segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

ESTUDOS de ARTE - 008

Uma AULA  de
Mário Raul de Morais Andrade 
(1893-1945)
Fig. 01 - Mário de Andrade era músico, antes de tudo. Como tal havia desenvolvido a sua competência de escuta e de memória auditiva. Capacidade de escutar e de memorizar os mais diversos repertórios de idades e culturas orais das regiões brasileiras. Com a sua mais alta competência intelectual sabia que a base estava em quem estava se iniciando na civilização.
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A Conferência de Mario de Andrade para a UNE representa uma aula magna raramente igualada ou superada nalguma universidade brasileira. Esta aula, muito além de resgatar o essencial do passado recente, possui dimensões que afirmam o presente de 1942. Texto que expressa o ENTE brasileiro no seu modo de SER. Para tanto Mario lança as bases dos parâmetros culturais de um pacto nacional a ser construindo coletivamente no porvir.
Fig. 02 – Em 1942 toda a civilização humana estava em perigo e dilacerada entre dois perigos antagônicos e irreconciliáveis interna e externamente. Culminância de regimes e ideologias  absurdas, cegas e surdas aos mais elementares direitos a vida e as conquista de civilizações. Mário de Andrade  soube explanar, no mais nível,  as bases da civilização brasileira. Sem se impor ou buscar prosélitos o PODER ORIGINÀRIO pronunciou-se unido e solidário com a busca da Democracia e por dela, a Paz.

Do passado realiza uma síntese dos 20 anos posteriores à Semana de Arte Moderna de 1922. Do presente aponta os valores pelos quais o Brasil estava entrando na II Guerra Mundial e sem mencionar o fato. Para o futuro traça as competências e os limites de uma consciência coletiva nacional. Na riqueza destas três dimensões do TEMPO destaca-se uma frase desta Conferência que sintetiza o PRESENTE, o PASSADO e o FUTURO que ele aguardava do Brasil. Assim Mário de Andrade propõe (1942,  p.45)[1] para a UNE:
O direito permanente à pesquisa estética; a atualização da inteligência artística brasileira; e a estabilização de uma consciência nacional [..] A novidade fundamental, imposta pelo movimento, foi a conjugação dessas três normas num todo orgânico da consciência coletiva
O autor é cuidadoso ao preferir o termo “CONJUGAÇÂO”  afastando o fantasma do “ECLETISMO”. O próprio Mario havia fulminado, em 1938,  o termo “ECLETISMO” como acomodatício e máscara de todas as covardias”. -  [in Andrade 1955, fl. 13]



[1]     - ANDRADE, Mario O movimento modernista: Conferência lida no salão de Conferências da Biblioteca do Ministério das Relações Exteriores do Brasil no dia 3 de abril de 1942. Rio de Janeiro :Casa do Estudante do Brasil, 1942,  p.45.
      Esta conferência evocava os resultados culturais da Semana de Arte Moderna de 1922. Mario da Andrade havia sido umas das figuras centrais desta Semana. Ele se indispusera em 1938 com o Estado Novo. A conferência ocorria no auge desta ditadura que entrava em guerra com o Eixo.
                Mário coloca a nacionalidade como primeiro principio os concluía com busca da construção de uma consciência coletiva.
Fig. 03 - Mário de Andrade manejava com maestria o VERBO escrito e falado Com os pés profundamente assentados na terra paulista [WELTGEST]  soube escutar, escrever e interpretar os mais escondidos e esquecidos recantos nacionais dos quais trouxe as vozes, as imagens e as energias populares [VOLKSGEST]  elaboradas e guardadas durante séculos [ZEITGEST] .

 No momento desta Conferência de Mário de Andrade ganhava adeptos e estava em pauta a busca do “TIPO” ARIANO.  Em nome deste tipo eclético - e que jamais existiu ou existirá - mentes sinistras forjavam este TIPO IDEAL. Em nome deste TIPO IDEAL aniquilavam fisicamente milhões de seres humanos que não se enquadravam nesta monstruosidade forjada.
A própria obra MACUNAIMA de  Mário pode ser vista como paródia e farsa desta busca do “TIPO IDEAL BRASILEIRO” na saga do “Dom Quixote” de Cervantes, “Don Juan” de Molière ou “Servo de Dois Patrões” de Goldoni.
Fig. 04 - Mário de Andrade entregou, em 1928,  para a imaginação do seu leitor um texto poético e uma metáfora tão poderosa e tão competente em todos os repertórios e tempos suscitar imagens e apropriações que correm por conta e risco dos seus leitores e dos seus repertórios pessoais.  Na medida em que Mario consegue recuperar toda a história brasileira, Realiza esta narrativa sob a forma da farsa e do mito escrachado sob o domínio popular. Costura o repertório costura   numa peça na melhor companhia de um Molière, Cervantes e de Goldoni.

