terça-feira, 19 de junho de 2012

ISTO é ARTE - 036


ARTE compensadora da VIOLÊNCIA do ESTADO.

Fig. 01 –  O Palácio de VERSALHES , construído ente 1660-1682,  foi uma obra que pode ser vista na perspectiva de um projeto civilizatório cujos efeitos se prolongam até os dias presentes ultrapassando vicissitudes de toda ordem ao longo de mais de três éculos. Além de conferir  visibilidade ao Estado Francês e muito além de servir monarcas iluminados, ou déspotas esclarecidos, superou regimes,  revoluções e hoje continua a ser uma fonte de rendimentos diretos e indiretos para a nação francesa, Na época de sua construção, como nos dias presentes, foi um imenso canteiro de obras onde arquitetos, escultores, ebanistas e simples artesões encontraram e ainda encontram o seu sustento com o seu trabalho. O mesmo pode ser dito de grande gama de manifestações artísticas encontram meio e cenário  para as sus manifestações .
O Estado contemporâneo assumiu a prática da violência contra os seus cidadãos que não se enquadram no seu projeto civilizatório do bem estar coletivo. É um contrato público e notório, que este Estado necessita cumprir,  para coibir a violência, o caos e a anarquia que indivíduos isolados, grupos, ou mesmo contra outros Estados que atentam contra o bem estar coletivo. Para tanto ele necessita armar-se física, jurídica e ideologicamente. Ele sabe, desde Hobbes, que as pessoas humanas só obedecem a quem lhes poder dar ou tirar algo. Cabe ao Estado  tirar algo de quem não se enquadra neste bem estar coletivo.
Fig. 02 –  A civilização suméria registrou na arte deste mosaico uma pequena amostra do seu projeto civilizatório quando um músico, portando sua harpa zoomorfa acompanha a cantora que se apresenta numa cerimônia publica dedicada à PAZ.

 Não é só competência deste Estado do bem estar social, mas constitui um contrato com os seus cidadãos no caso de falhar, ou a violência criar corpo. O Estado pratica esta violência, em geral, ao tirar a liberdade daquele incapaz de viver o projeto civilizatório do qual ele se julga o fiel depositário. Pode tirar est liberdade devida ao crime ou a doenças contagiosas. Presídios, hospitais psiquiátricos, colônias de leprosos.. são algumas das instituições que o Estado mantém como uma amostra física deste potencial de retirar a liberdade de seus cidadãos que não se enquadram no seu projeto civilizatório do bem estar coletivo.
Fig. 03 –  Numa visão completa da arte do  mosaico da  PAZ da fig. 02, esta figura  mostra o seu conjunto e aquele dedicado à GUERRA. Eram mosaicos que figuravam simétricos nos dois lados da harpa zoomorfa que o músico portava.  O contraste complementar mostra na figura superior o exercício da violência da guerra que o estado assumira com os seus cidadãos e no inferior as razões que levaram a esta prática coletiva da GUERRA e que certamente era aversiva a todos.  

Cabe aqui uma digressão, pois o Estado contemporâneo professo a sua condição de leigo. Por isto está fora de sua alçada a promessa do bem estar futuro ou da eternidade. Era o seu refúgio no tempo em que Igreja e Estado interagiam e os limites entre poder temporal e imaterial não eram bem definidos. Esta interação e falta de limites continua existindo no mundo islâmico ou budista. No mundo islâmico o Estado e a Religião se confundem e os mártires marcham para a morte com a promessa de um paraíso de virgens. No mundo oriental a promessa de atingir o Nirvana pleno no eterno conflito da construção e destruição ou no taoísmo os complementos  YNG (trevas) – YANG (luz) ou EROS e TANATOS do mundo ocidental.
Fig. 04 – O flagelo e o cajado, ostentados por esta figura Amenofis IV ou Akenaton, apontam para o coração deste faraó egípcio. Como vértice do Estado e da civilização egípcia ele armar-se física, jurídica e ideologicamente tanto para  tirar ou dar. Cabe a ele tirar liberdade e conforto de sua civilização como dar a orientação pelo cajado. Esta dupla ação constituiu a unidade que permitiu ao Egito Antigo atingir estágios civilizatórios únicos, quando o restante da humanidades estava entregue ao caos primitivo,  à Natureza, e barbárie
Desarmado, desta transcendência, o Estado necessita recorrer a outros meios para dar ou retribuir algo que o seu cidadão considera como positivo. Assim recorre a projetos compensadores desta violência e que ele deve exercer contratualmente.
Fig. 05 – O flagelo agora é a espada e o cajado nas mãos do Leviatã, imaginado, em 1651, por Thomas Hobbes (1588-1679)  num momento crítico da cultura britânica. Agora o vértice deste Estado é constituído e é formado pelas multidões que constituem o PODER ORIGINÀRIO britânico. Eles delegam simbolicamente este PODER a alguém que não passa de um símbolo contratual e sem poderes executivos, legislativos ou judiciários. Cabe ao  PODER ORIGINÀRIO  tirar ou dar física, jurídica e ideologicamente castigos ou prêmios. Cabe ao Leviatã-povo  tirar a liberdade, a riqueza e o conforto de sua civilização como dar a orientação pelo cajado. Como no Egito Antigo esta dupla ação constituiu a unidade que permitiu ao Império Britânico atingir estágios civilizatórios únicos e superar um a um povos e culturas que abriram as suas rotas de navegação e trouxeram tesouros das terras novas e distantes e que se encaminharam um a um para os seus bancos ingleses e que permitiram dar o salto de uma primeira industrialização massiva e coerente,

