- ¿ POR QUE o BRASIL não RECEBEU a
ESTÉTICA RENASCENTISTA ITALIANA?
FRANCISCO de HOLANDA (1517-1584)
e a EDUCAÇÃO ARTÍSTICA em PORTUGAL ao
longo do RENASCIMENTO ITALIANO e a DETERMINAÇÃO da ESTÉTICA a SER IMPLANTADA na
COLONIA BRASILEIRA
A formação e a pesquisa
estética sempre foram muito caros e de resultados incertos e/ou
duvidosos.
O governo e a cultura lusitana preferiam importar tendências,
estéticas, artistas, materiais e técnicas de arte de outros centros
hegemônicos. Se na desalentava qualquer tendência individual para a PESQUISA ESTÁTICA AUTÔNOMA, se não proibia o uso da tinta à óleo, a pintura do retrato
dos súditos e qualquer luxo ou exibição de criatividade
Numa
visita, no ano de 1540, de Francisco de Holanda a Miguel Ângelo este estava bem
consciente desta política lusitana devido a um ajudante que o mestre da Capela
Sistina tinha a seu serviço. Fez de tudo pra que o jovem artista permanecesse
na Itália. Mas Francisco preferiu a corte de Lisboa. Ali não teve a menor
possibilidade de desenvolver o seu talento autônomo.
Porém
registrou, por escrito e fez circular as observações pertinentes do mestre
italiano e do Renascimento.
Se
as rédeas para a pesquisa estética eram curtas em Lisboa, muito mais curtos e
patrulhados eram na Colônia.
O
Brasil na soberania teve parco e duvidosa ajuda governamental para a PESQUISA ESTÉTICA, como vimos no episódio de Joaquim LE BRETON e o CONDE da BARCA. Porém
o hábito de três séculos de anestesia, inércia e de proibições continua a
devastar mentes, braços e corações. .
Fig. 01 – A construção monolítica do Estado Lusitano
teve de ser cercar com todo aparato repressivo e onde não cabia um PROJETO
CIVILIZATÓRIO COMPENSADOR desta VIOLÊNCIA ESTATAL EXPLÍCITA e SUBLIMINAR. A figura prostrada de Francisco de Holanda diante desta coluna
monolítica (PELOURINHO) cercada por todo aparato repressivo é índice da
condição do vassalo lusitano para quem a autonomia de um artista poderia se
catastrófica.
O projeto
socioeconômico e político para a colonização portuguesa na América,
empreendida, após o período experimental das Capitanias Hereditárias,
contornou, nas artes, completamente o gênio individual do homem do Renascimento
Italiano. O projeto político colonial que D. João III confiou, em 1549, para
Tomé de Souza, está completamente alinhado com a estética da Contrarreforma e
reforçado pela Santa Inquisição. Este projeto colonial não deixava espaço para
muitas veleidades estéticas, além daquelas da Propaganda da Fé e da estreita
obediência à Coroa Portuguesa. A Propaganda Fé foi confiada à Companhia de
Jesus. A Coroa portuguesa reservou-se os gastos suntuários que ficavam
restritos aos templos e às irmandades rigidamente controladas pela estreita
união entre o rei e o papa. Este projeto permitia exercer o direito da
construção, da manutenção de casas senhoriais e de palácios, apenas em Lisboa,
para o colono português que desejasse voltar para a “sua terrinha”. Contudo estes gastos suntuários dos súditos
lusitanos, jamais chegaram aos pés da variedade e da liberdade de escolhas
estéticas pessoais que os mecenas italianos possuíam. O retrato individual, em
Portugal e suas colônias, era privilégio
dos reis, bispos e provedores das Santas Casas.
Fig. 02 – O
retrato do REI de Portugal DOM JOÃO III era uma das poucas concessões para a
representação de um indivíduo singular. Na pintura da
figura humana do Dom João III ainda é possível perceber uma representação do
soberano anterior à mitificação dos reis monocráticos e taumaturgos.
O português
Francisco de Holanda (1517-1584) viveu duas possíveis escolhas estéticas europeias
que se ofereciam ao mundo na metade do segundo milênio. De um lado estava o
paradigma da estética derivado da política das repúblicas italianas que
privilegiavam o cidadão. Do lado oposta estava a estética derivada da Contra-
Reforma que privilegiava o artistas como súdito do trono e da Igreja, unidos.
