sábado, 4 de agosto de 2012

ISTO é ARTE - 039

GRUPO VÉRTICE
A ARTE em PORTO ALEGRE na TRANSIÇÃO para o SÉCULO XXI.

Criação de Analino Zorzi   - Folder para a Exposição do Grupo Vértice, no GBOEX,  de 24.07 até 10.08..1990
Fig. 01 - Logo do Grupo Vértice

O Grupo VERTICE reuniu artistas, expos suas obras e divulgou manifestos ao longo dos anos de 1989 e 1990. Estas atividades ocorreram num período de rápidas e definitivas transformações em todas as esferas da cultura humana. A Arte também refletia estas mudanças deste período de transição para a Pós-Modernidade. O Grupo Vértice foi também um lugar de trânsito e uma porta para o século XXI. Como lugar transitório não buscou institucionalização ou constitui em associação por tempo indeterminado. Também não formalizou estatutos, contratos, presidência, tesouraria ou secretaria.
Neste trânsito conseguiu realizar 28 reuniões no atelier e escola da artista plástica Vero Corbari 


Foto de Pierry Schultz
Fig. 02 – Alguns integrantes do Grupo Vértice
Analino Zorzi – Pierry Schultz – Verô Corbari – Círio Simon e Mônica Heidrich

Torna-se público, a seguir, um documento, do ano de 1990, que tenta resumir e fixar alguns temas discutidos nestes 28 encontros formais do Grupo Vértice.


A PROFISSIONALIZAÇÃO do  ARTISTA e o GRUPO VÉRTICE

O novo contexto :

O maior legado humano da década de 1980, para o da década de 1990, é um novo contexto histórico. A Guerra Fria, a ameaça da bomba atômica e manipulação ideológica, estão dando lugar para uma nova realidade.

- Como o artista irá expressar este novo contexto ?
 A resposta só poderá ser dada pelo artista. O artista sempre foi o vanguardeiro. Muito contribuíram, para a atualidade, a manutenção da divisão injusta e arbitrária da humanidade em duas facções rivais e a ausência das intervenções civilizatórias do artista para sanar esta divisão injusta e arbitrária.

Agora, a Arte como um todo, necessita ser repensada para sanar esta divisão injusta e arbitrária. O compromisso com o social deve ser buscado com o artista, e apreendido com ele que vive além do ex-muro (partido). Buscado e aprendido com o artista competitivo de brilhante currículo individual e exposto ao capitalismo (mercado de arte).

Para quem acredita na pessoa humana, no valor do indivíduo e na essencial liberdade, a produção artística é a base de qualquer análise sistêmica posterior.


A administração, desta produção individual, face ao novo contexto, merece atenção especial. Certamente a complexidade se multiplica, quando desaparece a sanção do partido ou do mercado de arte. Agora se abrem miríades de possibilidades.



Fig. 03 - Ado Malagoli (1908-1994) no Atelier

Uma das mais comovedoras e honestas avaliações, desta abertura ao novo, foi realizada pelo mestre Ado Malagoli, este ano, ao repórter Ivo Stigger:
Hoje daria zero para a minha obra, principalmente porque levei muito tempo para descobrir a verdadeira Arte, isto é, a Arte com direito de ser livre e alforriada de todas as escolas e academicismos”.
Zero Hora, 17 de julho de 1990, p.4 col. 4

Só um verdadeiro mestre tem coragem para uma declaração destas e revela um exemplar testemunho do tempo absolutamente novo que estamos vivendo. Só um verdadeiro artista, que manteve sempre esta altaneira posição, tem coragem de romper com a sua obra, quando circunstâncias mudaram. Evidencia que a obra do artista é a sua própria vida. Só existe Arte quando ela é a própria vida

Os integrantes do Grupo Vértice dão-se conta desta relação e desejam participar ativamente, com a sua obra e a sua reflexão sobre este novo momento por meio da socialização de sua produção visual e conceitual. O tema da profissionalização do artista, escolhido para a sua exposição pública, foi objeto de exaustivos debates. Estes debates  estão presentes ao lado de sua obra


Fig. 04 – A artista Verô Corbari sugeriu e acolheu o Grupo Vértice no seu Atelier  EU QUE FIZ, inicialmente a Rua Dom Pedro II nº 1220 sala 103 e depois à Rua Carlos Gomes 1510 sala 206

Profissionalização e socialização :

A geleia da coletivização e a salada da arte provinda de grupos submetidos ao consciente coletivo massivo, é de difícil aceitação numa época em que o indivíduo conquistou a sua liberdade e possui instrumentos para manter esta liberdade.

