O Grupo de Bagé
e a modernidade das artes visuais no Rio
Grande do Sul.
Marilene Burtet Pieta [1]
Muito já se tem escrito e visto a respeito do Grupo de Bagé, espécie
de turning point em nossa história.
Acessado sempre em nome de uma proposta artística vigorosa e unívoca das
primeiras locomotivas da modernidade e de uma arte gaúcha.
É nossa intenção, enquanto curadores, fazer um apanhado histórico
conciso deste grupo – tentando corrigir eventuais imprecisões e fornecer
subsídios para quem os encontra pela primeira vez – sobre a sua história, que é
a história do surgimento da nossa modernidade nas artes visuais do Rio Grande
do Sul.
[1] PIETA., Marilene. «O
Grupo de Bagé e a modernidade das artes visuais no Rio Grande do Sul» in VEECK
Marisa et
alii Caixa Resgatando a Memória. Porto Alegre : Caixa Econômica Federal,
1998 , pp.29/57
Revista HORIZONTE out.-nov. 1952 ano 2 nº 9 – capa - Imagem digital fornecida por Cícero Alvarez . Acervo
de Maximiliano FAYET
Fig. 01 - O
cultivo da roda de companheiros de trabalho e da discussão de todos os temas é um
valor subjacente `cultura sul-rio-grandense. Discussão sem “patrão” ou
“peão”, de igual para igual sem
preconceitos de raça, credo ou ideologia. O artista plástico Vasco Prado nos permite
entrever - na imagem acima - uma reunião
do grupo que mantinha a Revista Horizonte e do qual participavam os integrantes
do Clube da Gravura.
Não obstante esta constatação, é também nossa intenção não permanecer
apenas como empreitada erudita, mas buscar um papel polêmico e atualizador
nesse percurso histórico de cinco décadas, através de iniciativas vivas
(especialmente visuais) numa produtiva reanimação de seu sentido e reavaliação
de seus méritos.
Comecemos dizendo o que se entende por Grupo de Bagé hoje, a realidade
de seu surgimento e seu trânsito na
história, que comporta vários episódios envolvendo numa constante a atividade de
quatro artistas do episódio inicial: Carlos Scliar (Santa Maria,1920 - Cabo
Frio-RJ, 2001 ). Danúbio Gonçalves (Bagé, 1925 - ), Glauco Rodrigues (Bagé,
1929 – RJ 2004 ) e Glênio Bianchetti (Bagé, 1928 – Brasília, 2014).
Revista HORIZONTE jan-fev. 1954 ano 4 nº 26 – capa - Imagem digital fornecida por Cícero Alvarez. -
Acervo de Maximiliano FAYET
Fig. 02 - O muralismo - como mensagem pública e
universal - numa obra de Glênio Bianchetti. Aldo Locatelli já estava
atuando em Porto Alegre e substituindo José Lutzenberger Glênio como estudante de ambos os mestres cultivou o
mural como forma de expressão artística.
A realidade inicial ocorre na cidade de Bagé, sendo que o grupo como
tal se forma em torno das primeiras tentativas de atualização da arte entre
nós, composta a precípuo por escritores, poetas e músicos, como Pedro Weine,
Ernesto Dutra e Clóvis Assunção. Os artistas plásticos (aspirantes) se juntam a
eles, em torno da orientação dada na literatura por Pedro Weine[1],
poeta ao mesmo tempo moderno e regional: são eles Glênio Bianchetti, Glauco
Rodrigues, Clóvis Chagas, Denny Bonorino e Júlio Meireles, que, até então
autodidatas, desenham, pintam copiando ilustrações de calendários. Glênio e
Glauco, os que perseveraram, seguem formulando noções de arte sobre concepções
de modernidade incipiente e, mais tarde, com informações vindas de “ouvido”
desde uma longínqua Semana de Arte Moderna de 1922, temperado no olho por ilustrações de Lasar Segall, autor
lituano abrasileirado, tido como um dos mais valorizados no Brasil da época.
Glauco e Glênio compreendem o nível de “ruído” desta informação moderna,
admitindo, atordoados, sua pintura absurda e desprovida de técnica, plena de
sentimento e drama.
[1] -
É a recuperação e apreciação de noções de regionalismo e folclore, graças a
esse poeta – autor de Xarqueadas que, desde os contatos pessoais com Mario de
Andrade, em São Paulo, assimila seu modernismo pau-brasil, em especial. Essas influências
são disseminadas via Bagé para o campo cultural sulino, ainda imaturo, mas
receptivo a aguardar condições de apreensão e fixação.
Imagem in VEECK Marisa et alii Caixa Resgatando a Memória. Porto Alegre: Caixa Econômica Federal,
1998 , p.50
Fig. 03 - A
roda de companheiros da discussão também é circulo do trabalho coletivo. Danúbio
Gonçalves produziu uma série de imagens
do trabalho coletivo que manteve a
economia sul-rio-grandense por longo período . O trabalho coletivo é gerador
de união conforme Theotônio dos SANTOS, “Conceito
de classes sociais”. Petrópolis: Vozes, 1982. 81 p.
Caracterizam assim, na região, o modernismo irrestrito, experimental e
iconoclasta dessa época de exceção, já que antes de se firmarem como matriz
expressionista solida e segura, se permitiram indagações e recuos a permear seu
percurso. O expressionismo, sem dúvida, foi o ponto de partida das matrizes e modelos formais de
cada um, forma e conteúdo no sentido de atender à necessidade de expressão mais
emotiva, inicial, e à veemência das posturas sociais crescentes, até o
surgimento do Clube de Gravura. O expressionismo nas artes visuais e no cinema
alemão, assim como o neorrealismo italiano, presentes também no contingente da
imigração do Estado, eram razões a mais para reforçar a figuração inicial
exacerbada daqueles aficionados do cinema.
