sexta-feira, 2 de novembro de 2012

ISTO é ARTE - 052


ESTILO :
COERÊNCIA da ORGANIZAÇÃO em
 Adolpho MORALES de los RIOS.

O ecletismo é acomodatício e máscara de todas as covardias
(in ANDRADE, 1955, fl 13)


Fig. 01 – A nova edição da  Revista Sociedade Belas Arte de 1911 vem ilustrada com uma obra  de K. LISTO ( Calixto CORDEIRO - 1877-1957) que ele  denominou de “OS AVARENTOS”. Estes são vítimas da “compulsão cumulativa” que Sigmund Freud estudou, descreveu e estigmatizou em diversas obras de sua especialização. A mesma compulsão manifesta-se no mundo estético. As mais diversas obras dos períodos ecléticos são acompanhadas - ou se orientam - por esta mesma compulsão. Caso o seu autor conhece as circunstância e domina e é coerente a materialização de sua obra no mundo formal este acúmulo não possui nenhum aspecto negativo. Mas são casos raros. A falta desta coerência abre licença para pessoas despreparadas para realizar suas obras. Isto os leva - e os prende - ao “rebanho dos acumuladores”. Nesta heteronímia tornam-se incompetentes para realizar uma ruptura estética e epistêmica consigo mesmos e com as suas circunstâncias.

A época da pós-modernidade, ou pós-industrial, corre o perigo de atualizar o mito da “arca bíblica”. Esta nova “arca bíblica” tornar-se, para a Arte nela praticada, uma realidade desproporcional, sufocante e letal no meio de um dilúvio do ecletismo universal.  Os casais de cada bicho de cada espécie (tendência estética) não caberiam embarcados num mesmo recinto seletivo e restrito. As hostilidades entre elas seriam previsíveis e naturais. A prevenção destas hostilidades seria de altíssimo custo e a sua administração de resultados improváveis.  O idealizador deste mega empreendimento necessitaria consultar o Dr Freud ara esclarecer os motivos desta compulsão. Compulsão que derrotou a continuidade do “MUSEU IMAGINÁRIO” de André Malraux (1901-1976).


Fig. 02 – Uma foto do vernissage da Exposição Geral de Belas Artes realizada, em 1909, na Escola Nacional de Belas Artes. Neste registro fica evidente o formalismo que sempre acompanhou - e ainda acompanha - um evento desta natureza. A maioria do público está de costas para as obras expostas. Certamente se este observador fazia mais questão de ser visto e registrado pelo fotógrafo de plantão. Se as obras de Arte se completam no seu observador, com certeza estas obras expostas não podiam contar com esta fortuna, mesmo que efêmera.

Trazemos aqui o exemplo de Adolpho MORALES de los RIOS, (1858-1928) que tentou colocar na realidade brasileira uma forma de um ecletismo. Ele possui os traços de uma tendência de um típico representante do ecletismo estético no Brasil do início de século XX. Há necessidade de concordar, de certa forma, que alguém lhe crave nas costas este alfinete representante do ecletismo estético. Contudo esta impressão é desmentida por um exame mais atento e menos precipitado do arquiteto e urbanista MORALES de los RIOS. Com rigorosa formação erudita na prestigiosa École des Beaux Arts de Paris, chegou ao Brasil, 1889 ano da Proclamação da República brasileira. O exame das circunstâncias de um Rio de Janeiro do prefeito Pereira Passos, impede cravar, a sua revelia e definitivamente, o alfinete como  representante do ecletismo estético nas suas costas deste crítico e esteta espanhol. 

Fig. 03 – O espanhol e basco Adolpho MORALES de los RIOS 1858-1928, numa obra de Calixto CORDEIRO ( 1877-1957 K. LISTO). Com uma obra consagrada na sua terra natal estava a caminho do Chile para ser catedrático. Porém permaneceu na capital do Brasil onde se integrou rapidamente e passou a exercer uma crítica de Arquitetura, Urbanismo e de Arte. Esta crítica era reforçada e autorizada pela sua condição e numa “visão neutral de estrangeiro” na concepção de George Simmel [aliás nascido no mesmo ano do que Morales de los Rios]. Distante de uma endogenia entrópica recebia atenção e público atento especialmente na sua produção concorrente para aqueles da terra na concepção de Bourdieu. Morales tinha condições de realizar uma ruptura estética e epistêmica consigo mesmo, com outros e com as suas circunstâncias pois cultivava uma autonomia  desta endogenia entrópica. Isto torna-se perceptível ao longo da leitura dos seus textos,.  

