sábado, 19 de maio de 2018

232 ESTUDOS de ARTE


NO ATELIÊ DOS CONCEITOS: INSTITUIÇÃO / INSTITUCIONALIZAÇÃO



Neusa Rolita Cavedon




Pesquisadora integrante do

Grupo de Pesquisas AAMARGS



Este artigo tem por objetivo apresentar as distintas contribuições teóricas sobre os conceitos de instituição/institucionalização no âmbito de diferentes ciências para, posteriormente, procurar centrar as discussões no contexto das Artes.

Grupos, organizações e instituições

As primeiras distinções a serem trabalhadas estão ancoradas nos estudos de Lapassade (1983). O referido autor possui amplo conhecimento no campo da pedagogia e da psicossociologia. A contribuição significativa de Lapassade encontra-se na obra “Grupos, Organizações e Instituições”.

A reflexão inicial a ser apreendida é a que propugna a incompletude dos grupos, organizações e instituições. Contrapondo-se a autores que acreditam na maturidade dos grupos, das organizações e das instituições, Lapassade (1983) vê dinamicidade na construção desses fenômenos e, portanto, considera a lógica do processo, do inacabado, numa dialética cuja ação constantemente encontra-se em processo de recomeço. No entender do autor, não há possibilidade de totalização, o grupo não atingirá a maturidade e a organização não alcançará a unidade mediante a burocracia. Os grupos entendidos como solidificados, em verdade, encontram-se esclerosados e como tal não trazem contribuição significativa para o crescimento do ser humano. 

Para tornar claro os conceitos de grupos, organizações e instituições é preciso compreender que a unidade imposta de fora para dentro de um coletivo não configura a existência de um grupo, mas sim de uma série. O exemplo fornecido por Lapassade é das filas de ônibus parisienses que apresentam uma ordenação que pode ser dada pela ordem dos bilhetes (no caso brasileiro pela ordem de chegada ao ponto de ônibus), existe uma serialidade que não confere unidade interna a esse conjunto de pessoas, ao contrário, tem-se a dispersão como mote fomentador das relações entre esses indivíduos.

Por seu turno, o grupo “nasce da fusão da serialidade” (LAPASSADE, 1983, p. 228). A tensão presente em um grupo é aquela que oscila entre a dispersão e a totalidade. A busca pela unidade será sempre contraposta a uma eventual dispersão que levará a serialidade novamente. A forma encontrada para a manutenção da unidade se dá através do “juramento”. O grupo, portanto, tem como premissa lutar incessantemente contra a dispersão. Lapassade (1983, p. 229) assim define outros aspectos que caracterizam a existência de um grupo:

O grupo, com efeito, define-se não como um ser, mas como um ato. Esse último é o ato do grupo sobre si mesmo: o grupo se trabalha incessantemente; uma práxis comum, virada para o exterior, só é práxis de um grupo se aqueles que a efetuam juntos estabelecem uns com os outros as relações que constituem o grupo. Um grupo só é verdadeiramente tal se for fundado, de maneira permanente, ao mesmo tempo na autogestão, ou na autodeterminação, e na autocrítica, ou na autoanálise. A heterogestão destrói o grupo e provoca o retorno a serialidade.

Assim depreende-se que o grupo só se constitui a partir de movimentos endógenos, forças internas que irão nortear as ações conjuntas de maneira autogestionária.

Lapassade também alerta para a importância da qualidade em detrimento da quantidade. Numa configuração seriada, o décimo integrante representa uma ordenação, já no grupo o décimo integrante é todo mundo daquele coletivo e também é ninguém pois cada pessoa é relevante para a constituição dos dez participantes daquele conjunto, “cada um, no grupo, é agente totalizador, que a totalização se encontra, ao mesmo tempo, em todo lugar e em nenhum lugar” (LAPASSADE, 1983, p. 230). Essa busca pela totalização é processo, nunca acaba, descuidar-se das relações pode significar a volta da dispersão, portanto, a luta do grupo entre a força da unidade e a da dispersão é perpétua.

O grupo mantém-se unido enquanto tiver objetivos a atingir. Sendo assim, a unidade do grupo é prática e não de cunho ontológico. No grupo cada um é ele e o outro. Nesse momento não há um chefe, todos podem deliberar em nome do grupo.

Na fase do juramento, a luta contra a dispersão será implementada mediante o poder de cada integrante do coletivo sobre todos e de todos os integrantes sobre cada um, a liberdade do próprio sujeito será controlada, bem como a liberdade do outro. Os sujeitos aceitam a regra do jogo e assumem o compromisso de não sabotar a experiência coletiva.