Revista HORIZONTE jan. 1952 ano 2 nº 1 – capa - Imagem digital fornecida por Cícero Alvarez d
Acervo e Maximiliano FAYET
Fig. 04 Os episódio da Coluna Prestes que
peregrinou ao longo de milhares de quilômetros no interior do Brasil e da
América Latina e por diversos anos (1925-1927) foi o motivo de uma obra de
Glauco Rodrigues para capa da Revista Horizonte. A escolha de um personagem como paradigma
de doutrinas, interesses, de política publica,
da propaganda e marketing é coerente com a fabricação de “gênios” e dos
quais o século XX foi um generoso mostruário. Os “gênios da arte” constituíram-se
numa constante a partir do da Academia Francesa e reforçada pelo EU do
romantismo. Os “gênios da arte”
constituíram-se contra o anonimato e falta da imagem pessoal do artista
colonial brasileiro.
Em 1946, os contatos visuais mais concretos – óleo sobre tela – com um
pintor carioca lhes ministrava aulas de pintura, seriam o reforço para uma
formação artística, a se profissionalizar com o tempo. As aulas de pintura
ministradas por José Moraes, formado por Quirino Campiofiorito na Escola
Nacional de Belas Artes, e contatos com Portinari, o que fez haurir adequadas
noções de arte como forma de linguagem autônoma, assim como seu papel social e
cultural. Moraes vem a Bagé, em viagem pelo país como prêmio conferido pelo
Salão Nacional de Belas Artes. Em Bagé, cidade onde residem seus pais,
permanece por um ano. Ali, exerce influência moderna europeia da Escola de
Paris dos anos 20, com seu cosmopolitismo internacional, caracterizado por
simplificações da linguagem e temas comuns, além das demais escolas do início
do século, como modelos precocemente digeridos. Para Glauco, de 45 a 50, a
pintura do Grupo comportava, no instinto, todos os ismos do modernismo
europeu. Estudam, aos poucos, as
vanguardas europeias, mesmo defasadas em espaço e tempo (Europa 1905 – São
Paulo, 1922- RS, 1946). O realismo só se evidenciaria no início dos anos 50,
após novas orientações estéticas.
Carlos SCLIAR - PELA PAZ - gravura em cores 1952 acervo Pinacoteca São
Paulo original do detalha da capa da
Revista HORIZONTE jan. 1951 ano 1 nº 6 – capa - Imagem digital fornecida por Cícero Alvarez.
Acervo de Maximiliano FAYET e
Fig. 05 A gravura de Carlos Scliar expressa a
expectativa da socialização coletiva e massiva única. Qualquer palavra de ordem é boa, contanto que seja inócua e
distante dos pretextos dos conquistadores subliminares do poder. Estes não declaram e nem abrem um pacto
coletivo ao longo do rumor destas marchas e contramarchas. As ideologias necessitam desesperadamente de prosélitos para
dar visibilidade e contundência na conquista do poder central estatal. Após a conquista do poder estatal, as palavras
de ordem - que conduziram estes cortejos e manifestações - são ignoradas e
silenciadas.
Acrescente-se a esse clima de aprendizado inicial, em Bagé, de Carlos
Scliar, em 1945, a tomar contato com os então membros do grupo, por uma tarde,
na casa de Pedro Weine, evidenciando a sus convicção de modernidade e vivência
artística já sedimentada por muitos acontecimentos[1].
A nosso ver, a presença de Scliar no Grupo começa aqui, aguardando o momento
oportuno par ser legitimada oficialmente, quando a historia é relida em 1976,
por ocasião do projeto Cultura “por uma Arte Brasileira”, da Secretaria de Turismo,
Educação e Cultura do Estado do Rio Grande do Sul, em setembro daquele ano[2].
No texto do catálogo, Antônio Hohlfeld recoloca situações, favorecido pela
distância histórica e pelo depuramento
conceitual de várias décadas, na almejada união dos quatro artistas, embora as
eventuais distância entre cada um.
[1] - Carlos Scliar, em 1945, já era um artista
pronto, enquanto qualidade e influência moderna no RS, só comparável a Iberê Camargo. Já fora ilustrador da Globo
em 1936, fundador da Francisco Lisboa em 1938, teve contatos com Portinari em
1939. Foi membro da Família Artística Paulista, tendo feito sua primeira
individual em São Paulo, convidado por Lasar Segall e organizado o Salão de
Arte Moderna para o bicentenário de Porto Alegre, em 1940. Já estivera em Paris
no convívio de artistas importantes do porte de Maria Helena Vieira da Silva,
em 1943, além do estágio na Força Expedicionária Brasileira, na Itália, onde
experimentou os horrores da guerra e a dimensão da condição humana, refletidos
por contrapartida em sua arte posterior. Isso só para constáramos a maturidade
de sua arte neste momento e seu p0apel de arauto indiscutível da nossa
modernidade.
[2] Em que
pesem os interesses políticos que envolvem a exposição e os interesses desta
Secretaria, ocupar-nos-emos apenas com
os eventos artísticos. Os detalhes sobre a mesma se encontra amplamente
enunciados no citado catálogo.
Danúbio GONÇALVES Xilogravura
Medalha de Prata Salão Nacional Rev. HORIZONTE out-nov. 1953 nº 9
Fig. 06 - Estão evidentes nesta xilogravura de
Danúbio Gonçalves as influências de Portinari, de Goeldi Carlos Oswald. Esta
sintonia cultivada na aprendizagem e convívio com estes mestres permitiu ao
artista gerar umrepertório próprio e sem cair na heteronomia ou da Natureza ou
da mitificação pronta e pasteurizada do TIPO IDEAL e ÚNICO do gaúcho.
Ainda dentro da formação do Grupo, em 1948, a eles se incorpora
Danúbio Gonçalves, até então estudando no Rio ou viajando à Europa, mas já
tendo exposto em Bagé , em 1944, com temas sociais.