Francisco de Holanda constitui um índice dessa escolha que ele teve de realizar
entre os muros da Cidade Eterna[1].
Ele se encontrava na cidade de Roma, em 1540, muito jovem ainda. Ali reinava o
papa Paulo III. A missão que o rei D. João III de Portugal, confiara a
Francisco de Holanda na cidade dos Papas, não era muito evidente, por razões
que se verá adiante. Oficialmente Francisco fora em missão de estudos de arte.
Declarava, de uma forma explícita, que queria ser pintor. Na prática realizou
um verdadeiro trabalho de repórter que lhe conferiu larga fama e abafou
qualquer outra intenção velada ou um trabalho em arte individual. No retorno a
Portugal carregava um bagagem de
entrevistas que registraram o pensamento vigente na Península Italiana.
Recolhera esta bagagem em sucessivos debates nos quais ele registrou o
pensamento vivo de Miguel Ângelo Buonarrotti (1475-1564) com a intervenção da
Marquesa de Pescara-Vitoria Colona (1490-1547), protetora e mecenas do
escultor, do arquiteto, do pintor e do humanista. Uma parte destas discussões
foi publicada em 1548 sob o título “Diálogos
de Roma”. Nesta obra existe o registro de três encontros com Miguel Ângelo.
Num quarto capítulo (livro), faz uma revisão da pintura greco-romana na qual a
ênfases é o valor na antiguidade da arte (mercado de arte). Estes textos eram
acompanhados de desenhos, nos quais este espírito registrava as suas
experiências visuais. Este material não foi publicado e andou sumido até o século
XIX. Com pesquisas mais consistentes a obra de Holanda começou a reaparecer. A
maior parte do seu trabalho está em arquivos de Madri.
[1] - Esta Cidade Eterna já
havia infligido uma dura prova a Leonardo da Vinci, um dos artistas símbolos da cidades repúblicas, fazendo-o
esperar, durante dois longos anos, encomendas que nunca vieram.
https://www.academia.edu/20082907/_Francisco_de_Holanda_te%C3%B3rico_entre_o_Renascimento_e_o_Maneirismo_in_Hist%C3%B3ria_da_Arte_em_Portugal_vol._7_O_Maneirismo_sous_la_dir._de_V%C3%ADtor_Serr%C3%A3o_Lisbonne_Alfa_1986_pp._11-29
Fig. 03 – Após o Renascimento a cidade de ROMA retomava
a sua importância estratégica, politica e econômica. Importância vivamente contestada pela
REFORMA LUTERANA. Porém para Portugal era uma referência e juiz permanente nos
seus conflitos de pretensões da Espanha. A estreita união de Lisboa e Roma não
escondia aos portugueses os suas estratégias militares das quais Miguel Ângelo
era mestre consumado e sempre consultado nas construções das fortalezas e
cidadelas. A arquitetura destas se adaptava ao canhão e à pólvora.
No presente
texto há interesse de vislumbrar, na figura de Francisco de Holanda, as bases
de educação artística que ocorreu na origem da formação cultural brasileira
como colônia portuguesa. Holanda educou-se antes de qualquer instituição
destinada à formação artística formal[1]. O
mundo cultural europeu foi sacudido por intensas transformações ao longo da
juventude de Francisco de Holanda. As conseqüências das descobertas das
Américas, as tentativas européias de se apropriar deste continente, a Reforma,
a Contra-Reforma, o Concílio de Trento, o surgimento da Companhia de Jesus e a
instalação oficial da Inquisição em
Portugal, representavam verdadeiros terremotos para a cultura e para as
consciências dos europeus. Mas, conforme André Castel “é nos terremotos é que se conhece o interior do globo terrestre”. O
solo da cultura lusa não respondeu da mesma forma como solo cultural italiano
vinha se movendo há séculos com o seu Renascimento. Com o seu projeto, para
ocupar largas terras em quatro continentes, Portugal necessitava urgentemente
de projetos para estabelecer e dar uma forma contemporânea aos ´castrum´ da tradição das legiões romanas.
Na ponta deste projeto o jovem Francisco de Holanda, em idade de serviço
militar, entrou em ação. Foi desenhar fortalezas onde os romanos melhor as
construíram e que haviam sido atualizadas pelas repúblicas italianas. Percorreu
a ´via romana´ que leva de Évora até
Roma. Na Cidade Eterna ele encontrou pessoalmente o gênio de Miguel Ângelo que,
a partir de suas experiências florentinas e guerras papais, era mestre na arte
da construção de fortalezas.
