quarta-feira, 3 de março de 2010

CENTENÁRIO da ESCOLA de ARTES do IA-UFRGS 03

Fig. 01 – Entrada do Instituto de Belas Artes com as duas estátuas adquiridas em 1910 para modelos da Escola de Artes
(ver Relatório 1909-1912 de Olinto de Oliveira)


03. – A organização interna da Escola de Artes.


O que constitui a pessoa jurídica em associação do tipo da nossa, não é propriamente o conjunto dos sócios; é antes o seu patrimônio, o qual no caso ocorrente, será formado pelas doações e liberalidades das pessoas que verdadeiramente se interessem pelo desenvolvimento das artes entre nós”.

(Livro de Atas nº I f. 3v da Comissão Central do Instituto Livre de Belas Artes do Rio Grande do Sul Ata de 01.05.1908.).



Apesar de Libindo Ferrás não ter conseguido organizar uma Escola de Artes populosa e massiva, como o Conservatório de Música do Instituto[1], em contrapartida manteve uma coerência administrativa e um contínuo interno e contra todas as circunstâncias adversas internas como externas à instituição. Esta coerência administrativa continuada, gerou uma passagem, em 1936, sem rupturas, entre a Escola de Artes para o Curso Superior de Artes Plásticas, no paradigma que sustentava a emergente universidade brasileira. Este Curso Superior permitiu, em 1970, a passagem para o Departamento de Artes Visuais mantendo a teleologia original da Escola de Artes.


Evidente que a experiência não deixou de pagar os tributos ao pioneirismo e que alcançava as raias da temeridade[2]. O formando em Artes Plásticas de Porto Alegre tinha pela frente um caminho na forma de uma corrida de obstáculos que ele descobria, um a um, ao se atrever a enfrentar o caminho até o final. Entre esses obstáculos estavam: - a falta de uma escola formal superior anterior na comunidade ou concorrente na época; - a carência de estímulos da prática efetiva de bolsas de estudos que eram prometidas, mas jamais cumpridas[3]; - as exposições anuais que eram previstas no regimento, mas poucas vezes tornadas efetivas; - todos esses obstáculos balizados por bancas anuais imprevisíveis; - uma prática de arte rotineira e não personalizada; - a redução do ensino formal às técnicas centradas apenas no Desenho.



Esta estreiteza formal foi pontilhada de incompreensões e de conflitos. São particularmente lembrados, no meio cultural de Porto Alegre os conflitos entre Libindo e Augusto Luis de Freitas (1868-1962),. Das relações entre os dois docentes, o que se localizou no AGIA-UFRGS, foi que, no início do ano de 1917, Libindo solicitou, ao presidente do Instituto de Belas Artes, Olinto de Oliveira[4], o contrato para a Escola, do pintor riograndino, que estava no Rio de Janeiro. Augusto Luis veio a Porto Alegre, assumindo, no dia 21 de junho de 1917, as aulas que eram, até aquele momento, de Oscar Boeira [5].



[1] - O Conservatório inicia suas atividades em 1909 com 75 alunos matriculados. A Escola de Artes inicia as suas atividades em março de 1910, com 7 alunos.

[2] - Esta temeridade, e o abismo que o provinciano deveria saltar, podem ser medidos pela leitura na íntegra do texto do Decreto nº 1232 de 02 de janeiro de 1891 que permitia o funcionamento das Faculdades Livres. Com a íntegra deste exigente texto jurídico em mente, também é fácil avaliar as causas e razões dos tropeços que o Instituto de Artes encontrou na porta da universidade a partir de 1934.

[3] - A bolsa prometida por membros da Assembléia de Representantes e não concedida, foi uma das frustrações de Francisco Bellanca, primeiro aluno formado como professor na Escola. (Scarinci 1982, p.30)

[4] - Memorando de Libindo ao Presidente do ILBA de março de 1917. {021REL}


[5] - Relatório de Libindo ao Presidente de 15.12.1917{021REL}. Freitas tomou iniciativas inusitadas, no estreito ambiente da Escola. Introduziu nas aulas de Desenho Figurado do Curso Superior, o ‘Modelo Vivo’ e gestionou para que houvesse aulas gratuitas à noite. Essas começam a funcionar na noite de 12 de setembro e foram até 14 de novembro de 1917 ocorrendo nas 2ªs, 3ªs e 6ª feiras das 20h00 até 22h00. No ano seguinte funcionaram de 11 de julho até 28 de outubro de 1918. No ano seguinte Oscar Boeira reassumiu, até a chegada de Eugênio Latour, em 12 de maio de 1919.