Cabe agora o primeiro gesto concreto de socialização desta
experiência, na reunião efetiva de todos, com a montagem de um atelier coletivo
de artes visuais, especialmente de pintura[1],
e em função de ele sediar mais tarde, uma galeria de artes, entre as primeiras
no nosso Estado. Fazem parte do atelier Glauco, Glênio, Danúbio e depois,
Clóvis Chagas, Denny Bonorino e Júlio Meirelles, já sm a presença de José Moraes.
Em outubro de 1948, o grupo expõe os resultados individuais da
produção artística, nos quais são evidenciadas as concepções formais de até
então, em mostra de grande repercussão na galeria do Auditório do Correio do
Povo. Os artistas foram apresentados pelo crítico de arte da época, Clóvis
Assunção, que reitera a denominação dada por ele aos jovens, de Grupo de Bagé
(ou Novos de Bagé)[2]
. Antes ocasional, essa denominação é legitimada pela imprensa, pelos meios de
comunicação e pela fruição em geral dos que veem e lidam com arte e a associam
ao novo, ao recente, ao moderno, arrecadando na caminhada aqui descrita um
status quase definitivo[3].
Antes de darmos prosseguimento aos rumos do Clube de Bagé, achamos por
bem complementar estes momentos iniciais dos ensaios de modernidade no Rio
Grande do Sul, nestes anos 40, com alguns eventos do contexto da época que vem
ao encontro como um abraço e esta causa, de maneira a vê-lo responsável ou
evidenciando iniciativas ímpares e pioneiras por parte dos quatro amigos.
[1] -
Pintura foi a técnica mais utilizada nessa primeira modernidade experimental do Grupo de Bagé. Só se pode
falar em gravura mais tarde, por ocasião do Clube de Gravura, mais propícia à
reprodução e sua socialização. Nos anos 40, só poderíamos afirmar a existência
de gravuras em linóleo da série de 1942, de Scliar.
[2] - A
mostra patrocinada pela revista Quixote, porta-voz das ideias e ideais de ponta
da juventude de esquerda, a se constituir no melhor da intelectualidade local e
nacional da época. Na mesma orientação, teremos a revista Horizonte, editada ao
longo do ano de 1951 e porta-voz do Clube da Gravura.
[3] -
Em pesquisa recente sobree a modernidade da pintura no Rio Grande do Sul,
Glênio e Glauco também são apontados como influências modernas Indiscutíveis na formação de artistas jovens gaúchos dos
anos 60.
Plinio Bernhardt (1927-2004)– Cena sul-rio-grandense – Foto de Vinícius
Giacomelli
Fig. 07 - A paisagem pampiana foi expressa por Plínio
Bernhardt especialmente nas obras resultantes do seu longo retiro nos serros de
Caçapava do Sul, Descia dos altos para as planícies da campanha onde também
se encantou e trabalho denodadamente pelo o patrimônio material e imaterial
sul-rio-grandense. Plínio foi um dos diretores do MARGS.e constante mestre de
aulas de desenho para o seu publico.
Porto Alegre é cenário e o lugar dos fatos dos primeiros esforços para
a inovação nas artes visuais no início daquela década. São associados a uma
mobilidade social maior, com o surgimento de novos segmentos médios, não mais
estanques, como novas identidades culturais afeitas a evidenciar suas formas
simbólicas nas artes, movidas pelo clima dinâmico do pós-guerra e das
qualidades novas da urbanização no Estado.
Mesmo ainda carecendo de
familiaridade com uma formação visual moderna mais apropriada, os principais
centros artísticos, entre outros, o Instituto de Belas Artes (1910), a
associação Francisco Lisboa (1938), a Araújo Porto Alegre (1947) – estão cada
um. À sua maneira, tentando elaborara uma nova visão de arte, pró ou contra as
categorias acadêmicas ainda vigentes, até então eivadas de equívocos, ou com
alguma lucidez por parte de poucos.
Fig. 08 A Associação Araújo Porto Alegre iniciou
com turmas de estudantes do IBA-RS tanto de artes visuais como arquitetura. No
inverno de 1947 esteve nas Missões Jesuíticas onde pode apreciar o trabalho de
preservacionista de Lúcio Costa. Sob o comando de Ruy Miranda Falcão (Porto
Alegre 13.05.1922 – São Paulo 24.08.1978) a Associação Araújo Porto-alegre
percorreu a Bahia e Minas Gerais em janeiro a abril de 1948
Na gestão do início dessa modernidade, a sociedade sulina tem contato
com ideias das mais variadas procedências, sendo-lhe, o mais, ainda, uma
incógnita. Aos poucos, compreende a necessidade, além do modernismo, de se
engajar num programa de cultura nacional, através da visão de produções
significativas que constituem esta cultura nacional, mobilizando categorias artísticas
de brasilidade e, portanto, de sulinidade.
Isto, aqui no Sul, passa a se traduzir em iniciativas da parte
daquelas entidades e dos próprios artistas, como viagens de estudo para o
Uruguai e Argentina, Bahia e Minas, cidades gaúchas açorianas de Rio Pardo,
Piratini, Triunfo e Santo Ângelo das Missões, ou mesmo para o exterior, em
busca de atualização e pesquisa, para o encontro de uma nova arte com raízes
próprias, ainda teoricamente concebida.
