O
MAIS INÚTIL dos TEMERÁRIOS
“A arte não pode
ter sua missão na cultura e formação, mas seu fim deve ser alguém mais elevado
que sobre-passe a humanidade. Com isso deve satisfazer-se o artista. É o único
inútil, no sentido mais temerário” (Nietzsche 2000, p.134)
FRANCISCO
de HOLANDA 1517-1585 ilustração com auto-retrato
Fig. 01 – O
artista trava luta permanente na construção de sua obra e trabalha para que
esta supere o seu tempo e o seu lugar. Porém as necessidades básicas e imediatas,
associadas á ignorância do seu meio, destroem e consomem a inteligência, a vontade e o direito do
artista. Esta destruição e consumo são representados por Francisco de Holanda,
pelo cão que ladra, morde e tenta aniquilar esta obra deste artista e teórico
lusitano.
Estamos a caminho de uma
civilização quando a Arte e o trabalho buscam harmonizar-se e conviver para a
sobrevivência de uma determinada sociedade.
Numa determinada
civilização todas as profissões exigem dos seus praticantes doar-se mais do que
recebem de uma sociedade. Este é papel de toda criatura humana adulta. Além de
garantir a sua própria sobrevivência, uma criatura humana necessita
reproduzir-se e manter a sua prole até ela possa tomar o seu rumo próprio e
recomeçar o ciclo.
Fig. 02 - Esta
obra do ativista político Bansky mostra
as rigorosas escolhas que este artista necessita fazer com os poucos elementos sensíveis e coerentes de sua
obra despojada e direta para atingir com os seus observadores. A gratuidade da
vida e os caminhos imprevisíveis do amor correspondem à Arte quando existe uma
coerência interna expressa e eternizada numa obra que realiza a proeza de
realizar uma medição eficiente entre as intenções do autor da obra e a sua
recepção. A Arte lança mão de códigos universais aos sentidos e percepções
humanas. Ela se distingue da Comunicação que se vale e necessita de códigos
lineares, fixos e unívocos que dependem de convenções previamente contratados
entre o emissor e receptor..
Toda obra de ARTE possui
este projeto da construção da sua identidade própria, da sua reprodução exitosa
e do seu pertencimento e inclusão numa
série histórica coerente com o seu tempo e seu lugar.
O artista sobreviveu
nesta relação tanto no escambo dos seus serviços estéticos simbólicos como
pelas retribuições pecuniárias em sistemas monetaristas. Evidente que existem
lugares e tempos mais ou menos favoráveis a este projeto civilizatório.
Caracterizando o seu
próprio lugar e o seu tempo Miguel Ângelo falou (Holanda, 1955, p. 22.)
ao jovem português Francisco de Holanda tendo fazer com deixasse Portugal pela
Itália
...”nasceis na província [Na Itália..] .. que é mãe e conservadora de todas as ciências
e disciplinas, entre tantas relíquias dos vossos antigos, que em nenhuma outra
parte se acham, que já de meninos, a qualquer cousa que a vossa inclinação ou
gênio se inclina, topais ante os olhos pelas ruas muita parte daquelas, e
costumados sois de pequenos a terdes vistas aquelas cousas que os velhos nunca
viram noutros reinos”
Fig. 03 – A
indústria cultural insiste em mostrar as obras de Miguel Ângelo como modelares.
Estas são coerentes, de fato, entre Ente humano situado na culminância do Renascimento
Italiano. Porém elas pereceriam pela entropia e pela obsolescência de sua época
e local, se não fossem índices do universo mental deste criador. O universo
mental de Miguel Ângelo, alimentou-se na obra de Platão e daqueles que o
cultivavam ao seu redor. De outra parte ele era cidadão de Florença, cujo
esplendor dependia da inteligência e da diligência no trabalho com os bens
simbólicos que seus comerciantes e banqueiros souberam acumular e defender no
interior dos muros desta pequena República. Comerciantes e banqueiros que
sabiam que o poder monetário também fluía como o seu poder político. A Arte
salvou o que de melhor se produziu nesta cidade estado.
