domingo, 21 de agosto de 2016

178 – ICONOGRAFIA MISSIONEIRA SUL-RIO-GRANDENSE.


ICONOGRAFIA de OBRAS das ARTES VISUAIS MISSIONEIRAS.
               CONTINUAÇÂO e COMPLEMENTO de 02 -o projeto civilizatório jesuítico  no Rio Grande do Sul
12  - Uma obra de arte dos Sete Povos das Missões Jesuíticas como metáfora dos valores culturais da Contrarreforma.

12.1 – Uma obra de arte dos Sete Povos das Missões. 12.2 -  Por que uma estátua dos santos brasileiros é tão feia?. 12.3 -  A obra de arte como Propaganda da Fé concebida pelo Concílio de Trento e como identidade da Contrarreforma. 12.4 – A verdade do meio geográfico local.. 12.5 – O templo como lugar de um teatro. 12.6 O projeto estético e político daqueles que destruíram o projeto missioneiro. 12.7 – A verdade do meio social indígena face ao jesuíta. 12.8 – O projeto iluminista queima o projeto jesuítico missioneiro. 12.9 – As dificuldades da permanência do sentido iconológico  do projeto jesuítico missioneiro. 12.10  - A diacronia e sincronia do projeto jesuítico missioneiro. 12.11 – Tentativas de institucionalizara a memória do projeto jesuítico missioneiro
Fig. 01 –  O projeto estético da CONTRARREFORMA e em ESPECIAL a PROPAGANDA da FÉ mantido e impulsionado pela COMPANHIA de JESUS buscavam no meio estético índices que atingissem e condicionassem os SENTIDOS HUMANOS em todas as suas dimensões. Nestas dimensões o repertório sensorial deveria atingir todo o ser humano desde o seu nascimento até a morte, desde o mais limitado até o mais amplo e erudito 
12.1 Uma obra de arte dos Sete Povos das Missões.
A imagem proveniente das Missões Jesuíticas não foge de uma posição  da crítica das suas desproporções e rusticidade, por mais especular que seja.  A imagem isolada de São Miguel Arcanjo ilustra bem estas desproporções e rusticidade, apesar de toda a sua cor. As esculturas provindas das Missões jesuíticas estiveram abandonadas e jogadas em depósitos durante um século inteiro. Foram usadas nas fazendas inclusive para cochos para alimentar o gado, devido ao fato de serem cascas ocas.
São Miguel -115 cm – Museu IAP Unisinos São Leopoldo- RS
Fig. 02 –  Os “SANTOS de ROCA” eram esculturas do  projeto estético da CONTRARREFORMA e da PROPAGANDA da FÉ nas quais eram esculpidas as mãos, a cabeça e pernas. O corpo era fingido e coberto de panejamentos adequados à época e à solenidade nas quais eram exibidas ao público dos fieis
12.2-  Por que uma estátua dos santos brasileiros é tão feia?

Uma pergunta sábia e honesta do professor Yasuhiho Shimizu[1] salva estas obras da desqualificação e esclarece o seu sentido.  Ele perguntou, ao autor deste texto,  "por que uma estátua de um santo brasileiro é tão feia?". Esta pergunta honesta permite abrir um vasto panorama no qual se inscrevem os santos missioneiros e o projeto civilizatório do qual elas se originaram.  Estas obras são frutos de um projeto civilizatório passado, relativamente recente e muito pouco estudo. Por essa falta de estudos sistemáticos, sustentados por instituições, não é simples de responder a esse professor nipo-brasileiro. Toda a explicação não responde muito se fixarmos a nossa resposta apenas na materialidade da obra, nas técnicas usadas e no contexto institucional na qual ela se encontra nos dias atuais. A resposta ao professor Shimizu começa a surgir e a tomar sentido quando pudermos voltar ao projeto político e cultural do qual ele resulta. O Japão se fechou sobre si mesmo quando os jesuítas e o seu projeto da Contra-Reforma  bateram as portas do Império do Sol Nascente. Ao professor Shimizu[2] cabe todo o direito perguntar. A nós, depositários do projeto missioneiro-jesuítico, tratemos de responder a altura: - "por que os santos brasileiros são tão feios?".

