quarta-feira, 8 de setembro de 2010

PORTO ALEGRE e a “HISTÓRIA em MIGALHAS” - 09.01

IBERÊ BASSANI de CAMARGO.

“Sob a aparência, estou tentado dizer sobre o disfarce, de um dos membros da raça humana, o indivíduo é de fato sozinho e único e no qual as características comuns a todos os indivíduos, tomados no conjunto, não possuem nenhuma relação com a explosão solitária de um indivíduo entregue a si mesmo”.

Marcel Duchamp.

A obra de Iberê como metáfora dos valores culturais posteriores a 1945.

Parece que Iberê Camargo (18.11.1914–08.08.1994)[1] conseguiu concretizar em si mesmo as palavras de Marcel Duchamp[2]. Ele enfrentou a contradição, a distância e a dialética entre a solidão e a multidão. De um lado produziu a sua obra como indivíduo, na condição de pessoa solitária e isolada. Contudo, como artista, foi impulsionado colocar-se face à multidão humana e da sua atual civilização. A sua obra - como uma explosão solitária - transformar-se em sentido para o todo incomensurável ao qual ele não só pertence – mas ele torna-se representante.



[2] Marcel Duchamp, num colóquio organizado em Hofstra em 13 de maio de 1960. Consta em

SANOULLET, Michel. DUCHAMP DU SIGNE réunis et présentés par.. Paris Flammarrion, 1991, pp. 236-239


http://babilonia.blogspot.com/2007_08_01_archive.html - Foto Evandro TEIXEIRA JB - http://pt.wikipedia.org/wiki/Passeata_dos_Cem_Mil

Fig. 01 - A passeata dos 100.000 em 26 de junho de 1968.


O artista ganha sentido na medida que uma civilização, sociedade ou estado nacional necessitam dos valores e das obras que ele representa e produz. Na medida em que a pessoa e a obra de Iberê possuem coerência com os valores que esta sociedade, civilização e Estado buscam, ele ganhou observadores, reconhecimento e projeção.


Fonte : pasta de Iberê do Arquivo do IA-UFRGS

Fig 02 IBERÊ como ESTUDANTE do CURSO TÈCNICO de ARQUITETURA do IBA-RS



A pessoa e a obra de Iberê Camargo certamente é um dos destaques individuais para esta sociedade, esta civilização e para um olhar retrospectivo das artes visuais da passagem do século XX para XXI em Porto Alegre. Ele viveu e levou adiante a sua obra coerente com o contexto das consciências em construção nas circunstâncias que lhe foram dadas. Esta consciência em construção recebeu o reforço d cultivo institucionalizado de sua memória e a sua obra está sendo objeto de um dos primeiros Catalogues Raisonnés[1] elaborados para um artista que viveu em Porto Alegre.



A sua obra teceu a sua existência da qual buscou a metáfora dos carretéis brinquedo de infância e projetou para a sua arte adulta.




[1] - ZIELINSKY, Mônica Iberê Camargo – catálogo raisnonnée – Volume 1 / Gravuras – São Paulo : Cosac Naif, 2006 504 p. , 692 ils. ISBN 85-7503-528-2




Origem em; http://www.viapolitica.com.br/outro_olhar_ed_100.php

Fig 03 Os pais Adelino, Doralice BASSANI e Iberê CAMARGO.


Filho de um casal de ferroviários o artista teve, na sua origem familiar, as vivências e mobilidade característica da era industrial[1]. Os pais Adelino Alves de Camargo[2] e mãe, Doralice Bassani de Camargo eram ferroviários de carreira. Da mãe trouxe a origem, o sangue e a cultura da etnia italiana que transparece em todos os momentos de sua vida e sua obra maior temperado pela lógica e a persistência do pai.

A obra de Iberê Camargo constitui-se como uma metáfora dos demais valores culturais do período e tornou-se índice máximo de conteúdo com o mínimo de forma dos meio materiais. Nesta metáfora é necessário considerar os projetos políticas regionais e internacionais do período posterior à Segunda Guerra Mundial, inclusive os de natureza estéticas.

Na obra de Iberê Camargo são visíveis os gestos primários, a crueza da pincelada, a matéria acumulada e as forma retorcidas dos temas, que expõem como índices de todas a violências decorrentes e imanentes à cultura mundial da segunda metade do século XX.


A obra de Iberê como esplendor da verdade.