Evidente que a cidade, a
cultura e o meio são educadores subliminares e eficientes. Nos locais onde isto
não aconteceu ainda a preparação universitária do artista supre parcialmente
esta carência. Nestes locais - de cultura dominada ainda pela Natureza - existe
a necessidade de redobrar e preparar o estudante de Arte para o seu retorno e
ação civilizatório no seu meio entrópico. Meio no qual a Arte ainda é artigo de
luxo e de rara excepcionalidade. Assim é duplamente exigente a preparação para
lidar com as forças intrínsecas da Arte. Nesta duplicidade o trabalho
intelectual e físico nesta busca de interação produtiva do que a educação
técnica.
Fig. 04 - O
atelier do artista e ativista político Bansky
projeta os seus grafitos. O caos visível no seu atelier mostra a
multiplicidade dos caminhos, das estéticas obras alheias entre as quais o
artista necessita escolher os seus poucos elementos sensíveis com o objetivo de
manter a coerência de sua obra despojada e direta a ser mostrada aos seus
observadores.
Nunca foi fácil suprir
as necessidades básicas da auto sustentação econômica por meio dos ofícios
profissionais. Passada a infância uma profissão significa a possibilidade, e a
necessidade, de retribuir mais do que recebeu da sociedade ao qual o artista
pertence. A mãe previdente já avisava: “meu
filho não faça artes..” para que a sua criança fosse competente para doar
mais do que recebeu.
ART
DUBAI 18-21.03.2009 Valay SHENDES
Fig. 05 - A riqueza
acumulada com a exploração e comercialização do petróleo escondida sob os
mantos dos seus desertos permitiram a diversos países árabes a projetar e
adquirir obras de Arte e criar portentosas instituições a altura dos prédios
que estão construindo. Estas obras e acúmulos de capitais se valeram das obras
de arte dos ocidentais para um intercâmbio produtivo e civilizado.
Como o ser adulto é aquele que sabe dar mais do que recebeu
ele enfrentar um mundo de perdas a serem administradas positivamente. Neste
caminho da administração de suas perdas uma
obra de Arte vence no seu caminho duas etapas preliminares importantes.
A primeira é escolher e fixar-se nesta escolha calculando todas as perdas
inerentes a esta escolha. A segunda é dominar ofício, pois o artista competente
sabe fazer com a matéria de sua escolha o que ele quiser no âmbito da autonomia
do seu projeto mental.
Thomas Hart BENTON (1889-1975)
Fig. 06 – A
cultura norte-americana buscou a sua identidade nacional nos produtos da
indústria cultural onde os filmes do Far West carrearam para esta cultura não
só a identidade mas verdadeiras fortunas. Fortunas, não só pelos produtos em si
mesmos, mas pelo imenso halo cultural no qual muitas atividades produtivas e
lucrativas puderam vender, desde
alimentos, vestuário e indústria gráfica, além de garantir uma simpatia
subliminar.
A escolha voltada para as matérias coerentes com o seu aqui
e agora. Assim ele produz, além da obra de Arte, documentos das suas próprias
circunstâncias e da sociedade à qual pertence ainda que contrariem os objetivos
imediatos do seu grupo. As cavernas de Altamira e Lascaux constituem documentos
muito anteriores aos códigos escritos. A sociedade, as sua necessidades, seus
medos e eventuais reprovações ao artista e a sua obra desapareceram e se
calaram há muito tempo.
Fig. 07 - O artista Xul Solar [ Oscar Augustin
Alejandro Scgultz Solari 1887 - + 1963] traduziu índices do Universo Fantástico que
mergulha suas raízes nas mais longínquas e profundas culturas latino americanas
e as joga poeticamente no presente.
Miguel Ângelo já identificou (Francisco de Holanda, 1955, p. 66) esta relação entre obra de Arte e os seus observadores:
“nesta
nossa terra [Itália] até os que não estimam muito a pintura a
pagam muito melhor que em Espanha e Portugal os que muito a festejam, por onde
vos aconselho, como a filho, que não vos devíeis partir dela, por que hei medo
que, não o fazendo, vos arrependereis” .
Numa civilização acumuladora de capitais mais ou menos
díspares entre a ARTE e o seu RETORNO as
circunstância não são mais aquelas da cavernas, mas de ordem financeira.