Neste exercício recorre, desde a mais remota antiguidade, à Arte, à Cultura e, mais recentemente,  à Ciência. A Ciência demonstrou que pode facilmente ser transformada em tecnologia e que se traduz em poluição e em guerras tecnológicas e industriais que colocaram a espécie humana a beira de sua extinção.
Fig. 06 –  Um Teatro Romano em  Leptis Magna na atual Líbia  Esta civilização humana antiga, além dos serviços básicos das comunicações e do abastecimento das necessidades básicas empreendia obras públicas sob o lema “Pão e Circo” com a função de estetizar o seu poder brutal levado à níveis intoleráveis.

No caso da Cultura o esporte, os espetáculos públicos deram a fórmula do Império Romano do “Pão e Circo” que no máximo permite encobrir o exercício do poder aversivo deste estado que espalhou, pelas suas estradas, os mais atrozes espetáculos públicos de execuções dos seus cidadãos e inimigos reais ou imaginados. Cumpria-se o antigo ditado: “com as lanças dá para fazer tudo, menos ficar sentado sobre as suas pontas”.
Foto colorida, de 1900, da Ópera.
Fig. 07 –  A Opera de Paris (1862-1875) projetada por Charles Garnier (1825-1898). Esta obra pode ser vista como uma resposta francesa ao desenvolvimento inglês, aos desastres nacionais externos, como da guerra franco prussiana e, internamente, d Comuna de Paris.  Sem um projeto civilizatório não teria sido possível a remodelação radical e estratégica da cidade de Paris pelo barão George-Eugène Haussmann (1809-1891) que abriu espaço privilegiado para a Ópera, hoje denominada Nacional da França. A resposta efetiva francesa veio em 1889 com o Centenário da Revolução, a Grande Exposição Universal e a emblemática Torre Eiffel símbolo da cultura francesa. Acumulavam a experiência do Versalhes de 1660-1682.

Nos Estado contemporâneo os retornos econômicos nos esportes são muito modestos se comparado aos fantásticos investimentos e marketing neles investidos. Isto pode ser visto no efeito das Olimpíadas de Atenas[1], na copa mundial da África do Sul[2] ou na Eurocopa de 2012[3]. O máximo que conseguem é a alienação temporária da população e o desvio da atenção do poder em mãos inábeis ou com outros interesses.



Joseph PAXTON- 1803-1865
Fig. 08 –  A Rainha Vitória (1819-1901), como símbolo do  PODER ORIGINÁRIO do  Império Britânico inaugura o  Crystal Palace em 1851.  As manifestações civilizatórias britânicas caracterizam-se pelas massivas manifestações populares enquanto os soberanos ingleses, sem poderes executivos, legislativos ou judiciários, exercem apenas um poder simbólico. O seu trono ergue-se no centro de uma intensa e movimentada rede das suas rotas marítimas, de posse das terras novas e distantes e dos tesouros que culturas mais ricas encaminharam, um a um, aos seus bancos como salto positivo de seu comercio, mas com menos habilidade e diligência coletiva dos britânicos. Com estes tesouros acumulados nos seus bancos, os ingleses deram o salto de uma primeira industrialização massiva e coerente. É esta era industrial que forma o cenário do  Crystal Palace constituído por módulos industrias produzidas pelas suas fábricas 