O alfinete classificatório do entomologista das espécies estéticas de representante do ecletismo impediria qualquer exercício do hábito de integridade intelectual. Este alfinete, na sua rigidez, unicidade e fixidez letal da morte, impediria qualquer compreensão deste ser como ente vivo. Ser que, no entanto, ele continua vivo na erudição do seu pensamento. Ser que remetido e condenado eternamente às prateleiras empoeiradas do um museu mal assombrado de um personagem da “Belle Époque” do mortal alfinete classificatório.  MORALES de los RIOS continua a mostrar erudição viva e de forma veemente nos seus limites e nas suas competências de crítico, historiador, arquiteto e urbanista. Demonstração absolutamente necessária para a época da pós-modernidade, ou pós-industrial, as voltas novamente com o ecletismo geral e o estético em particular.
Qualquer alfinete, ou prateleira, não fariam justiça para as competências desta carapaça brilhante e ativa de MORALES de los RIOS. O seu brilho, a sua vivacidade e a amplidão dois seus interesses são coerentes com as circunstâncias com a estética da pós-modernidade.

Fig. 04 – O engenheiro Francisco PEREIRA PASSOS (1836-1913) estudou nas mais expressivas escolas de engenharia do Brasil e da França. Acompanhou, entre 1857 até 1860, a reforma urbana de Haussmann de Paris. Na passagem do Império para a República, foi um das expressivas figuras da tecnologia  brasileira. Realizou a sua obra máxima como prefeito da Capital Federal entre 1902 até 1906 quando deu outra feição para a antiga capital colonial e imperial.

Para verificar e comprovar a vitalidade de Adolpho MORALES de los RIOS este blog se debruçará sobre um texto seu escrito por ele em 1911. Ele não preserva a si mesmo e não tem a menor dúvida de criticar a sua própria obra.  Este texto contraria toda a corrupção estética de espíritos menos esclarecidos especialmente daqueles que cravam o alfinete da “tagarelice” nas costas de MORALES de los RIOS Distante dos consagrados e louvados mestres internacionais ele passa um crivo fino na inteligência brasileira da área de Arquitetura. Ele os descreveu (1911 -p. 240) assim
“Porto-Alegre, Bethencourt da Silva, Magalhães, Jannuzzi ... muitos outros, protestaram. Não importava: o gosto publica e até o official accompanhava o estucador. Que muito era que isso accontecesse naquellas eras se nos nossos dias mais recentes temos presenciado maiores sacrilégios d'arte feitos sob o amparo official ?”

Fig. 05 –  A vista geral da EXPOSIÇÃO CENTENÁRIO da ABERTURA dos PORTOS 1908. O mandato de Pereira Passo com prefeito já havia passado. As feiras mundiais estavam na ordem do dia de todos os recantos do planeta. A sua moda e glória foi até 1914.   

MORALES de los RIOS esquece a acrópole grega, ou a Roma Eterna ou Paris ou Londres de sua época e e lança o seu olhar no seu aqui e agora. Ele registra a mentalidade que ali colhe no ambiente empírico do Novo Mundo. Mentalidade que não pode concordar de forma alguma com o ecletismo, cópias e aberrações realizadas por espíritos menos esclarecidos e na ladeira da corrupção estética. Registra este contraste em tom irônico:
“Ahi está, num dos mais bellos logares do Rio de Janeiro, um dos seus maiores e mais importantes edifícios em cuja architectura se acham combinados os seguintes elementos «qui hurlent de se trouver ensemble» a saber : mansardas de estylo Luiz XIV, saccadas de ferro estylo Luiz XV, portões e portas de desenho ‘arnovô’, como ineffavelmente dizem algums entendidos na matéria, e, para que não falte nenhum anachronismo, na tal edificação, ahi estão a rematal-o torres medievaes, estylo Luiz XI, com as suas ameias, seteiras e barbacães, a fazerem pirraça lá do alto ao embasamento de estylo hybrido do 1º Império francez. E' isso que nós mostramos com orgulho de rastacouères, como exemplo do nosso progresso social em matéria d'arte”.