Desde 1940, começam as tentativas, entre outras, da organização, por
Carlos Scliar, do Salão do Bicentenário da Cidade de Porto Alegre, do Instituto
de Belas Artes, com a participação de artistas modernos paulistas, ou como o
discurso de Elogio da Arte Moderna, em 1941, por Manuelito de Ornellas, que
vociferava em nome do Estado Novo em favor desse nosso artista, então também
premiado no Salão de Arte Moderna do Rio de Janeiro, por compreender o que era
de mais avançado em suas últimas pesquisas formais. Temos ainda a atuação
individual de modernistas precoces, como Iberê Camargo, em suas duas exposições
individuais, de 1943 e 1944, e posterior ida à Europa em 1947, assim como,
nesta mesma época, a voz competente e sempre atualizada de Fernando Corona que,
desde o IBA, levanta a essa bandeira, seguido por Cristina Balbão e Alice
Soares. Em 1945, abre-se a primeira galeria de arte em Porto Alegre, na Casa
das Molduras; em 1947, inaugura-se a 1ª Exposição Coletiva de artistas da Nova
Geração; e, em 1948, a do Grupo de Bagé, no Auditório do Correio do Povo. Esses
indícios de uma modernidade gradual e rarefeita não impediram que escoassem as
disposições conservadoras no início da década, com a abertura, em 1942, de um
suposto 1º Salão Moderno de Artes Plásticas[1],
a denunciar e investir todo o descontentamento, em formas de farsa, através da
invasão à atualização, e em represália ao discurso de Manuelito que
oficializara as tendências modernas no Sul do país.
Efetivamente, a sociedade gaúcha, no início dos anos 40, não tinha
condições de absorver o grau de inovação pretendida por poucos, tendo em vista
a recepção crítica motivada por estas primeiras iniciativas e por parte do
público local.
[1] - O Salão Moderno de Artes Plásticas fechou
suas portas em apenas em três dias, após várias manifestações antimodernistas
referidas ao consulado da arte moderna em Porto Alegre. Foi organizado por
Oswaldo Goidanich, João Faria Viana,
Edgar Koetz e Guido Mondin.
Gênio BIANCHETTI - Oscar Niemeyer -ESPAÇO Revista - Ano 1 nº 2 - novembro 1948
Fig. 09 A passagem meteórica de Oscar Niemeyer em
Porto Alegre - nos dias 13 e 14 de abril de
1949 - foi longamente preparada. Tempo
em que Arte- Arquitetura e Urbanismo interagiam institucionalmente. Oscar
Niemeyer tivera sua formação superior na Escola Nacional de Belas Artes 9 ENBA)
Poderíamos dizer, guardadas
as limitações desta síntese, que nesse estágio da história de nossas artes
visuais que surge o Grupo de Bagé. Poder-se-ia dizer, também, neste momento,
como sugeriu Danúbio, que o Grupo é uma espécie de “apelido” de uma iniciativa,
união de esforços que tem mais de tempo que de espaço, catalizador de
disposições comuns; apelido, que sabe,, para as formas que envolvessem, naquele
momento, renovação. Ou uma espécie de sigla mutante, receptiva, a absorver
gente e significados nas demandas variáveis do novo que começa a despontar
daqui e dali para sua formulação. Tem duração desde o ano de 1945, então
“aspirantes” , aderindo à renovação em 1946, mostrando sua produção em 1948.
Permanece esta primeira etapa até 1949 e finda pela evasão de seus membros, a
começar por Danúbio à Europa, onde se encontra Scliar, Voltam com outra
orientação estética e, longe do Brasil, o descobrem
Revista HORIZONTE out.-nov. 1952 ano 2 nº 9 – créditos- Imagem digital fornecida por Cícero Alvarez.
Acervo de Maximiliano FAYET
Fig. 10 A equipe responsável direta da Revista
HORIZONTE - que circulou de 1949 até 1956 - era uma das formas de socialização da produção
gráfica do Clube de Gravura de Porto Alegre com extensão para Bagé. Os
quatro componentes do Grupo de Bagé colaboraram com obras ou então na própria
direção da revista como neste número de 1952
Retornam em 1950 com novos planos e novas concepções para a arte. Essa
demanda participa de nossa história moderna e corresponde a um desejo dividido
em quatro, com encontros significativos entre eles em 1945, 46, 48,50,51, 56,
76 e hoje, 1996.
Acoplado por continuidade, o Grupo de Bagé, agora com Glênio, Glauco,
Danúbio e mais Scliar, vai em direção à fundação do Clube de Gravura. Dessa
forma, em torno de 1950 efetivamente se encontram os quatro companheiros em
Porto Alegre, compartilhando concretamente espaço, tempo, ideias, ideais e
planos pessoais comuns a serem executados.
Revista HORIZONTE .maio de 1951 ano 1 nº 5 – capa - Imagem digital fornecida por Cícero Alvarez. Acervo de
Maximiliano FAYET
Fig. 11 - A interação
latino-americana - como forma de dar
corpo e visibilidade para as questões estéticas, sociais, políticas e econômicas
- é tema ainda candente quando se configuraram
cada vez mais políticas continentais. O longo período colonial, comum a
todos as nações latino-americanas criou hábitos presentes e cultivadas tanto
pela classe dirigente como aquela que se encontra na heteronomia. Esta
necessidade permitiu gerar uma arte com linguagem, repertório e estímulos próprios como este TALLER de
LEOPOLDO MENDEZ
A primeira conotação em sua história oficial é a fundação do Clube de
Gravura, antes em Porto Alegre, e depois, em Bagé, em 1951, ligado a um projeto
político específico, haurido na Europa, via México, pelo contato de Scliar e
Vasco Pardo, então companheiros de viagem, com Leopoldo Mendes, diretor do
Taller de Gráfica Popular daquele paios; Encontram-se todos pela primeira vez,
em 1948, em Wroclaw, na Polônia, por ocasião do Congresso Mundial de
Intelectuais em Defesa da paz e, depois, novamente em Paris.
O Taller de Gráfica Popular foi fundado no México, em 1937, e sua
expectativa humanista é a continuação dos ideais da Revolução Mexicana de 1910,
cujos frutos maduros foram os muralistas Orozco, Rivera e Siqueiros, artistas
que puseram sua arte à disposição dessa
causa popular. Também em função disso, o resgate de uma herança cultural na
arrecadação da vontade coletiva e de uma tradição que deveriam remontar às bases
dessa cultura, evidenciando-a a um olhar mais amplo para o povo.
