NO ATELIÊ DOS CONCEITOS:
INSTITUIÇÃO / INSTITUCIONALIZAÇÃO
Neusa Rolita Cavedon
Pesquisadora integrante do
Grupo de Pesquisas AAMARGS
Este artigo tem por objetivo
apresentar as distintas contribuições teóricas sobre os conceitos de
instituição/institucionalização no âmbito de diferentes ciências para,
posteriormente, procurar centrar as discussões no contexto das Artes.
Grupos, organizações e instituições
As primeiras distinções a serem
trabalhadas estão ancoradas nos estudos de Lapassade (1983). O referido autor
possui amplo conhecimento no campo da pedagogia e da psicossociologia. A
contribuição significativa de Lapassade encontra-se na obra “Grupos,
Organizações e Instituições”.
A reflexão inicial a ser apreendida é
a que propugna a incompletude dos grupos, organizações e instituições.
Contrapondo-se a autores que acreditam na maturidade dos grupos, das
organizações e das instituições, Lapassade (1983) vê dinamicidade na construção
desses fenômenos e, portanto, considera a lógica do processo, do inacabado,
numa dialética cuja ação constantemente encontra-se em processo de recomeço. No
entender do autor, não há possibilidade de totalização, o grupo não atingirá a
maturidade e a organização não alcançará a unidade mediante a burocracia. Os
grupos entendidos como solidificados, em verdade, encontram-se esclerosados e
como tal não trazem contribuição significativa para o crescimento do ser
humano.
Para tornar claro os conceitos de grupos,
organizações e instituições é preciso compreender que a unidade imposta de fora
para dentro de um coletivo não configura a existência de um grupo, mas sim de
uma série. O exemplo fornecido por Lapassade é das filas de ônibus parisienses
que apresentam uma ordenação que pode ser dada pela ordem dos bilhetes (no caso
brasileiro pela ordem de chegada ao ponto de ônibus), existe uma serialidade
que não confere unidade interna a esse conjunto de pessoas, ao contrário,
tem-se a dispersão como mote fomentador das relações entre esses indivíduos.
Por seu turno, o grupo “nasce da fusão
da serialidade” (LAPASSADE, 1983, p. 228). A tensão presente em um grupo é
aquela que oscila entre a dispersão e a totalidade. A busca pela unidade será
sempre contraposta a uma eventual dispersão que levará a serialidade novamente.
A forma encontrada para a manutenção da unidade se dá através do “juramento”. O
grupo, portanto, tem como premissa lutar incessantemente contra a dispersão.
Lapassade (1983, p. 229) assim define outros aspectos que caracterizam a
existência de um grupo:
O grupo, com efeito,
define-se não como um ser, mas como um ato. Esse último é o ato do grupo sobre
si mesmo: o grupo se trabalha
incessantemente; uma práxis comum, virada para o exterior, só é práxis de um
grupo se aqueles que a efetuam juntos estabelecem uns com os outros as relações
que constituem o grupo. Um grupo só é verdadeiramente tal se for fundado, de
maneira permanente, ao mesmo tempo na autogestão, ou na autodeterminação, e na
autocrítica, ou na autoanálise. A heterogestão destrói o grupo e provoca o
retorno a serialidade.
Assim depreende-se que o grupo só se
constitui a partir de movimentos endógenos, forças internas que irão nortear as
ações conjuntas de maneira autogestionária.
Lapassade também alerta para a
importância da qualidade em detrimento da quantidade. Numa configuração
seriada, o décimo integrante representa uma ordenação, já no grupo o décimo
integrante é todo mundo daquele coletivo e também é ninguém pois cada pessoa é
relevante para a constituição dos dez participantes daquele conjunto, “cada um,
no grupo, é agente totalizador, que a totalização se encontra, ao mesmo tempo,
em todo lugar e em nenhum lugar” (LAPASSADE, 1983, p. 230). Essa busca pela
totalização é processo, nunca acaba, descuidar-se das relações pode significar
a volta da dispersão, portanto, a luta do grupo entre a força da unidade e a da
dispersão é perpétua.