Fig. 06 – Certamente o  pavilhão São Paulo - da EXPOSIÇÃO do CENTENÁRIO da ABERTURA dos PORTOS (1908) – “faz pirraça lá do alto ao embasamento de estilo híbrido” na expressão de Morales de los Rios. Pirraça entre tendências estéticas as mais contraditórias possíveis. Pirraça que não encontrava outra lógica ou função além do o efêmero de uma exposição que deseja impressionar pela forma, artesanato e pelo gasto suntuário para o poder originário e para o gáudio dos fornecedores. Estes, além disto,  encontravam um ótimo meio para a propaganda e o marketing dos seus produtos e técnicas para todo mundo e especialmente para o Brasil. Neste, as cidades movidas pelas fortunas acumuladas pelo café, borracha, fumo, cacau e algodão,  foram ávidos em seguir esta moda de aparência de acumulação.

Neste momento desfere a bordoada contra os espíritos menos esclarecidos que transformaram, corromperam a estética do seu projeto da ENBA, por meio de aberrações do ecletismo. Continua o texto em tom irônico  e a beira da indignação:
“E' verdade que si também naquella Escola das Bellas-Artes, que eu projectei e que outros executaram, existem por sua vez taes anachronismos e ridiculices architectonicas «introduzidos  no meu projecto pelo gênio de quem o interpretou com a tolerância do conselho da Escola, do Conselho Superior das Bellas-Artes”. 

Fig. 07 – O atual prédio do MUSEU NACIONAL de BELAS ARTES  projetado por Morales de los Rios, e construído por outros, na Avenida Central (atual Av. Rio Branco RJ). O autor deste projeto teceu uma viva crítica às intervenções de outros e que ser lida no  seu texto, objeto desta postagem.

Porém ele isenta os operários, os fornecedores, os artesões e os artistas. O ecletismo e aberrações do seu projeto vinham de quem encomendava e financiava a obra. O ecletismo e aberrações se originavam nas mais elevadas autoridades do Estado Nacional. Agora ele era direto e certeiro na denuncia da corrupção estética:
“e do próprio chefe supremo do ministério competente» não é de estranhar se naquelle outro edifício vêm-se torres cortadas ao meio, a faca, como pão-de-lot de boda, quando no edifício que devia servir de modelo e de estudo aos nossos architectos se vêem decorações de naipe como aquellas das fachadas lateraes do edifício das Bellas Artes, cupolas ovaes, cupolas pejadas de ordens architectonicas e na execução das quaes parece haver existido o propósito de faltar a todas as regras clássicas mais ou menos convencionalmente resumidas pelo Vignola, pelo Sercio e pelo Palladio”
Certamente a sua condição de estrangeiro e com um olhar reforçado pelo domínio comprovado da Ciência de Arte multissecular lhe conferiam toda a autoridade para realizar esta denúncia. Mas já era  tarde. Pelo que se sabe foi remetido para mais uma das antológicas  “tagarelices” vindas do inflamado espanhol  MORALES de los RIOS.

Fig. 08 – Esta foto de Augusto Cesar Malta de Campos (1864-1957), realizada no dia 14 de dezembro de 1907, mostra os fundos do prédio da ESCOLA NACIONAL de BELAS ARTES (ENBA- atual MNBA) em construção. É possível perceber, ainda, a clareza e funcionalidade da essência da obra arquitetônica. Ocupando uma quadra inteira, com iluminação ao estilo da “domus romana” e das casas espanholas com os seus jardins internos,  isolava dos ruídos urbanos diretos e protegia os acervos das obras de Arte.

As mentalidades - descritas pelo esteta Moralles de los Rios -  não possuem a menor condição de lançar sobre si mesmas  e sobre as suas obras qualquer olhar movido e orientado pelo hábito da integridade intelectual. Para estas mentalidades fixas, únicas e lineares retilíneas  não é recomendável qualquer tentativa da mais singela ruptura epistêmica. Impossibilidade interna para estas mentalidades presas, como um rebanho, ao mercantilismo, oportunismo rasteiro. Impossibilidade externa proveniente das circunstâncias sociais da naturalização da cultura. O destino final destes indivíduos e da sua cultura externa foi o horrendo matadouro e a hecatombe humana e material da Iª Guerra Mundial.

