ESTILO :
COERÊNCIA da
ORGANIZAÇÃO em
Adolpho MORALES de los RIOS.
“O
ecletismo é acomodatício e máscara de todas as covardias”
(in ANDRADE, 1955,
fl 13)
Fig. 01 – A nova
edição da Revista Sociedade Belas Arte
de 1911 vem ilustrada com uma obra de K.
LISTO ( Calixto CORDEIRO - 1877-1957) que ele
denominou de “OS AVARENTOS”. Estes são vítimas da “compulsão
cumulativa” que Sigmund Freud estudou, descreveu e estigmatizou em
diversas obras de sua especialização. A mesma compulsão manifesta-se no mundo
estético. As mais diversas obras dos períodos ecléticos são acompanhadas - ou
se orientam - por esta mesma compulsão. Caso o seu autor conhece as
circunstância e domina e é coerente a materialização de sua obra no mundo
formal este acúmulo não possui nenhum aspecto negativo. Mas são casos raros. A
falta desta coerência abre licença para pessoas despreparadas para realizar
suas obras. Isto os leva - e os prende - ao “rebanho dos acumuladores”. Nesta heteronímia tornam-se
incompetentes para realizar uma ruptura estética e epistêmica consigo mesmos e
com as suas circunstâncias.
A época da
pós-modernidade, ou pós-industrial, corre o perigo de atualizar o mito da “arca
bíblica”. Esta nova “arca bíblica” tornar-se, para a Arte nela praticada, uma
realidade desproporcional, sufocante e letal no meio de um dilúvio do ecletismo
universal. Os casais de cada bicho de
cada espécie (tendência estética) não caberiam embarcados num mesmo recinto
seletivo e restrito. As hostilidades entre elas seriam previsíveis e naturais. A
prevenção destas hostilidades seria de altíssimo custo e a sua administração de
resultados improváveis. O idealizador
deste mega empreendimento necessitaria consultar o Dr Freud ara esclarecer os
motivos desta compulsão. Compulsão que derrotou a continuidade do “MUSEU IMAGINÁRIO” de André Malraux (1901-1976).
Fig. 02 – Uma
foto do vernissage da Exposição Geral de Belas Artes realizada, em 1909, na
Escola Nacional de Belas Artes. Neste registro fica evidente o formalismo que
sempre acompanhou - e ainda acompanha - um evento desta natureza. A maioria do
público está de costas para as obras expostas. Certamente se este observador
fazia mais questão de ser visto e registrado pelo fotógrafo de plantão. Se as
obras de Arte se completam no seu observador, com certeza estas obras expostas
não podiam contar com esta fortuna, mesmo que efêmera.
Trazemos aqui o exemplo
de Adolpho MORALES de los RIOS, (1858-1928) que tentou colocar na realidade brasileira
uma forma de um ecletismo. Ele possui os traços de uma tendência de um típico
representante do ecletismo estético no Brasil do início de século XX. Há
necessidade de concordar, de certa forma, que alguém lhe crave nas costas este
alfinete representante do ecletismo estético. Contudo esta impressão é
desmentida por um exame mais atento e menos precipitado do arquiteto e
urbanista MORALES de los RIOS. Com rigorosa formação erudita na prestigiosa École des Beaux Arts de Paris, chegou
ao Brasil, 1889 ano da Proclamação da República brasileira. O exame das
circunstâncias de um Rio de Janeiro do prefeito Pereira Passos, impede cravar, a
sua revelia e definitivamente, o alfinete como representante do ecletismo estético nas suas
costas deste crítico e esteta espanhol.
Fig. 03 – O
espanhol e basco Adolpho MORALES de los RIOS
1858-1928, numa obra de Calixto CORDEIRO ( 1877-1957 K. LISTO). Com uma obra
consagrada na sua terra natal estava a caminho do Chile para ser catedrático.
Porém permaneceu na capital do Brasil onde se integrou rapidamente e passou a
exercer uma crítica de Arquitetura, Urbanismo e de Arte. Esta crítica era
reforçada e autorizada pela sua condição e numa “visão neutral de estrangeiro”
na concepção de George Simmel [aliás nascido no mesmo ano do que Morales de los
Rios]. Distante de uma endogenia entrópica recebia atenção e público atento
especialmente na sua produção concorrente para aqueles da terra na concepção de
Bourdieu. Morales tinha condições de realizar uma ruptura estética e epistêmica
consigo mesmo, com outros e com as suas circunstâncias pois cultivava uma
autonomia desta endogenia entrópica.