O grupo mantém-se unido enquanto tiver
objetivos a atingir. Sendo assim, a unidade do grupo é prática e não de cunho
ontológico. No grupo cada um é ele e o outro. Nesse momento não há um chefe,
todos podem deliberar em nome do grupo.
Na fase do juramento, a luta contra a
dispersão será implementada mediante o poder de cada integrante do coletivo
sobre todos e de todos os integrantes sobre cada um, a liberdade do próprio
sujeito será controlada, bem como a liberdade do outro. Os sujeitos aceitam a
regra do jogo e assumem o compromisso de não sabotar a experiência coletiva.
Ao se estruturar e se burocratizar o
grupo constitui-se em uma organização. O grupo busca se trabalhar para garantir
a sua existência. Na estrutura definida, as pessoas receberam funções, a cada
integrante será atribuída uma tarefa a ser cumprida. O risco que se apresenta
nessa instância é a de que os objetivos que motivaram a construção da
organização sejam relegados e a organização se torne um fim em si mesma, isto
é, ela figura como sendo o objetivo.
Quando a organização se transforma em
uma hierarquia, as funções passam a ser obrigações previamente definidas, as
pressões, via terror, se fazem presentes, há um poder centrado na autoridade de
comando em detrimento do consenso do grupo, emerge então a instituição. O poder
instituído vai se dar pela força do terror. As instituições tendem a manter a
ordem dominante através de ameaças.
Importante salientar novamente que
Lapassade não entende esses diferentes fenômenos sociais como cristalizados,
sempre haverá uma tensão inerente aos movimentos de unidade e de dispersão
tanto nos grupos, como nas organizações e também nas instituições.
A vertente sociológica:
Berger e Luckmann e as instituições
A humanização decorre da capacidade do
ser humano de construir a sua natureza, o que, por sua vez, implica a
existência de formações sócio-culturais variadas. Para Berger e Luckmann (1985,
p.75):
O ser humano
solitário é um ser no nível animal (que, está claro, o homem partilha com
outros animais). Logo que observamos fenômenos especificamente humanos entramos
no reino do social. A humanidade específica do homem e sua socialidade estão
inextricavelmente entrelaçadas. O Homo
sapiens é sempre, e na mesma medida, homo
socius.
A partir desses postulados, Berger e
Luckmann (1985) referem que as atividades humanas são operacionalizadas
mediante o hábito, de tal modo que em ações futuras podem ser repetidas as
execuções habituais envidando uma economia de esforços. O hábito reduz as pressões derivadas das
tomadas de decisões, com isso a tensão, decorrente da escolha a ser feita
dentre múltiplas alternativas, sob o ponto de vista psicológico torna-se menor.
Os hábitos precedem a institucionalização. No dizer de Berger e Luckmann (1985,
p. 79): “A institucionalização ocorre sempre que há uma interação recíproca de
ações habituais por tipos de atores”.
A institucionalização também requer a
existência de uma história compartilhada, bem como o controle das condutas
humanas, ou seja, a institucionalização faz com que as atividades humanas
fiquem submetidas ao controle social. A historicidade conduz a objetividade uma
vez que os atores sociais se tornam capazes de tipificar reciprocamente suas
condutas. Daí que quanto mais institucionalizada for uma conduta maior a
capacidade de previsibilidade e de controle. Mas há que se considerar que a
objetividade é produzida e construída pelo homem. Assim, o homem e o mundo
social possuem uma relação dialética, isto é, um atua sobre o outro
reciprocamente.