Fig. 09 – A localização privilegiada da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) - a antiga Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) - mostra que o regime republicano estava disposto a gastar, mostrar e evidenciar - em lugar nobre e central - a continuidade do Projeto Civilizatório Compensador da Violência  ao qual ele deveria continuar a recorrer.  Projeto materializado ao lado dos  equipamentos mais visíveis e das suas instituições que constituíam o núcleo central do seu governo. Se este governo necessita recorrer aos meios aversivos da justiça e da ordem, não o faz antes de mostrar, pagar e manter instituições nas quais o cidadão possui condições concretas de apreender, de mostrar, ser visto e ouvido em algo que transcende a sua Natureza de predador de tudo e de todos. As Artes constituem algo significativo para todos neste Projeto Civilizatório. Por que não evidenciá-lo, pagá-lo e mantê-lo neste estágio elevado e privilegiado?

O texto de Morales de los Rios, que estamos estudando, é de 1911. Portanto, foi elaborado ainda ao espocar do champanha e ao som das buzinas e aos roncos dos primeiros triunfantes dos primeiros veículos automotores e anterior à hecatombe industrial mundial, iniciada em 1914. Texto encomendada às pressas ao sol e ao calor escaldante da antiga capital federal e sendo escrito para uma revista de arte, que já estava sendo composta. O leitor sentirá que as ideias futuristas não eram estranhas a este crítico da Arquitetura e da Arte. Ele atuava no Rio de Janeiro que acreditava de olhos fechados no mundo das máquinas e que abria para elas espaços urbanos maiores e triunfantes da tecnologia que jorravam das linhas de montagens industriais.


Fig. 10 – O projeto original da ENBA realizado por Morales de los Rios dava evidentes ocasiões para a intervenção autônoma de profissionais de todas as áreas construtivas, políticas e econômicas. Estes deram asas a sua imaginação e interpretaram e reinterpretaram os detalhes técnicos, os arranjos políticos de um positivismo no zênite e os orçamentos em permanentes flutuações. Não existiam meios eletrônicos de detalhamentos de controle de qualidade e de acompanhamento rigoroso da contabilidade. Assim pode-se imaginar, neste projeto, mais uma motivação para todas estas áreas. Evidente que o resultado final e concreto não podia agradar ao autor de projeto.  

De outra parte não há como separar MORALES de los RIOS do arquiteto espanhol Antônio Gaudi (1852-1926) nem do Francês Alexandre Gustavo EIFFEL (1832-1923) e Jean-Louis Charles GARNIER (1825-1898).  Estes também receberiam o mesmo alfinete e prateleira. Podem ser do mesmo clima cultural, trabalhando e projetando com os mesmos materiais, porém, seria a maior injustiça não perceber o único e o original que cada um dos três e portador e motiva as suas ações.

magem do Google Earth em 01.11.2012
Fig. 11 – O arquiteto MORALES de los RIOS foi o coautor, em1882, do projeto do Cassino da San Sebastian Espanha e atual Prefeitura desta cidade do Mar Cantábrico - Espanha. Este projeto mostra as influências do Cassino de Monte Carlo (1876-9) de Charles Garnier. Ambos os projetos abriam variadas ocasiões para a intervenção autônoma de profissionais de todas as áreas construtivas, econômicas e empresário da indústria do espetáculo. As asas da imaginação espanhola e da época também não faltavam.  O projeto original da ENBA realizado por Morales de los Rios também não pode afastado desta genealogia sob pena de o seu autor não ser coerente consigo e com as suas circunstâncias culturais.