Isto torna-se perceptível ao longo da leitura dos seus textos,.
O alfinete classificatório
do entomologista das espécies estéticas de representante do ecletismo impediria
qualquer exercício do hábito de integridade intelectual. Este alfinete, na sua
rigidez, unicidade e fixidez letal da morte, impediria qualquer compreensão
deste ser como ente vivo. Ser que, no entanto, ele continua vivo na erudição do
seu pensamento. Ser que remetido e condenado eternamente às prateleiras
empoeiradas do um museu mal assombrado de um personagem da “Belle Époque” do
mortal alfinete classificatório. MORALES
de los RIOS continua a mostrar erudição viva e de forma veemente nos seus
limites e nas suas competências de crítico, historiador, arquiteto e urbanista.
Demonstração absolutamente necessária para a época da pós-modernidade, ou
pós-industrial, as voltas novamente com o ecletismo geral e o estético em
particular.
Qualquer alfinete, ou
prateleira, não fariam justiça para as competências desta carapaça brilhante e
ativa de MORALES de los RIOS. O seu brilho, a sua vivacidade e a amplidão dois
seus interesses são coerentes com as circunstâncias com a estética da
pós-modernidade.
Fig. 04 – O
engenheiro Francisco PEREIRA PASSOS (1836-1913) estudou nas mais expressivas
escolas de engenharia do Brasil e da França. Acompanhou, entre 1857 até 1860, a
reforma urbana de Haussmann de Paris. Na passagem do Império para a República,
foi um das expressivas figuras da tecnologia
brasileira. Realizou a sua obra máxima como prefeito da Capital Federal
entre 1902 até 1906 quando deu outra feição para a antiga capital colonial e
imperial.
Para verificar e
comprovar a vitalidade de Adolpho MORALES de los RIOS este blog se debruçará
sobre um texto seu escrito por ele em 1911. Ele não preserva a si mesmo e não
tem a menor dúvida de criticar a sua própria obra. Este texto contraria toda a corrupção
estética de espíritos menos esclarecidos especialmente daqueles que cravam o
alfinete da “tagarelice” nas costas de MORALES de los RIOS Distante dos
consagrados e louvados mestres internacionais ele passa um crivo fino na inteligência
brasileira da área de Arquitetura. Ele os descreveu (1911 -p. 240) assim
“Porto-Alegre,
Bethencourt da Silva, Magalhães, Jannuzzi ... muitos outros, protestaram. Não
importava: o gosto publica e até o official accompanhava o estucador. Que muito
era que isso accontecesse naquellas eras se nos nossos dias mais recentes temos
presenciado maiores sacrilégios d'arte feitos sob o amparo official ?”
Fig. 05 – A vista geral da EXPOSIÇÃO CENTENÁRIO da
ABERTURA dos PORTOS 1908. O mandato de Pereira Passo com prefeito já havia
passado. As feiras mundiais estavam na ordem do dia de todos os recantos do
planeta. A sua moda e glória foi até 1914.
MORALES de los RIOS esquece a acrópole grega, ou a Roma
Eterna ou Paris ou Londres de sua época e e lança o seu olhar no seu aqui e
agora. Ele registra a mentalidade que ali colhe no ambiente empírico do Novo
Mundo. Mentalidade que não pode concordar de forma alguma com o ecletismo,
cópias e aberrações realizadas por espíritos menos esclarecidos e na ladeira da
corrupção estética. Registra este contraste em tom irônico:
“Ahi
está, num dos mais bellos logares do Rio de Janeiro, um dos seus maiores e mais
importantes edifícios em cuja architectura se acham combinados os seguintes
elementos «qui hurlent de se trouver ensemble» a saber : mansardas de estylo
Luiz XIV, saccadas de ferro estylo Luiz XV, portões e portas de desenho ‘arnovô’, como ineffavelmente dizem algums entendidos na matéria, e, para que
não falte nenhum anachronismo, na tal edificação, ahi estão a rematal-o torres
medievaes, estylo Luiz XI, com as suas ameias, seteiras e barbacães, a fazerem
pirraça lá do alto ao embasamento de estylo hybrido do 1º Império francez. E'
isso que nós mostramos com orgulho de rastacouères,
como exemplo do nosso progresso social em matéria d'arte”.