Ao se estruturar e se burocratizar o grupo constitui-se em uma organização. O grupo busca se trabalhar para garantir a sua existência. Na estrutura definida, as pessoas receberam funções, a cada integrante será atribuída uma tarefa a ser cumprida. O risco que se apresenta nessa instância é a de que os objetivos que motivaram a construção da organização sejam relegados e a organização se torne um fim em si mesma, isto é, ela figura como sendo o objetivo.

Quando a organização se transforma em uma hierarquia, as funções passam a ser obrigações previamente definidas, as pressões, via terror, se fazem presentes, há um poder centrado na autoridade de comando em detrimento do consenso do grupo, emerge então a instituição. O poder instituído vai se dar pela força do terror. As instituições tendem a manter a ordem dominante através de ameaças.

Importante salientar novamente que Lapassade não entende esses diferentes fenômenos sociais como cristalizados, sempre haverá uma tensão inerente aos movimentos de unidade e de dispersão tanto nos grupos, como nas organizações e também nas instituições.



A vertente sociológica:
Berger e Luckmann e as instituições

A humanização decorre da capacidade do ser humano de construir a sua natureza, o que, por sua vez, implica a existência de formações sócio-culturais variadas. Para Berger e Luckmann (1985, p.75):

O ser humano solitário é um ser no nível animal (que, está claro, o homem partilha com outros animais). Logo que observamos fenômenos especificamente humanos entramos no reino do social. A humanidade específica do homem e sua socialidade estão inextricavelmente entrelaçadas. O Homo sapiens é sempre, e na mesma medida, homo socius.

A partir desses postulados, Berger e Luckmann (1985) referem que as atividades humanas são operacionalizadas mediante o hábito, de tal modo que em ações futuras podem ser repetidas as execuções habituais envidando uma economia de esforços.  O hábito reduz as pressões derivadas das tomadas de decisões, com isso a tensão, decorrente da escolha a ser feita dentre múltiplas alternativas, sob o ponto de vista psicológico torna-se menor. Os hábitos precedem a institucionalização. No dizer de Berger e Luckmann (1985, p. 79): “A institucionalização ocorre sempre que há uma interação recíproca de ações habituais por tipos de atores”.

A institucionalização também requer a existência de uma história compartilhada, bem como o controle das condutas humanas, ou seja, a institucionalização faz com que as atividades humanas fiquem submetidas ao controle social. A historicidade conduz a objetividade uma vez que os atores sociais se tornam capazes de tipificar reciprocamente suas condutas. Daí que quanto mais institucionalizada for uma conduta maior a capacidade de previsibilidade e de controle. Mas há que se considerar que a objetividade é produzida e construída pelo homem. Assim, o homem e o mundo social possuem uma relação dialética, isto é, um atua sobre o outro reciprocamente.

Por seu turno, a legitimação permite que o mundo institucional possa ser explicado e legitimado. Há um corpo de conhecimento, sob a forma de receituário, que estabelece as regras de conduta institucionalmente apropriadas e que precisam ser seguidas pelos respectivos atores no desempenho de seus papéis no universo da instituição da qual são parte integrante. Aquele ator que se desviar desses postulados instituídos como verdades poderá ser qualificado como doente mental ou moralmente degenerado à luz do contexto em questão. Portanto, existe um esforço institucional no sentido de que os significados sejam impregnados na consciência dos sujeitos de forma a que eles entendam a instituição como a solução permanente de um problema, elaborada de modo coletivo.

O mundo institucionalizado passa a integrar a experiência do sujeito mediante o desempenho de papéis. A vivência dos papéis permite a inserção no mundo social. Uma vez interiorizados os papéis experimentados pelo sujeito, o mundo ganha subjetivamente a conotação de real. O universo institucional é viável a partir da existência dos papéis a serem desempenhados pelos sujeitos.

No dizer de Berger e Luckmann (1985, p. 104):

Os papéis representam a ordem institucional. Esta representação realiza-se em dois níveis. Primeiramente a execução do papel representa a si mesma. Por exemplo, empenhar-se em julgar é representar o papel do juiz. O indivíduo julgador não está atuando “por sua própria conta”, mas qua juiz. Em segundo lugar, o papel representa uma completa necessidade institucional de conduta. O papel de juiz relaciona-se com outros papéis, cuja totalidade compreende a instituição da lei. O juiz atua como representante desta instituição. Somente mediante esta representação em papéis desempenhados é que a instituição pode manifestar-se na experiência real.

