terça-feira, 4 de outubro de 2016

184 – ICONOGRAFIA SUL-RIO-GRANDENSE.


17.0 –   Uma obra de Francis Pelichek como índice  das artes visuais do Rio Grande do Sul e  de um estrangeiro com olhar maravilhado que criou com carinho e competência profissional a partir da cultura local.

17.1 – Francis Pelichek como artista 17.2 – Pelichek como um zeloso docente  de artes visuais. 17.3 – A disciplina de Pintura como ponto crítico. 17.4 – Pelichek coloca-se aos lados estudantes. 17.5 – As buscas de Pelichek para abrir espaço institucional para os estudantes socializar as suas obras. 17.6 – A reprodução institucional como uma das preocupações de Francis Pelichek . 17.7 – O profissionalismo institucional de Francis Pelichek 17.8 – O papel da academia de artes na vida do artista Pelichek. 17.9 – A obra de Pelichek como metáfora doas valores da época.17.10 – A memória da obra e da pessoa de Francis Pelichek
Continuação e complemento de Artes Visuais sul-rio-grandenses    http://profciriosimon.blogspot.com.br/2015/07/arte-no-rio-grande-do-sul-10.html
Foto de Francis PELICHEK como professor da Escola de Artes do IBA-RS. A máscara de Beethoven é do seu amigo Fernando Corona- Acervo do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 01 –   Na sua opção pela arte Francis PELICHEK  não renunciou ao lado intelectual e nem se isolou numa torre de marfim acadêmica. Na sua busca pela universidade e no trabalho inerente à esta instituição artificial  conservou e estimulou  todas as suas exigências e ritos sócias que a protegem da barbárie e da entropia  natural. Num depoimento da sua estudante Cristina Balbão ela acentuava esta transfiguração entre o homem natural e social quando Pelichek assumia as suas funções do magistério.
 

17.1– Francis Pelichek como artista

A vida e a obra de Francis Pelichek (1896-1937)[1] são exemplares para ilustrar em Porto Alegre o projeto político da Velha República do Rio Grande do Sul e o seu projeto estético decorrente. Exemplar, tanto nas conquistas, como nas fraquezas e contradições desse projeto no seu desenvolvimento entre as duas guerras mundiais.

Estas conquistas acumuladas ao logo de breve vida - de 41 anos de existência - o livram de receber nas suas costas um alfinete classificatório de uma determinada estética, tendência artística muito menos de um único “estilo”. Sem este alfinete nas suas costas, a obra Francis Pelichek faz refletir e caminhar para buscar este breve e pequeno ENTE refugiado no seu modo singular de SER e fora de qualquer quadro classificatório estético, político ou econômico.  Na qualidade de um temerário econômico não se deixar pelo conforto da cultura europeia lançou-se numa viagem exploratória do seu mundo. No título dos seus diários deixou um aviso claro desta temeridade “ASSIM NÃO se VIAJA”. Na sua juventude viu naufragar a “BELLE EPOQUE” do seu mundo político nos horrores e consequências da I Guerra Mundial. Salva-se na sua obra múltipla e num trabalho intenso apesar de disfarçar este esforço na mais franca boemia. Transfigura em obras de artes visuais o que encontra na rua, entre amigos ou na noite.


[1]   Há poucos documentos disponíveis em língua portuguesa sobre sua vida particular na Checoslováquia. Ele nasceu no dia 11 de setembro de 1896 segundo a ‘Certidão de qualidade de cidadão brasileiro para fins eleitorais’ com a data de 23.05.1935 {039-040} . Os seus dados pessoais, na maioria das vezes, foram registrados na sua língua materna-   O Arquivo Gerar do IA-UFRGS possui a carteira da ARI e Francis PELICHEK e o Acervo da Pinacoteca do IA-UFRGS o seu auto-retrato.
FRANCIS   PELICHEK. “Velho Gaúcho   Origem da imagem Pinacoteca Alfo Locatelli – Prefeitura Municipal de Porto Alegre:
Fig. 02 –   O olhar de um estrangeiro é competente para perceber e diferenciar  aquilo que o hábito dos nativos já naturalizou. O olhar estrangeiro de Francis PELICHEK percebeu e diferenciou,  na figura do “Velho Gaúcho”, aquilo a multissecular tradição havia naturalizado. Ao mesmo tempo PELICHEK despojou o tema do TIPO de GAUCHO gerado e necessário para a propaganda,  o marketing  e a sua MITIFICAÇÃO pela Era Industrial.  Os regimes totalitários da Europa empreendiam a busca do IDEAL OLÌMPICO com o qual forjaram o TIPO ARIANO e de SANGUE PURO sem berço, sem velhice ou
A imagem do “Velho Gaúcho Servindo Chimarrão”, que ilustra este texto, mostra uma imagem implacável da passagem do tempo e conduzindo a criatura humana, e a sua obra para a inexorável entropia universal. Ele mesmo, com uma saúde frágil, nascido e criado em Praga e vivendo a Primeira Guerra Mundial, registrou nesta imagem esta entropia universal e que não pouparia uma civilização brasileira que estava nascendo e com um otimismo ainda a toda prova.
Acervo do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 03 –   O professor Francis PELICHEK  se colocou a altura do olhar dos seus estudantes. Mesmo que para isto necessitasse de um pequeno estado portátil com o qual se igualava ao porte de seus discípulos. Porém a plataformas nos saltos seus sapatos a estudante anula este esforço do mestre. O artista percebe e registra no seu diário pessoal sem chamar atenção publica para esta anulação do seu esforço pessoal.

17.2– Pelichek como um zeloso docente  de artes visuais.

Pelichek foi o artista plástico que exerceu, por mais tempo, só o cargo docente na Escola de Artes. Durante 15 anos consecutivos Libindo Ferrás foi o diretor de Pelichek. Eles alternavam-se na mesma sala de aula, atendendo os mesmos alunos. Francis Pelichek ingressou[1] oficialmente como docente na EA do Instituto, no dia 17 de abril de 1922, aos 26 anos de idade. No final desse ano Libindo Ferrás teceu os maiores elogios[2] em relação à atuação do jovem professor. Durante os 14 anos seguintes, essa primeira avaliação, da parte de Libindo, não foi desmentida em nenhum outro documento[3]. Percebe-se, nos seus detalhados relatórios de Pelichek ao seu diretor, o profissional competente, zeloso e trabalhador.


[1] - A sua designação foi assinada por Marinho Chaves, presidente do Instituto.  No verso da folha de rascunho da minuta do contrato estão registrados os gastos do mês de abril com a Escola de Artes do I.B.A. Num total dos gastos do mês somando 1:050$000, destina-se 577$500 a Libindo, 350$000 a Bellanca e para Pelichek apenas 122$000. Num segundo documento o presidente determina que o Instituto lhe pague 245$000, em maio permanecendo os gastos da Escola no total de 1:050$000. Assim se diminuía 105$000 de Libindo e 140$000 de Bellanca
[2] -“Foi admittido o professor Francis Pelichek, que prestou excelentes serviços à Escola, revelando-se um proffissional competente, zeloso e trabalhador. No próximo exercício poderá prestar optimos serviços ao Instituto  Relatório de 1922  de Libindo Ferrás a Marinho Chaves Presidente do ILBA-RS{030 Relat}
[3] -  Não foi possível observar o menor registro de animosidade entre Pelichek e o diretor da Escola, apesar de existir versões que os dois não se deixariam fotografar juntos, como testemunhou Cristina Balbão, aluna de ambos,.
Acervo do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFR
Fig. 04 –   Esta tomada de fotografia na qual Francis PELICHEK aparece sentado entre as suas alunas atribui-se a Libindo Ferrás. Em pé e de chapéu esta Luís Augusto de Freitas que voltara, em 1925,  para Escola de Artes e reivindicava um cargo que Pelichek preenchera na sua ausência, em 1922, quando Freitas estava pintando dois murais para o Palácio do Governo do Estado. O número de estudantes era reduzido e muito mais reduzido era o número daqueles que podiam pagar o seu estudo; No final dos conflitos o cargo ficou para Pelichek que permaneceu nele até a sua morte,

Em 1923, ele substituiu definitivamente Francisco Bellanca. Pelichek repartiu com Augusto Luis de Freitas, as aulas e os seus poucos alunos, quando o pintor rio-grandino retornou para Escola, em 1925. Esta situação durou até o  afastamento definitivo de Freitas, no mesmo ano.