Fig. 02 – Estudantes no atelier da Escola de Artes em 1925. Na foto (da direita para
esquerda do observador)
Luis Augusto de Freitas, Libindo Ferras e Francis Pelichek (único homem sentado)
Fonte da imagem Diário de Pelichek AGIA-UFRGS

Com a erupção da ‘gripe espanhola’, em outubro de 1918, Freitas foi para a Europa e esteve em Roma, pintando os painéis para o Palácio do Governo do Estado[1], que depois foram colocados no Instituto de Educação Flores da Cunha. Augusto Luis de Freitas retornou, em 1925, para a Escola de Artes, onde, em 1922, havia sido contratado Francis Pelichek. O retorno de Freitas culminou com um sério conflito entre ele e Libindo.


Os confrontos entre os dois, e as ex-comunhões recíprocas, podem ser lidos
como o conflito entre a rígida lógica administrativa implementada no espaço institucional por Libindo Ferras e as carências locais. Essa visão administrativa do diretor da EA de Porto Alegre pode ser contraposta com a visão e a representação de Freitas das potencialidades reais da arte, vividas por ele no campo artístico internacional.
Além da diferença de idades, da incompatibilidade de gênios, eram distintas as origens sociais e a formação cultural de ambos. O conflito[2] que ocorreu entre Libindo e Augusto Luis de Freitas parece ter também as suas raízes na carência de um suporte econômico da Escola de Artes, visível na falta de espaço no sistema artístico local. Venceu a visão burocrática e local de Libindo Ferrás que teve como prêmio a sua confirmação pela Comissão Central da permanência no cargo.



[1] - Para os murais do Palácio Piratini, Antônio Parreiras esteve aqui, antes da Iª Guerra Mundial, pintando os painéis e que de fato foram entregues (Proclamação da República do Piratini e Prisão de Tiradentes) mas não maruflados. Freitas, depois da Guerra, fixou-se na saga dos Açorianos e no Combate da Azenha. Aldo Locatelli, depois da I1a Guerra, interpretou o tema do Negrinho do Pastoreio.


[2] - Os respingos, desse conflito, foram registrados no Livro de Atas da Comissão Central dessa forma: (Renato Costa – secretário do Instituto, solicitado pelo Dr. Sarmento Leite) ‘leu o Ofício do professor Libindo Ferraz, director da Escola de Artes sobre o professor Augusto Luis de Freitas, relatando incidente entre os dous professores, offício esse archivado na Secretaria do Instituto e do ofício do professor A. L. de Freitas solicitando exoneração por não poder trabalhar com o professor Libindo Ferraz. O dr. Renato Costa, a propósito desse incidente, relatou a Comissão Central que ouvio os dous professores e que o professor A.L. de Freitas confirmou tudo quanto aleggou o diretor Libindo Ferraz, motivo pelo qual entende dever ser concedida a referida exoneração. A Comissão Central approvou a exoneração concedida e lamentou a perda, archivando-se na secretaria os papeis relativos a este incidente”.

Livro das Atas nº I, da CC-ILBA-RS , f. 34f, sessão do dia 14.10.1925.

Fig. 03 – Francis Pelichek saindo da sua casa em Praga de viagem ao Brasil, em 1920

Fonte da imagem:
Diário de Pelichek com o título “Assim não se Deve ViajarAGIA-UFRGS

Para a visão e o exercício burocrático administrativo, levado por Libindo, a vinda da figura do europeu Francis Pelichek foi providencial. Ele ingressou em 1922 na Escola, como professor e sem fazer a menor exigência estética ou financeira. Exata atitude permitindo administrar o conflito entre o artista profissional e o profissional do magistério, estritamente dentro das condições locais. Contudo, isso não significou subordinação da fina verve irônica e crítica de Pelichek, como se verá adiante

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DOCUMENTOS – Arquivo Geral do IA-UFRGS

Prédio da Antiga Faculdade de Medicina – CAMPUS CENTRAL – UFRGS

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TESE : “Origens do Instituto de Artes da UFRGS” texto integral em http://www.ciriosimon.pro.br/aca/aca.html


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