A resposta ganha sentido se lembramos que América Latina foi um laboratório e um palco construído para o  projeto civilizatório da Contrarreforma. Um laboratório para o ensaio da posse física do Novo Mundo. A Espanha e Portugal, cercavam estas posses com fortalezas[3] entre os quais moviam-se os seus exércitos e os galeões armados.


[1]  - Yasuhiho Shimizu era professor e um dos administradores da FEEVALE de Novo Hamburgo quando o autor lecionava ali, na década 1970,  no curso de Artes Visuais a disciplina de História da Arte.

[3] - Para quem tiver paciência é interessante observar e contar o número e tipo das fortalezas que guarneciam a entrada e o interior da Bahia de Todos os Santos.
MISSÕES JESUÍTICAS do RS -- anjo
Fig. 03 –  A PROPAGANDA da FÉ, a CONTRARREFORMA e o BARROCO insistiam no dinamismo  da linha diagonal em contraposição ao RENASCIMENTO. Este se caracterizam mais elo equilíbrio das linhas horizontais com as vertical no centro da composiç~ao n forma de uma balança de dois pratos equilibrados nos extremos da composição  
12.3 A obra de arte como Propaganda da Fé concebida pelo Concílio de Trento e como identidade da Contrarreforma.

A Propaganda da Fé construiu um palco para a subjugar subliminar e espiritualmente os  indígenas, que se moviam, no interior dessas fronteiras, e manter os escravos produzindo para as coroas Ibéricas. Sob a ameaça da Santa Inquisição todas as manifestações artísticas tiveram de se submeter a esse projeto político e econômico. Ao inverter  o problema, pode-se generalizar que uma obra de arte, originário desse projeto, é portadora dos valores deste condicionamento imposto pelo projeto político de posse desta terra.

O projeto da Contrarreforma do Concílio de Trento foi levado avante pelos jesuítas que foram os seus mentores mais audaciosos e competentes. A sua Companhia de Jesus foi criada especificamente para seguir os textos da  Propaganda da Fé. Um projeto civilizatório jesuítico espanhol cobriu grande parte do atual território do Rio Grande do Sul e cuja totalidade abrangia as terras do atual Brasil, Argentina e Paraguai. No Rio Grande do Sul este projeto é conhecido como os "Sete Povos" das Missões

As obras de Arte, nascidas nesses Sete Povos testemunham, em primeiríssimo lugar,  a verdade do projeto civilizatório missioneiro jesuítico, nas suas formas e no seu conteúdo. Nestas obras de arte dos Sete Povos o pensamento seguiu a catecismo da Contrarreforma. Contudo os materiais que o meio local entrópico oferecia nas savanas e na floresta semitropical constituíram o imponderável e o dialético aos textos da Contra Reforma, e o que gera a sua originalidade das obras.  Os padres, os irmãos leigos e os índios por mais coerentes e impositivos que fossem não puderam fugir, de um lado, ao catecismo e do outro ao apelo da natureza e da floresta e que elas não chegaram a dominar em toda a extensão.
MISSÕES JESUÍTICAS do RS - Escultura em madeira com sinais de rachadura
Fig. 04 –  O uso de  madeiras tropicais, com abundante seiva, exigia a escavação do interior destes troncos das árvores. Sem esta escavação do seu interior,  as peças rachavam como nesta imagem  Estas esculturas ocas geraram especulações. Uma delas é seu uso para peças cênicas nas quais se colocava crianças para dizer falsa em nome dos santos. Outra é o SANTO de PAU OCO para esconder tesouros.   Após a destruição das missões serviam de cochos para ministrar sal para os animais
12.4 A verdade do meio geográfico local.