[1] Três anos após a visita de
Holanda à Itália, os escultores de Roma fundaram um clube próprio, em 1543,
graças a Miguel Ângelo . Em janeiro de
1563 Vasari elaborou e fez aprovar em Florença os estatutos da Accademia del Disegno colocando-os
artista fora da guilda medieval. Estes
artistas da Academia de Florença, em 1571, não são mais obrigados, por lei, a
se inscrever nas corporações medievais. Em Bolonha os candidatos à artista são reunidos, em 1582, na Academia dos Incamminati dos
Carracci (Lodovico, Annibale e Agostino)
Fig. 04 – Francisco de Holanda mitifica o retrato de
MIGUEL ÂNGELO. Em diversas regiões da Itália era permitida representação de um indivíduo singular. Esta tradição era ainda mais forte e viva nos Países Baixos donde provinham
os antepassados do artista lusitano. Porém realizou esse retrato do mestre
italiano numa miniatura e longe da tradição da pintura holandesa[1].
Mas Francisco
soube dissimular diplomaticamente, com um profundo saber humanista, a sua
espionagem em favor das fortalezas lusas. Vestiu-se com o espirito do
Renascimento. Feitos. Procurou, por todos os meios, construir o seu saber
individual com apenas vinte anos feitos. Abriu o seu caminho entre os maiores
intelectuais da sua época. Investiu toda a sua aparência no seu amor para com a
pintura. É a própria Marquesa de Pescara que nos “Diálogos de Roma” quando ela testemunhou (1955, p.50) que:
“ vós, M. Francisco, o tendes feito tão bem por
vossa namorada a Pintura, que se mestre Miguel (Angelo), não
mostrar outro tamanho nível de amor por ela, porventura faremos com que ela
faça dele divórcio e se vá convosco a Portugal”
Francisco
educara-se em Portugal ainda no regime das guildas medievais na qual aprendera
o ofício de iluminador do seu pai. Este pai viera dos Flandres (Holanda) e
gozava alta relevância na corte lusitana, como iluminador. Assim o filho serviu
príncipes o meio da nobreza e os seus interesses eram lhe familiares.
O TEXTO da OBRA de ARTE : MEMÓRIA e RETRATO: FACE e INTERFACE do PRIMEIRO SUJEITO «MODERN0»
Fig. 05 – O registro manuscrito de Francisco de Holanda
sobre uma gravura de um livro de Vasari cujo desenho ele afirma ser criação do
seu pai. A explosão de livros impressos nas normas de
Gutenberg permitiu que os intelectuais, poetas, aventureiros e comerciantes
conseguissem materializar o seu pensamento e fazê-lo circular nas estreitas
camadas superiores alfabetizadas.
Contudo
Francisco tinha um projeto pessoal bem definido. Sem amoldar à vida cortesã o
seu projeto, usufruía e cultivava todos
os tipos de saberes ao seu alcance neste meio e nesta época. Nem o próprio
evento da viagem o distraiu deste projeto. O seu guia na Itália foram os
monumentos contemporâneos e os da passado.
Ele declarou que roubava um a um e os transportava para a sua terra em
leves folhas de papel sobre os quais os desenhava. O seu amor à pintura e o
desenho foi acompanhado por uma férrea vontade de nacionalidade e lealdade a
quem lhe incumbira da missão. Contra todas as facilidades e recursos que a
Itália podia oferecer ao pintor, ele registrou nos “Diálogos” (1955, p.66) “eu a El-Rei sirvo de Portugal e em Portugal
nasci e espero morrer, e não na Itália”. Esta fidelidade e lealdade è Portugal e ao seu rei, foi fatal para o seu
amor maior. A sua pintura simplesmente não prosperou na corte da sua terra.
Acabou os seus dias, em 1585, como outro funcionário público qualquer enredado
no serviço do desenho de fortes para as conquistas territoriais dos seus
patrícios.
Não adiantou
diagnosticar o problema “ de uma cousa é
infamada Espanha e Portugal, e esta é que em Espanha, nem Portugal, não
conhecem a pintura, nem fazem boa pintura, nem tem seu honor a pintura”
como escreveu (1955, p.03) nas primeiras
páginas dos ”Diálogos”:
Francisco de Holanda colocou na capa
do seu livro a figura de um “louva-deus” representado emergindo entre duas
colunas, faz lembrar a heráldica maçônica É o resultado
e índice de uma iconografia exprimida entre cerceamento da criatividade
individual, do registro objetivo da natureza e da pesquisa estética.