O desempenho de um papel não requer tão somente o conhecimento das rotinas, mas exige conhecimento para além daquilo que é passível de visualização externa, implica conhecimentos de outras ordens, inclusive afetiva.



A vertente antropológica: Mary Douglas e as instituições

Douglas (1998) inicia suas teorizações fazendo menção à dificuldade existente quando o que está em questão é a cooperação e a solidariedade grupal, isto porque em todo o grupo tende a haver também a rejeição e a desconfiança. A expectativa é a de que cada sujeito esteja disposto a se sacrificar pelo grupo, cada integrante deve se propor a tal desprendimento e espera igualmente que os demais participantes tenham a mesma predisposição. Todavia, em certas circunstâncias, a desconfiança pode ser tão grande a ponto de inviabilizar a cooperação grupal. Para que possa ocorrer solidariedade os indivíduos devem compartilhar categorias de pensamento. Essa unidade vai além de aspectos legais. No dizer de Douglas (1998, p. 23):

Não é qualquer ônibus lotado ou um ajuntamento aleatório de pessoas que merece o nome de sociedade. É preciso que entre seus membros exista algum pensamento e algum sentimento que se assemelhem. Isso não quer dizer, porém, que um grupo que se associa possua atitudes próprias. Se ele possui algo, é devido à teoria legal que o reveste de uma personalidade fictícia. A existência legal, entretanto, não basta. Os pressupostos legais não atribuem vezes emocionais ao grupo que se associa. Somente pelo fato de ser legalmente constituído não se pode dizer que um grupo “comporta-se” e muito menos que ele pensa ou sinta.

Douglas entende a instituição como um “agrupamento social legitimado”. Dentre os exemplos dados pela referida autora como instituições, tem-se a família, um jogo, uma cerimônia. A figura legitimadora pode estar centrada no âmbito de uma pessoa, a exemplo do pai em uma família; ou estar difusa desde que tenha o suporte da concordância comum em torno de algum princípio fundante. A instituição não pode estar baseada unicamente na ordem instrumental e provisória.    

A instituição incipiente granjeia alguma estabilidade através da naturalização das classificações sociais, todavia, vale destacar que o ato de classificar e de lembrar também é institucionalizado. 



Teorias Institucionais

No campo dos estudos organizacionais havia a premissa de que as decisões e ações empreendidas no âmbito das organizações se dava de maneira racional. Tal posicionamento foi rebatido pela Teoria Institucional ao incorporar a condição humana, visão que agrega aos processos e tomadas de decisões componentes conscientes e semiconscientes.

Para Carvalho e Vieira (2003, p. 28):

A perspectiva institucional abandona a concepção de um ambiente formado exclusivamente por recursos humanos, materiais e econômicos para destacar a presença de elementos culturais – valores, símbolos, mitos, sistema de crenças e programas profissionais. A consequência deste novo marco na interpretação organizacional revela-se quando a concorrência por recursos e clientes entre as organizações deixa lugar, na perspectiva organizacional, à concorrência para alcançar legitimidade institucional e aceitação do ambiente.

[...]

Deste modo, o mercado deixa de ser o motor da racionalização e da burocratização quando assume o Estado a dita função. O poder regulador e os modus operandi   legitimados das profissões são seus principais instrumentos. A cultura é elevada a uma posição determinante na formação da realidade organizacional sob esta perspectiva que atribui a difusão de procedimentos cotidianos às influências interorganizacionais e à conformidade e persistência dos valores culturais, mais do que à função que, inicialmente, lhes havia sido designada.

Nessa lógica de privilegiar aspectos culturais, os teóricos da teoria institucional advogam em prol dos mitos institucionalizados como forma de garantir a manutenção das organizações na sociedade. Sendo assim, não seria o mercado e nem mesmo o centralismo do Estado os responsáveis pela continuidade organizacional.

Os administradores apropriaram-se das teorizações elaboradas no âmbito das Ciências Sociais. Dessa abordagem sociológica é possível distinguir três abordagens da teoria institucional. Aquela de caráter regulador que vai se dar mediante o estabelecimento de normas com controle direto sobre os integrantes da organização e punitivo através de sanções e coerções, tal enfoque vai ao encontro de uma visão mais clássica da Administração, numa vertente taylorista. A vertente normativa vai ao encontro dos valores e normas como elementos institucionais captados pelo passar do tempo e utilização constante via interiorização por parte dos sujeitos organizacionais que tendem a assumir tais pressupostos como obrigações sociais. A vertente cognitiva vai ser aquela que entende serem as organizações realidades socialmente construídas, apresentando variações de meios, capacidades e objetivos a depender do contexto onde estão inseridas.