Esteticamente estamos frente ao paradigma da mais autêntica Pintura cuja genealogia procede das concepções de um Giotto, de um Leonardo ou de um Van Gogh e praticada na sua linguagem de conduzir os seus pincéis para cobrir uma superfície com tinta. Pintura que vimos na obra de Ado Malagoli, do capítulo anterior, assumir o seu lugar institucional no Rio Grande do Sul. A franqueza de Iberê recorre à crueza das tintas, distribui, sobre uma singela superfície plana, signos que nos conduzem ao âmago de um ser humano dilacerado pela dor de um mundo com novos problemas. As formas angustiadas e angustiantes apropriam-se do espaço pictórico, produzidas por gestos vigorosos e se expressam por meio de signos intoleráveis para quem não está afeiçoado a busca da Verdade em todas as dimensões. Diante de uma pintura de Iberê Camargo é possível falar em "esplendor da Verdade". Ali está um ser humano que se expõe com toda a sua verdade e das circunstâncias do mundo que lhe foram dadas viver. O seu objetivo era “o conhecimento, mas uma outra forma de conhecimento”, como escreveu[1] o próprio Iberê. O artista transformou em signos pictóricos as suas circunstâncias incômodas, para ele e para o seu público, mas que no conjunto buscam o conhecimento.






Museu de Arte do Rio Grande do Sul Adi Malagoli.

Fig 04 - Iberê CAMARGO - pintura em Tensão


O pintor e o seu público não podem ignorar o fato pictórico proveniente da verdade do contexto político. Esta verdade imanente reduz o tema ao mínimo e como esta necessidade reforça a expressão do truncamento da narrativa pictórica. Este fato pictórico expõe, de uma forma incontornável, a natureza formal da obra. Esta obra valeu-se de matérias, técnicas e instrumentos na sua elaboração das telas com tintas e pincéis e que busca na verdade, empreendida no gesto criador de Iberê Camargo. Em compensação este gesto criador de Iberê possui a necessidade de grandes dimensões e que ele recorreu, em geral, nas obras de mais desafiadoras e impactantes. Estas grandes dimensões e grandes massas de tintas, permitiram ao pintor uma espécie de antropomorfismo pelo condicionamento às proporções ao imperativo das necessidades expressivas e assim penetrar fisicamente na sua obra.


Fig 05 - Iberê trabalhando no mural para o UNESCO


A verdade da pintura de Iberê Camargo.

Ao percorrer o meio telúrico da infância de Iberê Camargo, descobre-se que a paisagem mística sul-rio-grandense inspirou e fundamentou a sua obra adulta. As paisagens da sua terra natal, Restinga Seca, da sua adolescência em Canela, Santa Maria e Porto Alegre, os bairros pobres do Rio de Janeiro e de Montevidéu, acolheram e alimentaram a obra adulta de Iberê Camargo. Na sua maturidade ele regressa à terra natal tal como Ulisses. Esses pontos telúricos subjazem à obra de Iberê e o conduziram nas suas viagens.


Fig 06 - Iberê e o modelo do carretéis


A obra Iberê Camargo constitui um índice da busca da autonomia no interior do grande mar novo e desconhecido da rede mundial. O artista teve a coragem de partir para o desconhecido e substituir por uma rede mundial o seu meio cultural acanhando e provinciano de origem. Esta obra não pode ser reduzida a uma fórmula na qual a relação das partes entre si provocam uma tipologia externa. A verdade do artista fornece a unidade na diversidade. A primordialidade da obra do artista ganha essa dimensão apenas quando vista como um documento autêntico da verdade mais íntima do artista. Contudo, como é possível forjar um documento falso, também é possível forjar uma tipologia uma leitura estilística, mas sem sentido e coerência constituindo-se apenas num singelo levantamento de elementos formais, da temática e das proporções.


Leituras iconológicas da obra de Iberê


Para empreender e ter acesso à leitura iconológica presente ou ausente na obra de Iberê Camargo é necessário confiar no gesto do artista que abra as portas do imenso mistério da verdade do artista. Esta obra evoluiu diacronicamente, entre 1939 até 1994, formando uma série cultural na qual foi criada e à qual pertence técnica, estilística e tematicamente. Esta série é formada por um seqüência lógica de obras coerentes entre si mesmas e ao mesmo tempo respondendo à series culturais mais evoluídas do mundo contemporâneo.

Fig 07 Pintura “os Carretéis”

A obra de Iberê Camargo, situada numa série cultural diacrônica percorreu a sua trajetória numa linha de tempo, de menino vivendo em diversas pequenas cidades do interior do Rio Grande do Sul acompanhando o pai ferroviário[1]. Na capital começou alargar o horizonte intelectual na prestigiosa Secretaria de Obras Públicas do Estado na qual estavam lotadas pessoas com grandes capacidades intelectuais. Dessa posição cômoda ele abdicou, em 1941, em plena Segunda Guerra Mundial, para ser artista em tempo integral, impondo-se o lema "vencer ou morrer pela arte". Vinte anos após alcançou o primeiro prêmio da Bienal de São Paulo. A partir dessa consagração estabilizou-se chegando rapidamente à autonomia, na qual empreendeu a fase mais criativa da sua pintura. Essa contemporaneidade passou pela busca da erudição que estivesse ao alcance do artista. Na juventude em Porto Alegre, trabalhou, de dia, como desenhista de Arquitetura na Secretaria Estadual de Obras.

