Se, por acaso, o quadro original de Leonardo da Vinci aparece flutuando no Guaíba a sua RECEPÇÃO seria duvidosa. Se fosse fruto de um cataclismo mundial certamente todos os possíveis observadores estariam procurando salvar-se de uma ou outra forma . A obra - que atualmente está nos pináculos da sua celebridade - teria sua RECEPÇÃO reduzida a zero. Se isto acontecesse nos dias “normais” de hoje, talvez seria recolhido pelas patrulhas ambientais como lixo contaminante de nossas águas. Com um pouco de sorte a tábua viraria uma emenda da carroceria de uma carrocinha de papeleiro. Como um pouco de mais sorte seria jogado num depósito de coisas velhas. E se a pessoa, que a recolheu, fosse de má índole, esta obra original poderia desaparecer para sempre. Precisaria ter muito mais sorte, para ser encontrada por alguém capaz de distinguir este original de uma cópia realizada por Salomão Sorowitsch, por Han van Meegeren ou um mero produto da indústria cultural.
Espera-se que a metáfora nunca aconteça. Mas ela serve para sublinhar que uma OBRA de ARTE se COMPLETA na RECEPÇÃO. O Guaíba poderia ser o rio Sena inclusive.
A humanidade já viveu a completa destruição das pinturas clássicas gregas e helenísticas. Houve um momento na História em que a sua recepção baixou para zero ou, então, como algo negativo e degradante.
No contrário, quando as artes viveram momentos altos, elas foram amparadas materialmente por toda a sociedade nas quais nasceram. Nestes momentos altos, estas obras, foram criadas e fizeram a fortuna da sua RECEPÇÂO e que se prolongou através do tempo. Em relação às bases da fortuna da RECEPÇÃO da Arte do Renascimento - na Itália e no mundo - Miguel Ângelo afirmou:
“Nesta nossa terra [Itália] até os que não estimam muito a pintura a pagam muito melhor que em Espanha e Portugal os que muito a festejam, por onde vos aconselho, como a filho, que não vos devíeis partir dela, por que hei medo que, não o fazendo, vos arrependereis”
Miguel Ângelo a Francisco de Holanda, 1955, p. 66.
HOLANDA, Francisco de (1517-1584) Diálogos de Roma: da pintura antiga. Prefácio de Manuel Mendes. Lisboa : Livraria Sá da Costa, 1955, 158 p.
Até hoje a Itália vive do investimento daqueles que - na época do Renascimento - pagavam a pintura mesmo não a estimando muito. Deve-se lembrar que, em 1548, Espanha e Portugal estavam no seu apogeu econômico, fruto das riquezas do Novo Mundo e do Oriente.
Evidente que a obra de arte não ocupa o lugar mais lembrado numa escala de necessidades primárias humanas - ao exemplo daquela de Maslow.
Contudo, diante desta mesma memória humana, esta obra de arte salta como um índice claro de uma civilização. Na sua forma material mínima ela narra as bases e as soluções encontradas pelas diversas civilizações e como lidaram com as suas necessidades básicas. Lidaram com estas necessidades - que ainda temos hoje - e eles as resolveram de tal forma que no topo das suas preocupações foi-lhe possível produzir as suas obras de arte universais. Assim a obra de arte constitui-se num testemunho inequívoco do grau de sua felicidade, coerência com sua base material e a busca da verdade que a inscreveu no patrimônio da Humanidade.
Mas atenção: aqui estamos tratando da RECEPÇÃO da Arte. A RECEPÇÃO da cultura é outro negócio !
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