Os vales dos rios Uruguai e Paraná e a mesopotâmia formada por esses afluentes do Rio da Prata condicionam o meio geográfico, no qual se desenvolveram as missões jesuíticas.  A madeira e a pedra, encontradas na região, impuseram  a sua lógica na sua natureza formal. As estátuas denominadas “santos de pau  oco"  testemunham a natureza e a força vegetativa das árvores tropicais cuja madeira era usada na sua confecção. Devido à abundante seiva das árvores eram tornadas ocas. Este oco servia para que nas cerimônias religiosas fossem sonorizadas por vozes infantis de crianças colocadas no seu interior. A leveza desta estátuas ocas permitia que fossem carregadas com mais facilidade nas procissões. Fora do sentido religioso original,  escondiam tesouros ou até eram usadas como coxos para servir alimento ao gado. Por tudo isto a verdade da obra da arte visual, nascida nesse projeto da Contrarreforma jesuítica, deve ser buscada  e ser descoberta dialeticamente entre o projeto político e os meios técnicos e físicos da região. As  técnicas e os instrumentos da sua elaboração são contribuições do jesuíta do período pós-renascentista europeu. Nelas encontram-se poucos traços da técnica do período neolítico indígena. Mesmo a cerâmica indígena não sobreviveu nesse contato.
Fig. 05 –  O cenário do SETE POVOS das MISSÔES da COMPANHIA de JESUS impressiona  os SENTIDOS HUMANOS. A  PROPAGANDA da FÉ se fixava e se materializava  nos prédios dos templos  Estes prédios possuem  dimensões e eram o lugar para o repertório sensorial que deveria atingir todo o ser humano desde o seu nascimento até a morte, desde o mais limitado até o mais amplo e erudito 
12.5 O templo como lugar de um teatro.

A Contrarreforma transformava os templos católicos em teatros. Num teatro um elemento, de um cenário, não pode tirar a atenção da ação principal da Propaganda da Fé. Os visitantes mergulhavam em salas escuras contrastando com a excessiva luz tropical externa. Pequenas janelas, colocadas no alto desses tempos, coavam a luz em direção de certos nichos onde estavam estas estátuas. Havia poucos lugares para o público, pois a maioria dos fiéis desempenhava um papel combinado previamente de um ator de “auto de fé”. O objetivo deste “auto de fé”. era comover  os sentidos e levar o fiel à transcendência, não permitindo destacar e dar ênfase a uma estátua ou uma pintura específica e isolada. No projeto jesuítico as estátuas eram elaboradas para atingirem todos os sentidos humanos. O tato era estimulado por meio dos tecidos nas suas formas tridimensionais, (santos de roca). as percepções da textura, do volume. A visão, pelas estátuas pintadas criando a imponderável linguagem das core e das formas. A audição pelas falas dos atores infantis colocados no seu interior oco respondendo à música e dos textos sagrados. O perfume as impregnava com o  incenso dando sentido olfato.  Para o paladar criavam ambiente para a degustação  do pão e  do vinho. A cinestesia encontrava sentido nas procissões nas quais eram carregadas.

Estas estátuas colocadas num museu, perdem, no seu isolamento, todo o sentido do contexto original. Enquanto nas Missões eram índices significativos para todos os sentidos, arrancadas do seu contexto original e isoladas no museu, permitem dar razão ao professor Shimizu para quem esses "santos brasileiros são feios". Cada estátua missioneira supre as informações que agora faltam e torna-se indispensável para desvendar o projeto do qual ela se origina.