Assim como no México, o projeto desde o Clube de Gravura de Porto
Alegre, parte dos mesmos princípios e tem os mesmos anseios. Toma, no entanto, características locais, na presença
de peculiaridades apreciáveis, especialmente a nível de anotações formais na
busca da apreensão de uma realidade própria: aqui, o realismo regionalista. A
meta evolui até a busca de raízes de uma arte brasileira, a começar pelo tema,
em detrimento das vanguardas internacionais mais arrojadas mostradas na Bienal
de São Paulo (como o Abstracionismo), que, por esse prisma, soava como
colonizadora, antinacional, inatingível ao povo e vazia.
Revista HORIZONTE out.-nov. 1952 ano 2 nº 9 – capa - Imagem digital fornecida por Cícero Alvarez.
Acervo de Maximiliano FAYET
Fig. 12 – A obra de Carlos Mancuso (1930-1910) na capa da revista Horizonte havia tido o 1º
Prêmio da Secção de Gravura do Salão de Porto Alegre. Como arquiteto e
artista visual Mancuso teve intervenções significativas no magistério e no
patrimônio material e imaterial de Porto Alegre
O Clube de Gravura foi disseminado pelo Brasil, América do Sul e pelo
mundo socialista, pela iniciativa de sus membros, Scliar, Danúbio, Glênio e
Glauco, além de outros artistas militantes dos ideais de esquerda da época, que
passaram, inicial e teoricamente, a aderir ao realismo socialista como arte e
como forma de instrumento dos ideais políticos, confiantes nas possibilidades
da imagem visual para mudar o mundo: Vasco Pardo, Plínio Berhardt, Carlos
Mancuso, Gastão Hofsteter, Edgar Koetz, Fortunato de Oliveira, Carlos Petrucci,
Charles Mayer, Ailema Bianchetti, Avatar Morais, Denny Bonorino, Francisco
Ferreira, Paulo Yolovich e Nelson Boeira Faedrich.
Plinio Bernhardt (1927-2004)– Selecionando tabaco – Foto de Vinícius Giacomelli
Fig. 13 - O trabalho coletivo e com as mãos possui
formas próprias e distintas daquelas que normalmente são mitificadas e tornadas
marketing do estado do Rio Grande do Sul. Plinio Bernhardt destaca um trabalho pouco divulgado, penoso e
insalubre que é trabalho no tabaco e do qual o Rio Grande dos Sul é o maior
produtor nacional.
Aqui, preferimos ampliar o enfoque, mais uma vez priorizando a visão
estética em detrimento da sociológica, buscando um maior aproveitamento
artístico para as informações teóricas e visuais colhidas, não nos detrimento
nos jargões que cercam o evento e indo mais além das observações.
Fig. 14 - O cartaz produzido por Vasco Prado (1914-2000)
para o projeto de um evento de uma sociedade que se conhece, estuda e cultiva
os seus valores. As fortes e incisivas doutrinas, projetos e paradigmas que
pautam os pactos sociais, políticos e econômicos são competentes para forjar
repertórios individuais e coletivos que tomam formas físicas e sensíveis na
obra de arte.
Uma vez ressaltada a veemência de seus pontos de vista (até para
favorecer os debates), capaz de mobilizar prós e contras ao pensamento plástico
sulino, sobre o tema da ideologia e do regionalismo em que se encontram
circunscritos, diríamos que o episódio do Clube de Gravura deve ser lido com as
conotações ideológicas e as restrições necessárias em quem incorre,
constituindo depoimento a exaltar os princípios de classe. Mas deve ser relido
com conotações artísticas, culturais e contextuais, cujo mérito é singularizar
a modernidade de então, de forma alternativa, e acrescentar elementos mais
precisos ao seu léxico, para execução e observação de obras. Observação
insistente do detalhe original pelo desenho e gravura, real do real, como
instrumentos de aprimorada captação técnica e estética na formulação da
diferença como qualidade: documentação da paisagem, de tipos, usos e costumes,
cenas de vida, próximos ao cotidiano, á natureza e à origem.
Nesse realismo atuam como
cineastas, meteurs-em-scéne desta realidade
que querem reconstruir artisticamente, ficando seu específico na opção por uma
arte nacional, e sua preservação pelo repúdio internacionalizante, ameaça da
época dos anos 50
Revista HORIZONTE maio de. 1952 - ano 2 nº 5 – capa - Imagem digital fornecida por Cícero Alvarez. Acervo
de Maximiliano FAYET
Fig. 15 – A palavra de ordem das esquerdas mundiais
eram a PAZ. O Grupo de Bagé inclui esta concepção e palavra de ordem em diversas obras. A capa
desta revista Horizonte é uma produção deste grupo.
De forma coloquial, como procederam os quatro artistas e mais os
demais outros do Clube de Gravura, para traduzir e concretizar sua aspiração?
Fixando-se em Porto Alegre desde 1950, começaram sua caminhada dando início a
uma incursão pela campanha gaúcha, um habitat
emblemático que será incansavelmente reiterado pelos próximos artistas, para
uma série de pesquisas variadas, a serem fixadas na retina e na memória. Sua
primeira saída foi na estância de Ubirajara Morais, em Bagé, repetindo o
procedimento em várias ocasiões. Para eles, segundo o seu próprio depoimento, a
melhor maneira de conhecer e ver a paz, defendendo-a, era conhecer de perto as
realidades mais próximas, como as lides do campo; defender a vida, fixando-a em
sua modificações.