Por seu turno, a legitimação permite
que o mundo institucional possa ser explicado e legitimado. Há um corpo de
conhecimento, sob a forma de receituário, que estabelece as regras de conduta
institucionalmente apropriadas e que precisam ser seguidas pelos respectivos
atores no desempenho de seus papéis no universo da instituição da qual são
parte integrante. Aquele ator que se desviar desses postulados instituídos como
verdades poderá ser qualificado como doente mental ou moralmente degenerado à
luz do contexto em questão. Portanto, existe um esforço institucional no
sentido de que os significados sejam impregnados na consciência dos sujeitos de
forma a que eles entendam a instituição como a solução permanente de um
problema, elaborada de modo coletivo.
O mundo institucionalizado passa a
integrar a experiência do sujeito mediante o desempenho de papéis. A vivência
dos papéis permite a inserção no mundo social. Uma vez interiorizados os papéis
experimentados pelo sujeito, o mundo ganha subjetivamente a conotação de real.
O universo institucional é viável a partir da existência dos papéis a serem
desempenhados pelos sujeitos.
No dizer de Berger e Luckmann (1985,
p. 104):
Os papéis representam a ordem institucional. Esta
representação realiza-se em dois níveis. Primeiramente a execução do papel
representa a si mesma. Por exemplo, empenhar-se em julgar é representar o papel
do juiz. O indivíduo julgador não está atuando “por sua própria conta”, mas qua juiz. Em segundo lugar, o papel
representa uma completa necessidade institucional de conduta. O papel de juiz
relaciona-se com outros papéis, cuja totalidade compreende a instituição da
lei. O juiz atua como representante desta instituição. Somente mediante esta
representação em papéis desempenhados é que a instituição pode manifestar-se na
experiência real.
O desempenho de um papel não requer
tão somente o conhecimento das rotinas, mas exige conhecimento para além
daquilo que é passível de visualização externa, implica conhecimentos de outras
ordens, inclusive afetiva.
A vertente
antropológica: Mary Douglas e as instituições
Douglas (1998) inicia suas teorizações
fazendo menção à dificuldade existente quando o que está em questão é a
cooperação e a solidariedade grupal, isto porque em todo o grupo tende a haver
também a rejeição e a desconfiança. A expectativa é a de que cada sujeito
esteja disposto a se sacrificar pelo grupo, cada integrante deve se propor a
tal desprendimento e espera igualmente que os demais participantes tenham a
mesma predisposição. Todavia, em certas circunstâncias, a desconfiança pode ser
tão grande a ponto de inviabilizar a cooperação grupal. Para que possa ocorrer
solidariedade os indivíduos devem compartilhar categorias de pensamento. Essa
unidade vai além de aspectos legais. No dizer de Douglas (1998, p. 23):
Não é qualquer ônibus
lotado ou um ajuntamento aleatório de pessoas que merece o nome de sociedade. É
preciso que entre seus membros exista algum pensamento e algum sentimento que
se assemelhem. Isso não quer dizer, porém, que um grupo que se associa possua
atitudes próprias. Se ele possui algo, é devido à teoria legal que o reveste de
uma personalidade fictícia. A existência legal, entretanto, não basta. Os
pressupostos legais não atribuem vezes emocionais ao grupo que se associa.
Somente pelo fato de ser legalmente constituído não se pode dizer que um grupo
“comporta-se” e muito menos que ele pensa ou sinta.
Douglas entende a instituição como um
“agrupamento social legitimado”. Dentre os exemplos dados pela referida autora
como instituições, tem-se a família, um jogo, uma cerimônia. A figura
legitimadora pode estar centrada no âmbito de uma pessoa, a exemplo do pai em uma
família; ou estar difusa desde que tenha o suporte da concordância comum em
torno de algum princípio fundante. A instituição não pode estar baseada
unicamente na ordem instrumental e provisória.
A instituição incipiente granjeia
alguma estabilidade através da naturalização das classificações sociais,
todavia, vale destacar que o ato de classificar e de lembrar também é
institucionalizado.
Teorias Institucionais
No campo dos estudos organizacionais
havia a premissa de que as decisões e ações empreendidas no âmbito das
organizações se dava de maneira racional. Tal posicionamento foi rebatido pela
Teoria Institucional ao incorporar a condição humana, visão que agrega aos
processos e tomadas de decisões componentes conscientes e semiconscientes.