Se há críticos que manejam e cravam o alfinete da “tagarelice” nas costas de MORALES de los RIOS eles não percebem das razões do uso deste recurso da crítica. Este encadeamento loquaz das palavras e coerente com o seu tempo e circunstâncias. O uso deste meio e instrumento permitem não só a defesa da vulgaridade e se instalar numa torre de marfim. O uso do encadeamento loquaz das palavras conduz o nosso olhar e pensamento. Este meio estilístico é coerente e necessário para evidenciar e sublinhar as contradições que as épocas de transição exibem na passagem para outra realidade. Este meio estilístico conduz o olhar e a mentalidade de quem navega nestes dilúvios estéticos e conceituais.
No entanto é necessário concordar que a criatura natural cansa com esta realidade cumulativa e este discurso do encadeamento loquaz das palavras.
A natureza das sequências das tendências historicistas põem em pauta as condições e contradições do antigo helenismo, do maneirismo tateante como hoje é da avalanche da era pós-industrial. Cabe transformar as evidentes contradições de uma tendência historicista em complementariedades. Estas complementaridades pleiteiam o surgimento de algo de novo. O ecletismo busca matar o seu pai e possuir a mãe da reprodução da próxima geração. Próxima geração que aspira a expressar e afirmar algo novo simples e evidente para todos. Contudo vive os ocos das contradições das tendências historicistas do presente. A criatura natural cansa efetivamente para respirar e pensar no meio desta realidade cumulativa estonteante. 

Fig. 12 – MORALES de los RIOS foi o coautor, em 1882, do projeto do projeto da escadaria monumental do Cassino da San Sebastian Espanha e Prefeitura atual desta cidade.  As circunstâncias culturais do seu autor mostram as influências do Cassino de Monte Carlo (1876-9) de Charles Garnier e da sua monumental escadaria do prédio da Ópera de Paris (1875). Influência que estão vivamente presentes no projeto do Palácio do Governo (Piratini) do Rio Grande do Sul.
As asas da imaginação espanhola e da época também não faltavam.  O seu projeto original, realizado por Morales de los Rios para a ENBA, também não pode afastado desta genealogia sob pena de o artista perder a coerência consigo mesmo e com as suas circunstâncias

Os equívocos possíveis no meio destes ocos das contradições e das tendências historicistas do seu presente de arquiteto no Rio de Janeiro em 1911 são registrados por MORALES de los RIOS como
“Por vezes esses arvorados architectos e constructores trabalham em família ; o irmão faz de pedreiro ; o tio é o encarregado, o sobrinho é canteiro, outro parente é carroceiro. Geralmente o primo é que é pintor e o decorador das almanjarras que edificam em franco maçonaria”.

Fig. 13 – A alegria dos fornecedores, da mão obra barata e dos cupins, ratos e representado pavilhão de madeira com lambrequins exibido, em 1908,  na EXPOSIÇÂO CENTENÁRIO da ABERTURA dos PORTOS. El continua a figurar sob os mais variados modelos nos mostruários de fornecedores das “casas prontas” e com financiamento já aprovado para qualquer terreno no Brasil.
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O arquiteto, urbanista e crítico continua a registrar no mesmo texto:
“Todos se unem até que um delles desgarra para por sua vez arvorar-se mestre, constructor, architecto e já vi cartões de visita com a declaração de doutorado em engenharia e em architectura pertencentes a indivíduos que me passaram pelas mãos e que não haviam estudado outra sciencia, nem outra arte sinão a que se pode aprender fazendo regoas de venezianas sobre um banco de carpinteiro... a falta de melhor banco escolar”.
Nestas circunstâncias é fácil verificar uma das causas e uma das raízes deste ecletismo visível no final das obras arquitetônicas da época.

Fig. 14 – O recurso à escariola ao modelo do descrito no texto de Morales de los Rios em 1911  
Se existe tagarelice no texto do crítico e  ecletismo na obra do  arquiteto e do  urbanista, no entanto  o mundo empírico está  mergulhado e comandado pelas forças que erguem os prédios que ele deve trazer ao mundo estético prático e concreto:
“Geralmente é o primo, o parente ou o compadre pintor, o primeiro que desgarra. E' a esses pintores que devemos as nossas famigeradas varandas decoradas de Pães-de-Assucar e de Guanabaras, onde as canoas sâo do tamanho dos transatlânticos, mesmo quando aquelles se vem no horisonte e estes no primeiro plano ; aquelles chapéos de pescadores do tamanho de canoas e aos mesmos devemos essas entradas floridas contra todas as classificações conhecidas de Martius e Linneo, e os anjos bochechudos sustentando cortinas atraz das quaes Christovão Colombo, mal que pese a Gonçalves Dias, ficaria horrorizado das payzagens americanas, que se abrigariam detrás do panno”.