Pelichek faz transparecer nos seus relatórios anuais[1] poucos indícios do meio social, político ou cultural-artístico. Para isto é preciso procurar os seus dois diários que se encontram no AGIA-UFRGS. Nesse Arquivo estão também os relatórios, que dirigiu ao Diretor da Escola. Estes registros foram submetidos a um filtro crítico e formal, qualificando os dados que Pelichek fez ali constar[2]. Ele trabalhava com uma forte discrição e um formalismo simétrico com a sua atitude profissional[3]. O Regulamento  instituiu a ‘Congregação dos Professores’ em cada uma das suas unidades, a partir de 16.12.1927. Na Escola de Artes, esta Congregação reduzia-se a Pelichek e a Libindo e por isto mesmo nunca funcionou, pois exigia, no mínimo, cinco docentes na sua constituição.



[1] -  Art. 100 – Ao professor compete:  k)  Apresentar annualmente ao Director, até quinze dias após o encerramento dos trabalhos do anno lectivo, minusioso relatorio das occorrencias relativas ao ensino e aos exames de sua classe ou anno”.   Os cinco relatórios localizados de Pelichek, são a continuação daqueles de Libindo Ferras, mas em outro tom. Os de Pelichek são sintéticos, quase textos jornalísticos. Foram encontradas apenas as segundas vias datilográficas em papel-seda, onde cada ano foi resumido numa única folha. {039-040} Esses documentos formam um conjunto colocado numa caixa de papelão. Pertencem ao espólio de Pelichek que foi depositado no Arquivo do Instituto de Belas Artes quando Pelichek faleceu em 01.08.1937, solteiro e sem familiares m Porto Alegre.  O seu diário, que se encontra na Pinacoteca do Instituto, segue uma linha absolutamente distinta. Constitui-se num manuscrito, no idioma tcheco, e fartamente ilustrado com desenhos e recortes de jornais e revistas, sobre os quais continuava a desenhar(. Pelichek: sátiras ao mundo rural, misturando cow-boy com gaúcho.) Esses desenhos possuem alto grau de humor e irreverência com a realidade que o cercava. Talvez por essa razão escolheu a sua língua materna para esses escritos.                           
[2] - Não se conhece registro de que, esses relatórios de Pelichek,  tenham tido  alguma publicação. Ficaram apenas entre o  seu autor e as autoridades institucionais. Aproveita-se a moldura da presente texto para enunciá-los no contexto institucional no qual foram produzidos. Para ler e conhecer o que foi possível recuperar deles, ver RELATÓRIOS de PELICHEK:  CD-ROM  DISCO  8.   Pasta 8.6 -.       Arquivo 8.6d. e ANEXOS -
[3] - Quando assumia o seu papel docente Pelichek transformava inteiramente o seu comportamento social que lhe atribuem seus contemporâneos. Cristina Balbão caracterizava-o sempre como o ‘europeu’ e diante do qual sentia um imenso temor e respeito contrapondo o seu comportamento institucional formal  ao comportamento informal dos mestres da terra.
Acervo do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 05 –   Um grupo des estudantes na sala de desenho da Escola de Artes. Supõe-se que o fotógrafo tenha sido o próprio Francis PELICHEK. As oito moças e os cinco rapazes compareciam ao curso num dos turnos. No outro frequentavam colégios e se preparavam para profissões regulamentadas e remuneradas. Para as moças, no entanto as artes era um caminho de profissionalização como artista e professoras de artes visuais. Assim um número seleto permaneceu nas artes e nela se profissionalizaram

Nos relatórios, que iniciam em 1930, destacam-se as expressões de Pelichek quanto à instituição, quanto ao sistema de arte local, aos agentes institucionais da Escola e suas representações em relação à teleologia institucional na reprodução da arte.

 No que se refere à instituição de arte, ela havia promovido uma reforma curricular com a qual Pelichek não concordava. Esta reforma, nesse período, é um sintoma da evolução da Escola de Artes do ILBA-RS diante das novas condições políticas que a Revolução de 1930 havia feito aflorar. Pelichek era avesso a mudanças que não tivessem sido discutidas e compreendidas como significativas.  No seu relatório de 1930  lembrava que o antigo currículo era melhor quanto ao aproveitamento escolar[1]. Em 1933, ele afirmava que a maior  dificuldade da Escola  provinha do novo currículo[2]. Para um europeu como Pelichek, deve ter sido muito difícil compreender a facilidade das mudanças permanentes realizadas nas instituições e as leis brasileiras que precediam o fato, especialmente as leis promulgadas sob o efeito da Revolução de 1930. Kern atribui (1996: 235/6) a estas leis descoladas da realidade, a fragilidade do campo artístico sulino onde “as instituições de arte em geral não possuem regulamentos próprios sofrendo a cada mudança de direção e governo interferências nos seus programas e recursos além do problema de ordem financeira que tem conduzido à deterioração das mesmas”. Ao questionar a norma institucional Pelichek apresentava os entraves reais e propunha um ensino que contemplasse as condições concretas do seu estudante, sem deixar de exigir dele todo o esforço possível. Esse esforço deveria ser realizado apesar de o país haver sofrido uma revolução, da qual um dos seus alunos participou como soldado. Ele mesmo tentou transformar em arte este evento ao representar, em cartões postais[3], a Revolução de 1930 e a passagem do Brasil agrário para uma tímida industrialização ainda remota e escondida no horizonte[4].


[1] No relatório de 1930 Pelichek escreveu “Corroborando o que acima exponho lembro o aproveitamento mais completo, dos alunos em geral, quando da vigencia do programa que vigorou de 1929 até o próximo findo”. 
[2] - Pelichek escreveu “Considerando os resultados finaes do curso que dirijo, poderiamos apontar como um dos entraves do aproveitamento do ensino, as dificuldades que apresenta as modificações constantes do programa deste anno, não só quanto a distribuição de alguns pontos de ensino, como maioria das disposições geraes, inexiqüiveis por diversas causas”.    Relatório de 1933 (f.2)
[3] - Cartões postais de Francis Pelichek relativos a Revolução de 1930 nos seus Diários.

[4] -  Ver Pelichek: cartão para  exposição Agro-Pastoril-Industrial. 1931. Reparar o pouco espaço concedido à indústria.
Acervo do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 06 –   Um cartão postal de Francis PELICHEK evidencia a pequena densidade da ERA INDUSTRIAL no Rio Grande do Sul amplamente dominado pela vida pastoril e agrícola no início da década de 1930. Após estes cartões sérios ele elaborou uma série de autocaricaturas ele tentado ser cavaleiro, ou pintando no meio do gado ou de uma pequena granja de um modesto agricultor.  

17.3 A disciplina de Pintura como ponto crítico.

Pelichek apontou, nos seus relatórios, um aspecto institucional crítico na disciplina escolar de Pintura. Ele tentou lecionar esta disciplina, em 1934,  mas não teve sucesso. Apenas duas alunas, do curso superior, acompanharam estas aulas até o final. As demais não estavam preparadas para essas aulas. Libindo Ferrás havia recebido, em 1926, a autorização e o dinheiro da CC-ILBA-RS para a instalação e o funcionamento da disciplina de Pintura. Oito anos depois dessa concessão essa disciplina ainda era contornada e depois de vinte e cinco anos de funcionamento ininterrupto da Escola. Esse fato ensejava questionar, não só a Escola, mas a própria instalação de um sistema de artes. Pelichek anotava: “Flora Gonçalves e Regina Simonis somente lecionei pintura, em virtude dos outros alumnos não possuirem preparo suficiente para tal fim. Os motivos são explicados nos relatórios anteriores”. Depois, explica que essas duas alunas podiam fazer esse estudo porque “repetiram o 2º anno deste curso a titulo de aperfeiçoamento e demonstrarem um optimo aproveitamento”. Com este ano suplementar, Pelichek havia concedido a prova, ao estudante, de que tais progressos provinham do tempo dedicado à arte. Das oito alunas do curso superior, que se formaram dentro do tempo normal, cinco delas diplomaram-se sem  terem seguido as aulas de pintura[1]. 