Para Carvalho e Vieira (2003, p. 28):
A perspectiva
institucional abandona a concepção de um ambiente formado exclusivamente por
recursos humanos, materiais e econômicos para destacar a presença de elementos
culturais – valores, símbolos, mitos, sistema de crenças e programas
profissionais. A consequência deste novo marco na interpretação organizacional
revela-se quando a concorrência por recursos e clientes entre as organizações
deixa lugar, na perspectiva organizacional, à concorrência para alcançar
legitimidade institucional e aceitação do ambiente.
[...]
Deste modo, o mercado
deixa de ser o motor da racionalização e da burocratização quando assume o
Estado a dita função. O poder regulador e os modus operandi legitimados das profissões são seus principais
instrumentos. A cultura é elevada a uma posição determinante na formação da
realidade organizacional sob esta perspectiva que atribui a difusão de
procedimentos cotidianos às influências interorganizacionais e à conformidade e
persistência dos valores culturais, mais do que à função que, inicialmente,
lhes havia sido designada.
Nessa lógica de
privilegiar aspectos culturais, os teóricos da teoria institucional advogam em
prol dos mitos institucionalizados como forma de garantir a manutenção das
organizações na sociedade. Sendo assim, não seria o mercado e nem mesmo o
centralismo do Estado os responsáveis pela continuidade organizacional.
Os administradores
apropriaram-se das teorizações elaboradas no âmbito das Ciências Sociais. Dessa abordagem sociológica é possível
distinguir três abordagens da teoria institucional. Aquela de caráter
regulador que vai se dar mediante o estabelecimento de normas com controle
direto sobre os integrantes da organização e punitivo através de sanções e
coerções, tal enfoque vai ao encontro de uma visão mais clássica da
Administração, numa vertente taylorista. A vertente normativa vai ao
encontro dos valores e normas como elementos institucionais captados pelo
passar do tempo e utilização constante via interiorização por parte dos sujeitos
organizacionais que tendem a assumir tais pressupostos como obrigações sociais.
A vertente cognitiva vai ser aquela que entende serem as organizações
realidades socialmente construídas, apresentando variações de meios,
capacidades e objetivos a depender do contexto onde estão inseridas.
DiMaggio e Powell
(2005) estudaram o isomorfismo institucional. A ideia central do isomorfismo
advém do fato de que as organizações não competem apenas por clientes e por
recursos, mas também por poder político, por legitimação institucional, por
adequação social e também por posicionamento econômico adequado. A tipologia
criada para classificar os três tipos de isomorfismo são: isomorfismo
coercitivo que tem por base aspectos políticos e de legitimidade; isomorfismo mimético
que corresponde às respostas padronizadas visando minimizar as incertezas; e, o
isomorfismo normativo atrelado à profissionalização.
O isomorfismo
coercitivo pode ser observado através de ações governamentais que visam coibir
danos ambientais como a poluição de rios mediante o despejo de dejetos não
tratados. As empresas objetivando não receber multas ou mesmo o fechamento da
organização pela inobservância das leis acabam por mudar suas tecnologias ou
adotar filtros que venham a melhorar a relação da empresa com o meio ambiente.
As organizações sob a égide do Estado tendem a adotar práticas e estruturas que
levam ao isomorfismo.
O isomorfismo mimético
decorre da tentativa de minimizar a incerteza. Ao observar as práticas e
estruturas organizacionais tidas como legítimas ou bem-sucedidas, as demais
organizações procuram imitar aquilo que julgam dar certo e, portanto, o risco
de errar será menor, bem como o custo da busca de soluções, posto que existem
experiências exitosas que podem ser copiadas. Algumas inovações tecnológicas
podem ser implementadas - gerando isomorfismo mimético - não como algo
necessário, imprescindível para a organização, mas sim porque sob um ponto de
vista ritualístico as organizações julgam relevante dispor de um aparato tecnológico
que as coloque em uma posição de inovadoras, de adaptadas aos avanços da era
tecnológica.