Fig. 15 – O kitsch declarado e escancarado realizado com os materiais e metodologias construtivas e pela apropriação de algumas soluções arquitetura eruditas realizadas “de ouvido” por pessoas descritas no texto de 1911 de Morales de los Rios.

Poderia haver escola teórica e prática para quem ergue fisicamente os prédios do mundo estético prático e concreto o mundo empírico, contudo isto não seria possível sem a educação de quem encomenda e paga a obra e o trabalho.  Nas suas observações MORALES de los RIOS era implacável em apontar e registrar na sua “tagarelice” as causas do descontrole de qualquer projeto sério e coerente: 
“Muitas vezes, quando já a obra permitte percorrel-a sem o atravancamento dos andaimes e sem o perigo das vertigens, a Exma. Sra. do Senhorio, vae visital-a. O pintor está no fogo da composição; Sua Excellencia extasia-se diante do trabalho pictorico; indaga do pobre artista; acaba por saber onde veio á luz pela primeira vez aquelle raio de gênio da pintura decorativa, quaes os seus parentes, o que ganha, o que soffre, o que sente, o que pulsa naquelle organismo privilegiado e ao voltar á casa revela ao marido que o pintor da casa é d'alli ao lado, na terra; a mesma coisa faz que esta seja Villanova de Famalicão, Dores do Rio Verde, — Casamisciola ou Satocochinos, em Portugal, no Brazil, na Itália ou na Hespanha”.

Fig. 16 –Um século após a Exposição do Rio de Janeiro de 1908 – a nova capital federal brasileira foi vítima, em 2008,  do ecletismo,  da tolerância e do marketing e propaganda de bem pior e provisória do que EXPOSIÇÃO CENTENÁRIO da ABERTURA dos PORTOS 1908.
   
As causas do descontrole de qualquer projeto sério e coerente não se originam e nem cessam na realização de uma obra. Elas se reproduziam e multiplicavam na forma de uma praga incontrolável n as recomendações de quem encomenda e paga a obra.  MORALES de los RIOS registra: 
“Ella acrescenta que são mesmo um tanto parentes longínquos do illustre artista e desenvolve para proval-o uma longa genealogia.... Pobre rapaz que pinta tão bem .'... que ganha tão pouco .'... tão explorado pelo bruto do primo que até aos domingos o faz trabalhar.... Havia o tal primo de lhe pagar o desaforo de não lhe ter pintado no forro da sala todos os pássaros da creação e mais alguns outros inventados pelo primo pintor tão prestativo em agradar a donna.... ! A semente está lançada”.
O ecletismo se reproduz com esta semente. Ele parasita a cultura e a sufoca. Tolhe a oportunidade para uma nova geração subir nas suas costas e fazer novos achados estéticos como desejava Le Corbusier para quem viria após ele.
 O pensamento de Morales de los Rios permanece nas suas narrativas. Um pensamento que permanece e é passível de se constituir-se em estímulo para o presente. Ele mesmo percebe as suas próprias obras físicas entregues à obsolescência e à entropia e reage apontando as causas. As suas narrativas podem ser julgadas como “tagarelice” na percepção de alguns.  No entanto não constituem acumulações verbais na tendência de um Marcel Proust e nem tiros a esmo, e no escuro, ao modelo da metralhadora dos aforismos de Ludwig Wittgenstein. Assim como narrativas e o pensamento da academia de Platão permanecem. Permanência apesar de não se encontra o menor vestígio físico desta academia na Grécia atual. Permanência sem que instituição alguma reivindique a sua continuidade deste a época da vida de mestre grego. Da mesma forma o pensamento do arquiteto, urbanista e critico Morales de los Rios permanece nas suas narrativas. Permanência enquanto as suas obras já entravam no ocaso e incompreensão ao longo de sua existência e sem o amparo de uma instituição especifica ciada por ele ou em seu nome. 