A verdade é que
nem a sociedade portuguesa e nem o projeto cultural, que deveria ser conduzido
pelo Estado lusitano, estavam necessitando da pintura. Se na sociedade e na
corte reinava esta falta de um projeto civilizatório favorável à arte, muito
menos podia-se esperar da colônia brasileira inteiramente presa nos laços
jurídicos do projeto colonial. O homem do renascimento, mesmo aquele que
contato direto com os cidadãos das repúblicas italianas, foi forçado, para o
bem do reino, a mergulhar num inconsciente coletivo avassalador da mística
religiosa alienante do mundo real e da prisão da mediocridade cultivada[1].
O projeto individual, do homem como medida de todas as coisas, era perigoso e
suspeito para os ouvidas e as mãos armadas da Santa Inquisição. A racionalidade
administrativa do legalismo, originário da recém criada Universidade de
Coimbra, promoviam o projeto da conquista da terra e a conversão dos
conquistados à fé, para garantir esta posse
para a Coroa e a Igreja. A pessoa do artista criador, especulador e autônomo era um perigo
potencial na medida em que poderia pleitear o diferente e o divergente deste
projeto da Contrarreforma. De forma particular este perigo redobrava na pessoa
de um discípulo de um Miguel Ângelo que causara tantos problemas para
príncipes, reis e papas que o haviam financiado.
[1] - Na França esta onda de
alienação foi denunciada, nesta época,
pelo jovem La Boetie no seu texto “Da
Servidão Voluntária”. BOÉTIE,
Etienne 1a. Discurso da Servidão Voluntária. Tradução
de Laymert G. dos Santos. Comentários de
Claude Lefort e Marilena Chauí. São Paulo : Brasiliense, 1982. 239p.
Fig. 07 – O imenso império lusitano é sugerido e
representa por Francisco de Holanda na forma de esfera. Porém esta esfera
terrestre ainda era dominada e orientada pelo pensamento antropomorfo. A evidência da Terra, na forma de um Globo é cada vez mais aceita. Porém
o Geocentrismo impunha ainda uma mitologia e uma sequência de imagens que
tornaram a tarefa de desmontá-la quase impossível, na geração seguinte, como
Galileu Galilei (1564-1642)
O
projeto da Contrarreforma, a Companhia de Jesus, com o rígido catecismo da
Propaganda Fé, ameaçando os sentidos humanos com as chamas a Santa Inquisição
pactuada entre Igreja e a Coroa portuguesa. Neste meio político era impensável,
ao homem luso contemporâneo ao renascimento, cultivar uma sadia mente
individual e em cidadãos manter projetos pessoais lúcidos. Do outro lado das
fronteiras, que congregavam as mentalidades atingidas pelo “Livre Arbítrio” da Reforma, o filósofo Espinosa, filho de
portugueses migrados em tempo, resumiu a questão do equilíbrio entre o
liberdade do cidadão, face à segurança do Estado, ao escrever (s´d., p.203) que “num Estado livre, as ciências e as artes
serão perfeitamente cultivadas, porque permitir-se-á a qualquer cidadão ensinar
em público, por sua conta e risco”. Em Portugal rumava-se no exato caminho
contrário. A liberdade de uma consciência de um artista, deveria ceder lugar à
lei, que precedia os fatos. Esta lei era modelada, de forma unívoca, e a sua
aplicação era determinada pelo Estado. Em face de tudo isto, Luís de
Camões teve de submeter “Os Lusíadas” à Inquisição, para ter o
direito de publicar, em 1572, a sua obra em Portugal.
Fig. 08 – A desconfiança de a CIÊNCIA fugir do controle
estatal e eclesiástico é representa por Francisco de Holanda para
desqualificá-la com bruxa medieval e destinada a afastar
o indivíduo singular de sua
prática e acolhimento. Esta imagem contrasta vivamente com
as Sibilas que Miguel Ângelo pintou no teto da Capela Sistina
A aprendizagem individual da arte.