Fig 08 O Curso, as matérias e desempenho de Iberê Camargo no Curso Técnico de Arquitetura do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul.

Clique sobre o gráfico para ampliá-lo.

À noite freqüentou o Curso Técnico de Desenho de Arquitetura do Curso de Artes Plásticas. Neste Curso teve aulas com os arquitetos Ernani Dias Corrêa e José Lutzenberger, como o engenheiro Ney Crisóstomo e com os professores João Fahrion, Ângelo Guido e Fernando Corona. Este último escreveu a primeira crítica sobre sua obra em 1944[1]

A sincronia dessa obra de Iberê Camargo situa-se numa série cultural que se desenvolveu paralelamente a outras séries, dialogando com os principais movimentos artísticos do século XX. A sua identificação vai derivando para as buscas picturais expressionistas mais autênticas. Logo na chegada ao Rio de Janeiro cumpriu uma etapa de formação na qual o mestre Guignard teve um papel primordial. Numa segunda etapa dialogou com os mestres universais do expressionismo internacional. A partir prêmio da Bienal, ele conduziu o seu pensamento autônomo ao lado das correntes artísticas contemporâneas[1].

Projeções da obra de Iberê.

A obra e a própria pessoa de Iberê Camargo exerceram uma influência no sistema de artes plásticas brasileiro e regional e que estão em pleno desdobramento. A sua vigorosa obra pictórica não deixava indiferente ninguém que o conhecia. Especialmente se esse observador de sua obra, experimentava ou exercia a sua criatividade por meio das tintas e dos pincéis. A sua obra docente, estimuladora e provocadora, fomentou a primeira fase do Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre.


Um mestre da Pintura.

A sua obra docente, estimuladora e provocadora, está sendo continuada pela Fundação de Iberê Camargo. Essa Fundação cria continuadas valorizações da obra do pintor criando em um rigoroso arquivo, reunindo pessoas e equipamentos. Não é possível falar em renascimentos pois Iberê Camargo está vivamente presente nessa institucionalização de sua obra. Ao mesmo tempo, essa obra, não permite que ele seja estereotipado, nem se torne um mito ou seja colocado no espaço sacralizado de "mestre da pintura". As suas inconformidades com a vida e cultura que encontrou, somadas às tragédias de sua vida, se incomodavam ao artista, de outra parte, não permitiram lhe conferir o título gratuito de herói nacional. Contudo, todas essas contrariedades, reforçam as suas dimensão de cidadania, a sua coerência e sua força interior para superar escolhas de vida e o exercício da sua arte tão difícil e corajosa. 7


Os lugares institucionais da obra e da pessoa e da obra de Iberê.

A obra de Iberê Camargo está migrando, em grande parte, das coleções particulares para o espaço da democratização dos museus públicos Nesses lugares públicos ela cumpre algo que lhe imanente, pois uma obra de Iberê é tudo menos uma obra agradável para combinar com uma decoração. A verdade e a autonomia dessa obra não se deixa subjugar por outros paradigmas estéticos concorrentes.


Imagem Correio do Povo 28.05.2008

Fig. 09 - Museu Iberê Camargo


Depois do desaparecimento do artista, todas as energias de sua esposa foram canalizadas para a Fundação Iberê Camargo para subsidiar logisticamente os teóricos e colecionadores da sua obra. O papel de Maria Coussirat Camargo foi crucial em vida do artista na sua passagem da província para a rede mundial.


Fig. 10 - O catálogo raisonée das Gravuras de Iberê Camargo


A obra de Iberê Camargo está a caminho de ser a primeira de um artista sulino a ter concluído o seu "catalogue raisonée". Esse fato permitirá cotejar as obras entre si e a reverter para os múltiplos estudos dos quais já foi objeto. O conjunto desses estudos constitui uma extensa bibliografia e que os meios eletrônicos permitem acessos documentais múltiplos. Esse conjunto transforma Iberê no artista plástico que oferece ao leitor e ao seu observador o melhor acesso em textos já disponíveis para o grande público. Os estudos, de que foi objeto a obra deste artista, criaram referenciais, na palavra e nas imagens dos fotógrafos, para guiar o público nesta obra visual tão densa e difícil para o não iniciado na sua verdade. O próprio artista, como erudito, deixou inúmeros textos que procuram ajudar o espectador em relação à sua obra. Contudo, tanto o artista, como os seus mais próximos críticos, sabem que essa obra não pode ser vertida para códigos de comunicação, pois a essa obra pertence ao plano da expressão e terá vida como obra de arte, enquanto oferecer resistências à sua integral decodificação.



VEJA o TEXTO COMPLETO desta MATÉRIA em ARTE no RIO GRANDE do SUL no site http://www.ciriosimon.pro.br/his/his.html

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