Fig. 17 – Cândido Portinari - Antônio Bento, Mário de Andrade e Rodrigo de Melo Franco juntos numa foto em 1936. O Instituto do Patrimônio Histórica e Artístico Nacional ( IPHAN) começava a tomar forma. O prédio da ENBA projetado por Adolpho Morales de los Rios foi transformada em Museu Nacional de Belas Artes no ano de 1937 no bojo da criação do IPHAN

As suas obras físicas podem ser a descaracterizadas, com já foram em vida e até desaparecerem sem deixar vestígios, o seu pensamento permanecerá.  Ele próprio viu desaparecer e tentou salvar as obras físicas do regime colonial brasileiro e do regime imperial.  Não pode salvá-las, nem mesmo em fotos, pois ele não encontrou narrativas coloniais e raros textos escritos específicos de arquitetos ou urbanistas brasileiros. O esforço singular de Morales de los Rios,  para salvar índices físicos arquitetônicos, foi em vão. Ele registrou estra frustração quando escreveu (1911, p.237)
“Alguns d'esses motivos eu phothographei, mas infelizmente havendo cedido esses trabalhos para serem publicados nem isto se fez nem posso jamais conseguir a devolução desses documentos perdidos, como foram, por criminoso desleixo”.
Nem o poder público entendia esta preocupação e nem tinha meios para preservar a memória física do passado:
“A collecção de photographias, de conjunctos de prédios apenas, mandada fazer pela Prefeitura, também ficou perdida no incêndio da officina photograpica d'aquella Repartição e, que me conste, apenas subsiste para lembrança daquelle passado, seus aleijões e suas concepções artísticas, a collecção mandada fazer pela commissão das obras da Avenida Central”.
O próprio patrimônio construído e físico do “período aurífero brasileiro” foi salvo pelo pensamento e pelos textos de Mario de Andrade, Cecília Meireles ou Rodrigo Mello Franco.
Nestes pais de memória curta e pontual - e de muita cobiça política e monetária - há necessidade de muito cuidado com as palavras. Qualquer sentença de qualquer crítico mequetrefe é tomada pela memória curta e pela cobiça, como absoluta e vinda de autoridade inconteste. É o e pretexto de colocar tudo abaixo, construir outro horror que passou por qualquer concurso público e aberto se é que não permanecer como mais uma ruina contemporânea. Por mais horrorosos que tenham sido qualquer campo de concentração ou gulag, é necessário a sua preservação física para advertência para o que ali se passou de fato. Especialmente o Brasil com o imenso território que possui e a urgente necessidade de ocupar todo o seu território.
Existe sempre o argumento externo no caso de não prevalecer um argumento interno da obra, seja desacatado ou naturalizado. A lei precede o fato interno e com argumento externo à obra.  Na obra de Morales de los Rios se houver dúvida em relação à sua natureza interna ela possui este direito externo. Para este argumento externo e genérico leia-se o texto da Constituição Brasileira de 1988
“...Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”.
Restando ainda dúvidas convém ler o próprio pensamento de Adolfo Morales de los Rios em:

FONTES BIBLIOGRAFICAS
ANDRADE, Mário (*1893 -†1945) Curso de Filosofia e História da Arte (1938). São Paulo : Centro de Estudos Folcloóricos, 1955, 119 f.

MORALES de los RIOS,  Adolpho (*1858-†1928)  MESTRES, ARCHETECTOS E SENHORIOS. O BRAZIL ARTÍSTICO - NOVA PHASE  - RIO DE JANEIRO  : TYPOGRAPHIA LEUZINGER  1911 pp 212-244 SOCIEDADE PROPAGADORA das BELAS ARTES e do LICEU de ARTES e OFICIOS do  RIO de JANEIRO http://www.brasiliana.usp.br/node/933    e  http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/06004900

SIMMEL, Georg (*1858-1918)  Sociología y estudios sobre las formas de socialización. Madrid :  Alianza. 1986,  817 p.  2v


FONTES NUMÉRICAS DIGITAIS
EIFFEL Gustave (1832-1923)
ESTILO: COERÊNCIA da ORGANIZAÇÃO - postagem 01

EXPOSIÇÃO 1908 – Centenário da Abertura dos Portos

GARNIER Jean-Louis Charles (1825-1898)

GAUDI Antônio (1862-01926)

KITSCH

MALRAUX André e o Universo das Formas
MUSEU IMAGINÁRIO de MALRAUX e LINA BARDI

Prédio da Prefeitura [ayuntamiento] de San Sebastian [Donosti] - Espanha

RODRIGO MELO FRANCO de ANDRADE (1898-1969)

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