A Cultura e a Ciência colocadas sob desconfiança, resta ao Estado o difícil caminho da Arte. Começando a examinar a Arte pela economia. É fato concreto e comprovado que há culturas inteiras vivendo 365 dias por ano, das obras criadas onde floresceu a Arte alguma vez e há séculos no seu território. É só conferir as legiões de turistas que invadem diariamente o Palácio Versalhes, visitam São Petersburgo ou Acrópole de Atenas e centenas outros lugares que lotam os hotéis e restaurantes destes lugares.
Fig. 09 –  O Castelo de Neuschwanstein da Baviera  iniciado em 1869 por   LUDOVICO II ( Ludwig Otto Friederich Wilhel von Wittelsbach 1845-1886)  Rei da Baviera . Em sintonia como o músico Richard Wagner (1813-1883) este rei valeu-se da Arte para eternizar o seu reinado conduzido a um triste desfecho e sufocado pelas ambições de Otto von Bismarck (1815-1896). Em compensação hoje são 3 milhões e meio de visitantes anuais desta sua obra audaciosa. Os investimentos, nesta obra, foram cobertos, não só pelos milhares de empregos que esta obra de Arte gerou, como pelos retornos financeiros em  restaurantes e hospedagem na Baviera

 A dimensão econômica da Arte, no entanto, é mínima diante do seu aspecto civilizatório e da realização pessoal de quem se entrega à sua prática ou ao seu usufruto material e imaterial.  Contudo, quando ela se torna inatingível - para quem não está preparado para a Arte - passa a desqualificá-la como sinônimo de infantilismo, de transgressão até de delinquência. No contraditória a esta concepção a Arte é aquilo que permanece das civilizações, dos Estados ou dos indivíduos e daquilo que eles foram capazes de contribuir de positivo e consolidar em obras que orgulham a espécie humana. Cada obra de Arte carrega - no mínimo de sua forma física - o máximo de conteúdo que uma criação humana pode carregar para qualquer lugar ou tempo.

Le Monde 20.11.2011
Fig. 10 –  O pintor mexicano DIEGO RIVERA enfocou, nesta obra de ARTE, a imensa massa humana na horizontal, enquanto se erguem na vertical  os arranha-céus, da cidade de Nova York . Nesta imagem torna-se evidente o VIGIAR e o PUNIR de Michel Foucault (1926-1984), aplicado a uma civilização humana que adotou o comportamentalismo, a estatística, a Ciência e a tecnologia como ferramentas do seu fazer político e social.

A Arte também como qualquer bem corre sérios perigos de corrupção. A Arte entregue à heteronímia do Estado, da Igreja, das Universidades, das Academias, do Capital especulativo ou de propaganda do marketing, a colocam no campo amplo e aberto das forças da Cultura destes âmbitos. Âmbitos nos quais o máximo que a Arte consegue é contribuir para alienações pontuais temporários da população e o desvio da atenção do poder em mãos que a usam para outros interesses. Esta heteronímia que se avoluma na medida em que a ARTE é apenas pretexto destes poderes se perpetuar, fazerem o se marketing sem a menor coerência e legitimidade da base do PODER ORIGINÁRIO.
Fig. 11 –  Ao longo de Estado Novo Brasileiro (1937-1945) ergue-se o prédio do Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP). Pode-se considera tanto o ministro Gustavo Capanema co esta obra um verdadeiro projeto civilizatório compensador da violência e arbítrio político da época. É verdade, que na mesma época, a maioria dos Estados Nacionais, estava próxima do mesma concentração do poder em mãos individuais e que fustigavam a própria Arte pela desqualificação de “degenerada”.  A compensação,  a este exercício explicito da violência,  veio da Arte. Este prédio contou com a colaboração de Le Corbusier e forneceu aos arquitetos brasileiros um firme contraponto no exercício da autonomia de sua Arte.  O prédio contou com a colaboração de escultores, pintores e o design do seu mobiliário.