O relatório Pelichek, do ano de 1935 pode ser considerado uma culminância das exigências do mestre com a instituição, com os seus superiores hierárquicos e consigo mesmo. É necessário ressalvar que nos relatórios de Pelichek existem poucas referências ao sistema de artes de Porto Alegre e nem era esse o objetivo dos seus relatórios. No meio cultural, ocorreu a inauguração da Exposição Farroupilha, no dia 20 de setembro de 1935, evento no qual Pelichek colaborou com um desenho do cartão e com obras de arte. Isto não impediu que ele recuperasse os dias feriados dedicados a esta Exposição memorável[2].


[1]  - Pelichek escreve no relatório  de 1934 “Diplomaram-se os alumnos: Ida Felizola, Eleonora Wander, Edla Silva, Lúcia Pila, Celina Lenhart, sem terem recebido aulas de pintura. Nas condições actues, relativamente ao tempo que poderá dispôr o alumno e a extensão do programma, torna-se impossivel lecionar pintura, a não ser casos especiaes de talento e esforço de alguns alumnos”.
[2] -  Pelichek escrevia no  Relatório de 1935  EXPOSIÇÃO DE TRABALHOS – Por motivo desconhecido, deixou de figurar na Exposição, como é do REGULAMENTO DESTE INSTITUTO (sic: em caixa alta), varios dos trabalhos executados pelos alumnos que frequentaram o curso no corrente anno de 1935, tal facto já ocorreu no ultimo anno, sendo que com este é o segundo anno em que o Instituto não realiza a Exposição dos trabalhos executados durante o anno pelos alumnos”
Acervo do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRS
Fig. 07 –   Francis PELICHEK  n]ao se continha quando a vítima dos seus desenhos era altura corporal. Na imagem ele se representa de costas saindo da escola com uma estudante . O que lhe faltava em altura física ele compensava com sua arte, no trabalho e na condução ético de suas funções no magistério

17.4– Pelichek coloca-se aos lados estudantes

Nos relatórios de Pelichek, entre os agentes da instituição diretamente citados, ele se colocava decididamente ao lado dos seus estudantes, apesar do temor que infundia neles.  Não perdoou o seu diretor por não haver promovido o salão de arte anual, que era obrigatório, pela determinação expressa do Regulamento em vigor. Além disto lhe recriminava o fato de o dirigente institucional ter permitido que o nível de aprovação dos estudantes fosse rebaixado, no final de 1934. Estas recriminações não  eram fatos isolados e pontuais, pois “nos relatórios anteriores, tenho feito referencias, aos trabalhos em geral e quanto á questão de horário em relação á extensão do programa”. Conclui-se, na falta de resposta, que o poder não circulava na Escola de Artes e no Instituto, pois estes dados foram arquivados[1]. O ILBA-RS estava, em 1935, incorporado oficialmente à Universidade de Porto Alegre (UPA)[2]. Isto significava que esta providência tinha de vir de outra parte, que o poder do diretor da Escola fora desqualificado definitivamente e um paradigma institucional chegava ao seu final.


[1] - Acredita-se que estes relatórios de Pelichek foram parar no Arquivo do Instituto de Artes junto com os espólios do seu atelier do artista. Estes relatórios de Pelichek são cópias datilográficas em papel de segunda via. Pode-se chegar a conclusão que os de primeira via não chegaram ao Arquivo Geral do IBA-RS.

[2] - A UPA foi criada oficialmente em 20.11.1934. Mas iniciou as suas atividades em 1936. Neste ano tomou posse o primeiro reitor, Manuel André da Rocha. No Instituto a direção acadêmica ficou a cargo de Tasso Bolívar Corrêa, enquanto a mantenedora continuava a ser CC-ILBA-RS. Gradativamente a Escola de Artes e o Conservatório de Música migravam para cursos Superiores de Artes Plásticas e de Música ao modelo dos Curso Superiores da Universidade Brasileira do Decreto Lei 19.851 de 11.04.1931.

Acervo do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 08 –   Francis PELICHEK  captou o olhar de Luís Augusto Freitas e seu cacoete de de fala ao se se referir  “Eu em Roma,,,”  . De outra parte como não havia cargos fixos, muito menos carreira de magistério no Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul a garanti de permanência dependia da presidência da Comissão Central “conforme as necedades da casa e as funções dos diretores durarão enquanto merecerem a confiança da casa[1]. Assim  alguém ocupava o cargo docente  enquanto  servia, ao modo dos atuais jogadores de futebol..


A frustração e a maior revolta de Pelichek vinham dos seus superiores hierárquicos que não compreendiam as suas motivações e aquelas dos seus estudantes.  Estes superiores ignoravam as exigências que eles mesmos haviam escritas no artigo 89, do Regulamento do Instituto. Este foi descumprido, de novo, em 1935[2]. Em vez de se conformar com a diminuição de aulas, apesar do seu precário estado de saúde[3] e da sua participação efetiva no movimento cultural de 1935, ele conseguiu “augmentar o numero de aulas com a dilatação do horário”. A ética de Pelichek, no cumprimento do dever, tornava a sua luta pelo poder da arte e contra a falta de compromisso dos seus superiores com esse poder, ainda mais trágica. Ele formulava claras expressões de autonomia, que a prática da arte impunha nesta circunstância.  Não se calou diante da autoridade dos agentes institucionais ao longo de todos os seus relatórios. Incentivava inferiores e superiores a assumir o hábito da coerência com esta ética, tornando possível exigir a instalação, a continuidade e a reprodução sadia de um sistema de arte.


[1] - Conforme os artigos 28 e 30 do Estatuto do IBA-RS de 14. 08.1908

[2] -  Pelichek escrevia no  Relatório de 1935“EXPOSIÇÃO DE TRABALHOS – Por motivo desconhecido, deixou de figurar na Exposição, como é do REGULAMENTO DESTE INSTITUTO (sic: em caixa alta), varios dos trabalhos executados pelos alumnos que frequentaram o curso no corrente anno de 1935, tal facto já ocorreu no ultimo anno, sendo que com este é o segundo anno em que o Instituto não realiza a Exposição dos trabalhos executados durante o anno pelos alumnos
[3] A Folha da Tarde informava num artigo do dia 02 de agosto de 1937, assinado por Sérgio Gouveia, que o “artista havia falecido na noite anterior na Beneficência Portuguesa, onde estava sendo velado. Pelichek fora um doente constante e que estivera em Minas Gerais, buscando saúde”.                     GOUVEIA, Sérgio de.«PELICHEK» in Folha da Tarde, Porto Alegre, ano II, nº 82, 02.08.1937.,       
Acervo do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRS
Fig. 09 –   Uma obra de Francis PELICHEK  da sua passagem pela boemia do Rio de Janeiro.. Apesar do tema, estão presentes as cores sombrias eslavas em relação às quais faz referência Dante Laytano no seu texto. Cores, tons e matizes que o irão acompanhar como a sua impressão digital identificadora na multiplicidade de sua obra..

Pelichek não recusava ser agente até mesmo na direção da Escola. No final de ano de 1932 supomos que era ele quem estava na direção da Escola e que Libindo estivesse fora. Existe uma ordem de serviço[1] de Libindo Ferrás dirigida aoSnr. Francis Pelichek, do dia 12 de outubro de 1932, com carimbo da Escola, que determinava a equalização das aulas entre os diversos cursos e as prescrições para aplicar as bancas finais só para quem não atingisse a média sete.  Pelichek fez, na margem desse texto datilografado, vários registros manuscritos em tcheco, a sua língua materna, além de algumas anotações em português. Ele questionava, com lápis vermelho e com um duplo ponto de interrogação: nestes dias não foi permitido, pelo aviso, aos alunos do 2º ano superior, aproveitar o modelo!”. Era a defesa intransigente que o docente fazia de condições mais favoráveis ao seu estudante para se dedicar à aprendizagem adequada da arte.