Fig. 06 – Certamente o pavilhão
São Paulo - da EXPOSIÇÃO do CENTENÁRIO
da ABERTURA dos PORTOS (1908) – “faz
pirraça lá do alto ao embasamento de estilo híbrido” na expressão de
Morales de los Rios. Pirraça entre tendências estéticas as mais contraditórias
possíveis. Pirraça que não encontrava outra lógica ou função além do o efêmero
de uma exposição que deseja impressionar pela forma, artesanato e pelo gasto
suntuário para o poder originário e para o gáudio dos fornecedores. Estes, além
disto, encontravam um ótimo meio para a
propaganda e o marketing dos seus produtos e técnicas para todo mundo e
especialmente para o Brasil. Neste, as cidades movidas pelas fortunas
acumuladas pelo café, borracha, fumo, cacau e algodão, foram ávidos em seguir esta moda de aparência
de acumulação.
Neste momento desfere a bordoada contra os espíritos
menos esclarecidos que transformaram, corromperam a estética do seu projeto da
ENBA, por meio de aberrações do ecletismo. Continua o texto em tom irônico e a beira da indignação:
“E'
verdade que si também naquella Escola das Bellas-Artes, que eu projectei e que
outros executaram, existem por sua vez taes anachronismos e ridiculices
architectonicas «introduzidos no meu
projecto pelo gênio de quem o interpretou com a tolerância do conselho da
Escola, do Conselho Superior das Bellas-Artes”.
Fig. 07 – O atual prédio do MUSEU NACIONAL de BELAS ARTES projetado por Morales de los Rios, e
construído por outros, na Avenida Central (atual Av. Rio Branco RJ). O autor
deste projeto teceu uma viva crítica às intervenções de outros e que ser lida
no seu texto, objeto desta postagem.
Porém ele isenta os operários, os fornecedores, os
artesões e os artistas. O ecletismo e aberrações do seu projeto vinham de quem
encomendava e financiava a obra. O ecletismo e aberrações se originavam nas
mais elevadas autoridades do Estado Nacional. Agora ele era direto e certeiro
na denuncia da corrupção estética:
“e
do próprio chefe supremo do ministério competente» não é de estranhar se
naquelle outro edifício vêm-se torres cortadas ao meio, a faca, como pão-de-lot
de boda, quando no edifício que devia servir de modelo e de estudo aos nossos
architectos se vêem decorações de naipe como aquellas das fachadas lateraes do
edifício das Bellas Artes, cupolas ovaes, cupolas pejadas de ordens
architectonicas e na execução das quaes parece haver existido o propósito de
faltar a todas as regras clássicas mais ou menos convencionalmente resumidas
pelo Vignola, pelo Sercio e pelo Palladio”
Certamente a sua condição de estrangeiro e com um olhar
reforçado pelo domínio comprovado da Ciência de Arte multissecular lhe
conferiam toda a autoridade para realizar esta denúncia. Mas já era tarde. Pelo que se sabe foi remetido para
mais uma das antológicas “tagarelices”
vindas do inflamado espanhol MORALES de
los RIOS.
Fig. 08 – Esta
foto de Augusto Cesar Malta de Campos (1864-1957), realizada no dia 14 de
dezembro de 1907, mostra os fundos do prédio da ESCOLA NACIONAL de BELAS ARTES
(ENBA- atual MNBA) em construção. É possível perceber, ainda, a clareza e
funcionalidade da essência da obra arquitetônica. Ocupando uma quadra inteira,
com iluminação ao estilo da “domus romana”
e das casas espanholas com os seus jardins internos, isolava dos ruídos urbanos diretos e protegia
os acervos das obras de Arte.
As mentalidades - descritas
pelo esteta Moralles de los Rios - não
possuem a menor condição de lançar sobre si mesmas e sobre as suas obras qualquer olhar movido e
orientado pelo hábito da integridade intelectual. Para estas mentalidades
fixas, únicas e lineares retilíneas não é
recomendável qualquer tentativa da mais singela ruptura epistêmica. Impossibilidade
interna para estas mentalidades presas, como um rebanho, ao mercantilismo,
oportunismo rasteiro. Impossibilidade externa proveniente das circunstâncias sociais
da naturalização da cultura. O destino final destes indivíduos e da sua cultura
externa foi o horrendo matadouro e a hecatombe humana e material da Iª Guerra
Mundial.