Francisco de
Holanda criou para si mesmo um programa de educação e de aprendizagem, apesar
de todas estas condicionantes, como homem influenciado de longe, pelo
Renascimento. Este programa permitiu que, ao menos, algumas parcelas de sua
obra sobrevivessem a tempos dão adversos. Seguia assim o programa de “nunca
fazer algo que um outro seria capaz de fazer” formulado por
Leonardo da Vinci (1452-1519). Contudo as grandes distâncias geográficas
e políticas e a necessidade da racionalização da produção e da sua
estandardização para uma população cada vez mais numerosa, colocavam, em toda
parte, a necessidade e os pilares da industrialização. O homem, como a medida
de todas as coisas, e a terra, como
centro do universo, aos poucos estavam sendo deslocados por fenômenos, que
ainda não haviam aflorado à consciência individual e muito menos emergido para
a consciência coletiva, para receber um nome ou uma designação universal.
Nas artes a
formação lenta, individual e de resultados improváveis estava dando lugar para
a formação rápida, coletiva e de resultados rigidamente controlados no tempo.
Esta a tarefa que se propunham as diversas academias de arte que se estavam
organizando na entrada do Maneirismo europeu.
As academias de
arte racionalizavam esta formação e impunham programas que, aos poucos, se
constituirão nas bases de currículos coletivos, substituindo o grande esforço
da formação individual do artista. Ainda, que em todos os tempos, o artista
tenha resistido a esta racionalização, na verdade a educação artística também
mergulhou na linha de montagem da produção da escola racionalizada. O campos
das artes, apesar disto, resistiu até o século XX na sua inscrição
institucional na universidade e da qual o Brasil foi um dos pioneiros[1].
Com a entrada da era da Informática já existem acenos institucionais para que o
artista retorne ao projeto da construção individual do seu currículo,
pensamento próprio e a formação continuada antes, durante e após a passagem do
artista pela instituição de arte.
[1] - Ver os decretos-lei nº
19.851 e 19.852, de 11 de abril de
1931, do Ministério de Educação e Saúde
Pública do Brasil, que instituem a Universidade Brasileira e o lugar que as
artes ocupam neste texto jurídico.
Fig. 09 – Os quatro elementos da Natureza concorrem
para um desígnio superior antropomorfo . A clássica
explicação bíblica do HOMEM formado do BARRO com o concurso da TERRA, da ÁGUA,
do FOGO e do AR era um barreira para qualquer pesquisa discrepante e reforçada
pelas barreiras legais das fogueiras da Santa Inquisição. A Igreja condenava e
o Estado executava
Ao retornar ao
exame da formação de Francisco de Holanda, e o fracasso ulterior dos seus
esforços individuais, é possível tirar lições para ler o período inicial da
educação artística colonial brasileira. Para seguir a gênese e o
desenvolvimento da trilha deixada por Francisco de Holanda há necessidade de
uma soberana legitimação interior e ao nível das ideias. Neste universo
interior de Francisco de Holanda, iluminado pelas luzes das ideias, não existe
registro de mágoas pessoais, apesar de toda a consciência da situação aversiva
à arte em Portugal. Esta sublimação foi sustentada pelo idealismo neoplatônico a
partir das concepções encarnadas na arte de Miguel Ângelo tão bem descrito por
Panofsky na sua obra “Idea”[1].
A sincronia de Holanda com o seu tempo, que associava intimamente arte com o
ideal[2],
manifesta-se especialmente com a intenção superior com que Francisco Holanda
concebia o mundo do desenho.
O próprio Miguel
Ângelo soube da forma como Holanda se apropriara da natureza de uma pintura
sagrada, existente na Basílica de São João e elogiou (in Holanda, 1955, p.77) a
formação do artista por meio do desenho “grande
muito grande, é a força do desenho, pode Messer Francisco Holanda pintar, se
ele quiser, tudo o que ele sabe desenhar”
O desenho possui
aqui o sentido do `designio´ ou da ideia. Adiante, no mesmo texto (in Holanda, 1955,
p. 77), Miguel Ângelo sentenciou “somente
o não saber é defeito” Este saber deve ser tão natural a ponto de formar
uma segunda natureza no artista:
“o primor
cuido que tereis por sumo, este é que o por que se mais há de trabalhar e suar
nas obras da pintura é com grande soma de trabalho e de estudo, fazer a coisa
de maneira que pareça, depois de mui trabalhada, que foi feita quase depressa e
quase sem nenhum trabalho, e muito levemente, nãos sendo assim. E este é mui
excelente aviso e primor”
Miguel Ângelo, in Holanda, 1955, p. 82.