A produção comandada pelo coletivo (NÓS), em geral, está a serviço de comando individual, pois, quando analisada a obra, dita coletiva, resulta uma impostura: o teórico do partido, o marchand, o administrador público...usa o artista para os seus próprio objetivos. Platão definia o escravo “como aquele que faz os do outro”. A racionalização da Arte em nome do coletivo (NÓS) é uma deturpação da Arte.

O artista (como um EU), um indivíduo singular, é o ponto crítico da produção artística. Onto e filogeneticamente representa  a potencialidade de “reflectir” ( fractal), o todo e o coletivo, como a sua individualidade.

O outro (como um TU) é o destino necessário de sua obra. O TU, distinto do EU, representa a possibilidade de julgamento, da neutralidade e do feed-back. O diálogo é sempre desigual. A interação, entre o EU e o TU, nunca terá um repertório único. O NÓS, o coletivo, é uma impossibilidade. O papel do artista é único. É criar suportes diferentes para que o espectador possa criar novas formas de sentir e pensar. Imaginar a possibilidade de um repertório comum e total, entre o EU e o TU, é negar a própria criatividade,

Socialmente e profissionalmente, o artista, assume o papel de lidar com o caos do sensível, com o diferente como o novo assustador. Enfrentar o tabu, muitas vezes com a sua própria vida, exige mais profissionalismo e desprendimento que do militar que doa a sua vida no front heroico.


Catálogo Mostra de Arte 24 de maio até 28 de junho de 1990 GBOEX Instituto Cultural Rua Sete de Setembro nº 604 Porto Alegre RS.
Fig. 05 - - ZORZI Analino – “História de uma semente nº 03”  - 1989 - acrílico - 50 x 70 cm

A tirania do coletivo :

A manipulação, dos desejos e das necessidades primárias coletivas, chegou à exaustão. O mesmo pode-se dizer das planificações ideológicas do além ex-muro.

A exploração dos desejos e das necessidades coletivas foi duramente desmascarada pelas Artes Visuais que adotaram posturas contestatórias que foram erigidas como verdadeiros sistemas acadêmicos. A contestação virou moda.

A planificação ideológica coletiva viu a arte como um supérfluo e o rebaixou ao exotismo popularesco. Raros indivíduos conseguiram manter, toda a sua existência, a fidelidade dogmática ao partido.

De ambos os lados a Arte esteve sob condições severas e adversas. O que resta, para ambos, é retornar a dura realidade do trabalho. A afirmação aguda de sua individualidade, conquistada pelo trabalho contínuo, irá naturalmente para o coletivo. Este novo coletivo será alimentado para que o EU (artista) possa fazer a sua ruptura epistêmica e chegar a novos estágios individuais. Para este coletivo crie pontos críticos de ruptura, é necessário a soma de esforços individuais. Mas estes esforços não são dados como certos e preliminares. O discurso pode ser uma miragem e apenas se afigurar como coletivo.


O Grupo Vértice pensa nesta dialética entre o respeito ao indivíduo e a necessidade da existência coletiva para que este ponto crítico de ruptura seja atingido constantemente. Não só pensa, mas põe a sua produção individual massiva ao serviço do coletivo.


Revista ZH Porto Alegre - Zero Hora - 19 de outubro 1986 – p. 18
Fig. 06 - Fernando  JARROS WORMS (*1959-+1989) integrante do Grupo Vértice  Foto da modelo Diana Szorttyka   http://www.dianaszortyka.com.br/  – Publicidade do Estúdio FERNANDO JARROS

O nível profissional do artista :

A produção profissional do artista assume compromissos de qualidade e excelência, que devem ser mantidos.

A improvisação, a produção esporádica e amadorística, são essenciais e necessárias para quem deseja interagir com o repertório estético. Contudo, quem deseja ampliar e consolidar a sensibilidade do seu tempo, não pode improvisar,  tornar sua produção esporádica ou ser amador.

A criatividade e a sensibilidade dinâmica necessitam de suportes individuais de quem renuncia a uma série de prerrogativas, que naturalmente qualquer indivíduo poderia usufruir. Contudo o preço para consolidar o novo e o criativo, é a fidelidade e a perseguição sistemática do novo, do vital e do criativo, durante toda a existência.

A sociedade possui o direito de provar e examinar o candidato que deseja ser o seu guia e abrir os novos caminhos da sensibilidade futura. O caos, em que nos jogam as paixões, os desejos e a sensibilidade super-aguçada, encontram no artista profissional um verdadeiro guia. Alguém que saiba conduzir e sair deste caos. Neste terreno não é qualquer amador, improvisador ou diletante que nos presta ajuda eficaz.