Fig. 09 – A localização privilegiada da Escola Nacional de Belas
Artes (ENBA) - a antiga Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) - mostra que o
regime republicano estava disposto a gastar, mostrar e evidenciar - em lugar
nobre e central - a continuidade do Projeto Civilizatório Compensador da
Violência ao qual ele deveria continuar
a recorrer. Projeto materializado ao
lado dos equipamentos mais visíveis e
das suas instituições que constituíam o núcleo central do seu governo. Se este
governo necessita recorrer aos meios aversivos da justiça e da ordem, não o faz
antes de mostrar, pagar e manter instituições nas quais o cidadão possui
condições concretas de apreender, de mostrar, ser visto e ouvido em algo que
transcende a sua Natureza de predador de tudo e de todos. As Artes constituem
algo significativo para todos neste Projeto Civilizatório. Por que não
evidenciá-lo, pagá-lo e mantê-lo neste estágio elevado e privilegiado?
O texto de Morales de
los Rios, que estamos estudando, é de 1911. Portanto, foi elaborado ainda ao
espocar do champanha e ao som das buzinas e aos roncos dos primeiros
triunfantes dos primeiros veículos automotores e anterior à hecatombe
industrial mundial, iniciada em 1914. Texto encomendada às pressas ao sol e ao
calor escaldante da antiga capital federal e sendo escrito para uma revista de
arte, que já estava sendo composta. O leitor sentirá que as ideias futuristas
não eram estranhas a este crítico da Arquitetura e da Arte. Ele atuava no Rio
de Janeiro que acreditava de olhos fechados no mundo das máquinas e que abria
para elas espaços urbanos maiores e triunfantes da tecnologia que jorravam das
linhas de montagens industriais.
Fig. 10 – O projeto original da ENBA realizado por Morales de
los Rios dava evidentes ocasiões para a intervenção autônoma de profissionais
de todas as áreas construtivas, políticas e econômicas. Estes deram asas a sua
imaginação e interpretaram e reinterpretaram os detalhes técnicos, os arranjos
políticos de um positivismo no zênite e os orçamentos em permanentes
flutuações. Não existiam meios eletrônicos de detalhamentos de controle de
qualidade e de acompanhamento rigoroso da contabilidade. Assim pode-se
imaginar, neste projeto, mais uma motivação para todas estas áreas. Evidente
que o resultado final e concreto não podia agradar ao autor de projeto.
De outra parte não há como separar MORALES de los RIOS
do arquiteto espanhol Antônio Gaudi (1852-1926) nem do Francês Alexandre
Gustavo EIFFEL (1832-1923) e Jean-Louis Charles GARNIER (1825-1898). Estes também receberiam o mesmo alfinete e
prateleira. Podem ser do mesmo clima cultural, trabalhando e projetando com os
mesmos materiais, porém, seria a maior injustiça não perceber o único e o
original que cada um dos três e portador e motiva as suas ações.
magem do Google Earth em
01.11.2012
Fig. 11 – O arquiteto MORALES de los RIOS foi o coautor, em1882,
do projeto do Cassino da San Sebastian Espanha e atual Prefeitura desta cidade
do Mar Cantábrico - Espanha. Este projeto mostra as influências do Cassino de
Monte Carlo (1876-9) de Charles Garnier. Ambos os projetos abriam variadas
ocasiões para a intervenção autônoma de profissionais de todas as áreas
construtivas, econômicas e empresário da indústria do espetáculo. As asas da
imaginação espanhola e da época também não faltavam. O projeto original da ENBA realizado por
Morales de los Rios também não pode afastado desta genealogia sob pena de o seu
autor não ser coerente consigo e com as suas circunstâncias culturais.
Se há críticos que
manejam e cravam o alfinete da “tagarelice” nas costas de MORALES de los RIOS eles
não percebem das razões do uso deste recurso da crítica. Este encadeamento
loquaz das palavras e coerente com o seu tempo e circunstâncias. O uso deste
meio e instrumento permitem não só a defesa da vulgaridade e se instalar numa
torre de marfim. O uso do encadeamento loquaz das palavras conduz o nosso olhar
e pensamento. Este meio estilístico é coerente e necessário para evidenciar e
sublinhar as contradições que as épocas de transição exibem na passagem para outra
realidade. Este meio estilístico conduz o olhar e a mentalidade de quem navega
nestes dilúvios estéticos e conceituais.
