Origem truncada do Renascimento ITALIANO em PORTUGAL
FRANCISCO de HOLANDA (1517-1584) e a EDUCAÇÃO ARTÍSTICA em PORTUGAL ao
longo do RENASCIMENTO ITALIANO e a ESCOLHA da ESTÉTICA a SER IMPLANTADA na
COLONIA BRASILEIRA
Fig. 01 – Na
alegoria desenhada por Francisco de
Holanda, o mostra prostrado aos pés da Verdade disputando a sua obra com cão malicioso e fugidio do Tempo. É
significativa a divisão entre as diversas
concepções, ideologias e engrenagens e a luta deste personagem para
sincronizar estas contradições excludentes. Em toda contradição cabe uma
complementariedade.
- ¿ POR QUE o BRASIL
não RECEBEU a ESTÉTICA RENASCENTISTA
ITALIANA ?
“A cada projeto socioeconômico e
político corresponde um projeto estético” ”
O regime colonial lusitano contornou
completamente o gênio individual do
homem artista do Renascimento Italiano. O projeto socioeconômico e político,
deste regime para a colonização
portuguesa na América, mudou pouco após
o período experimental das Capitanias Hereditárias. Permaneceu distante da
criatividade, da educação formal a partir de interesses do súdito liberto e
manteve este sistema funcionando ,até
1888, nas rígidas e implacáveis normas da escravidão legal. O projeto político
colonial que D. João III confiou, em 1549, para Tomé de Souza, está
completamente alinhado com a estética da Contrarreforma e reforçado pela Santa
Inquisição. Este projeto colonial não deixava espaço para muitas veleidades
estéticas do súdito lusitano, além daquelas da Propaganda da Fé e da estreita
obediência ao projetos e interesses da Coroa Portuguesa. A Companhia de Jesus
era responsável pela Propaganda Fé . Nesta Propaganda Fé os gastos suntuários
ficavam ao encargo de coroa portuguesa e eram restritos aos templos e às
irmandades.
[1] Maria Amélia Bulhões afirmou
(1992: 58) “a sociedade brasileira, onde
tudo parece estar por ser feito, a recorrência a projetos modernos enunciados
como ideais, já é uma tradição. A cada projeto socioeconômico e político
corresponde um projeto estético a ele articulado num processo de mútuo reforço”.
Francisco de Holanda foi a Roma para beber diretamente em Miguel Ângelo as
forma de associar as ideias ao mundo empírico da estético e das práticas
políticas.
BULHÕES GARCIA, Maria Amélia.
«Modernidade como projeto: mudança e conservação» in A
Semana de 22 e a emergência d modernidade no Brasil. Porto Alegre :
Secretaria Municipal da Cultura, 1992.
pp. 58-61.
Fig. 02 – A
velha ponte romana de SACAVÉM, num desenho de Francisco de Holanda, é um traço
físico da antiga Lusitânia latina com o
mundo do Lácio e que- além destes
vestígio material - é responsável pelo mundo imaterial da língua
e do pensamento. Pensamento e mundo imaterial que as caravelas de Portugal
estavam levando para novos recantos do
planeta na época do autor deste desenho..
Este rígido controle a estreita união
entre o rei e o papa rendia dividendos para ambos. Este projeto permitia
exercer o direito da construção, da manutenção de casas senhoriais e de
palácios, apenas em Lisboa, para o colono português que desejasse voltar para a
“sua terrinha”. Contudo estes gastos
suntuários dos súditos lusitanos, jamais chegaram aos pés da variedade e da
liberdade de escolhas estéticas pessoais que os mecenas italianos possuíam. O
retrato individual, era privilégio dos reis, bispos e provedores das Santas
Casas em Portugal e suas colônias.