O teste constante com o público, a abertura sistemática da produção para a crítica e a exposição democrática dos seus achados estéticos são o próprio ar e o oxigênio para a obra do artista profissional. Os “misterinhos”, as mentiras piedosas e o faz de conta sã características de uma sensibilidade artística que ainda não se profissionalizou. O artista profissional já provou – para si e para o grande público – que sua obra tem sólida realidade e se sustenta fora do seu controle e manipulação.

É este espírito público e democrático que mantém as reflexões e a produção do Grupo Vértice em constante interação pública e renovação.


Obra exposta na banca do Trabalho de Conclusão do Curso TCC – de Bacharelado em Desenho no Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 07 – Obra de Jorge Hermann, integrante do Grupo Vértice e que escreveu no seu TCC “percebi que minha questão básica era o processo de trabalho, suas simplificações e suas complexidades, as idas e vindas, os desvios e aparentes desvios”

A loucura e o artista profissional :

A mídia está passando a imagem que o artista criador deve ser louco. O centenário da morte de Van Gogh, a exposição no MARGS, da produção de um doente mental, passa, subliminarmente, para o grande público, a associação entre loucura e a Arte.

Para o psiquiatra, para o artista experiente...lidar com a anormalidade, pode ser um ótimo exercício para lidar, depois, com a normalidade. O psiquiatra, desde Freud, tem no artista um parâmetro constante. Leonardo e Miguel Ângelo, são objetos constantes de reflexão. Mas, trata-se da sua normalidade.

A compulsividade não é profissionalização. Toda vez que o artista racionaliza sua criatividade, pelo compulsividade produtiva, escorrega ara o formalismo, que não tem nada a ver com Arte.

A profissionalização exige o domínio técnico, não como um fim, mas como meio para resgatar efetivamente as suas experiências existenciais, a sua evolução criativa e a capacidade de negá-las, por rupturas constantes. É a grande lição do Mestre Malagoli: “daria zero para minha obra”. É o espírito sadio que não erige a sua própria obra  em fetiche.


O louco, o alienado, não é capaz desta ruptura, de se perceber, a si mesmo, do lado externo de sua obra. Assim torna-se uma vítima fácil para o crítico ou qualquer mediador oportunista

Fig. 08 -  Obra de Pierry Schultz  do Grupo Vértice Foto intitulada “Arco Iris na Praia do Sonho ao amanhecer”

A profissionalização e a liberdade :

Os sistemas que escolhem a política da liberdade têm no artista o seu maior apanágio. Contudo o artista deve-se submeter a todos os testes que o sistema lhe impõe.

No teste, diante da sua escolha da liberdade, o artista necessita contrapor-se, voluntariamente, com a mais terrível escravidão individual no trabalho rotineiro e diário. Face à riqueza, o artista escolherá dispor-se, pessoalmente, ao mais perdulário esbanjamento de sua vida e das suas energias pessoais. Frente à segurança pessoal o artista encontra formas temerárias de contrapor os mais atrevidos riscos de seus mais íntimos e caros projetos e correrem o risco de não darem certo. Ao teste do gozo o artista contrapõe a renúncia a todo prazer individual externo ao seu objeto de especialização. Vale novamente a advertência do mestre Malagoli: “artista rico é apenas mais um rico”.

A afirmação destas renúncias deve ser pública e notoriamente comprovada e divulgada. O sadismo, característico da opinião pública, necessita deleita-se com estas renúncias temerárias e mortíferas e serem a garantia absoluta que só o melhor sobreviveu... Só então o artista terá todas as regalias e os bens que esta sociedade acumulou...!

O ritual iniciatório, que os antropólogos encontram em todas as sociedades, é particularmente cruel e subliminarmente devastador para o artista das sociedades que escolheram a liberdade como uma das suas metas.

A estrutura moral, ética e física do artista, que escolhe submeter-se voluntariamente a este teste de iniciação, nesta sociedade, necessitam serem íntegras e sadias, se deseja sobreviver a este processo.

 Diante das circunstâncias destes testes, que a erudição o estudo intelectual são reforços necessários. O mundo material da produção artística necessita possuir o mundo imaterial simétrico no qual todas estas provas encontram uma legitimação pessoal.

Catálogo Mostra de Arte 24 de maio até 28 de junho de 1990 GBOEX Instituto Cultural Rua Sete de Setembro nº 604 Porto Alegre RS.
Fig. 09 -  Frase de Analino ZORZI do Grupo Vértice.