No entanto é necessário
concordar que a criatura natural cansa com esta realidade cumulativa e este discurso
do encadeamento loquaz das palavras.
A natureza das sequências
das tendências historicistas põem em pauta as condições e contradições do
antigo helenismo, do maneirismo tateante como hoje é da avalanche da era
pós-industrial. Cabe transformar as evidentes contradições de uma tendência historicista
em complementariedades. Estas complementaridades pleiteiam o surgimento de algo
de novo. O ecletismo busca matar o seu pai e possuir a mãe da reprodução da
próxima geração. Próxima geração que aspira a expressar e afirmar algo novo
simples e evidente para todos. Contudo vive os ocos das contradições das
tendências historicistas do presente. A criatura natural cansa efetivamente
para respirar e pensar no meio desta realidade cumulativa estonteante.
Fig. 12 – MORALES de los RIOS foi o coautor, em 1882, do projeto
do projeto da escadaria monumental do Cassino da San Sebastian Espanha e Prefeitura
atual desta cidade. As circunstâncias
culturais do seu autor mostram as influências do Cassino de Monte Carlo
(1876-9) de Charles Garnier e da sua monumental escadaria do prédio da Ópera de
Paris (1875). Influência que estão vivamente presentes no projeto do Palácio do
Governo (Piratini) do Rio Grande do Sul.
As asas da imaginação espanhola e da época também não
faltavam. O seu projeto original,
realizado por Morales de los Rios para a ENBA, também não pode afastado desta
genealogia sob pena de o artista perder a coerência consigo mesmo e com as suas
circunstâncias
Os equívocos possíveis
no meio destes ocos das contradições e das tendências historicistas do seu
presente de arquiteto no Rio de Janeiro em 1911 são registrados por MORALES de
los RIOS como
“Por vezes esses
arvorados architectos e constructores trabalham em família ; o irmão faz de
pedreiro ; o tio é o encarregado, o sobrinho é canteiro, outro parente é
carroceiro. Geralmente o primo é que é pintor e o decorador das almanjarras que
edificam em franco maçonaria”.
Fig. 13 – A alegria dos fornecedores, da mão obra barata e dos
cupins, ratos e representado pavilhão de madeira com lambrequins exibido, em
1908, na EXPOSIÇÂO CENTENÁRIO da
ABERTURA dos PORTOS. El continua a figurar sob os mais variados modelos nos
mostruários de fornecedores das “casas prontas” e com financiamento já aprovado
para qualquer terreno no Brasil.
-
O arquiteto, urbanista e crítico continua a registrar
no mesmo texto:
“Todos se unem até que
um delles desgarra para por sua vez arvorar-se mestre, constructor, architecto
e já vi cartões de visita com a declaração de doutorado em engenharia e em
architectura pertencentes a indivíduos que me passaram pelas mãos e que não
haviam estudado outra sciencia, nem outra arte sinão a que se pode aprender
fazendo regoas de venezianas sobre um banco de carpinteiro... a falta de melhor
banco escolar”.
Nestas circunstâncias é fácil verificar uma das causas
e uma das raízes deste ecletismo visível no final das obras arquitetônicas da
época.
Fig. 14 – O recurso à escariola ao modelo do descrito no texto de Morales de los Rios em 1911
Se existe tagarelice no texto do crítico e ecletismo na obra do arquiteto e do urbanista, no entanto o mundo empírico está mergulhado e comandado pelas forças que
erguem os prédios que ele deve trazer ao mundo estético prático e concreto:
“Geralmente é o primo,
o parente ou o compadre pintor, o primeiro que desgarra. E' a esses pintores
que devemos as nossas famigeradas varandas decoradas de Pães-de-Assucar e de
Guanabaras, onde as canoas sâo do tamanho dos transatlânticos, mesmo quando
aquelles se vem no horisonte e estes no primeiro plano ; aquelles chapéos de
pescadores do tamanho de canoas e aos mesmos devemos essas entradas floridas
contra todas as classificações conhecidas de Martius e Linneo, e os anjos
bochechudos sustentando cortinas atraz das quaes Christovão Colombo, mal que
pese a Gonçalves Dias, ficaria horrorizado das payzagens americanas, que se abrigariam
detrás do panno”.
