GRUPO
VÉRTICE
A ARTE em PORTO
ALEGRE na TRANSIÇÃO para o SÉCULO XXI.
Criação de Analino Zorzi
- Folder para a Exposição do Grupo Vértice, no GBOEX, de 24.07 até 10.08..1990
Fig. 01 - Logo do Grupo Vértice
O Grupo VERTICE reuniu
artistas, expos suas obras e divulgou manifestos ao longo dos anos de 1989 e
1990. Estas atividades ocorreram num período de rápidas e definitivas
transformações em todas as esferas da cultura humana. A Arte também refletia estas
mudanças deste período de transição para a Pós-Modernidade. O Grupo Vértice foi
também um lugar de trânsito e uma porta para o século XXI. Como lugar
transitório não buscou institucionalização ou constitui em associação por tempo
indeterminado. Também não formalizou estatutos, contratos, presidência,
tesouraria ou secretaria.
Neste trânsito conseguiu
realizar 28 reuniões no atelier e escola da artista plástica Vero Corbari
Fig. 02 – Alguns integrantes do Grupo Vértice
Analino
Zorzi – Pierry Schultz – Verô Corbari – Círio Simon e Mônica Heidrich
Torna-se público, a
seguir, um documento, do ano de 1990, que tenta resumir e fixar alguns temas
discutidos nestes 28 encontros formais do Grupo Vértice.
A PROFISSIONALIZAÇÃO
do ARTISTA e o GRUPO VÉRTICE
O novo contexto
:
O maior legado humano da
década de 1980, para o da década de 1990, é um novo contexto histórico. A
Guerra Fria, a ameaça da bomba atômica e manipulação ideológica, estão dando
lugar para uma nova realidade.
-
Como o artista irá expressar este novo contexto ?
A resposta só poderá ser dada pelo artista. O
artista sempre foi o vanguardeiro. Muito contribuíram, para a atualidade, a
manutenção da divisão injusta e arbitrária da humanidade em duas facções rivais
e a ausência das intervenções civilizatórias do artista para sanar esta divisão
injusta e arbitrária.
Agora, a Arte como um
todo, necessita ser repensada para sanar esta divisão injusta e arbitrária. O
compromisso com o social deve ser buscado com o artista, e apreendido com ele que
vive além do ex-muro (partido). Buscado e aprendido com o artista competitivo
de brilhante currículo individual e exposto ao capitalismo (mercado de arte).
Para quem acredita na
pessoa humana, no valor do indivíduo e na essencial liberdade, a produção
artística é a base de qualquer análise sistêmica posterior.
A administração,
desta produção individual, face ao novo contexto, merece atenção especial.
Certamente a complexidade se multiplica, quando desaparece a sanção do partido
ou do mercado de arte. Agora se abrem miríades de possibilidades.
Fig. 03 - Ado Malagoli (1908-1994) no Atelier
Uma das mais comovedoras
e honestas avaliações, desta abertura ao novo, foi realizada pelo mestre Ado
Malagoli, este ano,
ao repórter Ivo Stigger:
“Hoje daria zero para a minha obra, principalmente porque levei muito
tempo para descobrir a verdadeira Arte, isto é, a Arte com direito de ser livre
e alforriada de todas as escolas e academicismos”.
Zero Hora, 17 de julho de 1990, p.4 col. 4
Só um verdadeiro mestre
tem coragem para uma declaração destas e revela um exemplar testemunho do tempo
absolutamente novo que estamos vivendo. Só um verdadeiro artista, que manteve
sempre esta altaneira posição, tem coragem de romper com a sua obra, quando
circunstâncias mudaram. Evidencia que a obra do artista é a sua própria vida.
Só existe Arte quando ela é a própria vida
Os integrantes do Grupo
Vértice dão-se conta desta relação e desejam participar ativamente, com a sua
obra e a sua reflexão sobre este novo momento por meio da socialização de sua
produção visual e conceitual. O tema da profissionalização do artista,
escolhido para a sua exposição pública, foi objeto de exaustivos debates. Estes
debates estão presentes ao lado de sua
obra
Fig. 04 – A
artista Verô Corbari sugeriu e
acolheu o Grupo Vértice no seu Atelier
EU QUE FIZ, inicialmente a Rua Dom Pedro II nº 1220 sala 103 e depois à
Rua Carlos Gomes 1510 sala 206
Profissionalização e socialização
:
A geleia da
coletivização e a salada da arte provinda de grupos submetidos ao consciente
coletivo massivo, é de difícil aceitação numa época em que o indivíduo
conquistou a sua liberdade e possui instrumentos para manter esta liberdade.