Porém, em 1942, Mario de Andrade soube distinguir três momentos do processo criativo brasileiro no meio de um oceano de  dúvidas e de certezas mínimas. Certezas mínimas do direito primordial e fundamental à “PESQUISA ESTÉTICA” que autor  reivindica para a sua obra e dos demais artistas brasileiros. Não menos importante e necessária é a “ATUALIZAÇÂO da INTELIGÊNCIA” Porém a criação e inteligência necessitam da terra fértil do contínuo da “CONSCIÊNCIA NACIONAL”.  Consciência de todas as competências e dos limites surgidos a partir da obra e do conhecimento das suas circunstâncias.
Fig. 05 – O pintor e gravador Lasar Segall, amigo de Mário de Andrade, conseguiu uma imagem  síntese do método de trabalho do escritor ao produzir, em 1928,   num período de férias a obra MACUNAIMA. O artista não possui fim de semana, férias ou aposentadoria. O trabalho do artista nos trópicos é singular e necessita sintonia com a Natureza para superá-la e produzir algo que ela nã arraste para uma rápida e irreversível entropia física, intelectual e cultural.

Mário de Andrade conseguiu recuperar toda a história brasileira. A sua extensa obra escrita move-se e é impulsionada pelas circunstâncias internas e externas à célula nacional. A membrana desta célula nacional é competente para conter a inteligência, a vontade e sensibilidade brasileira. Ao mesmo tempo dá conta da filtragem das demais culturas externas por meio do exercício da inteligência e da Razão.
Na obra escrita de Mário de Andrade é passível perceber a diacronia interna da nação brasileira atualizadas na sincronia com as demais culturas. Percebe-se uma “PESQUISA ESTÉTICA” portadora de um “ZEITGEIST” no contínuo da sua diacronia. A “ATUALIZAÇÃO da INTELIGÊNCIA” no âmbito de uma sincronia no “VOLKSGEIST” que se torna cada vez mais cumulativo planetário. Concepção “CONSCIÊNCIA NACIONAL” que possui uma territorialidade de um “WELTGEIST” com outras culturas e nacionalidades das quais se distingue e contribui à sua maneira singular de SER.
Fig. 06 – O sentimento de pertencimento de Mário de Andrade ao seu grupo de artistas, para a sua geração, língua e cultura vai muito além  do evento da Semana de Arte Moderna de fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo.. O evento fez convergir  para uma espécie de pacto ou contrato estético do qual cada um dos participantes se encarregou de desenvolver. Se houve conflitos e excomunhões recíprocas elas ganhavam sentido e força na medida em que o artista produz para oseus concorrentes que são os primeiros e, as vezes, os únicos a compreender os acertos e desvios de projetos individuais e coletivos.

Circunstâncias internas e externas à célula nacional e passiveis de serem percebidas na diacronia interna, atualizadas na sincronia externa das demais culturas. Uma “PESQUISA ESTÉTICA” portadora de um “ZEITGEIST” no contínuo da sua diacronia. A “ATUALIZAÇÃO da INTELIGÊNCIA” no âmbito de uma sincronia no “VOLKSGEIST” que se torna cada vez mais cumulativo planetário. Concepção “CONSCIÊNCIA NACIONAL”   que possui uma territorialidade de um “WELTGEIST” com outras culturas e nacionalidades das quais se distingue e contribui à sua maneira.
Fig. 07 – Muito antes de Marcel Duchamp  desafiar o artista a desafiar e ampliar a sua sensibilidade por meio da formação institucional e erudita Mário de Andrade frequentou o Conservatório Dramático Musical de São Paulo e depois tornou-se um dos seus mestres. Além de encontrar pessoas com o mesmo ideal de cultivo da sensibilidade, inteligência e vontade no meio da “Pauliceia Desvairada” encontrava desafios, crítica autorizdas e circulação de artistas do mundo inteiro que seriam muito difíceis de encontrar sem esta instituição.

Estes três vetores são artificiais e constituem apenas ferramentas racionais para mover-se neste oceano de saber. Saber de Mário de Andrade que guarda ainda muito a ser explorado por meio de  outras ferramentas. O âmbito destes três vetores cartesianos é a inteligência e a razão humana. Os três eixos cartesianos (X-Y-Z)[1]. O X da diacronia e da linha de tempo “ZEITGEIST”. é um contínuo que pode ser dividido em infinitas partes na concepção de Leonardo da Vinci. O Y da sincronia remete para a ATUALIZAÇÂO da INTELIGÊNCIA de outros povos “VOLKSGEIST”  e de culturas que possuem projetos distintos do brasileiro. O Z contempla a TERRITORIALIDADE “WELTGEIST” do imenso espaço físico brasileiro com todas as conexões possíveis de fluxo para e de culturas planetárias.