O português Francisco de Holanda (1517-1584)
viveu duas possíveis escolhas estéticas antagônicas europeias que se ofereciam
ao mundo, na metade do segundo milênio. De um lado estava o paradigma da
estética derivada da política das repúblicas italianas que privilegiavam o
cidadão. Do lado oposta estava a estética derivada da Contra- Reforma que
privilegiava o artistas como súdito do trono e da Igreja em estreita união no
mesmo projeto e no mesmo regime. Francisco de Holanda constitui um índice dessa
escolha que ele teve de realizar entre os muros da Cidade Eterna[1].
Ele se encontrava na cidade de Roma, em 1540, muito jovem ainda. Ali reinava o
papa Paulo III. A missão que o rei D. João III de Portugal, confiara a
Francisco de Holanda na cidade dos Papas, não era muito evidente, por razões
que se verá adiante.
[1] - Esta Cidade Eterna já havia infligido uma dura prova
a Leonardo da Vinci, um dos artistas
símbolos da cidades repúblicas, fazendo-o esperar, durante dois longos
anos, encomendas que nunca vieram.
Fig. 03 – O
retrato de Dom João III numa pintura de
Francisco de Holanda. O retrato individual era privilégio dos soberanos e dos bispos
seus delegados e nomeados pelo rei. Na Colônia Brasileira era proibido o
uso da tinta a óleo para inibir a prática deste retrato. Também estava vedada
qualquer arquitetura de ostentação individual da riqueza de algum eventual súdito
com maiores posses.
Oficialmente Francisco fora em missão de
estudos de arte. Declarava, de uma forma explícita, que “queria ser pintor”.
Na prática realizou um verdadeiro trabalho de repórter que lhe conferiu larga
fama e abafou qualquer outra intenção velada ou um trabalho em arte individual.
No retorno a Portugal carregava um bagagem de
entrevistas que registraram o pensamento vigente na Península Italiana.
Recolhera esta bagagem em sucessivos debates nos quais registrou o pensamento
vivo de Miguel Ângelo Buonarrotti (1475-1564) com a intervenção da Marquesa de
Pescara-Vitoria Colona (1490-1547), protetora e mecenas do escultor, arquiteto
e pintor. Uma parte destas discussões foi publicada em 1548 sob o título “Diálogos de Roma”. Nesta obra existe o
registro de três encontros com Miguel Ângelo. Num quarto capítulo (livro), faz
uma revisão da pintura greco-romana na qual a ênfases é o valor na antiguidade
da arte (mercado de arte. Estes textos eram acompanhados de desenhos, nos quais
este espírito registrava as suas experiências visuais. Este material não foi
publicado e andou sumido até o século XIX. Com pesquisas mais consistentes a
obra de Holanda começou a reaparecer. A maior parte do seu trabalho está em
arquivos de Madri.
Fig. 04 – A
poderosa figura de Miguel Ângelo soube impor a sua condição de artista criador
autônomo. O artista como criador e príncipe vivendo e determinando as
circunstâncias de sua obra fugia a todos os padrões de um súdito que não
delibera e decido sobre a sua obra. Esta mentalidade - do nome do artista
assinando e garantindo obras inéditas - estava em inteira contradição com as concepções, ideologias e engrenagens do
regime colonial e escravagista de Portugal .
No presente texto há interesse de vislumbrar,
na figura de Francisco de Holanda, as bases de educação artística que ocorreu
na origem da formação cultural brasileira como colônia portuguesa. Holanda
educou-se antes de qualquer instituição destinada à formação artística formal[1].
O mundo cultural europeu foi sacudido por intensas transformações ao longo da
juventude de Francisco de Holanda. As consequências das descobertas das
Américas, as tentativas europeias de se apropriar deste continente, a Reforma,
a Contrarreforma, o Concílio de Trento, o surgimento da Companhia de Jesus e a instalação
oficial da Inquisição em Portugal, representavam verdadeiros terremotos para a
cultura e para as consciências dos europeus. Mas, conforme André Castel “é nos terremotos é que se conhece o interior
do globo terrestre”.