[1] PANOFSKY, Erwin . Idea: contribuição à História do conceito
da antiga teoria da arte. São Paulo : Martins Fontes 1994, 259 p
[2]- Segundo Pevsner (1982, p. 53) os artistas da época de Miguel Ângelo
qualificavam o ‘disegno’ como ‘ún
signo de dio in noi’ Desenho ou ‘disegno’,
constituía a base dos mais diversos ofícios e que vinculava as artes plásticas
ao mundo das idéias através do ato da designação mental.
Pevsner
resumiu a importância que a Academia de
Vasari dava Desenho, ao registrar que era a disciplina que reunia os mais
diversos profissionais, trabalhando em materiais diferentes e que procuravam
infundir nesses materiais os conceitos e idéias que os animavam. Assim Pevsner
registra (1982, p 45) que “na «Accademia del Disegno» os seus membros trabalhavam materiais muito
diversificados, e portanto pertenciam a diferentes grêmios, mas o que o que era importante para todos era o
«disegno» e que acima de qualquer outra coisa era «esprezione e dichiarazione
del concetto che sia nell’animo».
Fig. 10 – Francisco de Holanda representa o mundo
empírico povoado de forças que convergem e são comandadas pela Trindade. As metáforas iconográficas mantinham o súdito longe da investigação, da
criação individual e da autonomia, pois recebia pronta uma explicação visual
inclusive para analfabetos. Havia um abismo cm
as obras propostas pelo mestre da Capela Sistina e do Juízo Final.
Esta `grande soma de trabalho e de estudo´ era
inteiramente contrária à cultura portuguesa, especialmente se este trabalho
significasse usar as mãos. O trabalho manual, na época de Francisco de Holanda,
era infamante em Portugal e no Brasil,
conforme texto citado por Lourenço Filho (1940, p. 21) “um cronista, que escrevia em Lisboa, por
meados do século XVI dizia ´aqui somos todos nobres e não levamos nada nas mãos
pelas ruas. O trabalho fez-se para os artesãos ou para os escravos´”
A cultura
luso-brasileira, contrária ao trabalho braçal, era reforçada por uma política
oficial que apenas privilegiava a atividade especulativa. O estado português
reforçava de forma institucional a educação do advogado, do teólogo e do
militar e constituem os grandes investimentos deste Estado, que reproduz e
estimula os interesses da sociedade que sustenta este Estado. A Universidade de
Lisboa (1400) ou de Coimbra (1537) a colhia a elite dirigente e os seus filhos.
A própria instituição encarregava-se de filtrar este saber para os seus
interesses, apesar de professores convidados de outros países. Assim quando Dom
João II fundou, em 1542, o Colégio das Artes, poderia supor-se a criação de um
canal institucional para o desenvolvimento das artes. Mas este colégio não
tinha nada a ver com as artes na sua concepção atual[1].
Frustrava-se novamente o sonho de Francisco de Holanda repassar as suas ideias
por meios sensoriais orientados pelo `desígnio´.
[1] - Nos manuais jesuíticos, a
concepção de arte, era medieval e se referia, de forma particular, a “arte da
retórica” indispensável aos advogados, eclesiásticos e militares
Fig. 11 – O “designio” na concepção de Miguel Ângelo
corria facilmente o perigo em Portugal de se confundir o “desígnio comum de
todos mortais”. Este implacável triunfo da ETERNIDADE
tira qualquer sentido da criação, ao trabalho e intervenção humana na Natureza.
O luxo e
identidade individual do retrato eram proibidos na cultura lusa e ainda mais
numa das suas colônias. Como Francisco de Holanda era miniaturista, esta
proibição retirava-lhe esta possibilidade de fazer retratos, como aquele que
ele realizou do próprio Miguel Ângelo (Fig.04).
A pintura mural
ou a escultura em prédios particulares era outro tabu. O português podia
construir na metrópole obras arquitetônicas com maior ostentação, mais cômodas
e mais amplas, mas jamais nas terras consideradas colônias. A exceção eram os
prédios das igrejas e as ornamentações estritamente reguladas pelo Estado e
pela Igreja. Esta rígida estética oficial colonialista desanimava e jogava na
heteronomia qualquer artistas visual mais criativo.
Francisco de
Holanda era portador de uma tradição familiar de trabalho braçal que herdara
dos seus antepassados oriundos da região dos Flandres. Apesar de seu lugar de
nascimento ser Lisboa e dos seus sinceros protestos de ser português, o seu
sangue flamengo o impelia ao trabalho braçal. Miguel Ângelo criticava
fortemente o trabalho braçal detalhista da pintura dos Países Baixos, carregada
de detalhes e de verdadeiras proezas visuais.