Em 1952, é lançado um álbum
de linoleogravuras, contendo o trabalho de todos do Clube, de 1950 a 1952, que
recebe o Prêmio Pablo Picasso da Paz
em in VEECK Marisa et alii Caixa
Resgatando a Memória. Porto
Alegre: Caixa Econômica Federal, 1998 ,
p.35
Fig. 16 - Alfredo
Siqueira Rodrigues atribui a violência
momentânea das soluções tomadas em casos extremos, pelo do homem sul-rio-grandense, à vida dura e bruta da
matança do e o seu retalhamento gado. A serie de gravuras de Danúbio Gonçalves com o tema das charqueadas confere
visibilidade a estes momentos extremos.
MORO MARIANTE
Hélio (1915-2005) Alfredo Ferreira Rodrigues. Antologia dos patronos da Academia
Rio-grandense de Letras. Porto Alegre:
Martins Livreiro, 1982 107 p.
Em 1953, o Clube de Gravura se consolida com o lançamento de
Xarqueadas (título do livro de Pedro
Weine), série de xilogravuras de topo de Danúbio Gonçalves, provável
carro-chefe de todo o movimento, em seu auge de convicção e criatividade e, em
156, de Mineiros de Butiá, xilogravuras, começo da consagração do artista como
nosso gravador maior.
magem in VEECK
Marisa et
alii Caixa Resgatando a Memória. Porto Alegre: Caixa Econômica Federal,
1998 , p.57
Fig. 17 Danúbio
Gonçalves evidencia outra forma de
trabalho coletivo do estado do Rio Grande do Sul. Forma de trabalho com
as mãos e distintas das mitificadas e tornadas marketing do estado meridional
do Brasil. O estafante trabalho pouco divulgado , penoso e insalubre
que é trabalho no tabaco e do qual o Rio Grande dos Sul é o maior produtor
nacional
Ao longo de seus cinco anos de devotada militância (política e
artística, indiscutivelmente), não hesitaram em desafiar as novidades de ponta
das vanguardas europeias e americanas, com a convicção da importância com que
seus trabalhos realistas e documentais se perenizariam. Em iniciativa pioneira
para a evidência das obras, fazem exposição coletiva no Parque da Redenção, em
1955, com todos os adeptos a partilhar a causa, adequada com variações à
perspectiva individual de seus sócios. O ano de 1956 corresponde ao final do
Clube de Gravura, quando seus membros, ultrapassando a experiência coletiva, recolhem-se
à sua acuidade individual, desdobrando-a incansavelmente como artistas (pintores,
desenhistas, gravadores) até nossos dias. O Grupo de Bagé, portanto, perpassa o
Clube de Gravura e chega à atualidade, com a mesma convicção e alto desempenho
que sempre o caracterizou.
Ao perguntarmos pelo seu legado e contribuição entre nós, exporíamos
as constatações apontadas por consenso a serem discutidas da seguinte maneira:
- Superação dos problemas técnicos do autodidatismo pela fixação
sistemática de uma disciplina e autodisciplina profissional. Os quatro artistas
sempre fizeram frente a um aprendizado próprio do academicismo do século 19,
imposto pela Missão Artística Francesa, alienígena por natureza, reinante no RS
até os anos 40.
- Busca do aprendizado com mestres maduros e já eivados pela
brasilidade, como Campiofiorito, Portinari, Segall e a observação de demais
mestres, especialmente da modernidade brasileira dos anos 30 e modernidade
internacional.
- Ambição ao muralismo como arte urbana popular, pela visualização
pública e contemplação coletiva.
- Tentativa de comunicação com segmentos sociais mais amplos, capaz de
tornar a arte um meio mais popular.
- Circulação e evidência da visualidade pela adoção da linoleogravura,
atendendo a um maior acesso, alcance e divulgação.
- Consciência do papel social da arte e do artista.
- Presença da Escola de paris,
do Expressionismo alemão e Neorrealismo italiano proporcionados pelos contatos
europeus nas artes visuais e cinema.
- Oposição, na época, á invasão internacional irrestrita (como o
Abstracionismo), para a criação de uma arte brasileira.
- Anotação dos específicos culturais pelo desenho de observação.
- Troca artística com o Prata, especialmente Montevideo.
- Destaque para o Estado do Rio
Grande do Sul na área gráfica, com a Revista do Globo.
Ainda por preferir a releitura
direta das formas do Grupo e voltado ao contexto cultural da época, podemos
observar que, nos anos 50, as relações com a modernidade se alteram
consideravelmente, a nível nacional e regional. O país se abre ao mundo pelos
museus (MASP, 1947 – MAM, 1948) e pelas Bienais de São Paulo desde 1951, brindando-nos
com a atualização formal do que ocorria na Europa e nos Estados Unidos. Esse
pais, no pós-guerra, abriga movimentação artística de grande porte pela
migração dos artistas europeus, sendo capaz, pela maturidade, de uma produção
abstrata própria como seu primeiro estilo nacional.
No Brasil, a adoção das formas abstratas do Tachismo, Action Painting
e seus desdobramentos, encontra prós e contras, traduzidos no RS pelas
flutuações do contexto artístico mais amadurecido em seu conceito de
modernidade. Por um lado, Iberê Camargo, já no Rio de janeiro, opta por formas de
renovação radical. Por outro, a defesa explícita de uma arte brasileira pelo
Clube de Gravura aponta a perda da substância original como diluição formalista
amaneiradora das formas. Se, na década de 40, no RS, as concepções eram
inconscientes ou inconsequentes, quase experimentais, os anos 50 veem
amadurecer um consenso semelhante ao dos anos 30 no no modernismo brasileiro,
cuja busca incorpora a necessidade de uma identidade cultural. O que se quer
agora não é apenas uma modernidade irrestrita e abstrata. Sua universalidade é
entendida, pela maioria dos artistas locais, como a expressão das
singularidades adequadas às novas possibilidades linguísticas modernas.