Invertendo o problema, pode-se afirmar que cada estátua missioneira constitui índice do todo deste conjunto, pelo fato de constituir uma peça inerente e indispensável deste cenário. As informações que ela fornece, como um fractal do todo, permitem reconstruir o todo que hoje falta. Na leitura estilística dos seus detalhes estão presentes as proporções, as relações das suas partes entre si, a unidade na diversidade daquilo que é destinado ao tato, ao olhar, aos ouvidos ao contexto do paladar, do olfato e do cinetismo no qual se moviam. Nenhum detalhe pode ser desprezado nos seus elementos múltiplos. Estes detalhes cobrem todas as superfícies disponíveis destas estatuas. No conjunto do projeto estético é perceptível o "horror ao vazio" que de sua origem. Neste “horror ao vazio” e na redundância dos elementos barroco-helenísticos é possível contratá-las frontalmente com os arquétipos e os vazios da obras dos indígenas. Este conjunto era destinado a “embasbacar o bugre”. Uma estátua destas era uma peça convincente da “Propaganda da Fé”. Ela não deixava margem a qualquer dúvida sobre a superioridade da mensagem que estavam recebendo de uma cultura que tinha o projeto de impor-lhes a sua hegemonia espiritual, política e técnica.

A maioria destas estátuas tinha dimensões avantajadas. Estas dimensões eram determinas por sua finalidade e as condições para as quais se destinavam. A maioria delas era criada para espaços públicos monumentais. Devido às suas dimensões avantajadas poucas estátuas missioneiras passaram ao uso doméstico depois que o projeto missioneiro terminou. Pode-se afirmar que as suas dimensões as tornaram peças típicas de museus ou raramente foram transferidas para igrejas subordinadas a outro projeto civilizatório. O projeto iluminista subsequente  preferia as pequenas estátuas elaboradas na metrópole, que eram mais sofisticadas e de dimensões domésticas.
  O abandono e as ruinas de um desenho (1846)  de  Demersay_-_Redução de São Miguel Arcanjo
Fig. 06 –  A destruição e a obsolescência das construções dos SETE POVOS das MISSÔES JESUÍTICAS precederam em dois séculos as RUINAS da ERA INDUSTRIAL. Assim estas ruinas anteciparam a ERA INDUSTRIAL o RIO GRANDE do SUL ostentou portentosas ruinas de  projeto estético da CONTRARREFORMA e mantido e impulsionado pela COMPANHIA de JESUS. Todos os paradigmas são íntegros e integrais.  Nestes campos do Rio Grande do Sul se defrontaram os paradigmas  a PROPAGANDA da FÉ e do ILUMINISMO e se destruíram reciprocamente.
12.6 O projeto estético e político daqueles que destruíram o projeto missioneiro.


O projeto que veio destruir as Missões não lhes deu grande atenção e muito poucos socorros na sua manutenção. A entropia natural também fez o seu serviço do retorna à natureza, pois os ambientes arquitetônicos  foram invadidos pela floresta original. Na passagem para um outro projeto, que lhe era contrário,  perdeu-se a maioria das pinturas e desenhos. Salvaram-se alguns relevos em pedra. As obras  tridimensionais tiveram melhor sorte na sua conservação, pois eram mais numerosas e mais impactantes.

 A fronteira luso-espanhola isolou conjunto em zonas das Missões  em áreas geográficas opostas pela guerra. Já não fazia mais sentido uma rede de comunicação visual entre as cidades criada pelo urbanismo das Missões. As casas, sob cujos telheiros evoluía a vidas dos clãs, viraram taperas mal assombradas, até desaparecerem sem deixar vestígio, como as tabas abandonadas e visitadas esporadicamente por tribos errantes. As praças centrais do interior de cada cidade, nas quais pulsava  toda a vida urbana, passaram a campos de pastagens.
Santo INÁCIO - -200 cm da altura Museu  IAP Unissinos
Fig. 07 –  O abundante uso da madeira nas esculturas missioneiras era o aproveitamento da abundante matéria prima oferecida pelas florestas. Seguia a tendência geral do barroco latino-americano e permitia as intervenções das tintas e pigmentos da pintura e das “encarnações”
12.7 A verdade do meio social indígena face ao jesuíta.
O jesuíta desestimulava o xamanismo na mesma intensidade com que estimulava o caciquismo. Na “Propaganda da Fé” a arte deveria fazer frente ao mundo xamanístico. Foi por meio de todas as artes que o projeto civilizatório, implantado pela  erudição jesuítica, transformou o antigo espaço imaterial, dominado pelos xamãs, em espaço de rituais religiosos, sob o seu controle. A imagem do São Miguel, aqui reproduzido, era evidentemente muito mais elaborado e sensível do que os toscos e primitivos totens cultuados pelos xamãs.