DiMaggio e Powell (2005) estudaram o isomorfismo institucional. A ideia central do isomorfismo advém do fato de que as organizações não competem apenas por clientes e por recursos, mas também por poder político, por legitimação institucional, por adequação social e também por posicionamento econômico adequado. A tipologia criada para classificar os três tipos de isomorfismo são: isomorfismo coercitivo que tem por base aspectos políticos e de legitimidade; isomorfismo mimético que corresponde às respostas padronizadas visando minimizar as incertezas; e, o isomorfismo normativo atrelado à profissionalização.

O isomorfismo coercitivo pode ser observado através de ações governamentais que visam coibir danos ambientais como a poluição de rios mediante o despejo de dejetos não tratados. As empresas objetivando não receber multas ou mesmo o fechamento da organização pela inobservância das leis acabam por mudar suas tecnologias ou adotar filtros que venham a melhorar a relação da empresa com o meio ambiente. As organizações sob a égide do Estado tendem a adotar práticas e estruturas que levam ao isomorfismo.  

O isomorfismo mimético decorre da tentativa de minimizar a incerteza. Ao observar as práticas e estruturas organizacionais tidas como legítimas ou bem-sucedidas, as demais organizações procuram imitar aquilo que julgam dar certo e, portanto, o risco de errar será menor, bem como o custo da busca de soluções, posto que existem experiências exitosas que podem ser copiadas. Algumas inovações tecnológicas podem ser implementadas - gerando isomorfismo mimético - não como algo necessário, imprescindível para a organização, mas sim porque sob um ponto de vista ritualístico as organizações julgam relevante dispor de um aparato tecnológico que as coloque em uma posição de inovadoras, de adaptadas aos avanços da era tecnológica.  

O isomorfismo normativo tem sua gênese principalmente na profissionalização. Algumas normas profissionais são ditadas pelo Estado, mas as associações de classes profissionais ditam determinadas posturas organizacionais a serem observadas. Os diferentes profissionais dentro de uma organização podem divergir entre si, mas os pertencentes a uma mesma categoria profissional terão semelhanças independentemente das organizações as quais estarão vinculados. Assim, engenheiros mecânicos podem diferir de engenheiros elétricos dentro da mesma organização, mas os engenheiros mecânicos serão semelhantes aos engenheiros mecânicos que atuam em outras organizações e os engenheiros elétricos terão pressupostos profissionais semelhantes aos engenheiros elétricos que se encontram em atuação em outras organizações.



Institucionalizar como processo

Andrade (2002) partindo dos estudos de Scott (1995) define instituição como o universo de atos cujo objetivo é de tipificar e tornar repetitivos padrões, hábitos, regras, de modo a viabilizar a gestão e o controle das funções e das representações ao longo do tempo atentando para a diversidade de valores, sentidos e interesses materiais. Andrade acrescenta que institucionalizar é gerar uma distinção de sentido. Ao implementar determinado procedimento dentro do espaço organizacional, de forma consentida pelos integrantes daquele universo, com a repetição tende a ocorrer uma sedimentação que terá como consequência a formulação de regras que deverão ser seguidas e que implicarão punições caso ocorram desvios. Mas, tal conceituação não resulta na noção de engessamento do ato de institucionalizar, ao contrário, Andrade postula pela dinamicidade, pelo contingencialismo, pela transitoriedade das institucionalizações.



Teoria Institucional da Arte

A dificuldade em definir a teoria institucional da arte passa prioritariamente pela dificuldade em conceituar o que é arte. No entanto, Geertz (1994, p. 118) afirma:

Pelo contrário, a percepção de que há algo importante em cada obra em particular ou nas artes em geral impele as pessoas a falarem (e a escreverem) incessantemente sobre elas. As coisas que tem um sentido para nós, não podem ser desprezadas, como se flutuassem na mera transcendência, por isso, descrevemos, analisamos, comparamos, julgamos e classificamos; por isso construímos teorias acerca da criatividade, da forma, da percepção, da função social; também por isso consideramos que a arte é uma linguagem, uma estrutura, um sistema, um ato, um símbolo, um modelo de sensações; finalmente, por isso empregamos metáforas científicas, espirituais, tecnológicas, políticas; e se tudo isso falha, encadeamos frases obscuras e esperamos  que algum outro as esclareça para nós. Parece que a aparente inutilidade de toda a reflexão sobre a arte rivaliza com a profunda necessidade que sentimos de falar interminavelmente sobre ela.