Fig. 15 – O kitsch declarado e escancarado realizado com os
materiais e metodologias construtivas e pela apropriação de algumas soluções
arquitetura eruditas realizadas “de ouvido” por pessoas descritas no texto de
1911 de Morales de los Rios.
Poderia haver escola teórica e prática para quem ergue
fisicamente os prédios do mundo estético prático e concreto o mundo empírico,
contudo isto não seria possível sem a educação de quem encomenda e paga a obra
e o trabalho. Nas suas observações
MORALES de los RIOS era implacável em apontar e registrar na sua “tagarelice”
as causas do descontrole de qualquer projeto sério e coerente:
“Muitas vezes, quando
já a obra permitte percorrel-a sem o atravancamento dos andaimes e sem o perigo
das vertigens, a Exma. Sra. do Senhorio, vae visital-a. O pintor está no fogo
da composição; Sua Excellencia extasia-se diante do trabalho pictorico; indaga
do pobre artista; acaba por saber onde veio á luz pela primeira vez aquelle
raio de gênio da pintura decorativa, quaes os seus parentes, o que
ganha, o que soffre, o que sente, o que pulsa naquelle organismo privilegiado e
ao voltar á casa revela ao marido que o pintor
da casa é d'alli ao lado, na terra; a mesma coisa faz que esta seja
Villanova de Famalicão, Dores do Rio Verde, — Casamisciola ou Satocochinos, em
Portugal, no Brazil, na Itália ou na Hespanha”.
Fig. 16 –Um século após a Exposição do Rio de Janeiro de 1908 –
a nova capital federal brasileira foi vítima, em 2008, do ecletismo,
da tolerância e do marketing e propaganda de bem pior e provisória do
que EXPOSIÇÃO CENTENÁRIO da ABERTURA dos PORTOS 1908.
As causas do descontrole de qualquer projeto sério e
coerente não se originam e nem cessam na realização de uma obra. Elas se
reproduziam e multiplicavam na forma de uma praga incontrolável n as
recomendações de quem encomenda e paga a obra.
MORALES de los RIOS registra:
“Ella acrescenta que
são mesmo um tanto parentes longínquos do illustre artista e desenvolve para
proval-o uma longa genealogia.... Pobre rapaz que pinta tão bem .'... que ganha tão
pouco .'... tão explorado pelo bruto do primo que até aos domingos o faz
trabalhar.... Havia o tal primo de lhe pagar o desaforo de não lhe ter pintado
no forro da sala todos os pássaros da creação e mais alguns outros inventados
pelo primo pintor tão prestativo em agradar a donna.... ! A semente está
lançada”.
O ecletismo se reproduz
com esta semente. Ele parasita a cultura e a sufoca. Tolhe a oportunidade para
uma nova geração subir nas suas costas e fazer novos achados estéticos como
desejava Le Corbusier para quem viria após ele.
O pensamento de Morales de los Rios permanece
nas suas narrativas. Um pensamento que permanece e é passível de se
constituir-se em estímulo para o presente. Ele mesmo percebe as suas próprias
obras físicas entregues à obsolescência e à entropia e reage apontando as
causas. As suas narrativas podem ser julgadas como “tagarelice” na percepção de
alguns. No entanto não constituem
acumulações verbais na tendência de um Marcel Proust e nem tiros a esmo, e no
escuro, ao modelo da metralhadora dos aforismos de Ludwig Wittgenstein. Assim
como narrativas e o pensamento da academia de Platão permanecem. Permanência
apesar de não se encontra o menor vestígio físico desta academia na Grécia atual.
Permanência sem que instituição alguma reivindique a sua continuidade deste a
época da vida de mestre grego. Da mesma forma o pensamento do arquiteto,
urbanista e critico Morales de los Rios permanece nas suas narrativas.
Permanência enquanto as suas obras já entravam no ocaso e incompreensão ao
longo de sua existência e sem o amparo de uma instituição especifica ciada por
ele ou em seu nome.