Para chegar esta conclusão Miguel Ângelo contava
com um ajudante português e sabia do despreparo da sociedade ibérica e da sua
elite para as coisas superiores de uma civilização. O regime colonial ibérico
disseminou este despreparo pelas três Américas.
“Uma juventude que
inquieta frequentemente” – cartaz de 05 de
maio de 1968 Paris. Le Monde - maio de 2008
Fig. 08 – A
Revolução Cultural do ano de 1968 parece que não estava preparada e nem queria
o movimento das mais ferozes ditaduras que se espalharam mundo afora. Reações
que se aproveitaram destas manifestações até o ponto em que no qual podiam
atingir e eram perigosas para o poder militar e capitalista de concentração de
renda. O que todos os economistas apontam que esta concentração de 1968
está em 2012 cada vez mais e poucas mãos
e mentes.
A classe de artistas necessita unir-se e proteger-se
reciprocamente diante este despreparo, ignorância e das suas consequências
funestas. A melhor estratégia é esta publicidade proveniente da obra de
Arte como o melhor do artista e não reduzida à propaganda ou ao marketing
linear, unívoco e fixo. O puro marketing e propaganda - como os mais diversos eventos - são
passageiros e nem sempre coerentes com a Arte. Tudo volta para a entropia
natural e à obsolescência silenciosa, cessando este suporte artificial. Para virar
esta entropia e garantir a sobrevida diante desta obsolescência é necessário que Arte tenha
consciência de si mesma e conectado com o direito que lhe garanta existência
digna no interior de um projeto civilizatório compensador da violência natural.
Assim não será uma peça solta a mercê daqueles que a queiram usar para os mais
diversos fins.
“De retorno para a
normalidade” – cartaz de 23 de maio de 1968 -
Paris - Le Monde - maio de 2008
Fig. 09 – Os meios
audiovisuais planetários colaboram decisivamente, depois de 1968, para formar
rebanhos cada vez maiores de observadores
passivos e sem a menor chance de enfrentar editorias, suportes jurídicos e
aportes massivos de capitais. As controladoras dos meios audiovisuais
planetários advertidos pela imagem do Big Brother partiram para controles com
aparentes feed-back de suas ações comunicativas. Porém não há menor garantia de
que sejam levados a sério. Conta apenas o número e a necessidade de inovar os
seus meios subliminares e contornar ações com possíveis consequências
jurídicas.
Os meios de
comunicação de massa só funcionam ao rebaixar o seu vocabulário, sua mensagem e
a sua estética para que uma criança com idade mental de 12 anos possa
recebê-los, entender e se motivar a continuar a receber esta mensagem. Por
enquanto só em Goiás temos ainda 7 milhões de habitantes que não sabem ler e
nem escrever. Analfabeto não põe a mão no bolso para pagar algo que não
corresponde ao seu repertório e gosto.
Fig. 10 – Marcel
Duchamp foi um artista coerente em
evitar a indústria cultural, encontrou meios alternativos e novos meios para a
sua obra como aquela que ele denominou “a
noiva despida pelos seus pretendentes”. Preferiu viver e ganhar a sua subsistência
física por meio das suas aulas de francês dadas aos norte-americanos e da sua
capacidade de jogar xadrez. Estava ciente e atento às limitações e da
heteronímia que significava para ele e sua obra o SISTEMA de ARTES, montado
pacientemente pela indústria cultural para colocar na sua dependência tanto
para o produtor como o observador da obra de Arte autêntica,
Uma Estética
obsoleta é testada na sua possibilidade intrínseca de realizar rupturas
epistêmicas. Nesta ruptura potencialmente pode escolher aquilo que ainda faz
sentido para o artista e o seu meio. A parir dali elaborar uma obra nova e coerente
com as suas circunstâncias. Picasso praticou isto ao longo de toda a sua
carreira. Porém esta sua prática das “releituras” virou simples modismo e
produção de obras de sentido vulgar.
Fig. 11 – A obra
de John Cage (1912-1992) seguiu pelo mesmo caminho de autonomia do que aquela
de Marcel Duchamp. Ancorado na profunda cultura oriental reconduziu sua obra
musical para recuperar o silêncio, o tempo necessário para apreciar esta Arte.