O primitivo caciquismo dos guaranis foi estimulado na medida em que essas lideranças se submetiam aos jesuítas. Assim o mando direto das casas coletivas continuava nas mãos dos antigos caciques. .A submissão destas lideranças era recompensada com uma educação mais refinada para as linhagens destes chefes.

A submissão dos caciques ao jesuíta era explicada pelas necessidades  e pelas ameaças concretas, que se perfilavam diante de suas frágeis construções indígenas, sem portas e sem defesas de muralhas. Esta submissão e o fervoroso trabalho indígena comum, em outras ocasiões avesso  a qualquer esforço físico, tinha uma dupla razão prática.  O medo pelos “comanderos” e ‘bandeirantes” lusos foi cultivado pelo projeto jesuítico no ambiente do ritualismo indígena, mas sem prepará-lo para enfrentar e esconjurar este  risco externo, por si mesmo,  por um projeto de autonomia eficaz.
Fig. 08 –  Outra imagem característica do BARROCO insistiam no dinamismo  da linha diagonal na composição. Além disto, a  PROPAGANDA da FÉ e  da CONTRARREFORMA e insistiam em preencher todo espaço da composição.dos sentidos humanos num verdadeiro “HORROR ao VAZIO”
12.8 O projeto iluminista queima o projeto jesuítico missioneiro.

Os pressupostos do projeto da Propaganda da Fé e da Contra Reforma foram desafiados frontalmente pelo projeto civilizatório iluminista, conduzido pelos Déspotas Esclarecidos. O Iluminismo, ao vencer o projeto missioneiro nos campos de batalha, não só relegou ao olvido os estudos das obras dos jesuítas, mas riscou do mapa este conhecimento. O Iluminismo contrapôs o seu próprio espaço conceitual, por meio da Enciclopédia onde eliminou qualquer referência á religião, igrejas e dogmas, à Propaganda da Fé e à Contra Reforma. Com o triunfo da Revolução Francesa, da nova era industrial e do enciclopedismo, os projetos estéticos resultantes do projeto civilizatório jesuítico caíram, não só no completo olvido, mas foram vistos como anacrônicos e sem sentido.

O projeto jesuítico missioneiro começou a merecer outros olhares quando novas correntes e ideologias, apontavam para projetos civilizatórios nos quais havia espaço e sentido para o coletivismo, estimulado pela propaganda e hierarquias consensuais em contratos de um bem comum. O próprio nacionalismo, que surgiu em todos os povos na primeira metade do século XX, fez vingar novamente um projeto coletivo de um povo dando sentido à arte da propaganda que as missões jesuíticas praticavam. Tanto estas Missões como ao nacionalismo do século XX, faziam propaganda do espetáculo coletivo, do uso de uma férrea ideologia, tendo como alvos patrimônio e identidade comum. A ambos é imanente a massiva da propaganda, os limites territoriais do coletivo defendidos até o fim e a esperança de que nesta propaganda e neste coletivismo está a salvação.
Fig. 09–  O resultado da “encarnação” numa escultura em madeira. A “torêutica” refinada trazida pelos mestres vindos do Tirol, da Alemanha e da Espanha era facilmente assimilada no seu aspecto técnico pelo indígena. Porém estava longe da interação destas criaturas recém-saídas da época da Pré-História e sem acesso ao mundo imaterial ao mundo dos seus mestres .Este abismo devorou este saber técnico indígena e a imediata ruptura quando desapareceu o PODER do JESUITA.
12.9 As dificuldades da permanência do sentido iconológico  do projeto jesuítico missioneiro.