A produção comandada
pelo coletivo (NÓS), em geral, está a serviço de comando individual, pois,
quando analisada a obra, dita coletiva, resulta uma impostura: o teórico do
partido, o marchand, o administrador público...usa o artista para os seus
próprio objetivos. Platão definia o escravo “como aquele que faz os do outro”.
A racionalização da Arte em nome do coletivo (NÓS) é uma deturpação da Arte.
O artista (como um EU),
um indivíduo singular, é o ponto crítico da produção artística. Onto e
filogeneticamente representa a
potencialidade de “reflectir” ( fractal), o todo e o coletivo, como a sua
individualidade.
O outro (como um TU) é o
destino necessário de sua obra. O TU, distinto do EU, representa a
possibilidade de julgamento, da neutralidade e do feed-back. O diálogo é sempre
desigual. A interação, entre o EU e o TU, nunca terá um repertório
único. O NÓS, o coletivo, é uma impossibilidade. O papel do artista é único. É
criar suportes diferentes para que o espectador possa criar novas formas de
sentir e pensar. Imaginar a possibilidade de um repertório comum e total, entre
o EU e o TU, é negar a própria criatividade,
Socialmente e
profissionalmente, o artista, assume o papel de lidar com o caos do sensível,
com o diferente como o novo assustador. Enfrentar o tabu, muitas vezes com a
sua própria vida, exige mais profissionalismo e desprendimento que do militar
que doa a sua vida no front heroico.
Catálogo Mostra de Arte 24 de maio até 28 de junho de 1990 GBOEX
Instituto Cultural Rua Sete de Setembro nº 604 Porto Alegre RS.
Fig. 05 - - ZORZI Analino – “História de uma semente nº 03”
- 1989 - acrílico - 50 x 70 cm
A tirania do coletivo
:
A manipulação, dos
desejos e das necessidades primárias coletivas, chegou à exaustão. O mesmo pode-se
dizer das planificações ideológicas do além ex-muro.
A exploração dos desejos
e das necessidades coletivas foi duramente desmascarada pelas Artes Visuais que
adotaram posturas contestatórias que foram erigidas como verdadeiros sistemas acadêmicos.
A contestação virou moda.
A planificação
ideológica coletiva viu a arte como um supérfluo e o rebaixou ao exotismo
popularesco. Raros indivíduos conseguiram manter, toda a sua existência, a
fidelidade dogmática ao partido.
De ambos os lados a Arte
esteve sob condições severas e adversas. O que resta, para ambos, é retornar a
dura realidade do trabalho. A afirmação aguda de sua individualidade,
conquistada pelo trabalho contínuo, irá naturalmente para o coletivo. Este novo
coletivo será alimentado para que o EU (artista) possa fazer a sua ruptura
epistêmica e chegar a novos estágios individuais. Para este coletivo crie
pontos críticos de ruptura, é necessário a soma de esforços individuais. Mas
estes esforços não são dados como certos e preliminares. O discurso pode ser
uma miragem e apenas se afigurar como coletivo.
O Grupo Vértice pensa
nesta dialética entre o respeito ao indivíduo e a necessidade da existência
coletiva para que este ponto crítico de ruptura seja atingido constantemente.
Não só pensa, mas põe a sua produção individual massiva ao serviço do coletivo.
Revista ZH Porto Alegre - Zero Hora - 19 de outubro 1986 – p. 18
Fig. 06 - Fernando
JARROS WORMS (*1959-+1989) integrante
do Grupo Vértice Foto
da modelo Diana Szorttyka http://www.dianaszortyka.com.br/
– Publicidade do Estúdio FERNANDO JARROS
O nível profissional do artista
:
A produção profissional
do artista assume compromissos de qualidade e excelência, que devem ser
mantidos.
A improvisação, a
produção esporádica e amadorística, são essenciais e necessárias para quem
deseja interagir com o repertório estético. Contudo, quem deseja ampliar e
consolidar a sensibilidade do seu tempo, não pode improvisar, tornar sua produção esporádica ou ser amador.
A criatividade e a
sensibilidade dinâmica necessitam de suportes individuais de quem renuncia a
uma série de prerrogativas, que naturalmente qualquer indivíduo poderia
usufruir. Contudo o preço para consolidar o novo e o criativo, é a fidelidade e
a perseguição sistemática do novo, do vital e do criativo, durante toda a
existência.
A sociedade possui o
direito de provar e examinar o candidato que deseja ser o seu guia e abrir os
novos caminhos da sensibilidade futura. O caos, em que nos jogam as paixões, os
desejos e a sensibilidade super-aguçada, encontram no artista profissional um
verdadeiro guia. Alguém que saiba conduzir e sair deste caos. Neste terreno não
é qualquer amador, improvisador ou diletante que nos presta ajuda eficaz.