O Grupo Vértice e a erudição :

A reflexão e a análise conceitual das obras individuais, pelo coletivo, é uma proposta que está em andamento desde a primeira reunião do Grupo Vértice.

A produção, no Grupo, é individual, a reflexão é coletiva.  A produção coletiva do Grupo, se dirige para os processos de socialização e para a adequação de mecanismos de circulação de bens artísticos advindos da produção individual. O universo das Artes Visuais possui a sua ênfase e a consciência da infinidade de caminhos possíveis no âmbito das forças deste campo.

Nas obras dos componentes do Grupo Vértice são perceptíveis e visíveis as vetorizações para problemas técnicos e para temáticas atuais e contemporâneas. O experimentalismo, a pesquisa estética individual, encontram suportes técnicos em constante evolução. Os resultados, evidentes nas obras individuais, são socializados no Grupo interno como ponte para o grupo externo.

As periódicas exposições públicas, dos componentes individuais do Grupo, tem feedback dos seus resultados integrados ao continuo do grupo.  Em relação a este feedback, da ação individual, são planejadas, constantemente, as ações coletivas.

O Grupo procura efetivar, e concretizar, aquelas ações que, de fato, possuem condições de corresponderem aos níveis e aos objetivos do Grupo. Por sua vez o nível de exigência e excelência, que o grupo impõe a si mesmo, é o referendum do grau de respeito que o Grupo mantém do público ao qual se dirige a sua produção.

A fluidez profissional :

Quando o artista perde a conta da sua obra, estoura as estatísticas e confunde a sua existência com a sua obra, chega o momento da fluidez criativa.

Dos diversos graus de criatividade, a que melhor diz das exigências consigo mesmo, aquela que melhor caracteriza os resultados da profissionalização do artista, é a fluidez criativa.

O investimento de tempo, energias, espaço, efetividade, materiais e vontade individual, na construção de uma sólida sensibilidade, constitui algo orgânico e estrutural. Esta soma de partes não pode permanecer apenas no acúmulo pesado, de um conjunto desconexo. Esta sensibilidade edificada, possui condições de abrir contínuos mundos novos para si mesmo e para os outros. É algo natural, vivo, não sufocante e cumulativo passivo.

Todos os integrantes do Grupo Vértice confessam que as horas do dia não sã suficientes para a sua atividade criativa.

As reuniões semanais são constantes revelações de novas obras técnicas e perspectivas que nos sete dias anteriores foram criados pelos membros do Grupo.

A fluidez criativa tem por objetivo a constante consciência criativa entre a experiência existencial e o registro seguro na obra artística.

Resumindo :

O presente texto tentou refletir em relação ao tema da profissionalização do artista visual a partir das experiências concretas do grupo Vértice.

Como obra coletiva não foi realizado destaque nominal aos artistas que compõe o Grupo. Contudo a maior riqueza do Grupo Vértice reside nestas diferentes personalidades que compõe este coletivo. Cada um dos membros possui o seu próprio discurso e necessita ser inquerido na sua individualidade.

Porto Alegre, julho de 1990.

Algumas contextualizações políticas, vistas em agosto de 2012:
O GRUPO VÉRTICE no período de transição
para a pós-modernidade e as circunstâncias nas quais ocorreram os seus 28 encontros.

Em julho de 1989, comemoração do Bicentenário da Revolução Francesa. Em novembro 1989: queda do Muro de Berlim. Entre 1989 e 1991 dissolução da União Soviética.
Entre 1979 a1985 Abertura Política no Brasil e em 1988 promulgação da “Constituição Cidadã”.
De 15.03.1987 a 01.04.1990 governo de Pedro Simon no Rio Grande do Sul
Entre 1988-1993 prefeitura de Porto Alegre com Olívio Dutra.
Dia 15 de agosto de 1989  -fundação do Grupo Vértice de Porto Alegre sob a coordenação de Verô Corbari e integrado por Analino Zorzi, Pierry Schultz, Fernando Jarros WORMS (1959-04/11/1989), Geraldo Soulue Gracioli, Mônica Heydrich, Jorge Hermann, Zilma Ferreira, Círio Simon Rua Dom Pedro II -  nº 1220 – Porto Alegre RS  - 

ALGUNS ÍNDICES VIRTUAIS dos CAMINHOS dos INTEGRANTES do GRUPO VÉRTICE em 2012:

CARNEIRO, Gilmar

CORBARI, Verô

 GRAZZIOLI, Geraldo Soulue
HEIDRICH, Mônica

HERMANN, Jorge Fernando

SIMON, Círio

SCHULTZ, Pierry

ZORZI, Analino

WORMS Fernando Jarros (*1959-+04.11.1989)


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