O isomorfismo normativo
tem sua gênese principalmente na profissionalização. Algumas normas
profissionais são ditadas pelo Estado, mas as associações de classes
profissionais ditam determinadas posturas organizacionais a serem observadas.
Os diferentes profissionais dentro de uma organização podem divergir entre si,
mas os pertencentes a uma mesma categoria profissional terão semelhanças
independentemente das organizações as quais estarão vinculados. Assim,
engenheiros mecânicos podem diferir de engenheiros elétricos dentro da mesma
organização, mas os engenheiros mecânicos serão semelhantes aos engenheiros
mecânicos que atuam em outras organizações e os engenheiros elétricos terão
pressupostos profissionais semelhantes aos engenheiros elétricos que se
encontram em atuação em outras organizações.
Institucionalizar como processo
Andrade (2002) partindo dos estudos de
Scott (1995) define instituição como o universo de atos cujo objetivo é de
tipificar e tornar repetitivos padrões, hábitos, regras, de modo a viabilizar a
gestão e o controle das funções e das representações ao longo do tempo
atentando para a diversidade de valores, sentidos e interesses materiais.
Andrade acrescenta que institucionalizar é gerar uma distinção de sentido. Ao
implementar determinado procedimento dentro do espaço organizacional, de forma
consentida pelos integrantes daquele universo, com a repetição tende a ocorrer
uma sedimentação que terá como consequência a formulação de regras que deverão
ser seguidas e que implicarão punições caso ocorram desvios. Mas, tal
conceituação não resulta na noção de engessamento do ato de institucionalizar,
ao contrário, Andrade postula pela dinamicidade, pelo contingencialismo, pela
transitoriedade das institucionalizações.
Teoria Institucional da Arte
A dificuldade em definir a teoria
institucional da arte passa prioritariamente pela dificuldade em conceituar o
que é arte. No entanto, Geertz (1994, p. 118) afirma:
Pelo contrário, a
percepção de que há algo importante em cada obra em particular ou nas artes em
geral impele as pessoas a falarem (e a escreverem) incessantemente sobre elas.
As coisas que tem um sentido para nós, não podem ser desprezadas, como se
flutuassem na mera transcendência, por isso, descrevemos, analisamos,
comparamos, julgamos e classificamos; por isso construímos teorias acerca da
criatividade, da forma, da percepção, da função social; também por isso
consideramos que a arte é uma linguagem, uma estrutura, um sistema, um ato, um
símbolo, um modelo de sensações; finalmente, por isso empregamos metáforas
científicas, espirituais, tecnológicas, políticas; e se tudo isso falha,
encadeamos frases obscuras e esperamos
que algum outro as esclareça para nós. Parece que a aparente inutilidade
de toda a reflexão sobre a arte rivaliza com a profunda necessidade que
sentimos de falar interminavelmente sobre ela.
Dickie (1997) desenvolveu duas versões
sobre a teoria institucional da arte, em ambas ele defende que as obras de arte
são artefatos, porém, estes artefatos não precisam ser necessariamente objetos
físicos, mas sim algo elaborado pelo homem.
A definição desenvolvida na primeira
versão foi publicada, em 1974, no livro A
Arte e a Estética. Neste estudo, a compreensão do que vem a ser Teoria
Institucional da Arte é a seguinte:
Uma obra de arte, em
sentido classificatório é: 1) um artefato; 2) uma série de aspectos que tenham
sido conferidos por seu status de candidata para a apreciação dada por alguma
pessoa ou pessoas atuando em nome de alguma instituição social (o mundo da
arte).