[1] Três anos após a visita de
Holanda à Itália, os escultores de Roma fundaram um clube próprio, em 1543,
graças a Miguel Ângelo . Em janeiro de
1563 Vasari elaborou e fez aprovar em Florença os estatutos da Accademia del Disegno colocando-os
artista fora da guilda medieval. Estes
artistas da Academia de Florença, em 1571, não são mais obrigados, por lei, a
se inscrever nas corporações medievais. Em Bolonha os candidatos à artista são reunidos, em 1582, na Academia dos Incamminati dos
Carracci (Lodovico, Annibale e Agostino)
GOOGLE EARTH _ Ilha do Príncipe
Fig. 05 – O
vasto império de Portugal estava se espalhando pelos quatro continentes. As
fortalezas espalhados nestes continentes e ilhas protegiam as rotas comerciais
e marcavam posses lusitanas. Supõe-se
que a presença de Francisco de Holanda significava estudos destas
fortificações. a Especialmente junto a Miguel Ângelo um dos peritos nos
desenhos destas praças de guerra face `invenção e uso cada vez mais dos ataques
e defesas dos canhões. A Itália não concorria nestas rotas marítimas e neste comércio lusitano.
O solo da cultura lusa não respondeu da mesma
forma como solo cultural italiano vinha se movendo há séculos com o seu
Renascimento. Com o seu projeto, para ocupar largas terras em quatro
continentes, Portugal necessitava urgentemente de projetos para estabelecer e
dar uma forma contemporânea aos ´castrum´
da tradição das legiões romanas. Na ponta deste projeto o jovem Francisco de
Holanda, em idade de serviço militar, entrou em ação. Foi desenhar fortalezas
onde os romanos as construíram melhor e que haviam sido atualizadas pelas
repúblicas italianas. Percorreu a ´via
romana´ que leva de Évora até Roma. Na Cidade Eterna ele encontrou
pessoalmente o gênio de Miguel Ângelo que, a partir de suas experiências
florentinas e guerras papais, era mestre na arte da construção de fortalezas.
Fig. 06 – A
figura de São Jorge desenhada por Francisco de Holanda, certamente é uma metáfora
de diversas lutas simbólicas e físicas que o seu autor estava travando
individualmente O patrono dos soldados pode figurar a eterna luta entre o BEM
e o MAL como também o combate entre o mundo CONHECIDO com o DESCONHECIDO. A
confusão e a dúvida tornam-se cruéis quando o DESCONHECO é sinônimo do MAL.
..
Mas Francisco soube dissimular diplomaticamente,
com um profundo saber humanista, a sua espionagem em favor das fortalezas
lusas. Vestiu-se com o espirito do Renascimento. Feitos. Procurou, por todos os
meios, construir o seu saber individual com apenas vinte anos feitos. Abriu o
seu caminho entre os maiores intelectuais da sua época. Investiu toda a sua
aparência no seu amor para com a pintura. É a própria Marquesa de Pescara que
nos “Diálogos de Roma” quando ela
testemunhou (1955, p.50) que:
“ vós, M. Francisco, o tendes feito tão
bem por vossa namorada a Pintura, que se mestre Miguel (Ângelo), não mostrar outro tamanho nível de amor por ela, porventura faremos
com que ela faça dele divórcio e se vá convosco a Portugal”
Fig. 07 – A
tradição da iluminura manual e única da Idade Média cultivada por Francisco de
Holanda o aproxima das miniaturas dos Países Baixa coloca o seu autor entre
dois mundos estéticos de orientações opostas. Estas obras combinam as obras
da região
dos Flandres - herdada do pai- com a tradição lusitana da filigrana. Porém
era diametralmente oposta a orientação do mestre Miguel Ângelo que percebia
nestas obras mais literatura do que produção plástica autônoma. O mestre
italiano classificava a pintura flamenga, para o jovem português, com todas as
letras como ” feita sem razão nem arte, sem simetria nem proporção,
sem advertência do escolher nem despejo, e finalmente sem nenhuma substância
nem nervo”