O teste constante com o
público, a abertura sistemática da produção para a crítica e a exposição
democrática dos seus achados estéticos são o próprio ar e o oxigênio para a
obra do artista profissional. Os “misterinhos”,
as mentiras piedosas e o faz de conta sã características de uma sensibilidade
artística que ainda não se profissionalizou. O artista profissional já provou –
para si e para o grande público – que sua obra tem sólida realidade e se
sustenta fora do seu controle e manipulação.
É este espírito público
e democrático que mantém as reflexões e a produção do Grupo Vértice em
constante interação pública e renovação.
Obra exposta na banca do Trabalho de Conclusão do Curso TCC – de
Bacharelado em Desenho no Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 07 – Obra de
Jorge Hermann, integrante do Grupo
Vértice e que escreveu no seu TCC “percebi que minha questão básica era o
processo de trabalho, suas simplificações e suas complexidades, as idas e
vindas, os desvios e aparentes desvios”
A loucura e o artista profissional :
A mídia está passando a
imagem que o artista criador deve ser louco. O centenário da morte de Van Gogh,
a exposição no MARGS, da produção de um doente mental, passa, subliminarmente,
para o grande público, a associação entre loucura e a Arte.
Para o psiquiatra, para
o artista experiente...lidar com a anormalidade, pode ser um ótimo exercício
para lidar, depois, com a normalidade. O psiquiatra, desde Freud, tem no
artista um parâmetro constante. Leonardo e Miguel Ângelo, são objetos
constantes de reflexão. Mas, trata-se da sua normalidade.
A compulsividade não é
profissionalização. Toda vez que o artista racionaliza sua criatividade, pelo
compulsividade produtiva, escorrega ara o formalismo, que não tem nada a ver
com Arte.
A profissionalização
exige o domínio técnico, não como um fim, mas como meio para resgatar
efetivamente as suas experiências existenciais, a sua evolução criativa e a
capacidade de negá-las, por rupturas constantes. É a grande lição do Mestre
Malagoli: “daria zero para minha obra”.
É o espírito sadio que não erige a sua própria obra em fetiche.
O louco, o alienado,
não é capaz desta ruptura, de se perceber, a si mesmo, do lado externo de sua
obra. Assim torna-se uma vítima fácil para o crítico ou qualquer mediador
oportunista
Fig. 08 - Obra de
Pierry Schultz do Grupo Vértice Foto intitulada “Arco Iris na Praia do Sonho ao amanhecer”
A profissionalização e a liberdade :
Os sistemas que escolhem
a política da liberdade têm no artista o seu maior apanágio. Contudo o artista
deve-se submeter a todos os testes que o sistema lhe impõe.
No teste, diante da sua
escolha da liberdade, o artista necessita contrapor-se, voluntariamente, com a mais
terrível escravidão individual no trabalho rotineiro e diário. Face à riqueza,
o artista escolherá dispor-se, pessoalmente, ao mais perdulário esbanjamento de
sua vida e das suas energias pessoais. Frente à segurança pessoal o artista
encontra formas temerárias de contrapor os mais atrevidos riscos de seus mais
íntimos e caros projetos e correrem o risco de não darem certo. Ao teste do
gozo o artista contrapõe a renúncia a todo prazer individual externo ao seu
objeto de especialização. Vale novamente a advertência do mestre Malagoli: “artista rico é apenas mais um rico”.
A afirmação destas
renúncias deve ser pública e notoriamente comprovada e divulgada. O sadismo,
característico da opinião pública, necessita deleita-se com estas renúncias temerárias
e mortíferas e serem a garantia absoluta que só o melhor sobreviveu... Só então
o artista terá todas as regalias e os bens que esta sociedade acumulou...!
O ritual iniciatório,
que os antropólogos encontram em todas as sociedades, é particularmente cruel e
subliminarmente devastador para o artista das sociedades que escolheram a
liberdade como uma das suas metas.
A estrutura moral, ética
e física do artista, que escolhe submeter-se voluntariamente a este teste de
iniciação, nesta sociedade, necessitam serem íntegras e sadias, se deseja
sobreviver a este processo.
Diante das circunstâncias destes testes, que a
erudição o estudo intelectual são reforços necessários. O mundo material da
produção artística necessita possuir o mundo imaterial simétrico no qual todas
estas provas encontram uma legitimação pessoal.
Catálogo Mostra de Arte 24 de maio até 28 de junho de 1990 GBOEX
Instituto Cultural Rua Sete de Setembro nº 604 Porto Alegre RS.
Fig. 09 - Frase de
Analino ZORZI do Grupo Vértice.
O Grupo Vértice e a erudição :
A reflexão e a análise
conceitual das obras individuais, pelo coletivo, é uma proposta que está em
andamento desde a primeira reunião do Grupo Vértice.