Em sua primeira teorização, Dickie
(1997) apresenta como foco central de seus pressupostos o status que é
conferido para a obra, status esse que deve estar imbricado com o aspecto legal
atribuído pelo sistema cultural denominado de “mundo da arte”. Para
exemplificar, o referido autor afirma que uma obra de arte colocada em uma
mostra num museu é prova de que a ela foi conferido status por aquele ou
aqueles que integram o “mundo da arte”. Dickie (1997) ao rever seus postulados
entendeu que esse status conferido pelo “mundo da arte” se apresentava de
maneira muito vaga. O “mundo da arte” não contempla a exatidão do sistema legal
que costuma definir claramente os procedimentos e linhas de autoridade. O
“mundo da arte” tem também suas normatizações, mas elas estão assentadas de
modo mais significativo nas práticas habituais. Então, é preciso considerar,
segundo Dickie (1997), que algumas instituições são formais e outras informais.
No que concerne à “candidatura à
apreciação” delineada na primeira definição, Dickie (1997) esclarece que não se
trata de uma classe especial de apreciação estética, mas sim “uma
experimentação das qualidades de uma coisa”, sejam essas qualidades meritórias
ou estimáveis. Numa perspectiva classificatória para que um artefato seja
considerado como uma obra de arte é preciso que possua algum valor real. Assim,
a artifactualidade, no caso de objetos naturais elevados a condição de obra de
arte, é atribuída ao objeto mais que ao trabalho sobre ele dispendido. Daí ser
possível afirmar que a artifactualidade pode se dar de duas maneiras: a)
mediante o trabalho realizado para a confecção do objeto; e, por haver sido
conferida ao objeto. Para Dickie (1997) a artifactualidade não exclui a
criatividade.
O autor afirma que quando um artista
produz uma obra, ele a faz com vistas a um público. Mesmo aquelas obras que o
artista opta por deixar guardadas em seu ateliê, sem torná-las públicas, seja
porque as julga inacabadas ou de qualidade inferior, ainda assim elas são
destinadas a um público. Esse público precisa ter conhecimento e compreensão,
de modo que existem diferentes públicos para diferentes obras. Todavia, não há
só o público, mas também os críticos, os curadores, os diretores e outros.
A centralidade dos papéis de artista e
de público no mundo da arte é destacada por Dickie (1997). O mundo da arte, na
visão do referido autor, é formado por conjuntos de elementos individuais aos
quais cabem papéis específicos aos artistas e ao público. Sendo assim, as
regras envolvem diferentes classes quando o que está em questão é a instituição
da arte. Existem algumas regras que são básicas e outras convencionais, essas
últimas possuem dinamicidade, portanto, passíveis de mudança.
Na nova definição da teoria
institucional da arte, Dickie (1997) traça a teorização e esclarece cada parte
integrante da definição. Para ele: “Uma
obra de arte é um artefato de uma classe criado para ser apresentado diante de
um público do mundo da arte”. Decompondo cada concepção envolvendo a
definição anterior: a) o artista é a pessoa com competência para elaborar uma
obra de arte; b) o público é constituído por pessoas com capacidade (formação)
para compreender aquilo que lhe está sendo apresentado como arte; 3) o mundo da
arte é formado por todos os sistemas que integram o mundo da arte: 4) por seu
turno, um sistema do mundo da arte configura-se como um ponto de referência
para a apresentação da obra de arte, por parte de um artista, frente a um
público do mundo da arte.
Dickie (1997) reconhece uma
circularidade em suas duas definições de arte, na da primeira versão e também
na da segunda versão. Todavia, ele justifica essa circularidade em razão da
interdependência que as noções centrais possuem, uma vez que o fazer artístico
envolve uma estrutura mutuamente dependente.
Ramme (2011) refere que Dickie em seus
estudos descortinou aspectos ligados à sociologia e antropologia da arte, posto
que o destaque nas teorizações se centrou nos papéis institucionalizados
presentes no mundo da arte e que implicam comportamentos e práticas difundindo
valores artísticos e estéticos compartilhados por uma cultura.