[1] - Essa ordem de serviço do diretor da Escola  de Artes determinava a seu único docente que “No dia 12 de novembro serão afixadas as médias de todos os alunos, e aprovados e promovidos aqueles que a tiverem igual ou superior a sete (7). Os alunos do Curso Superior (2º ano), visto terem que fazer obrigatoriamente provas finaes, ficam dispensados – pois não se comprehende que façam uma prova na 1ª quinzena de novembro e outra na 2ª. Em novembro os alunos deste curso (Superior 2º ano trabalharão normalmente, no atelier, nos dias 4, 7, 8, 9,10 e 11 X)”.                Libindo Ferrás – diretor 12.10.1932                          
Acervo do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 10 –   Um convite para uma exposição de Francis PELICHEK na Casa Jamardo.  Daniel Jamardo  acolheu PELICHEK em  Porto Alegre no fundo de sua loja e marcenaria de móveis de alta qualidade. Estes móveis mobiliaram o a Biblioteca Pública de Porro Alegre e depois o Palácio  do Governo. Daniel Jamardo esteve entre os integrantes  grupo que organizou a Salão de Outono de 1925 e onde Francis Pelichek expôs suas obras

17.5– As buscas de Pelichek para abrir espaço institucional para os estudantes socializar as suas obras.


O mestre conduzia os seus estudantes de arte a constituírem-se em agentes ativos da arte que eles haviam escolhido. Incentivava-os a dedicar todo o seu tempo para adequar esse novo mundo físico às suas práticas diárias. Nos seus primeiros relatórios, como aquele de 1930,  Pelichek concedia aos seus estudantes um tratamento honorífico e cerimonioso, distinguindo-os como ‘Senhores’ e ‘Senhoras’, apostos aos seus nomes. Este tratamento desapareceu completamente nos últimos relatórios. Mas se desapareceram as formas de tratamento cerimonioso, nunca desapareceu a atenção centrada nos seus estudantes e nas suas obras. Assim registrava, em 1931, que “em geral, o aproveitamento dos alunos foi bom e mais uniforme do que nos anos anteriores” pois houve um maior esforço como um incremento de produção. Para ele isto demonstra o grande esforço dos alunos - que executaram quasi 1.000 trabalhos durante o ano letivo, e como se pode apreciar na Exposição da Escola, pois as seções das minhas aulas foram expostas para mais de 200 trabalhos”. Esta melhora não era ocasional ou fruto do improviso. Ele empenhava-se para que os estudantes tivessem aulas extras e gratuitas[1].  Para isto, ele não podia assistir indiferente a estes estudantes serem privados de realizar a socialização, por meio da exposição anual, destas descobertas pessoais,. Pelichek conseguiu reunir 712 obras, em 1930, com índice numérico do seu trabalho e dos seus estudantes. Em 1931 eram mil obras. Já em 1933 o número decaiu para 800. No ano de 1934, o número era apenas de 500 trabalhos. O relatório de 1935 registrou o mais baixo, desde 1930, com apenas 425 obras


[1] - Pelichek escrevia nesse relatório de 1931:“com o fim de melhor desenvolver e tornar mais eficiente o ensino do meu curso, afigurou-se-me conveniente ministrar as referidas aulas extras, sem remuneração, o que fiz com o consentimento expresso do Exmo Sr. Dr. Presidente



Acervo do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 11 –   Uma vista das obras Francis PELICHEK  numa das exposições em Poro Alegre. O artista e a obra são primordiais. Porém estavam distantes de qualquer valorização expositiva, visual que conferissem destaque a esta obra visual. .  Porto Alegre estava carente de profissionais de galerias, de mercado ou uma crônica ou crítica Ao longo da vida de Francis PELICHEK tudo estava a ser feito ainda.
Esta decadência numérica foi simétrica com a decadência nos estudos. Ele escreveu em 1934: “Por determinação dessa Directoria os alumnos foram promovidos pela media obtida durante o anno, com exepção dos alumnos que terminaram o curso e que prestaram os exames”. No ano seguinte o fato mais calamitoso  na ótica de Pelichek foi que: “Os alumnos foram promovidos e terminaram o curso com a media 6 por determinação da Directoria deste Instituto”. O fato aconteceu à revelia do docente, pois ele não se calou, apesar de colocar em risco o seu cargo, inteiramente nas mãos do superior, a quem recriminava a sua conduta relapsa. Correr este risco institucional só pode qualificar essas expressões de autonomia desse docente.

A alma do seu estudante merecia toda a atenção de Pelichek. Ele constatava neste estudante um progressivo desencanto, como consequência da "facilitação" irresponsável, levando-o um desinteresse na medida em que este chegava ao final dos seus estudos de arte. Pelichek trabalhava esse estudante no sentido contrário para que ele pudesse assumir a arte na mais absoluta autonomia e que a escolha do estudante fosse feita pelo valor que ela representava para o indivíduo, sem apontar e carregar nas circunstâncias adversas externas. Mas como pessoa consciente das circunstâncias culturais e sociais de origem e destino deste estudante, ele apenas apontava a visível falta de aplicação e de frequência de quem se iludia em relação ao estudo da arte.
Acervo do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 12 –   O lugar do atelier de Francis PELICHEK  também foi  vítima de uma caricatura. Este imóvel de cômodos  de aluguel ficava na Rua Duque de Caxias nº 769 [1] Superou a precariedade do lugar por um intenso trabalho de produção de pinturas, desenhos e preparação de aulas e relatórios

17.6- A reprodução institucional como uma das preocupações de Francis Pelichek


Não havia segurança no ambiente onde ele trabalhava para implementar uma reprodução, nem num sistema de arte que pudesse fazer frente às circunstâncias adversas, internas e externas. A Escola de Artes passou a ser, a partir de 1910, o recurso institucional para a reprodução do saber individual. A instituição de arte oferecia o Curso Superior que era realizado em dois anos, até 1936, destinado à construção deste saber individual. O primeiro passo era o Curso Elementar, realizado em um ano obrigatório e em três anos sucessivos do Curso Preparatório. Assim um jovem de 19 anos podia enfrentar legalmente tanto as dificuldades da reprodução dos seus conhecimentos numa ‘carreira solo’ como tornar-se um professor de artes plásticas.  Na prática essa reprodução foi realizada pelos poucos ex-alunos dessa Escola. Evidentemente que isso não seria fácil para um formando, com tão parca preparação institucional e num ambiente sem permanente renovação de estímulos culturais como a Porto Alegre da época. Muito da persistência neste ideal deve ser creditado a Pelichek e aos valores que conseguiu desenvolver neste estudante.


[1]  - Pelichek estabeleceu  o seu atelier de pintura na rua Duque de Caxias nº 769, onde era procurado para desenhos para jornais e revistas além de pinturas  de Pelichek [F4. 039.2]: ‘Velho Chimarreando’, [F4. 039.3]: ‘Velho Chimarreando’ e [F4. 040] : Quadro de Exposição.                                                                      CD-ROM - Disco 6 -  IMAGENS. -  Arquivo F1.
Acervo do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 13 –   A facilidade com que Francis PELICHEK promovia o seu pertencimento ao grupo não era perturbada por  nenhum gracejo, mal entendido ou ressentimento. De outra parte os amigos participavam animadamente nos happenings, antes do tempo, que o artista comandava. A sua altura corporal era, muitas vezes, pretexto para essas brincadeiras e chistes. Esta disposição e aproveitamento intenso de sua curta vida se refletem em temas, técnicas que transpunha para a arte. 

Pelichek foi apresentado, muitas vezes, como boêmio ou como doentio. Mas nos seus relatórios aparece como profissional e com vigor que desmentem completamente essa fama. Nesses relatórios é possível surpreender expressões de autonomia autênticas, apesar de completamente diferentes daquelas do diretor da Escola. Essas expressões são coerentes com a autonomia que também mantinha na sua arte. Um exemplo é seu tema recorrente do Gaúcho Velho Servindo Chimarrão[1]. Em relação a esse tema Kern observou (1998: 28) que “mesmo ao retratar o gaúcho, não vemos o herói defensor de fronteiras, jovem e viril, mas, ao contrário, figuras envelhecidas com as marcas da idade bem evidenciadas”.