A sua obra musical inspirada nos ritmo e os ruídos que acompanha uma ação na
cozinha. http://www.youtube.com/watch?v=63HoYXUeUTA&feature=related
Evidente era
gratuita e temerária como a Vida e a Arte.
O estudante ao
se preparar tecnicamente, também examina
todos os meios pelos quais ele, ou ela, teria de entender o seu lugar na
civilização e especialmente na sociedade concreta e real na qual se encontra e
busca expressar por meio de sua obra de Arte. Se chegasse à conclusão de que
ele, ou ela, era competente intelectual e emocionalmente para realizar a cada
dia com uma ruptura epistêmica consigo e com a cultura que recebeu, só continua
nesta doação do que de melhor a humana cria e reinventa em cada
época. Para esta tarefa ele tinha quatro ou cinco anos para chegar a uma
conclusão única e pessoal. A capacidade de criar obras coerentes com seu tempo
e lugar e a fortuna de sua recepção é uma construção artificial. Terá êxito na
medida da teleologia imanente no seu projeto original. A Natureza dada é um
suporte necessário, mas “ela não possui
nada por dentro” como sentenciava o poeta Fernando Pessoa
( LI HOJE).
Keith HARING (*1958 -
) Desenho Colorido http://en.wikipedia.org/wiki/Keith_Haring
Fig. 12 – Os
signos da indústria cultural - e os meios de que ela se vale - abriram espaço
para obras de Keith Haring. No meio caminho entre os signos da Comunicação e os
elementos gráficos que continuam a tradição de Giotto - da tinta e pincel sobre
uma superfície - este artista norte-americano cria um alegre universo de
pictogramas que o aproxima das maiores tradições do pictogramas da cavernas
pré-históricas, presentes na origem das mais variadas culturas.
Aqueles entregues ao puro marketing e propaganda - como os mais diversos eventos, encerram-se
num estreito campo conceitual. A partir deste campo dão tiros para todos os lados, para acertar, com
o seu pensamento único em algum descuidado curiango camuflado que por engano
passa pela sua mira linear ou cai morto aos seus pés onipotentes.
Fig. 13- A obra
de RICHART HAMILTON (1922-2011) “Retrato de mulher como artista” (2007)
continua deste considerado como o primeiro artista da Arte Pop.
Contra estes
imediatistas ergue-se o projeto daqueles que sabem e encontram os meios para doar-se mais do que
recebem de uma sociedade. Como criatura humana adulta e harmoniosa e
coerentemente desenvolvidas garantem a sua própria sobrevivência, reproduzem-se
e mantem a sua prole até esta também possa tomar o seu rumo próprio e recomeçar
o ciclo. Enquanto os cães ladram, mordem
e tentam destruir a obra como aquela de Francisco de Holanda (Fig.01)
FONTES BIBLIOGRÁFICAS
HOLANDA, Francisco de (1517-1584) Diálogos
de Roma: da pintura antiga. Prefácio de Manuel Mendes. Lisboa :
Livraria Sá da Costa, 1955, 158 p. http://marcasdasciencias.fc.ul.pt/pagina/fichas/sujeitos/dominio?id=565
NIETZSCHE,
Frederico Guillermo (1844-1900) Sobre
el porvenir de nuestras escuelas. Barcelona: Tusquets, 2000. 179 p.
FONTES NUMÉRICAS DIGITAIS.
BANSKY – Grafiteiro
F
ALA do PRESIDENTE do URUGUAI
Fernando PESSOA –
LI HOJE
FRANCISCO de
HOLLANDA (1517
- 1585)
obras:
Este
material possui uso restrito ao apoio do processo continuado de
ensino-aprendizagem
Não
há pretensão de lucro ou de apoio financeiro nem ao autor e nem aos seus
eventuais usuários
Este
blog é editado e divulgado em língua nacional brasileira e respeita a sua
formação histórica. ...
e-mail ciriosimon@cpovo.net
1º blog :
2º blog
3º blog
SUMÁRIO do 1º ANO de postagens
do blog NÃO FOI no GRITO
Site
Vídeo:
Nenhum comentário:
Postar um comentário