“tudo isto, ainda que pareça bem (pintura flamenga)
a alguns olhos, na verdade é feito sem razão nem arte, sem simetria nem
proporção, sem advertência do escolher nem despejo, e finalmente sem nenhuma
substância nem nervo” Miguel Ângelo, in Holanda, 1955, p. 19..
Francisco de
Holanda não teve condições para realizar o salto de qualidade para fora do
paradigma que herdara dos seus antepassados. Permaneceu preso a sua cultura
pessoal, que cultivava a miniatura, ao estilo do retrato que se conhece de
Miguel Ângelo, e que se encontra nas “Antigualhas” guardadas na Biblioteca do
Escorial. Contudo ele não deixou de registrar o que mestre renascentista
italiano falava da pintura holandesa com leves atenuantes, pois “em outra parte se pinta pior que em
Flandres. Nem digo tanto mal da flamenga pintura porque seja toda má, mas
porque quer fazer tanta coisa bem que não faz nenhuma bem” dizia Miguel
Ângelo (in Holanda, 1955, p. 19.). A conhecida ferocidade das opiniões do
mestre se deteve diante do rapaz que
vinha aprender pintura em Roma. Esta atenuante do velho mestre talvez fosse
pela presença física e a simpatia que nutria pelo jovem. Francisco também não
se manifestou contrário ao pensamento do mestre florentino.
Fig. 12 – O anjo de luz é uma das metáforas do
mensageiro de algo distante e inatingível
criadas por Francisco de Holanda. A infinita distância que se foi
cavando ao longo do período colonial brasileiro entre o súdito e o Estado
Lusitano era mediada por poucos e raros e selecionados indivíduos mitificados.
Não era permitido ao artista desvelar esta mitificação, abstração e distância
intransponível Antes ao contrário cabia reforçar estes mitos, abismos e
abstrações.
A cultura lusa,
de não fazer nada com as mãos, aliada a tradição flamenga do primoroso trabalho
manual do detalhe, forjou mais um aplicado funcionário público do Estado
português. Funcionário público que se especializou na arte de criar detalhadas
instruções, gráficos e plantas, para serem executados por escravos e artesãos.
CONCLUSÃO
Apesar de
Francisco de Holanda constituir-se num caso isolado, e muitas vezes ignorado
pelos historiadores, ele representa um índice e uma amostra importante da
cultura portuguesa da época. Cultura lusa ainda com alguma hegemonia
significativa na época de sua vida, no plano mundial, e que impôs um paradigma
colonial que teve séculos de profundas consequências diretas para a colônia
brasileira.
Francisco de Holanda, com antepassados
flamengos, filhou-se à inteligência portuguesa. Esta inteligência buscou
contatos com Miguel Ângelo, um dos maiores expoentes vivos do apogeu da cultura
do renascimento. Italiano.
Nos textos “Diálogos de Roma” adivinham-se estas
três culturas. Eles aproximam-se e constituem uma radiografia da cultura e dos
valores artísticos vigentes na época na Europa e em Portugal, onde houve
escolhas cruciais para cultura brasileira. Seguindo o conselho de Ricœr há
necessidade de retornar para meio cultural onde os agentes ainda possuem
dúvidas em relação ao futuro das suas escolhas.
Fig. 13 – A antiguidade clássica romana e grega estava
sendo desvelada em raras amostras como a “Domus Áurea” em pleno centro de Roma.
“A esta tendência estética, anterior às pesquisas
arqueológicas científicas, denominou-se de ‘Grutesco”[1] e que Francisco de Holanda
reinterpretou nesta imagem ao seu modo e com seus recursos.
Nesta escolha
fica evidente que a matriz da cultura brasileira ficava numa heteronomia muito
mais profunda do que as demais futuras colônias anglo-saxônicas. Esta
heteronomia fica mais evidente quando acompanharmos a intencionalidade e os
esforços portugueses para implantar no Brasil, a partir de 1549, um novo
projeto colonial. Tomé de Souza trazia determinações claras e unívocas,
referendadas por Dom João III, para a colônia brasileira, quando ele. se fixou- em Salvador
Havia sido o
mesmo Dom João III que autorizara a ida de Francisco de Holanda para Roma,
colocar-se a par do movimento cultural originário das repúblicas italianas. O rei português contudo, nas suas dúvidas, acreditou nos
jesuítas, portadores da Contrarreforma.