Nessa mesma linha Geertz (1994) já
referia que atribuir aos objetos de arte um significado cultural apresenta
sempre uma implicação com o universo local da cultura em questão. Apesar da
qualidade intrínseca de um objeto de arte
lhe conferir um caráter emocional de cunho universal (algo que é inegável),
ainda assim dentro de uma perspectiva da cultura local, a arte na China
Clássica não é a mesma coisa que a arte do Islã Clássico, nem que a arte das
Terras Altas de Nova Guiné. Os sistemas de crenças, de estrutura de parentesco,
de classificação social se estendem para o universo das artes e acabam
impregnando de aspectos peculiares aquelas obras de arte forjadas no contexto
local.
Um ponto destacado, por Ramme (2011),
na teoria de Dickie é o sentido dado a um objeto de arte, algo que extrapola as
questões de gosto ou experiência pessoal e igualmente evoca o caráter
processual e transitório do status de arte conferido a um objeto. Aquilo que se
encontra exposto em um museu, por exemplo, tem por fundamento a proposição de
que seja arte, mas nada assegura que haja apreciação e duração no tempo dessa
arte, que a depender do contexto e do momento pode vir a perder valor.
Em Coli (1981) a percepção sobre o
discurso concernente ao estatuto e ao objeto das artes já era referido como não
unânime nem tampouco constante.
Coli (1981) assevera que a arte é uma
viagem cujo rumo é imprevisível bem como as consequências desse empreendimento.
Uma vez posta em execução essa proposta de viagem, o que vale não é a chegada,
mas sim a evasão e o prazer obtidos. Evasão e prazer seriam alienantes apenas
em um primeiro momento, na visão de Coli (1981), pois a posteriori essas
concepções transformam a sensibilidade do sujeito o que faz com que a relação
dele com o mundo se modifique. Então, aquilo que a princípio poderia ser
enquadrado como alienação ganha a conotação de transformação.
Questões para reflexão:
-
O que é a arte gaúcha?
-
Como se configura a institucionalização da arte gaúcha?
-
Diante dos conceitos apresentados, os pesquisadores vinculados aos projetos de
pesquisa que estão sendo desenvolvidos na AAMARGS tendem a se manter como um
grupo, uma organização ou uma instituição?
-
Qual a noção de instituição/institucionalização que irá nortear os estudos a
serem desenvolvidos nos próximos encontros dos pesquisadores do Grupo de
Pesquisas da AAMARGS?
Referências
Bibliográficas
ANDRADE, Rogério Ferreira de. As análises
institucionalistas nas organizações e o conceito de “institucional”. Caleidoscópio. Revista de Comunicação e
Cultura. Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia. Lisboa, n. 3,
2002, p. 49-64.
BERGER, Peter L. e LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. Petrópolis:
Vozes, 1985.
CARVALHO, Cristina Amélia e VIEIRA, Marcelo
Milano Falcão. Organizações, Cultura e
Desenvolvimento Local: a agenda de pesquisa do observatório da realidade
organizacional. Recife: EDUFEPE, 2003.
COLI. Jorge. O que é arte. Coleção Primeiros Passos. São Paulo:
Círculo do Livro, 1981. v. 7, p. 11-90.
DICKIE,
George. Introduction to Aesthetic: an
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York, Oxford University Press, 1997, p. 82–93.
DIMAGGIO, Paul J. e POWELL, Walter W. A Gaiola
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Campos Organizacionais. Revista de
Administração de Empresas, v.45, n. 2, abr./jun. 2005, p. 74-89.
DOUGLAS, Mary. Como as instituições pensam. São Paulo: Editora da USP, 1998.
GEERTZ, Clifford. Conocimiento local. Barcelona: Paidós,
1994
.
LAPASSADE, Georges. Grupos, Organizações e Instituições. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1983.
RAMME,
Noéli. A teoria institucional
e a definição de arte. Revista Poiésis, n.
17, jul. 2011, p. 91-103.
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