[1] - Ver a capa da Revista do Globo. Porto Alegre : Editora Globo ano 2, n o 1, fascículo 25,  jun. 1931. Ver a íntegra da Revista do Globo no site http://www.ipct.pucrs.br/letras Ver também o cartão desenhado por Pelichek para a Exposição Agro-Pastoril de 1931
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Fig. 14 –   Francis PELICHEK  sabia que artista não possui fim de semana, férias ou aposentadoria. Nos períodos de dispensa das suas aulas formais ele continuava e adensava a sua produção. Transformava a praia em laboratório tanto de produção estética como a pedagógico produzindo a sua obra ao vivo e diante  dos olhares curiosos dos veranistas de Torres. Esta produção alimentava as suas exposições individuais tão bem com as suas participações coletivas como aquela do prestigioso Salão de 1931 organizado pelo ENBA sob a coordenação de Lúcio Costa no qual participou[1]

Nos relatórios de Pelichek aparecem as mais vigorosas expressões que possuem como objetivo a defesa de uma ética profissional, mantendo a coerência entre o que a instituição prometeu ao estudante e aquilo que esta instituição realizava a favor deste estudante. Exigia o comprimento do dever, tanto por parte dos estudantes como dos seus superiores, se respaldado nos estatutos institucionais. O espaço físico, o currículo e o tempo, oferecidos para a aprendizagem e a prática da arte, são os pontos críticos sobre os quais retornou em vários relatórios, como aquele de 1935, no qual  registrava:  nos relatórios anteriores, tenho feito referencias, aos trabalhos em geral e quanto à questão de horário, em relação à extensão do programa em geral”. Mas a denúncia mais viva se referia ao descaso com socialização da produção dos seus estudantes. Pelichek direcionava as atividades dos estudantes durante todo o ano escolar para a socialização que  era prevista e prometida pelo regulamento, mas, que no final não acontecia de fato. Dentro de sua limitada competência docente ele tentava suprir esta falta, elevando o grau de sua atenção ao seu estudante. Nos seus relatórios, registrava minuciosamente o nome dos estudantes e a turma a que pertenciam. Mas, em muitos casos, percebe-se que ele vai além do número, pois ele distingue, qualifica e estimula os seus estudantes[2]. A sua avaliação não era reduzida a uma simples presença física na sala de aula. Ele pautava esta avaliação pela obra autêntica do seu estudante.


[1] Catalogo do Salão de 1931  http://www.jobim.org/lucio/handle/2010.3/3949   onde Francis Pelichek apare ce com três obras arroladas nas pp. 16 e 17 

[2] - Percorrendo os nomes dos seus estudantes é possível verificar que no ano de 1930 estavam matriculados 29 estudantes. No curso geral eram 9 alunos, no médio 15 alunos, com cinco em cada ano. No superior havia 4 alunos. Desse total 19 são alunos antigos e 10 novos. No último ano do curso superior não houve aluno. No ano de 1931 a Escola de Artes atinge o número mais elevado até aquele momento, de 35 estudantes matriculados. Tendo 10 no curso geral e, 18 no médio e 6 no curso superior. Desse total 25 são antigos e 10 novos. Adail Costa (Silva, 1996) está no 1º ano do Curso Superior. Em 1933 estão matriculados 27 estudantes. Sendo 5 no curso geral. Nesse ano e nesse estágio, Cristina Balbão iniciou os seus estudos de artes plásticas. No curso médio estavam 7 alunos. O curso superior era agora o mais numeroso com 15 matrículas.  Do total 23 são antigos e 4 novos, 23 mulheres e 4 homens. Em 1934 o número dos estudantes caiu ainda mais. Dos 27 alunos de 1933 reduziu-se para 22. Apenas 3 ingressaram no curso geral.  No curso médio estão 7 alunos. No superior estão10, dos quais se formam 5. Do total geral da Escola, 18 são do ano anterior e 4 são novos. Estão matriculados apenas dois homens. Em 1935 o número de estudantes caiu para 20. O alento era o curso geral no qual se matricularam 9 alunos. No curso médio nos três anos estavam 5 alunos. No superior o total era de 6 alunos. Doze deles já tinham sido alunos, no ano de 1934 e 8 eram novos.Ver  estatísticas dos relatórios de Pelichek  com os nomes, suas turmas e disciplinas. CD-ROM.  Disco 8 ANEXOS
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Fig. 15 –   Francis PELICHEK  enfrentando a natureza buta na tentativa de transfira-la em obra de arte.. Este desafios não faltaram ao pintor e artista tcheco na sua viagem pelas circunstâncias geográficas, sociais e econômicas do Rio Grande do Sul que estava passando de sua condição de fronteira agrícola para investir na industrialização e urbanização

17.7– O profissionalismo institucional de Francis Pelichek.

O profissionalismo de Pelichek aparece em vários relatórios. Quanto ao ensino queixava se, em 1930, da exiguidade do espaço físico e do pouco tempo disponível.  Ele não suportava e nem se calava, quando o seu o trabalho e o dos seus estudantes era desconsiderado. Foi o que aconteceu em 1931. Em 1933, uma das suas grandes preocupações era a falta de espaço e de tempo para implementar um ensino melhor ao escrever que:

 Nos dois cursos superiores, especialmente no 1º anno, não apresentam alguns alumnos um conjunto alentador de trabalhos, em virtude de dificuldades didaticas, como: dar aulas um total de quinze alumnos, com falta de espaço e um único modelo, para os dois cursos. Aliás, tanto verbalmente, como nos relatórios anteriores, venho apontando tal deficiência”.

Esta preocupação ele a manifestou de todas as formas e tons. No relatório de 1934 Pelichek revoltou-se contra a falta de profissionalismo, quando denunciou o encerramento antecipado da exposição anual da Escola. Registrou com veemência:

 peço venia para informar a V.S. que varios alunos me têm procurado, para que os informe qual o motivo por que foi encerrada a Exposição, sem prévio aviso; pois a muitos progenitores dos mesmos não foi dado observar os trabalhos expostos. Como eu ignorasse esses motivos não lhes pude responder”.

Da parte do destinatário, que era a direção da Escola, não foram encontradas, no Arquivo do Instituto, nem resposta ao docente, nem vestígio de reparação pela desconsideração praticada. Quando, em 1935, a média de aprovação foi rebaixada, pela direção do Instituto, passando de 7 (sete) para 6 (seis) existe outro registro de sua insatisfação com a falta de seriedade institucional.



17.8– O papel da academia de artes na vida do artista Pelichek

As academias de arte, desde a sua origem, organizavam exposições com a finalidade de socializar as obras dos estudantes e lhes oferecer prêmios como estímulos pessoais, conforme escreveu Pevsner (1982: 48/9). O Instituto de Belas Artes determinava tal exposição, num artigo do regulamento para a Escola de Artes. Ela deveria ser organizada pelo seu diretor[1] e aberta ao público antes do exame final. Contudo não há referências a prêmios de viagem de estudos, tradicionais em outras escolas de artes plásticas[2].  Pelichek os implementava os estímulos positivos para a arte nos limites do que lhe era possível, ao acreditar na sua eficácia. Em 1931 ele relatou que “os resultados obtidos, com as aulas extraclasse, foram melhores, não só pelo progresso técnico, como pelo desenvolvimento e ampliação da parte propriamente artística”.  Pelichek registrou que estava consciente de sua posição como agente ativo do processo ensino-aprendizagem, sabendo identificar as suas motivações e os resultados obtidos pelo estudante, como escreveu em 1931

 Tendo sempre em vista trabalhar em todo os sentidos para o progresso do Instituto e maior aproveitamento do ensino, organisei as referidas aulas, com o intuito de sanar algumas insuficiências, não só na parte material do ensino, como tambem na orientação e melhoramentos da parte didática”.

Pelichek, sabendo dos limites e das insuficiências da instituição, ele não as tornava públicas indiscriminadamente. Contudo estava documentado por escrito de informações mais detalhadas [...] constam [...] nas notas particulares que possuo e que serão fornecidos a V.S. si assim o exigir”. Mostrava erudição e consciência necessária na medida em que poderiam tornar-se úteis, se fossem para o real ‘progresso do Instituto’.

 A erudição e a consciência de Pelichek, fazia com que ele não trabalhasse o regimento pelo formalismo acadêmico. Na avaliação do desempenho dos estudantes ele relevava a freqüência regular[3] se este apresentasse boa qualidade de trabalho e tivesse êxito ao se submeter às bancas anuais. Ele registrou no seu relatório de 1935.- Apesar de ter tido 25 faltas, não existe prejuízo no estudo de Z.T., por apresentar um numeroso e forte conjuncto dos trabalhos do curso e fez ambas as provas parciais com exito”.  Apesar da pouca competência e do restrito poder que ele possuía como agente institucional, ele aproveitava todas as oportunidades para expressar a autonomia que arte exige.  Na leitura dos relatórios de Pelichek surpreende-se o reforço da teleologia institucional para que o seu estudante pudesse exercer um extremo rigor consigo mesmo, com o objetivo de ser capaz de  mudanças adequadas na  escolha que havia feito pela arte.