Elegem-se e descartam-se aqui as formas artísticas que melhor se adaptam a essa
síntese que, acima das ideologias (as vezes inalienáveis), vão comprometer-se
com os resultados formais. Apesar de podermos afirmar que os resultados formais
modernos no RS só aparecerão amadurecidos nos anos 60, nesses anos 50, a
vontade do contexto e do meio artístico já é considerável. É planteada pela
inauguração do Movimento Tradicionalista Gaúcho – MTG – com seu primeiro
congresso oficial em Santa Maria, em 1954, e pela presença do Clube de Gravura
do RS, já desde o início da década.
Sua busca consciente de uma iconografia gaúcha reforça os vínculos
dessa arte moderna com a realidade exterior. É indiscutível que, com essa
iconografia gaúcha os vínculos dessa arte moderna com a realidade exterior. É
indiscutível que, com essa emergência e sob esse prisma, a busca de modernidade
local sofra mudanças significativas, avanços e recuos, à medida que é
reconduzida ao seu momento inicial de realismo (conotando ou não ao realismo
socialista). Tem todas as vantagens e desvantagens para as conquistas da
linguagem, que deixa de estar referida apenas a um código artístico, para se
comprometer com causas também extralinguísticas, cujo resultado só poderá ser
apreciado vai olho, nas formas.
Em vista disso, podemos dizer que, no início dos anos 50 sobrepõe-se
duas matrizes culturais fundamentais: internacionalidade e regionalização,
tendo em comum a corrosão final do academicismo que, por vezes, insiste em
despontar, preferimos crer, mais por trincheira do que por atraso.
Temos como indícios, entre outros, a continuidade na organização dos
principais núcleos da arte sulina, como renovação do quadro docente do IBA, que
prossegue os propósitos de modernização dos anos 40, ao absorver Ado Malagoli, no ano de 1952, ali
assentado como professor titular. Ao mesmo tempo, atende a seu lado conservador, ao contratar Aldo Locatelli, em
1955.
Desde aí, ecoa a voz dos professores modernos que, já na década
passada, compreendem e reproduzem sua visão flexível de identidade na
modernidade.. As demais entidades, como a Sociedade Amigos da Arte – SADA (1954)
– e mesmo a Associação Rio-grandense de Artes Plásticas Francisco Lisboa,
continuam incursionando em busca de novas retinas já resolvidas como raízes de
brasilidade, ou evidenciando a exposição de Oscar Boeira, em 1953, São fundadas
novas instâncias artísticas, como o
Museu de Arte do Rio Grande do Sul que, desde Malagoli, seu fundador em 1954,
mobiliza e evidencia experiências nossas
maiores, como Pedro Weingärtner, ou exposições de brasileiros modernos, também
maiores, como Portinari, Di Cavalacanti, Volpi ou Djanira. Temos já a nova
Pinacoteca do IBA, co exposições e conferências nacionais e internacionais,
além das demais mostras e grupos como Bode Preto, em 1958, além de congressos e
salões como o Pan-americano, que também, em 1958, informam-nos como protótipos
da situação da visualidade sulina do final da década.
Crítica, público e mercado, a partir dessa data, perfilam-se para dar
escoamento e resolução artística aos impasses estéticos que se plantaram e que
tiveram, no Clube de Gravura dos anos 50, representante e porta-voz de uma das
maiores aspirações sulinas: o regionalismo. Aqui também, incisivamente, para
fazer a discussão progredir, é necessário descartar de antemão as questões
ideológicas e partidaristas, esquerda e direta da época, e todo atraso que
sempre envolve esta proposta extra artística por natureza e antimodernistas por
definição: vazio de arte.
Oscar BOEIRA (1883-1943)- Árvore seca
1917- óleo 55 x 81.cm MARGS in
VECK p. 125
Fig. 18 O horizonte dos Pampas distingue e une uma
vasta região geográfica do Rio Grande dos Sul e da bacia do Rio da Prata. Realidade
geográfica inspiração do nome da revista HORIZONTE. A obra de Oscar Boeira,
além de seu motivo e tema resultou numa lenta e segura decantação da arte
pictórica. A tinta com pincelsobre a tela possui uma maturidade técnica e
estilística raramente alcançada por outro pintor arista do Rio Grande do Sul
A partir desse ponto de vista, colocar questões sobre regionalismo no
RS e em artes visuais é esclarecer que, ao contrário do que aconteceu na
literatura regionalista, a questão do gaúcho nas artes plásticas não foi
envolvida pelo tom heroico de exortação, como o cancioneiro guasca.
Apenas Pedro Weingärtner, no início do século, abraça deliberadamente
a questão regional das culturas locais como tema. Exemplo de tarefa
bem-sucedida na resolução formal, chega por aí a ganhar originalidade, até
conduzi-lo a ser um pintor superlativo.
Weingärtner, in Pedro
Weingärtner 1853-1929 um artista entre o
Velho e o Novo Mundo.- São Paulo : Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2009,
p..122
Fig. 19 A obra de Pedro Weingärtner e outro ponto
alto da pintura artística do Rio Grande do Sul. Inclusive na temática que
envolve a criatura humana do campo. Numa cuidadosa observação visual ele busca
os elementos formais das tintas, do desenho para representar a atmosfera, a
paisagem na qual dispõe as suas figuras de época sem mitificar e nem
naturalizar ao nível da fotografia que ele conhece e usa como forma de
apontamento a ser trabalhado na sua obra pintada.
Recapitulando, o episódio
do Clube de Gravura como culminância de uma disposição local, busca, como
vimos, fazer frente à euforia de abstração internacional movida pelas Bienais
de São Paulo e ao momento de expectativa, nesses anos 50, de reativação de
culturas locais. Giulio Carlo Argan, historiador e crítico de arte italiano,
quando da sua presença nas Bienais de 1951 e 1953, propunha a denúncia à
superioridade da cultura ocidental europeia e o apelo público em favor da
restituição e contribuição das demais culturas, inclusive a brasileira
Carlos SCLIAR 1920 - 2001 - Natureza morta 1960 - Acervo MARGS
Fig. 20 A obra de Carlos Scliar é uma amostra das
pesquisas plásticas na o mestre na sua maturidade vale-se dos elementos formais
da pintura e compor uma sinfonias de formas e cores coerentes com a superfície
de que dispõe. A obra demonstra o resultado
de longas e continuadas pesquisas plásticas para dar lugar a maestria
sem ruídos, excessos ou faltas.
