos escritos. A sociedade, as sua necessidades, seus medos e eventuais reprovações ao artista e a sua obra desapareceram e se calaram há muito tempo.

XUL SOLAR  VUEL VILLA (1936)  http://en.wikipedia.org/wiki/Xul_Solar
Fig. 07 -  O artista Xul Solar [ Oscar Augustin Alejandro Scgultz Solari  1887 - + 1963]  traduziu índices do Universo Fantástico que mergulha suas raízes nas mais longínquas e profundas culturas latino americanas e as joga poeticamente no presente.
  
Miguel Ângelo já identificou (Francisco de Holanda, 1955, p. 66) esta relação entre obra de Arte e os seus observadores:  
nesta nossa terra [Itália] até os que não estimam muito a pintura a pagam muito melhor que em Espanha e Portugal os que muito a festejam, por onde vos aconselho, como a filho, que não vos devíeis partir dela, por que hei medo que, não o fazendo, vos arrependereis” .
Numa civilização acumuladora de capitais mais ou menos díspares  entre a ARTE e o seu RETORNO as circunstância não são mais aquelas da cavernas, mas de ordem financeira. Para  chegar esta conclusão Miguel Ângelo contava com um ajudante português e sabia do despreparo da sociedade ibérica e da sua elite para as coisas superiores de uma civilização. O regime colonial ibérico disseminou este despreparo pelas três Américas.


Uma juventude que inquieta frequentemente” – cartaz de  05 de maio de 1968 Paris. Le Monde  - maio de 2008
Fig. 08 – A Revolução Cultural do ano de 1968 parece que não estava preparada e nem queria o movimento das mais ferozes ditaduras que se espalharam mundo afora. Reações que se aproveitaram destas manifestações até o ponto em que no qual podiam atingir e eram perigosas para o poder militar e capitalista de concentração de renda. O que todos os economistas apontam que esta concentração de 1968 está  em 2012 cada vez mais e poucas mãos e mentes.

A classe de artistas necessita unir-se e proteger-se reciprocamente diante este despreparo, ignorância e das suas consequências funestas. A melhor estratégia é esta publicidade proveniente da obra de Arte como o melhor do artista e não reduzida à propaganda ou ao marketing linear, unívoco e fixo. O puro marketing e propaganda - como os mais diversos eventos - são passageiros e nem sempre coerentes com a Arte. Tudo volta para a entropia natural e à obsolescência silenciosa, cessando este suporte artificial. Para virar esta entropia e garantir a sobrevida diante desta  obsolescência é necessário que Arte tenha consciência de si mesma e conectado com o direito que lhe garanta existência digna no interior de um projeto civilizatório compensador da violência natural. Assim não será uma peça solta a mercê daqueles que a queiram usar para os mais diversos fins.


“De retorno para a normalidade” – cartaz de 23 de maio de 1968 -  Paris  - Le Monde  - maio de 2008
Fig. 09 – Os meios audiovisuais planetários colaboram decisivamente, depois de 1968, para formar rebanhos cada vez maiores  de observadores passivos e sem a menor chance de enfrentar editorias, suportes jurídicos e aportes  massivos de capitais.  As controladoras dos meios audiovisuais planetários advertidos pela imagem do Big Brother partiram para controles com aparentes feed-back de suas ações comunicativas. Porém não há menor garantia de que sejam levados a sério. Conta apenas o número e a necessidade de inovar os seus meios subliminares e contornar ações com possíveis consequências jurídicas.

Os meios de comunicação de massa só funcionam ao rebaixar o seu vocabulário, sua mensagem e a sua estética para que uma criança com idade mental de 12 anos possa recebê-los, entender e se motivar a continuar a receber esta mensagem. Por enquanto só em Goiás temos ainda 7 milhões de habitantes que não sabem ler e nem escrever. Analfabeto não põe a mão no bolso para pagar algo que não corresponde ao seu repertório e gosto.