[1] - No Regulamento do Instituto de Belas Artes aprovado em 06.05.1932  consta no “Art. 89 – Ao Director da Escola de artes, cabe, orgamnisar, antes dos exames finaes, uma exposição dos trabalhos executados na escola durante o anno, franqueanda à apreciação publica, depois de aprovada pelo Presidente”.
[2] - Nunca houve prêmio de viagem conferido pelo Instituto.  A pesquisadora do setor de Música, Claudia Maria Leal Rodrigues  (2000, f. 121)  chegou a conclusão de que o Instituto foi fundado pelo governo do estado para contornar e substituir esse tipo de estímulo pecuniário. “Acreditamos que o empenho do Presidente Carlos Barbosa na manutenção desse projeto foi fundamentado não só em seu ideal de desenvolvimento do ensino das artes, mas também por circunstância de ordem prática institucional. A freqüente concessão de verbas aos jovens músicos porto-alegrenses que se dirigiam a centros musicais no exterior em busca de uma formação musical poderia ser revertida para a construção de um Instituto de Belas Artes oficial com apoio dos governantes, justificado pela sintonia desse empreendimento com o projeto republicano da criação de instituições que dessem feição própria à nova nação que se construía”.  Essa foi a frustração de Francisco Bellanca que apesar da promessa do prêmio pelos deputados, ela não se cumpriu (Scarinci, 1982, p.30)
[3] - Não havia obrigatoriedade nos Cursos Superiores das chamadas diárias. Esta chamada e registro em cadernetas só se tornou regulamentar e exigida a partir da  criação da Universidade Brasileira. Esta chamada escolar é simétrica ao ponto na entrada das fábricas e das linhas de montagem da era industrial. De outro lado a predominância dos exames públicos permitia que um estudantes se preparasse em casa, apresentando-se apenas para os exames finais, ou par ingressar na escola no “exames vagos”ao estilo do que são os exames supletivos.
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Fig. 16 –   A revolução de 1930 foi oportunidade para Francis PELICHEK criar imagens nas quais une ícones visuais do Brasil e do Rio Grande do Sul para inspirar o presente. Presente profundamente perturbado e perturbador após a Quebra da Bolsa de Nova York e das fulgurantes ascensões de líderes audaciosos do TUDO ou NADA.   O nacionalismo estava atingindo o seus apogeu e se sustendo com as armas provenientes das linhas de montagem em volumes cada vez maiores e com tecnologias cada vez mais letais

Entre os relatórios de Pelichek é possível destacar aquele de 1931 como uma culminância. Este relatório é longo, comparado com os demais. Mas foi nele em que foi capaz de colocar por escrito o que pensava. O artista docente conseguiu explicitar para si mesmo e para os destinatários, às condições locais do campo das artes plásticas. Registra o que ele tentou no espaço institucional para abrir o exercício da criação artística dos agentes que formava, no interior das condições que a arte encontrava em Porto Alegre. Apesar dos rigorosos aspectos técnicos, este relatório busca colocar as ideais da Revolução de 1930 no mundo prático da arte. Este relatório de Pelichek, elaborado em dezembro de 1931, se intercalou de forma simétrica, entre a Revolução de 1930 e as questões que Tasso Corrêa explicitou no dia 24 de outubro de 1933, em seu discurso desafiador no Theatro São Pedro. Como artistas e docentes, tanto Pelichek, como Tasso, tinham em comum a defesa intransigente do seu trabalho profissional. Ambos defendiam as condições de autonomia da arte e a reprodução mínima da sua teleologia imanente institucional sob o controle político e administrativo do artista docente.

Encerra-se aqui o registro e análise da atividade docente de Pelichek. A partir do início do ano letivo de 1936, o IBA-RS estava integrado na UPA. Tasso Corrêa[1] estava no lugar de Libindo Ferrás. Não constava mais no regulamento da UPA a obrigação do professor encaminhar relatórios anuais ao seu diretor, agora substituídos por apontamentos diários em ‘cadernos de chamada’.


[1] - No ano de 1936 Tasso Corrêa, como diretor do Instituto da UPA, irá ocupar o lugar do diretor da Escola de Artes ao transformá-la em Curso de Artes Plásticas, eliminando o posto de Libindo Ferras e a necessidade dos docentes de apresentar os relatórios ao diretor da Escola.
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Fig. 17 –   O tradicional ritual da “VERNISSAGE”  protagonizado por Francis PELICHEK  o  colocou entre as suas obras recentes e os seus observadores que ele conseguia manter atentos por meio deste recurso. Consciente de que sua obra se completaria no olhar do seu observador este artista construir por meio de temas e de técnicas que faziam sentido ao repertório destes observadores. Observadores  com pouca, ou nenhuma, informação das competências e dos limites da arte num universo periférico dos grandes centros culturais, técnicos e sociais.  

17.9– A obra de Pelichek como metáfora doas valores da época
Convém agora examinar a obra de Pelichek. Cabe-lhe também  aforismo "do mínimo de forma o máximo de conteúdo". Pelichek fez da sua obra uma forma de registro profundamente atento às suas circunstâncias sem serem panfletários. Transformando-a em forma de diálogo e de projeção do seu meio cultural, político e econômico. Como uma metáfora do período, esta obra das artes visuais, carrega os demais valores culturais, vividos em Porto Alegre entre 1922 e 1937.
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Fig. 18 –   O  orago de Francis PELICHEK era SÃO FRANCISCO o patrono dos animais inspirou esta obra lírica.  Uma obra de desabafo confiado ao seu diário e que até o presente não encontrou um tradutor do tcheco e a altura de transcrição para a língua portuguesa. Evidente que não s trata de uma tradução mecânica e formal. Esta tradução impõe um profindo mergulha no inconsciente do autor, da sua origem e das circunstâncias pelas quais pergronou na sua brve e intensa vida.

Os instrumentos, os materiais e as técnicas usadas na elaboração formal da sua obra, mostram um período de grande efervescência de atividades gráficas.  Em Porto Alegre encontram-se editoras que fazem circular jornais e revistas de repercussão nacional. As obras de Pelichek revelam as técnicas escolhidas e materiais usados e que eram estimuladas pelos mesmos desafios que a primeira era industrial vivia. As suas obras revelam o cenário nacional na Revolução de 1930 e na esteira da obras de políticos e de escritores. Na obra de Pelichek é visível a sua formação em Praga e em Berlim, ao longo da Primeira Guerra Mundial, num olhar retrospectivo e por cima da fronteira nacional. Dante Laytano referiu-se, no Correio do Povo, às cores escuras eslavas, que caracterizavam a pintura do mestre. Elogiou Pelichek por haver fixado tipos populares, do antigo mundo açoriano de Porto Alegre. Distinguiu os dois ritmos do tempo, onde antes da (1ª) Guerra Mundial, havia ‘demora da adaptação’ do “habitus açoriano”, confrontando-o com o ritmo das mudanças rápidas da nova época da americanização, tanto do meio arquitetônico, como dos novos costumes. Este texto de Laytano nos fornece uma verdadeira leitura estilística dos elementos formais de Pelichek. Como docente da Escola de Artes atribuiu a Pelichek a capacidade de preparar os seus discípulos a bem desenhar o rosto e as cabeças das figuras.
 As dimensões das pinturas e dos desenhos eram proporcionais e refletiam a pequena estatura física de Pelichek[1]. Isto não o impediu de projetar uma escultura monumental em homenagem a Aparício Borges[2], hoje colocada num quartel da Brigada Militar com sede numa rua com o mesmo nome.


[1] - Nos desenhos, que acompanham os seus diários manuscritos, ele não poupa a si mesmo, ou se retratando de costas ao lado de uma moça alta ou não atingindo a altura do cavalete para fazer as avaliações dos desenhos dos estudantes.