Por esta razão a leitura iconológica destas obras, apesar do fracasso desta propaganda, do coletivismo e da esperança frustrada diante do Iluminismo, é extremamente rica e fecunda até os dias atuais. Esta  leitura iconológica é uma rica oportunidade de vencer o tabu desta derrota e transformá-la no totem. Este totem ganhou todo o seu sentido na cultura do consumismo de massa que é alimentado elaborado pela propaganda, marketing ou pelos organizadores de eventos fugazes. Shoppings, supermercados aproveitam integralmente as suas lições. No centro destas lições está a imagem, a estátua e o condicionamento de sua leitura. As imagens jesuíticas das Missões estavam presas ao seu repertório religioso. As imagens dos heróis vivem num ideal religioso de um passado remoto e mítico que busca a perfeição e a renúncia. Os retratos dos agentes imediatos estão subsumidos na vida coletiva e não possuem o menor sentido. Não há vestígios de sincretismo religioso entre o indígena e o jesuíta, como aquele sincretismo religioso vigente entre os africanos que transcreveram o seu panteão religioso para o panteão católico.

Contudo isto não significa que as resistências indígenas foram vencidas. Uma vez desfeito o projeto político e econômico do jesuíta, o indígena silenciou o projeto das Missões, pois não o tinha subsumido este repertório na sua cultura e o sentido desta iconologia sacra. O projeto do Iluminismo queimou o projeto político e econômico do jesuíta, como o indígena fazia nas suas “coivaras” na queima da floresta para iniciar uma nova cultura.

As obras das artes visuais dos missioneiros pertencem a uma série avançada do artesanato. A série cultural missioneira incorporou as  possibilidades de escolhas das tipologias estéticas oferecidas pelo Maneirismo. Esta linhagem Maneirista provinha do Renascimento Italiano. Esta por sua vez havia dado oportunidade para todas descobertas das guildas medievais européias. Os cantuários mostraram a origem  na península ibérica das  Missões quando transferiram para as margens dos rios Uruguai e Paraná os seus saberes no manuseio das pedras.
Fig. 10 –  O século de duração do  projeto estético da CONTRARREFORMA, da PROPAGANDA da FÉ e pela COMPANHIA de JESUS no Rio Grande do Sul não tinha antecedentes locais locais e nem teve continuidade . O isolamento permitiu construir um mundo paralelo e que não se atualizou e nem buscou  uma interação ampla especialmente com paradigmas concorrentes. Era o “GRUPO de DENTRO” em confronto com o “GRUPO de FORA”. Qualquer vacilo individual ou coletivo  era tratado como  TRAIÇÂO ao “GRUPO de DENTRO”. e vice versa.
 [Clique sobre o gráfico para ler]
12.10- A diacronia e sincronia do projeto jesuítico missioneiro

O projeto jesuítico  teve várias tentativas para a sua instalação e das quais não ficaram vestígios nas artes visuais. Numa leitura diacronia entre os anos de 1628 até 1756 as obras visuais das Missões jesuíticas evoluem no interior se um grupo fechado e do qual poucos tinham a chave e conhecimento do todo. Este projeto hermético foi truncado em pleno apogeu e expansão pela política no Tratado de Madrid em 1750.  Os vestígios nas artes visuais, que possuímos hoje, procedem de data imediatamente anterior a esta época, mas sem uma datação precisa. A decadência foi imediata diante de outro projeto político, mais poderoso, que o derrotou nos campos de batalha. Após a expulsão dos mentores do projeto jesuítico entrou em lenta e prolongada agonia nada mais se produziu. A efetiva incorporação do seu território ao Brasil só se deu em 1810 quando a Argentina ensaiava a sua independência da Espanha