[1] - Os três eixos cartesianos na pesquisa estética ver  http://profciriosimon.blogspot.com.br/2014/11/101-isto-e-historia-da-arte.html

Fig. 08 – O próprio desvario é uma afirmação antagônica à racionalidade cartesiana. As ordenadas cartesianas permitem o conhecimento dos desvios da vontade e dos sentimentos do artista. Trata-se de uma ATUALIZAÇÂO da INTELIGÊNCIA e da RAZÂO para aferir a CRIAÇÂO. Se não for possível esta aferição a obra perde-se no imponderável e retorno para o mundo da Natureza entrópica, cíclica e implacável

Esta tripla percepção do mesmo objeto constitui uma criação cartesiana artificial e artificiosa no âmbito da inteligência e da razão humana. Como instrumento possui a função de um ponto externo de apoio da alavanca de Arquimedes. O seu objetivo é praticar distinções para contornar o caldeirão do ecletismo intelectual, da vontade e do sentimento humano comum diante do fenômeno estético.
Fig. 09 – O retrato de Mario de Andrade por Tarsila do Amaral constitui um retorno para a tinta e pincel sobre uma superfície. Tintas portadoras e  carregadas com o cromatismo e a emoção que guiadas as pinceladas pela  uma ATUALIZAÇÂO da INTELIGÊNCIA e da RAZÂO para aferir a CRIAÇÂO. Se não for possível esta aferição a obra perde-se no imponderável e retorno para o mundo da Natureza entrópica, cíclica e implacável

De outra parte é indispensável a leitura da aula magna de Mario de Andrade, proferido em 1942, em pleno Estado Novo. É necessário entender esta Conferência  sob impulso das decisão de o Brasil entrar ou não entrara na II Guerra Mundial. Supõe conhecer a vontade de o estudante brasileiro compreender as razões para sacrificar os bens materiais e inclusive a vida nesta opção.
Fig. 10 – A fotografia de Mario de Andrade onde aparece colocado no limiar do Conservatório Dramático Musical de São Paulo e o mundo externo é paradigma. É a imagem  do intelectual, do professor e do musicista intimista que se expõe à critica, ao movimento e fazer pragmático de uma cultura em plena fase de mudanças  Nesta interação tanto o mudo interno da cultura e da arte ganham como o mundo externo percebe circular as energias, as forças do mundo simbólico. Interação indispensável para o nascimento, a criação e a reprodução de um pacto político, social e econômico de uma nação..

A lição da aula magna de Mario de Andrade, do dia 3 de abril de 1942, no Ministério das Relações Exteriores do Brasil revela a sua atualidade. Muitos escondem sob o tapete da Pós-Modernidade e o interpretam como  um ecletismo, um caos e um “vale tudo” e refúgio de todas as covardias. Certamente a Era Pós-Industrial necessita muita pesquisa, desafia uma atualização da inteligência na rede mundial e sem se deixar arrastar pela torrente da heteronomia dos mais fortes e espertos. Espertos e fortes como aqueles de 1942 com os seus regimes e ideologias  absurdas, cegas e surdas aos mais elementares direitos a vida e das conquista de civilizações.
  Porém acima de todas as intrigas - entre estéticas possíveis - paira a lição maior da aula magna de Mário de Andrade que remete para a busca de uma consciência coletiva brasileira. Consciência proveniente de baixo para cima e convergindo para um autêntico pacto nacional e um contrato coletivo coerente e competente para expressar e tornar sensível o ENTE brasileiro no seu modo de SER.

FONTES BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Mario O movimento modernista: Conferência lida no salão da Biblioteca do Ministério das Relações Exteriores do Brasil no dia 3 de abril de 1942. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1942,  81 p .
------- Curso de Filosofia e História da Arte. São Paulo : Centro de Estudos  Folclóricos, 1955. 119 f.

FONTES NUMÉRICAS DIGITAIS
90 anos da Semana da arte moderna

1942 – Duas mentalidades antagônicas no Brasil

ARTE e POLÌTICA

CARTA de MÁRIO de ANDRADE para TARSILA do AMARAL

ESCOLA DRAMÀTICA MUSICAL de São PAULO


ESCRITOS e FONTES de MÀRIO de ANDADE

MACUNAIMA - 1928


O BRASIL NASCEU VELHO e CONTINUA ARCAICO

ODE ao BURGUES

PINTURA BRASILEIRA APÒS 1922
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Referências para Círio SIMON








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