Dickie (1997) desenvolveu duas versões sobre a teoria institucional da arte, em ambas ele defende que as obras de arte são artefatos, porém, estes artefatos não precisam ser necessariamente objetos físicos, mas sim algo elaborado pelo homem.

A definição desenvolvida na primeira versão foi publicada, em 1974, no livro A Arte e a Estética. Neste estudo, a compreensão do que vem a ser Teoria Institucional da Arte é a seguinte:

Uma obra de arte, em sentido classificatório é: 1) um artefato; 2) uma série de aspectos que tenham sido conferidos por seu status de candidata para a apreciação dada por alguma pessoa ou pessoas atuando em nome de alguma instituição social (o mundo da arte).  

Em sua primeira teorização, Dickie (1997) apresenta como foco central de seus pressupostos o status que é conferido para a obra, status esse que deve estar imbricado com o aspecto legal atribuído pelo sistema cultural denominado de “mundo da arte”. Para exemplificar, o referido autor afirma que uma obra de arte colocada em uma mostra num museu é prova de que a ela foi conferido status por aquele ou aqueles que integram o “mundo da arte”. Dickie (1997) ao rever seus postulados entendeu que esse status conferido pelo “mundo da arte” se apresentava de maneira muito vaga. O “mundo da arte” não contempla a exatidão do sistema legal que costuma definir claramente os procedimentos e linhas de autoridade. O “mundo da arte” tem também suas normatizações, mas elas estão assentadas de modo mais significativo nas práticas habituais. Então, é preciso considerar, segundo Dickie (1997), que algumas instituições são formais e outras informais.

No que concerne à “candidatura à apreciação” delineada na primeira definição, Dickie (1997) esclarece que não se trata de uma classe especial de apreciação estética, mas sim “uma experimentação das qualidades de uma coisa”, sejam essas qualidades meritórias ou estimáveis. Numa perspectiva classificatória para que um artefato seja considerado como uma obra de arte é preciso que possua algum valor real. Assim, a artifactualidade, no caso de objetos naturais elevados a condição de obra de arte, é atribuída ao objeto mais que ao trabalho sobre ele dispendido. Daí ser possível afirmar que a artifactualidade pode se dar de duas maneiras: a) mediante o trabalho realizado para a confecção do objeto; e, por haver sido conferida ao objeto. Para Dickie (1997) a artifactualidade não exclui a criatividade. 

O autor afirma que quando um artista produz uma obra, ele a faz com vistas a um público. Mesmo aquelas obras que o artista opta por deixar guardadas em seu ateliê, sem torná-las públicas, seja porque as julga inacabadas ou de qualidade inferior, ainda assim elas são destinadas a um público. Esse público precisa ter conhecimento e compreensão, de modo que existem diferentes públicos para diferentes obras. Todavia, não há só o público, mas também os críticos, os curadores, os diretores e outros. 

A centralidade dos papéis de artista e de público no mundo da arte é destacada por Dickie (1997). O mundo da arte, na visão do referido autor, é formado por conjuntos de elementos individuais aos quais cabem papéis específicos aos artistas e ao público. Sendo assim, as regras envolvem diferentes classes quando o que está em questão é a instituição da arte. Existem algumas regras que são básicas e outras convencionais, essas últimas possuem dinamicidade, portanto, passíveis de mudança.

Na nova definição da teoria institucional da arte, Dickie (1997) traça a teorização e esclarece cada parte integrante da definição. Para ele: “Uma obra de arte é um artefato de uma classe criado para ser apresentado diante de um público do mundo da arte. Decompondo cada concepção envolvendo a definição anterior: a) o artista é a pessoa com competência para elaborar uma obra de arte; b) o público é constituído por pessoas com capacidade (formação) para compreender aquilo que lhe está sendo apresentado como arte; 3) o mundo da arte é formado por todos os sistemas que integram o mundo da arte: 4) por seu turno, um sistema do mundo da arte configura-se como um ponto de referência para a apresentação da obra de arte, por parte de um artista, frente a um público do mundo da arte. 