Fig. 14 – A esferas celestes dominadas por forças e
energias humanas evidenciam o drama que se seguiu o tempo em que descobria que
este SER humano não era a medida e a razão da existência destas forças e
energias. A partir deste ponto o Maneirismo
reage e busca encontrar outras energias e forças.
As reportagens,
que o jovem Francisco havia realizado com um velho mestre renascentista
italiano, foram relegadas, durante séculos. Convinha esconder estas
reportagens, e, se possível, apagar da consciência dos súditos, vassalos, e,
muito mais, para os escravos, que não podiam deliberar e decidir. Ao
ressurgiram para a História, reapareceram como testemunhas de uma escolha
crucial “equivocada”. Documentos que são testemunhas silenciosas de gerações de
súditos e de potenciais artistas que não tiveram a sorte de Francisco de
Holanda conhecer e interagir com a mentalidade de um artista crucial da arte
mundial, com seus hábitos de autonomia e criação artística individual
conquistada a duras penas. Se as condições de um artista na corte de Lisboa eram
estas, é fácil imaginar o que aconteceu numa colônia fechada e da qual não
temos documentos. O mais impressionante e aterrador é contemplar os hábitos de
servidão e de aniquilamento alimentados e cultivados ao longo de três séculos
no Brasil. A entropia na inteligência, na vontade e na inteligência do brasileiro
estão vivos e ativos nos seus costumes de heteronomia de expressiva massa
populacional atual.
A estética do
renascimento italiano ficava no espelho retrovisor da carruagem do rei e de
seus súditos. O caminho era irreversível em direção à Contrarreforma.
Fig. 15 – A assinatura disfarçado de Francisco de Holanda
é um dos últimos lampejos da individualidade do artista na pista do
Renascimento Italiano. Com o projeto da CNTRARREFORMA e da
PROPAGANDA da FÈ desaparece a assinatura do artista na cultura luso brasileira.
Esta assinatura e o nome do artista só retornarão ao Brasil com a entrada da
Missão Artística Francesa, em 1816.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS
BOÉTIE,
Etienne La. Discurso da Servidão
Voluntária. Tradução de Laymert G. dos Santos. Comentários de Claude Lefort e Marilena
Chauí. São Paulo : Brasiliense, 1982.
239p.
DESWARTE-ROSA, Sylvier. «Idea et le temple de la Peinture: Michel-angelo Buonarrotti et
Francisco de Holanda» in Revue de l´ART. Paris, nº 92, 2º trimestre,
pp. 20-42
HOLANDA, Francisco de (1517-1584) Diálogos
de Roma: da pintura antiga. Prefácio de Manuel Mendes. Lisboa :
Livraria Sá da Costa, 1955, 158 p.
LOURENÇO FILHO. Tendências da Educação
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MATTOS, Luis Alves. Primórdios da Educação no
Brasil ; período heróico (1549-1570) Rio de Janeiro : aurora, 1958,
306 p.
PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. 3a. ed. São Paulo : Perspectiva. 439p.
--------Idea:
contribuição à História do conceito da antiga teoria da arte. São
Paulo : Martins Fontes 1994, 259 p
PEVSNER, Nikolaus. Las academias de arte: pasado y
presente. Madrid :
Cátedra. 1982. 252p.
SPINOZA, Benedictus. Tratado político.
Rio de Janeiro : edições de Ouro, s/d, 235 p.
FONTES NUMÉRICAS DIGITAIS
GRUTESCO
FRANCISCO de
HOLANDA (1517-1585)
AUTO
RETRATO
DE
ÆTATIBUS MUNDI IMAGINES
Desenhos
ASSINATURA
O
PAI de FRANCISCO
LIVRO
ao PAPA
SYLVIE DESWARTES-ROSA e FRANCISCO de HOLANDA
Revue de l´ART. Paris, nº 92, 2º trimestre, pp.
20-42
ROMA
O MAIS
INUTIL dos TEMERÁRIOS
1ª versão: Porto
Alegre –RS – Setembro de 1992
2ª versão: Porto Alegre
–RS – Maio de 2005
3ª versão Porto Alegre –
RS Dezembro de 2014
4ª versão Porto Alegre –
RS Fevereiro de 2016
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