Os jornais paulistas, nessa época, registravam (em espaçosas colunas
reservadas à polêmica nas artes plásticas, hoje quase inexistentes) que autores
do porte de Argan, Leonello Venturi, Jean cassou ou Herbert Read, ao visitar o
Brasil e as Bienais de São Paulo, vinham contando com o fato de que a
modernidade das artes na América de então se faria anexar de reservas virgens e
telúricas inéditas, ou resíduos culturais específicos (como a Pop Art americana
viria a fazer brevemente), espécie de equação regeneradora para a renovação ao
desgaste do processo de modernismo europeu, aqui adotado e sempre subjacente
aos melhores momentos dessa síntese.
Danúbio Vilamil GONÇALVES -1925 - Mural 100 anos Migração Israelita -
2005 – Azulejo Porto Alegre estação III Perimetral comAv. Protásio Alves
Fig. 21 - Danúbio
aos 80 anos, retomou a tradição lusitana
do azulejo. Nesto mural presta uma
homenagem aos 100 anos da imigração israelita no Rio Grande do Sul. Imigração
que lhe propiciou a presença de Carlos Scliar um dos quatro do Clube de Bagé e
cuja obra, e fazer, visualiza no centro
do seu mural. A encomenda da obra também prenuncia a Lei Municipal nº
10.036 de Porro Alegre. Esta cultura fez do muralismo mexicano um dos índices
da mais alta civilização.
A adoção da temática regional pode ir, desde a mais pura e insidiosa
alienação, como os tradicionalistas ortodoxos dos centros de tradição gaúcha da
época e de sempre, até a mais oportuna reflexão visual sobre o sentido de
pertencer. Insistimos que este sentido de pertencer, mais do que categoria
antropológica, deve ser conotado nas formas e nas estruturas formais, como em
Pedro Weingärtner ou nos melhores momentos dos artistas de Bagé. Este discernimento, no entanto, é tudo.
Hoje possibilidade quase obliterada, parece-nos oportuna a colocação
paradoxal em tempos de globalização, como insistiriam os menos avisados.
Fig. 22 - A paisagem humana dos pampas é o tema de
uma obra madura de Glauco Rodrigues e resultando de um gigantesco acervo e
vivências desta realidade. Glauco,
radicado no Rio de Janeiro, não esquece usos e costumes e que periodicamente
visita e revive e traduz para n sua melhor produção plástica.
Os anos 60 conseguiram dar por solucionados o impasse da modernidade
(abstração) versus brasilidade em bem temperadas sínteses formais, com os
exemplos mais bem acabados de sulinidade artística para o mundo. Entre estes,
os quatro artistas do Grupo de Bagé finalizam o Clube de Gravura e, desde 1956,
passam a tomar rumos próprios e personalizados na individualidade plástica,
especialmente com a pintura, além da gravura e desenho, no exorcismo de
qualquer credo externo até o puro hedonismo de uma arte pela arte, compreendida
agora sem pudor.
Fig. 23 Glênio Bianchetti levou ao Planalto Central
do Brasil as suas vivências e temáticas
do Grupo de Bagé. Uma das suas
ultimas e coemoradas obras foi uma via-sacra para uma charqueada desativada e
restaurada próxima da cidade de Bagé.
O real, quase prescrição inicial e ponto de partida de sua figuração
obrigatória, mantém-se e transfigura-se magistralmente em gozo, fetiche, ironia
ou expressão, respectivamente em Scliar, Glauco, Danúbio ou Glênio. A pulsão
permanece.
Marilena Burtet Pieta – Mestra em
História da Cultura pela PUC-RS/RS e autora do livro A modernidade da Pintura no Rio
Grande do Sul (Porto Alegre, Sagra, 1995
Texto integral de Marilene Burtet
Pieta .
«O Grupo de Bagé e a modernidade
das artes visuais no Rio Grande do Sul» in VEECK Marisa et alii Caixa
Resgatando a Memória. Porto
Alegre: Caixa Econômica Federal, 1998 ,
pp.29/57
PIETA., Marilene. « A
pintura no Rio Grande do Sul (1959-1970) » Porto Alegre : PUCRS Dissertação,
1988 447 fl.
__________. A
modernidade da pintura no Rio Grande do Sul. Porto Alegre : Sagra-Luzzato. 1995,
273
p Il. Color
__________«O Grupo de Bagé e a modernidade das artes visuais
no Rio Grande do Sul» in
Caixa Resgatando a Memória. Porto Alegre: Caixa Econômica Federal, 1998a
, pp.29/57
Seleção e identificação de imagens por Círio Simon
Visite também a postagem:
“O
GRUPO de BAGÉ: seu tempo, sua terra e
seu público.
http://profciriosimon.blogspot.com.br/2015_03_01_archive.html
GRUPO de BAGÉ
https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/cultura/2018/07/636528-de-bage-para-o-mundo-os-homens-que-revolucionaram-as-artes-plasticas-no-rs.html
Para um proveito pleno e sem ruídos
de comunicação recomendam-se os três cuidados de Nietzsche no seu texto ‘o futuro das
nossas escolas
solicitou (2000, p.27)
“....espero do leitor três qualidades:
1) - deve ser tranquilo e
ler sem pressa;
2) - não deve fazer
intervir constantemente sua pessoa e a sua cultura, e
3) - não tem direito de
esperar – quase como resultado – projetos”.
NIETZSCHE,
Frederico Guillermo (1844-1900).Sobre el
porvenir de nuestras escuelas. Barcelona: Tusquets, 2000. 179 p.
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