As dificuldades são mais que evidentes no campo de forças da Arte. A dificuldade inicial é de o Estado oferecer algo positivo, atrativo em vez de praticar a violência e tirar a liberdade daquele incapaz de viver o projeto civilizatório do qual ele se julga o fiel depositário. Por mais necessário que seja o TRABALHO ele - corrompido pela ESCRAVIDÃO - liquida qualquer projeto civilizatório para o Estado e para o povo. A dificuldade continua no interior da própria da Arte  para transformar o seu Tabu em Totem.
Fig. 12 –  . O design do mobiliário do prédio do MESP tomou em conta a coerência com as obras dos arquitetos,  escultores e pintores fornecendo-lhes a oportunidade do exercício da brasilidade e tropicalidade. Assim cumpria o que Mário de Andrade ensinou aos estudantes da UNE em 1942 quando estabeleceu os pilares conceituais da “pesquisa estética permanente, a atualização da inteligência brasileira e a formação de uma consciência nacional, não em bases individuais, mas coletivas”.  
A criatura humana natural não deseja mudanças. Qualquer esforço de ultrapassar a linha da Natureza bruta, e dada, é imediatamente anulado pela entropia que reconduz, esta mesma criatura,  à sua condição da Natureza animal. Este projeto civilizatório só se consolida em instituições que exercem o papel de origem, promoção e conservação deste legado positivo e do quais todos usufruem e se orgulham sem reservas.
Fig. 13 –  Uma das contribuições brasileiras para a ONU, além do projeto de sua sede, foram dois imensos painéis, um dedicado à GUERRA e o outro, à  PAZ. Obras de Cândido Portinari (1903-1962) eles atualizam, para o nosso tempo,  as representações sumérias das figuras 02 e 03. Estes dois temas, contrastantes e complementares, visualizam o eterno conflito da construção e destruição ou os complementos  YNG (trevas) – YANG (luz) do taoísmo ou o TANATOS e o EROS, do mundo ocidental. Estes conflitos travam, este mesmo conflito, no íntimo de cada SER humano, antes de estarem no mundo externo e se evidenciarem nas ruinosas e sangrentas GUERRAS declaradas e nos sucessivos tratados de PAZ. A Arte cumpre o seu papel catártico individual e coletivo a constituir índices e signos que levam à terapias individuais ou a prevenção coletiva de conflitos evidentes e contornáveis por uma civilização. A ONU e a UNESCO trabalham política, diplomática e contratualmente a estes signos, antes que seja tarde demais e que podem levar à extinção da espécie humana. Portanto os murais GUERRA e PAZ  de Cândido Portinari cumprem, no lugar certo, este papel na sua condição obras da Arte.


 O historiador Marques dos Santos nos mostra, (1997-p.141)  como no Brasil a Academia Imperial de Belas Artes associou-se com D. Pedro II, que “cumpria um decisivo papel simbólico na representação do Estado brasileiro e na legitimação no plano internacional, mas que se constituiu num agente empenhado do ideal civilizatório”. Estado brasileiro que possui atualmente instrumentos legais e jurídicos que permitem uma conduta exemplar de qualquer um dos seus agentes que pretenda agir em algum projeto civilizatório compensador. O caput do artigo 37, pede, a estes mesmos agentes, a prática da “legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência” (LIMPE). A impessoalidade já foi magistralmente descrito, em 1908, pelos fundadores do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul quando afirmavam “o que constitue a pessoa juridica em associações do typo da nossa, não é propriamente o conjuncto dos socios; é antes o seu patrimonio, o qual no caso  occorrente, será formado pelas doações e liberalidades, das pessôas que verdadeiramente se interessem pelo desenvolvimento das artes entre nós[1].  Assim qualquer um que ocupe algum cargo público, tanto no âmbito federal, estadual, municipal ou institucional, sabe e conhece os parâmetros de competência, funções e ações no âmbito de projeto civilizatório compensador da violência que tiver de praticar em nome do contrato público com o bem comum e coletivo.

FONTES BIBLIOGRÁFICAS.

ANDRADE, Mário. O movimento modernista. Rio de Janeiro : Casa do Estudante do  Brasil, 1942, 81 p..

GOMES, Ângela de Castro. (org)  Capanema: o Ministro e seu ministério. Rio de Janeiro  : Fundação Getúlio Vargas, 2000. 269 .

SANTOS – Afonso Carlos Marques dos (1950-2004) . A Academia Imperial de Belas Artes e o Projeto Civilizatório do Império in 180 anos da Escola de Belas Artes  - Anais do Seminário EBA 180 Anos -  Rio de Janeiro : UFRJ, 1997,  pp.127- 146.

FONTES DIGITAIS.

ACRÓPOLE – Atenas - 437-422 a. C.

CASTELO de NEUSCHWANSTEIN - 1869 – 1.3 milhões de visitas anuais

EFEITOS MODESTOS nos INVESTIMENTOS PÚBLICOS nos ESPORTES

PREDIO MESP- RJ  1936-1945
www.vitruvius.com.br/ minhacidade/mc192/mc192.asp 

SÃO PETERBURGO – 1703-1712

VERSALHES 1660-1682

VIGIAR e PUNIR – 1975 - Michel FOUCAULT

YNG – YANG – taoista


[1] - Livro de Atas nº 1 da Comissão Central do Instituto de Belas. Artes do RS – Sessão de 01.05.1908, fl. 3v

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