É necessário traçar a sincronia da série cultural que se desenvolveu paralelamente ao projeto missioneiro em outras séries. Devido ao rígido esquema ideológico que comandava o projeto jesuítico as sincronias de influências são diretas e determinantes. Estas influências diretas eram aquelas que assimilaram de Roma que estava mergulhada na Contrarreforma em todos os seus desdobramentos. O projeto jesuítico luso e o projeto jesuítico espanhol contemporâneo na América do Sul trocaram poucas experiências estéticas diretamente entre si. Esta impossibilidade de dialogar e fazer circular os seus bens simbólicos e materiais entre outros projetos civilizatórios sincrônicos pode ser um dos seus erros fatais. O projeto jesuítico das Missões gerou simplesmente um “grupo de dentro” sem contatos com outro “grupo de fora”.  Assim, existe apenas uma sincronia formal e externa no qual o projeto jesuítico era visto como maléfico pelo “grupo de fora”. A mediação de Roma filtrava o Maneirismo e o Barroco europeu contemporâneo. A oposição cerrada à Reforma luterana constituía outro “grupo de fora” como antes dele havia sido o islamismo para a cultura católica ibérica. No interior dos dois reinos Ibéricos, houve consenso em relação ao projeto jesuítico  entre as suas coroas reais, apenas para destruir este projeto.  O papa era um mediador constante entre esses dois reinos em conflitos permanentes.
Fig. 11 –  Algumas peças que o ESTADO BRASILEIRO conseguiu identificar e salvar num museu planejado sob a supervisão de Lúcio Costa em 1937 nos primórdios da SERVIÇO da PATRIMÔNIO ARTÌSTICA (IPHAN) . Com o reconhecimento da UNESCO estas peças começaram a ser consideradas também com bens simbólicos da humanidade


12.11 Tentativas de institucionalizara a memória do projeto jesuítico missioneiro

O projeto iluminista, associado à cultura açoriana de dimensões humanas e domésticas, se contrapôs frontalmente aos projetos ideológicos emocionais e públicos da Propaganda da Fé comandados pelos jesuítas sem família. O projeto iluminista preferiu a construção  de um estado controlado por leis comandas pela Razão e pela lógica dos parentescos. Os açorianos se refugiavam em pequenas casas unifamiliares e seu culto era praticado em pequenas e escuras capelas e igrejas domésticas. Diante disto, as obras de arte das Missões, exerceram poucas influências na elaboração de obras de arte sul-rio-grandenses, provenientes de outros paradigmas estéticos.


O obscurecimento, intencional ou involuntário do projeto jesuítico , gerou, de um lado,  o mito das Missões e do outro a necessidade de decodificar e retornar aos índices logísticos das fontes dos documentos do seu estudo. O movimento modernista entendeu  a dialética de que só poderia lançar rumo a um futuro, se buscasse a sua legitimidade nos valores e nas contradições do passado nacional, por mais imponderáveis  que fossem. Não se tratava de forjar um passado esplendoroso, mitificado e de fácil consumo popular. Esta valorização não constituía um gesto individual de um dos seus membros, mas a coerente ação de um Estado Nacional que se lançava em mais um projeto civilizatório. Um destes projetos foi aquele que criou, em 1937, o Instituto do Patrimônio e Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). O IPHAN criou uma política de estudo, de institucionalização e salvaguarda deste patrimônio nacional além de  cargos para técnicos e recursos do erário público[1]
As Missões foram objeto de um estudo da Revista SPHAN,  nº 04  - 1940 - MISSÕES - pp.55 até 81[1]

Apesar destes esforços individuais e coletivos as obras de arte missioneiras continuam dispersas e os seus documentos numa diáspora da qual não se consegue unidade e coerência. O arquivo institucional e central dessa rede de estudos do projeto e das obras missioneiras jesuíticas, ainda está no horizonte de um vir-a-ser. Este arquivo não encontrou uma sólida rede institucional e um lugar no qual é possível um estudo sistematizado.