[2] - Foi contratado pelo governo estadual para projeto de monumentos como o de Aparício Borges, na ‘Chácara das Bananeiras’Recebendo pelo projeto e pela execução 36:000$000. ‘Termo de contrato entre o governo do Estado e o sr. Francis Pelichek’ assinado pelo interventor Flores da Cunha, no dia 3.08.1933.  
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Fig. 19 –   Vitório LIVI[1]  e Francis PELICHEK  diante da estátua do Coronel Aparício Borges para o quartel da Brigada Militar que se localiza na Avenida Aparício Borges  . O projeto executado por Pelichek foi a pedido e contrato assinado pelo General Flores da Cunha

Pelichek era um homem urbano. Assim os condicionamentos geográficos, da qual a sua obra resultou, revelam as preocupações com esse meio. Mas isso não o impedia, e talvez por isso mesmo, ter uma atração especial pelo meio rural. Poderia se aplicar a Pelichek também as observações de Bernhard em relação à Natureza[2]. Na sua arte esta Natureza era interpretada com mais humor, do que a veneração que Libindo dedicava à paisagem.


[1] ALVES de Almeida, José Francisco (1964).  A Escultura pública de Porto Alegre – História, contexto e significado – Porto Alegre : Artfólio, 2004  246 p.

[2] - “Só vivo no meio da natureza, porque os médicos me disseram que, se quiser sobreviver, tenho de viver no meio da natureza, não por qualquer outra razão. Efetivamente eu amo tudo, mas só não amo a natureza, porque a natureza é para mim algo de sinistro e eu senti no próprio corpo e na própria alma a sua malignidade e a sua inexorabilidade e como eu só posso observar as suas  belezas simultaneamente com a sua malignidade e a sua inexorabilidade, receio-a e evito-a sempre que me é possível. Eu sou um citadino e apenas aceito a natureza como algo de inevitável, esta é a verdade”.  BERNHARD, 200, p  72/3
BERNHARD, Thomas. O sobrinho de Wittgenstein: uma amizade. Lisboa ; Assírio & Alvim, 2000 , 137 p.
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Fig. 20 –   Francis PELICHEK  mergulhava fisicamente nos seus temas ao levar ao seu cavalete de pintura, os seus pinceis, as tintas e o seu inseparável guarda sol para um estábulo. PELICHEK saltava por cima de qualquer preconceito, contradição ou contraste entre vida e o ofício do homem erudito da academia e a vida natural,  intuitiva e rural. Importava a sua OBRA e as interações VITAIS que a a ARTE lhe proporcionava e que ele cultivava em todas as suas circunstâncias 

A não existência de um mercado de arte estável em Porto Alegre, nessa época, fazia com que o mestre silenciasse, nas suas aulas, qualquer estímulo ao seu estudante nesse sentido. Compensava essa fragilidade local, pela ênfase na formação de artistas qualificados e de agentes seguros de si mesmos no exercício das bases da atividade artística pessoal.

A obra de Pelichek resultou de uma intensa atividade gráfica na qual as imagens devem ser mais ilustrações, com leitura imediata e em que o tema deve ser unívoco. Numa sistematização temática da iconologia presente na obra de Francis Pelichek percebe-se uma atenção permanente das suas circunstâncias humanas. Por isto na sua obra está ausente qualquer imagem de cunho transcendente, mesmo que ele tenha de trabalhar uma metáfora ao recorrer a imagens bem concretas e possíveis de uma existência singular. Os seus modelos para as imagens dos guerreiros são seus amigos, inclusive do gaúcho velho. Os trabalhadores de ofícios em vias de desaparecimento, são as figuras avulsas que ele ainda encontrava nas esquinas de uma cidade provinciana.
Recortes e colagens extraídas por Francis Pelichek da revista MÁSCARA. Porto Alegre,  Ano 7, Nº 7, jun. 1925 – Salão de Outono Acervo do do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 21 –   A organização e a a participação como protagonista do  Salão de Outono de 1925 propiciou para Francis PELICHEK  o contato direto com um grupo de intelectuais e artistas que haviam feito de Porto Alegre o seu cenário de vida e de aproximação da arte possível nestas circunstâncias.  Circunstâncias que não comportavam nenhum grito de soberania e nem uma dócil  subordinação a alguma tendência hegemônica externa

 As obras de Pelichek pertencem a uma série cultural na qual o artista se inscreveu por decisões pessoais vindas das suas escolhas técnicas, estilísticas e temáticas. Nestas escolhas fica evidente a empatia que ele tinha com o seu observador e com o qual não queria guerra de repertórios e paradigmas. O seu repertório e os seus paradigmas técnicos se adaptavam perfeitamente ao estágio técnico, gráfico e cultural que a cidade de Porto Alegre estava atingindo quando ele ali  desembarcou no dia 19 de março de 1922[1]. Isto não significava conformismo. A tensão, na busca de transcender este meio, ficava evidente nas suas aulas, nas quais exigia e era temido pela ética nas suas propostas didáticas.


[1] - Ver as suas anotações de seus diários, em relação a essa data.

Fig. 22 –   A breve e intensa vida de Francis PELICHEK aconteceu no auge da Era Industrial e a sua projeção planetária. A vida de Francis Pelichek se apagou no dia 01 de agosto de 1937, quatro meses após o bombardeio aéreo da cidade  de Guernica ocorrido no dia 27 de abril de 1937 e as vésperas da hecatombe da II GUERRA MUNDIAL iniciada em 01 de setembro de 1941.
[Clique sobre o gráfico para ler]
A obra de Pelichek possibilita traçar uma série cultural em diacronia colocada numa linha de tempo na sua evolução cronológica, na qual ela não oferece altos e baixos. A sua produção é contínua e intensa, apesar do seu compromisso profissional com a Escola e as frequentes doenças que assolam o seu corpo debilitado. Uma obra do início da carreira em Porto Alegre possui o mesmo cuidado formal do que as sua últimas. Este artista também carece de um "catalogue raisonée" o que poderia confirmar essa tese da coerência da sua obra, numa diacronia linear.
Acervo do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 23 –   Um fotografia da movimentação das tropas em Porto Alegre se preparando para a marcha sobre a capital federal entre os dias 03  e 24 de outubro de 1930. Até prova em contrário esta foto é do próprio  Francis PELICHEK.. O que é certo que Pelichek realizou uma série de desenhos, pinturas e esculturas que  são índices destes momentos de tensão política, social e econômica no Brasil e no mundo   Índice das mudanças violentas  entre a Velha República brasileira e as esperanças de uma mudança radical mas de efeitos ainda desconhecidos 

 As outras séries de obras de arte que se desenvolveram em Porto Alegre paralelamente à obra de Pelichek, permitem olhar para os lados e perceber que esta sincronia é pacífica e sem paradigmas concorrentes em oposições acirradas. Satisfeito e socialmente participativo do minúsculo sistema a de artes, vigente na capital do estado, tinha entre os seus concorrentes mais admiradores do que detratores. Talvez a sua fina ironia o deixava no seu espaço pessoal e temido por algum eventual concorrente.
Acervo do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS

Fig. 24 –   Francis PELICHEK registrou graficamente e  materializou índices da barbárie, do caos social que, na sua  visão, se produziam na micro sociedade de  pequenos encontros de lazer ou “pic-nics” que eram cenários e ocasião uma catarse coletiva e barulhenta. Distantes de qualquer etiqueta, contratos e hierarquias eram ocasiões para a barbárie e os instintos humanos de agressão mais primitivos.

Pelichek manteve uma intensa intervenção na produção artística[1] de Porto Alegre. Dedicou-se à pintura da figura, da paisagem local[2], ao desenho com fina ironia[3] e até a escultura. Foi ilustrador e caricaturista em periódicos locais[4], onde as homenagens de 1937, de Sérgio Gouveia[5], Olinto Sanmartin[6] e Dante Laytano[7]. Estes textos estampavam e traduziram o apreço pela pessoa e pela obra de Pelichek no meio cultural de Porto Alegre.