Fig. 17 – Cândido Portinari - Antônio Bento, Mário de Andrade e
Rodrigo de Melo Franco juntos numa foto em 1936. O Instituto do Patrimônio
Histórica e Artístico Nacional ( IPHAN) começava a tomar forma. O prédio da
ENBA projetado por Adolpho Morales de los Rios foi transformada em Museu
Nacional de Belas Artes no ano de 1937 no bojo da criação do IPHAN
As suas obras físicas
podem ser a descaracterizadas, com já foram em vida e até desaparecerem sem
deixar vestígios, o seu pensamento permanecerá. Ele próprio viu desaparecer e tentou salvar as
obras físicas do regime colonial brasileiro e do regime imperial. Não pode salvá-las, nem mesmo em fotos, pois
ele não encontrou narrativas coloniais e raros textos escritos específicos de
arquitetos ou urbanistas brasileiros. O esforço singular de Morales de los
Rios, para salvar índices físicos
arquitetônicos, foi em vão. Ele registrou estra frustração quando escreveu (1911,
p.237)
“Alguns
d'esses motivos eu
phothographei, mas infelizmente havendo cedido esses trabalhos para serem
publicados nem isto se fez nem posso jamais conseguir a devolução desses
documentos perdidos, como foram, por criminoso desleixo”.
Nem o poder público entendia esta preocupação e nem
tinha meios para preservar a memória física do passado:
“A
collecção de photographias, de conjunctos de prédios apenas, mandada fazer pela
Prefeitura, também ficou perdida no incêndio da officina photograpica d'aquella
Repartição e, que me conste, apenas subsiste para lembrança daquelle passado,
seus aleijões e suas concepções artísticas, a collecção mandada fazer pela
commissão das obras da Avenida Central”.
O próprio patrimônio
construído e físico do “período aurífero brasileiro” foi salvo pelo pensamento
e pelos textos de Mario de Andrade, Cecília Meireles ou Rodrigo Mello Franco.
Nestes pais de memória
curta e pontual - e de muita cobiça política e monetária - há necessidade de
muito cuidado com as palavras. Qualquer sentença de qualquer crítico mequetrefe
é tomada pela memória curta e pela cobiça, como absoluta e vinda de autoridade
inconteste. É o e pretexto de colocar tudo abaixo, construir outro horror que
passou por qualquer concurso público e aberto se é que não permanecer como mais
uma ruina contemporânea. Por mais horrorosos que tenham sido qualquer campo de
concentração ou gulag, é necessário a sua preservação física para advertência
para o que ali se passou de fato. Especialmente o Brasil com o imenso
território que possui e a urgente necessidade de ocupar todo o seu território.
Existe sempre o
argumento externo no caso de não prevalecer um argumento interno da obra, seja
desacatado ou naturalizado. A lei precede o fato interno e com argumento
externo à obra. Na obra de Morales de
los Rios se houver dúvida em relação à sua natureza interna ela possui este
direito externo. Para este argumento externo e genérico leia-se o texto da
Constituição Brasileira de 1988
“...Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de
natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
II - os modos de
criar, fazer e viver;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”.
Restando ainda dúvidas
convém ler o próprio pensamento de Adolfo Morales de los Rios em:
FONTES
BIBLIOGRAFICAS
ANDRADE, Mário (*1893 -†1945) Curso
de Filosofia e História da Arte (1938). São Paulo : Centro de Estudos
Folcloóricos, 1955, 119 f.
MORALES de los
RIOS, Adolpho (*1858-†1928)
MESTRES,
ARCHETECTOS E SENHORIOS.
O BRAZIL ARTÍSTICO - NOVA PHASE - RIO DE JANEIRO : TYPOGRAPHIA
LEUZINGER 1911 pp 212-244
SOCIEDADE
PROPAGADORA das BELAS ARTES e do LICEU de ARTES e OFICIOS do RIO de JANEIRO http://www.brasiliana.usp.br/node/933 e http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/06004900
SIMMEL,
Georg (*1858-†1918) Sociología
y estudios sobre las formas de socialización. Madrid : Alianza. 1986, 817 p.
2v
FONTES
NUMÉRICAS DIGITAIS
EIFFEL Gustave (1832-1923)
ESTILO: COERÊNCIA da ORGANIZAÇÃO - postagem 01
EXPOSIÇÃO 1908 – Centenário da Abertura dos
Portos
GARNIER Jean-Louis Charles (1825-1898)
GAUDI Antônio (1862-01926)
KITSCH
MALRAUX André
e o Universo das Formas
MUSEU IMAGINÁRIO de
MALRAUX e LINA BARDI
Prédio
da Prefeitura
[ayuntamiento] de San Sebastian
[Donosti] - Espanha
RODRIGO MELO FRANCO de ANDRADE (1898-1969)
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