A história sul-rio-grandense constitui uma disciplina escolar recente[2]. Os estudos da história da política e da economia do estado do Rio Grande do Sul foram colocados em primeiro plano pelos estudiosos desta disciplina recente. A história cultural só acidentalmente é objeto das suas preocupações e se essa história cultural. Ao se tratar de uma história cultural, os seus limites não ultrapassam, em geral, a história da Literatura.


[1] - O estado brasileiro, ao criar cargos e salários para estes postos, ainda está na lógica pombalina portuguesa e na forma da administração militar com as suas patentes e os respectivos soldos que eram as únicas fontes investidas nesses projetos. O resultado natural, dessa política, foi a concentração dos detentores desses cargos na corte ou na capital federal onde havia um mínimo de condições para o exercício de suas funções. Nos locais mais afastados da corte ou da capital todas as iniciativas e financiamentos corriam pela conta do salário do detentor do cargo. Nas províncias imperiais e nos estados republicanos  brasileiros, o serviço do patrimônio não escaparam dessa lógica administrativa. A administração da educação pública brasileira e o seu  magistério dependem ainda do projeto pombalino.

[2] - O fundador da disciplina da História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o estudioso Dante Laytano repetia, na década de 1980, que ao procurar o Reitor dessa Universidade na década de 1940, para propor a criação da cadeira do Rio Grande do Sul, esse reitor lhe perguntou se havia matéria suficiente para tal disciplina.
CADERNO de LITERATURA . Porto Alegre : AJURIS Ano VII . nº 11, nov. 2003,  p. 13
Fig. 13 –  Ao longo dos dois séculos que decorreram entre a destruição das Missões (1755) até as iniciativas do IPHAN estas peças estiveram ao cuidado de particulares, colecionistas e contrabandistas que as colocavam no Mercado de Arte sem as descrições fidedignas de sua origem, função inicial Assim torna-se quase impossível a reversão aos seus autores, funções e sentido de origem  
O Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) não possui um acervo de obras de artes visuais missioneiras. Este vazio é significativo na medida em que, neste espaço público sul-rio-grandense, outros projetos civilizatórios estranhos impõem a sua lógica de dominação. O conflito entre os projetos políticos e os estéticos estranhos e concorrentes com a estética missioneira desequilibrou o espaço da presença física as obras jesuíticas. Mas não só isto, pois não  houve nenhuma fonte que destinasse recursos significativos ao estudo e a institucionalização do projeto jesuítico missioneiro. Tão pouco houve o incentivo de uma massa crítica qualificada e específica para a sua pesquisa, ao ensino e a extensão para outras atividades culturais como aquele do “Caminho das Missões” ainda embrionário, com poucas legitimações e suportes conceituais, logísticos e investimentos proporcionais.

De outra parte as leituras, interpretações e as narrativas, que possuem como objeto estas manifestações artísticas, dependem do repertório de quem se aventura nestes caminhos da Arte e cujos autores foram silenciados no século XVIII. O simples PASSADO NÃO é HISTÓRIA.

FONTES NUMÉRICAS  DIGITAIS

MISSÕES revista do  SPHAN  nº 04  - 1940 pp.55 até 81.

O projeto civilizatório jesuítico  no Rio Grande do Sul
PROJETO complexo cultural São Miguel
SEMINÀRIO MISSÔES
ARTE MISSIONEIRA
 MISSÂO-_MISSÔES -  Cildo MEIRELES – UFRGS - 1987
FONTES BIBLIOGRÁFICAS
LANGER , Protásio Paulo. A Aldeia Nossa Senhora dos Anjos: a resistência do guarani  missioneiro no  processo de dominação do  sistema luso. Porto Alegre : EST, 1997, 128 p.
LOYOLA, Ignácio de (1491-1556)  EXERCÌCIOS ESPIRITUAIS (1ª impressão em 1548) _ QUINTA COMTEMPLAÇÂO artigos 121 até 126
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TREVISAN, Armindo. A escultura dos Sete Povos. Porto Alegre : Movimento,1978, 112 p
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