[1] - Em Porto Alegre inicialmente Pelichek abrigou-se nos fundos da loja de móveis e da marcenaria da Casa Jamardo. Existe toda uma legenda a ser explorada e documentada sobre a casa dos irmãos Jamardo, que ficava na Praça da Alfândega,  abrigo de vários artistas plásticos e locais de suas exposições. Essa casa era fornecedora de móveis de requinte para palacetes particulares da época Art-Nouveau., Francis Pelichek foi acolhido na oficina de móveis, na qual residiu por algum tempo. Bernardo Jamardo era tesoureiro da Sociedade Sul-Rio-Grandense de Belas Artes que promoveu o Salão de Outono de 1925, segundo o depoimento oral de Sandra Jamardo Dani, professora do DAV e Diretora do Instituto de Artes da UFRGS. A Casa Jamardo entrou em declínio, ainda conforme a profª Dani, quando o governo deixou de pagar os móveis fornecidos  ao Palácio Piratini. (Ver  também Guido, 1956 e Damasceno, 1971).
[2] - Pelichek: ponte do Riacho.                                          
[3] - Pelichek: sátira ao mundo rural.
[4]  - Como jornalista do Correio do Povo foi-lhe conferida em 1936 a carteira nº 53 da ARI, assinada pelo seu presidente Érico Veríssimo.
[5]  - Sérgio Gouveia informava num artigo da Folha da Tarde do dia 02 de agosto de 1937 que o artista havia falecido na noite anterior na Beneficência Portuguesa, onde estava sendo velado. Estampava que Pelichek fora um doente constante e que estivera em Minas Gerais, buscando saúde. Descreve o sentimento de nostalgia e a busca da arte e da Beleza, que estavam agora sendo levados na retina de Pelichek.   GOUVEIA, Sérgio de..«PELICHEK» in Folha da Tarde, Porto Alegre, ano II, nº 82, 02.08.1937. Ver   também:  GOUVÊA, Paulo «Um Barão da Tchecoslováquia» in Correio do Povo . Caderno de Sábado volume XIII, ano VII, n o 303, 26.01.1974, p 2
[6] - O artigo de Olinto Sanmartin, noticiando a sua morte, além de uma verdadeira apologia à pessoa do artista, colocava esse agente no contexto e o seu significado no sistema de artes sulino. O articulista centrava-se e destacava os elementos lingüísticos de Pelichek. Relembrava a sua verve oral nos colóquios entre amigos, o seu fino espírito de ironia e sua caricatura publicada na imprensa local. Nas Artes Plásticas, o domínio da técnica, permitiu-lhe exercer essa linguagem visual, na temática da paisagem, costumes, história e arquitetura do Rio Grande do Sul. Colocava-o como continuador atualizado da temática sulina, cultivada por Pedro Weingärtner. Relembrava a sua capacidade de fazer e cultivar amigos, tão bem como suas qualidades de professor do Instituto de Belas Artes.SANMARTIN, Olyntho.  «A morte de um artista» in Correio do Povo, ano XLII, nº 183, p.5.    07.08.1937.
[7] - LAYTANO, Dante. «Ultimo quadro» in Correio do Povo, ano XLII, nº 180, p.5, dia 04.08.1937.

Fig. 25 –   Uma página do diário de Francis PELICHEK realiza um retrospecto  de sua existência e  através dos signos visuais, gráficos e narrativos.. O artista jogado no meio  de rápidas e profundas mudanças mantinha a sua conclusão  “ASSIM NÂO SE VIAJA” . A sua obra salvou a sua memória. Ele teve a fortuna de remeter,  ao seu futuro e desconhecido observador, - nesta obra se valendo do mínimo da forma gráfica -  o máximo de conteúdo dos seu tempo lugar e sociedade

17.10– A memória da obra e da pessoa de Francis Pelichek.

A obra de Pelichek exerceu uma influência tranquila e sem rupturas ou estardalhaços.  Foram principalmente os seus jovens discípulos que assimilaram esta influência. Também não deve ser buscada na sua obra a tipologia técnica ou na temática. A arte era para ele o meio para formar um caráter e para interagir positivamente com o seu observador.
Acervo do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 26 –   O galope sem fim e constantemente relembrado e retomado na ritualizações da identidade sul-rio-grandense foi ocasião para   Francis PELICHEK  mostrar, em imagens, o ritmo implacável do TEMPO que percorre o passado e seu próprio presente e aquele que virá . Trás da terra natal os recursos gráficos tchecos e que põe ao serviço de sua pátria adotiva especialmente nos momentos de profundas mudanças políticas, sociais e econômicas.

Na medida em que a sua obra é estudada acontecem periódicas valorizações. Estas valorizações não podem ser vistas como renascimentos. A sua obra cumpriu o seu ciclo estilístico e formal ao pertencer à verdade imanente do seu tempo. Contudo a erudição, a ética no trabalho e a busca da verdade na arte, são valores intemporais e como tais necessitam das imagens e das figuras, como Pelichek, para lembrar a contemporaneidade desta busca de algo que transcende ao seu tempo. Por estas razões a obra de Pelichek ocupa um lugar único.  Numa instituição que estava passando por uma fase crítica e modelar no meio cultural de Porto Alegre a ação de Pelichek como  artista e como pessoa humana, constitui uma exemplaridade única.
 O artista faleceu, em 01 de agosto de 1937. Nesta ocasião o material do seu atelier foi confiado ao Arquivo do Instituto. Este Arquivo Geral é um dos meios pelos quais o autor, da presente postagem, teve acesso ao estudo da obra, da biografia de Pelichek e das fontes bibliográficas. A reversibilidade entre essas fontes e a vida e obra do artista é precário como todo o processo e sistema artístico incipiente numa cultura periférica. Contudo, não é possível fabricar ou forçar qualquer projeção que não corresponda a essa reversibilidade para as obras e o pensamento de uma das pessoas mais queridas do meio cultural do Sul do Brasil
Acervo do Francis Pelichek do Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 27 –   As celebrações da vida coletiva eram caras para  Francis PELICHEK. A noite festiva,  vivida na Praça da Matriz de Porto Alegre, mereceu uma pintura . A cena iluminada pela luz elétrica e pelo fulgurantes fogos de artifício marca outro momento de passagem do TEMPO


FONTES BIBLIOGRÁFICAS  RELATIVAS  a PELICHEK
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Artigos em anais e periódicos

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037  LAYTANO, Dante. «Ultimo quadro» in Correio do Povo, ano XLII, nº 180, p.5, dia 04.08.1937.

038  OLINTO de OLIVEIRA, Olimpio. «Mensagem do Prof. Honorário Olinto de Oliveira» in        Anais da Faculdade de Medicina de Porto Alegre. Porto Alegre : Globo, 1941. pp.57/58.

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041   SANMARTIN, Olyntho.  «A morte de um artista» in Correio do Povo, ano XLII, nº 183, p.5.    07.08.1937. Anais e Catálogos

042   SOUSA SOUSA, Carmen. De Libindo a Malagoli: artes visuais na universidade.  Porto       Alegre : Pinacoteca IA-UFRGS, 1994. 16 fls.

Periódicos

A  FEDERAÇÃO. Porto Alegre: .

CORREIO do POVO. Porto Alegre : Companhia Caldas Júnior, 01/ 10/ .1895........

DIÁRIO de NOTÍCIAS. Porto Alegre : Diários Associados,  .

DIÁRIO OFICIAL do Estado do Rio Grande do Sul,.
FOLHA da TARDE, Porto Alegre: Companhia Caldas Junior. 1936

MADRUGADA. Porto Alegre ; Revista (1926), Nº 5  04. 12. 1926

MÁSCARA. Porto Alegre,  Ano 7, Nº 7, jun. 1925 – Salão de Outono

REVISTA do GLOBO. Porto Alegre : Editora Globo. 1929- 1967 (fascículo n o 941) - Ver a íntegra da Revista do Globo no site http://www.ipct.pucrs.br/letras
Entrevistas Informais com:

BALBÃO, Cristina: aluna na Escola de Artes  dos professores Libindo Ferrás e Francis Pelichek. Depois do Curso de Artes Plásticas onde foi aluna de Escultura com o professor Corona. Tornou-se depois professora de Desenho do Curso de Artes Plásticas.

PARAGUASSU, Olga: aluna da Escola de Artes dos professores Libindo Ferrás e Francis Pelichek. Professores de Desenho do Colégio Júlio de Castilhos. Fundadora da cadeira de Desenho no Colégio de Aplicação
PORTO ALEGRE  Praça da MATRIZ na noite de CARNAVAL do dia 09 de fevereiro de 2016 in  ZH em 09.02.2016
Fig. 28 –   A fotografia da noite de carnaval celebrada e vivida na Praça da Matriz de Porto Alegre no ano de 2016 continua no tempo  da vida coletiva  cara para  Francis PELICHEK.  A cultura brasileira sempre foi marcada por eventos externos deslumbrantes, intensos e prolongados o mais possível.  Numa cultura colonial e escravocrata a passagem implacável do TEMPO necessita destes momentos para alienar a população de sua condição de heteronomia e manter o regime de servidão, de exploração e de saque.
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