Fig. 10 – Marcel Duchamp foi um artista  coerente em evitar a indústria cultural, encontrou meios alternativos e novos meios para a sua obra como aquela que ele denominou “a noiva despida pelos seus pretendentes”.  Preferiu viver e ganhar a sua subsistência física por meio das suas aulas de francês dadas aos norte-americanos e da sua capacidade de jogar xadrez. Estava ciente e atento às limitações e da heteronímia que significava para ele e sua obra o SISTEMA de ARTES, montado pacientemente pela indústria cultural para colocar na sua dependência tanto para o produtor como o observador da obra de Arte autêntica,

Uma Estética obsoleta é testada na sua possibilidade intrínseca de realizar rupturas epistêmicas. Nesta ruptura potencialmente pode escolher aquilo que ainda faz sentido para o artista e o seu meio. A parir dali elaborar uma obra nova e coerente com as suas circunstâncias. Picasso praticou isto ao longo de toda a sua carreira. Porém esta sua prática das “releituras” virou simples modismo e produção de obras de sentido vulgar.

Fig. 11 – A obra de John Cage (1912-1992) seguiu pelo mesmo caminho de autonomia do que aquela de Marcel Duchamp. Ancorado na profunda cultura oriental reconduziu sua obra musical para recuperar o silêncio, o tempo necessário para apreciar esta Arte. A sua obra musical inspirada nos ritmo e os ruídos que acompanha uma ação na cozinha. http://www.youtube.com/watch?v=63HoYXUeUTA&feature=related
Evidente era gratuita e temerária como a Vida e a Arte.

O estudante ao se preparar tecnicamente,  também examina todos os meios pelos quais ele, ou ela, teria de entender o seu lugar na civilização e especialmente na sociedade concreta e real na qual se encontra e busca expressar por meio de sua obra de Arte. Se chegasse à conclusão de que ele, ou ela, era competente intelectual e emocionalmente para realizar a cada dia com uma ruptura epistêmica consigo e com a cultura que recebeu, só continua nesta doação do que de melhor a humana cria e reinventa em cada época. Para esta tarefa ele tinha quatro ou cinco anos para chegar a uma conclusão única e pessoal. A capacidade de criar obras coerentes com seu tempo e lugar e a fortuna de sua recepção é uma construção artificial. Terá êxito na medida da teleologia imanente no seu projeto original. A Natureza dada é um suporte necessário, mas ela não possui nada por dentrocomo sentenciava o poeta Fernando Pessoa ( LI HOJE).


Keith HARING (*1958 - ) Desenho Colorido http://en.wikipedia.org/wiki/Keith_Haring
Fig. 12 – Os signos da indústria cultural - e os meios de que ela se vale - abriram espaço para obras de Keith Haring. No meio caminho entre os signos da Comunicação e os elementos gráficos que continuam a tradição de Giotto - da tinta e pincel sobre uma superfície - este artista norte-americano cria um alegre universo de pictogramas que o aproxima das maiores tradições do pictogramas da cavernas pré-históricas, presentes na origem das mais variadas culturas.
Aqueles entregues ao puro marketing e propaganda - como os mais diversos eventos, encerram-se num estreito campo conceitual. A partir deste campo  dão tiros para todos os lados, para acertar, com o seu pensamento único em algum descuidado curiango camuflado que por engano passa pela sua mira linear ou cai morto aos seus pés onipotentes.

Fig. 13- A obra de RICHART HAMILTON (1922-2011) “Retrato de mulher como artista” (2007) continua deste considerado como o primeiro artista da Arte Pop.

Contra estes imediatistas ergue-se o projeto daqueles que sabem e encontram os meios para doar-se mais do que recebem de uma sociedade. Como criatura humana adulta e harmoniosa e coerentemente desenvolvidas garantem a sua própria sobrevivência, reproduzem-se e mantem a sua prole até esta também possa tomar o seu rumo próprio e recomeçar o ciclo. Enquanto os cães ladram,  mordem e tentam destruir a obra como aquela de Francisco de Holanda (Fig.01)

FONTES BIBLIOGRÁFICAS
HOLANDA, Francisco de (1517-1584) Diálogos de Roma: da pintura antiga. Prefácio de Manuel Mendes. Lisboa : Livraria Sá da Costa, 1955, 158 p. http://marcasdasciencias.fc.ul.pt/pagina/fichas/sujeitos/dominio?id=565

NIETZSCHE, Frederico Guillermo (1844-1900)  Sobre el porvenir de nuestras escuelas. Barcelona: Tusquets, 2000. 179 p.      

FONTES NUMÉRICAS DIGITAIS.

BANSKY – Grafiteiro

F ALA do PRESIDENTE do URUGUAI

Fernando PESSOA – LI HOJE

FRANCISCO de HOLLANDA (1517 - 1585)
obras:


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