A produção, no Grupo, é
individual, a reflexão é coletiva. A
produção coletiva do Grupo, se dirige para os processos de socialização e para
a adequação de mecanismos de circulação de bens artísticos advindos da produção
individual. O universo das Artes Visuais possui a sua ênfase e a consciência da
infinidade de caminhos possíveis no âmbito das forças deste campo.
Nas obras dos
componentes do Grupo Vértice são perceptíveis e visíveis as vetorizações para
problemas técnicos e para temáticas atuais e contemporâneas. O
experimentalismo, a pesquisa estética individual, encontram suportes técnicos
em constante evolução. Os resultados, evidentes nas obras individuais, são
socializados no Grupo interno como ponte para o grupo externo.
As periódicas exposições
públicas, dos componentes individuais do Grupo, tem feedback dos seus
resultados integrados ao continuo do grupo.
Em relação a este feedback, da ação individual, são planejadas,
constantemente, as ações coletivas.
O Grupo procura
efetivar, e concretizar, aquelas ações que, de fato, possuem condições de
corresponderem aos níveis e aos objetivos do Grupo. Por sua vez o nível de
exigência e excelência, que o grupo impõe a si mesmo, é o referendum do grau de
respeito que o Grupo mantém do público ao qual se dirige a sua produção.
A fluidez profissional :
Quando o artista perde a
conta da sua obra, estoura as estatísticas e confunde a sua existência com a
sua obra, chega o momento da fluidez criativa.
Dos diversos graus de
criatividade, a que melhor diz das exigências consigo mesmo, aquela que melhor
caracteriza os resultados da profissionalização do artista, é a fluidez
criativa.
O investimento de tempo,
energias, espaço, efetividade, materiais e vontade individual, na construção de
uma sólida sensibilidade, constitui algo orgânico e estrutural. Esta soma de
partes não pode permanecer apenas no acúmulo pesado, de um conjunto desconexo.
Esta sensibilidade edificada, possui condições de abrir contínuos mundos novos
para si mesmo e para os outros. É algo natural, vivo, não sufocante e
cumulativo passivo.
Todos os integrantes do
Grupo Vértice confessam que as horas do dia não sã suficientes para a sua
atividade criativa.
As reuniões semanais são
constantes revelações de novas obras técnicas e perspectivas que nos sete dias
anteriores foram criados pelos membros do Grupo.
A fluidez criativa tem
por objetivo a constante consciência criativa entre a experiência existencial e
o registro seguro na obra artística.
Resumindo :
O presente texto tentou
refletir em relação ao tema da profissionalização do artista visual a partir
das experiências concretas do grupo Vértice.
Como obra coletiva não
foi realizado destaque nominal aos artistas que compõe o Grupo. Contudo a maior
riqueza do Grupo Vértice reside nestas diferentes personalidades que compõe
este coletivo. Cada um dos membros possui o seu próprio discurso e necessita
ser inquerido na sua individualidade.
Porto
Alegre, julho de 1990.
Algumas contextualizações
políticas, vistas em agosto de 2012:
O
GRUPO VÉRTICE no período de transição
para
a pós-modernidade e as circunstâncias nas quais ocorreram os seus 28 encontros.
Em julho de 1989, comemoração
do Bicentenário da Revolução Francesa. Em novembro 1989: queda do Muro de
Berlim. Entre 1989 e 1991 dissolução da União Soviética.
Entre 1979 a1985 Abertura
Política no Brasil e em 1988 promulgação da “Constituição Cidadã”.
De 15.03.1987 a 01.04.1990 governo
de Pedro Simon no Rio Grande do Sul
Entre 1988-1993 prefeitura de Porto
Alegre com Olívio Dutra.
Dia 15 de agosto de 1989 -fundação do Grupo Vértice de Porto Alegre
sob a coordenação de Verô Corbari e integrado por Analino Zorzi, Pierry
Schultz, Fernando Jarros WORMS (1959-04/11/1989), Geraldo Soulue Gracioli,
Mônica Heydrich, Jorge Hermann, Zilma Ferreira, Círio Simon Rua Dom Pedro II
- nº 1220 – Porto Alegre RS -
ALGUNS
ÍNDICES VIRTUAIS dos CAMINHOS dos INTEGRANTES do GRUPO VÉRTICE em 2012:
CARNEIRO, Gilmar
CORBARI, Verô
GRAZZIOLI, Geraldo Soulue
HEIDRICH, Mônica
HERMANN, Jorge Fernando
SIMON, Círio
SCHULTZ, Pierry
ZORZI, Analino
WORMS Fernando Jarros (*1959-+04.11.1989)
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