Dickie (1997) reconhece uma circularidade em suas duas definições de arte, na da primeira versão e também na da segunda versão. Todavia, ele justifica essa circularidade em razão da interdependência que as noções centrais possuem, uma vez que o fazer artístico envolve uma estrutura mutuamente dependente.

Ramme (2011) refere que Dickie em seus estudos descortinou aspectos ligados à sociologia e antropologia da arte, posto que o destaque nas teorizações se centrou nos papéis institucionalizados presentes no mundo da arte e que implicam comportamentos e práticas difundindo valores artísticos e estéticos compartilhados por uma cultura.

Nessa mesma linha Geertz (1994) já referia que atribuir aos objetos de arte um significado cultural apresenta sempre uma implicação com o universo local da cultura em questão. Apesar da qualidade intrínseca de um objeto de arte  lhe conferir um caráter emocional de cunho universal (algo que é inegável), ainda assim dentro de uma perspectiva da cultura local, a arte na China Clássica não é a mesma coisa que a arte do Islã Clássico, nem que a arte das Terras Altas de Nova Guiné. Os sistemas de crenças, de estrutura de parentesco, de classificação social se estendem para o universo das artes e acabam impregnando de aspectos peculiares aquelas obras de arte forjadas no contexto local. 

Um ponto destacado, por Ramme (2011), na teoria de Dickie é o sentido dado a um objeto de arte, algo que extrapola as questões de gosto ou experiência pessoal e igualmente evoca o caráter processual e transitório do status de arte conferido a um objeto. Aquilo que se encontra exposto em um museu, por exemplo, tem por fundamento a proposição de que seja arte, mas nada assegura que haja apreciação e duração no tempo dessa arte, que a depender do contexto e do momento pode vir a perder valor.

Em Coli (1981) a percepção sobre o discurso concernente ao estatuto e ao objeto das artes já era referido como não unânime nem tampouco constante.

Coli (1981) assevera que a arte é uma viagem cujo rumo é imprevisível bem como as consequências desse empreendimento. Uma vez posta em execução essa proposta de viagem, o que vale não é a chegada, mas sim a evasão e o prazer obtidos. Evasão e prazer seriam alienantes apenas em um primeiro momento, na visão de Coli (1981), pois a posteriori essas concepções transformam a sensibilidade do sujeito o que faz com que a relação dele com o mundo se modifique. Então, aquilo que a princípio poderia ser enquadrado como alienação ganha a conotação de transformação.







Questões para reflexão:


- O que é a arte gaúcha?



- Como se configura a institucionalização da arte gaúcha?



- Diante dos conceitos apresentados, os pesquisadores vinculados aos projetos de pesquisa que estão sendo desenvolvidos na AAMARGS tendem a se manter como um grupo, uma organização ou uma instituição?



- Qual a noção de instituição/institucionalização que irá nortear os estudos a serem desenvolvidos nos próximos encontros dos pesquisadores do Grupo de Pesquisas da AAMARGS?



Referências Bibliográficas

ANDRADE, Rogério Ferreira de. As análises institucionalistas nas organizações e o conceito de “institucional”. Caleidoscópio. Revista de Comunicação e Cultura. Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia. Lisboa, n. 3, 2002, p. 49-64.



BERGER, Peter L. e LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 1985.



CARVALHO, Cristina Amélia e VIEIRA, Marcelo Milano Falcão. Organizações, Cultura e Desenvolvimento Local: a agenda de pesquisa do observatório da realidade organizacional. Recife: EDUFEPE, 2003.



COLI. Jorge. O que é arte. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Círculo do Livro, 1981. v. 7, p. 11-90.



DICKIE, George. Introduction to Aesthetic: an analytical approach. New York, Oxford University Press, 1997, p. 82–93.



DIMAGGIO, Paul J. e POWELL, Walter W. A Gaiola de Ferro Revisitada: Isomorfismo Institucional e Racionalidade Coletiva nos Campos Organizacionais. Revista de Administração de Empresas, v.45, n. 2, abr./jun. 2005, p. 74-89.



DOUGLAS, Mary. Como as instituições pensam. São Paulo: Editora da USP, 1998.



GEERTZ, Clifford. Conocimiento local. Barcelona: Paidós, 1994

.

LAPASSADE, Georges. Grupos, Organizações e Instituições. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983. 



RAMME, Noéli. A teoria institucional e a definição de arte. Revista Poiésis, n. 17,  jul. 2011, p. 91-103.

  




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