Francisco educara-se em Portugal ainda no
regime das guildas medievais na qual aprendera o ofício de iluminador do seu
pai. Este pai viera dos Flandres (Holanda) e gozava alta relevância na corte
lusitana, como iluminador. Assim o filho serviu príncipes o meio da nobreza e
os seus interesses eram lhe familiares. Contudo Francisco tinha um projeto
pessoal bem definido. Sem amoldar à vida cortesã o seu projeto, usufruía e cultivava todos os tipos
de saberes ao seu alcance neste meio e nesta época. Nem o próprio evento da
viagem o distraiu deste projeto. O seu guia na Itália foram os monumentos
contemporâneos e os da passado. Ele
declarou que roubava um a um e os transportava para a sua terra em leves folhas
de papel sobre os quais os desenhava. O seu amor à pintura e o desenho foi
acompanhado por uma férrea vontade de nacionalidade e lealdade a quem lhe
incumbira da missão. Contra todas as facilidades e recursos que a Itália podia
oferecer ao pintor, ele registrou nos “Diálogos” (1955, p.66) “eu a El-Rei sirvo de Portugal e em Portugal
nasci e espero morrer, e não na Itália”. Esta fidelidade e lealdade è
Portugal e ao seu rei, foi fatal para o seu amor maior. A sua pintura
simplesmente não prosperou na corte da sua terra. Acabou os seus dias, em 1585,
como outro funcionário público qualquer enredado no serviço do desenho de
fortes para as conquistas territoriais dos seus patrícios.
Fig. 08 – A
criação do homem a partir da argila que ganha um coração conforme a narrativa
da Bíblia, desenhada por Francisco de
Holanda, remete mais para os sábios gregos com os quatro elementos da Natureza..
Esta ilustração pode ser apreciada separada do texto ao qual se sobrepõe.. .
Não adiantou diagnosticar o problema “ de uma
cousa é infamada Espanha e Portugal, e esta é que em Espanha, nem Portugal, não
conhecem a pintura, nem fazem boa pintura, nem tem seu honor a pintura” como escreveu (1955, p.03) nas
primeiras páginas dos ”Diálogos”:
A verdade é que nem a sociedade portuguesa e
nem o projeto cultural, que deveria ser conduzido pelo Estado lusitano, estavam
necessitando da pintura. Se na sociedade e na corte reinava esta falta de um projeto
civilizatório favorável à arte, muito menos podia-se esperar da colônia
brasileira inteiramente presa nos laços jurídicos do projeto colonial. O homem
do renascimento, mesmo aquele que contato direto com os cidadãos das repúblicas
italianas, foi forçado, para o bem do reino, a mergulhar num inconsciente
coletivo avassalador da mística religiosa alienante do mundo real e da prisão
da mediocridade cultivada[1]. O
projeto individual, do homem como medida de todas as coisas, era perigoso e
suspeito para os ouvidas e as mãos armadas da Santa Inquisição. A racionalidade
administrativa do legalismo, originário da recém criada Universidade de
Coimbra, promoviam o projeto da conquista da terra e a conversão dos
conquistados à fé, para garantir esta
posse para a Coroa e a Igreja. O artista era um perigo potencial na medida em
que poderia pleitear o diferente e o divergente deste projeto. De forma
particular este perigo redobrava na pessoa de um discípulo de um Miguel Ângelo
que causara tantos problemas para príncipes, reis e papas que o haviam
financiado.
[1] - Na França esta onda de alienação
foi denunciada, nesta época, pelo jovem
La Boetie no seu texto “Da Servidão
Voluntária”. BOÉTIE,
Etienne 1a. Discurso da Servidão Voluntária. Tradução de Laymert G. dos
Santos. Comentários de Claude Lefort e
Marilena Chauí. São Paulo : Brasiliense, 1982. 239p.
Fig. 09 – Francisco
de Holanda viveu uma época de dúvidas, especulações ideológicas, econômicas e
técnicas. A primavera Renascentista, na
qual a criatura humana era a medida de todas as coisas e a razão de ser do
mundo deu lugar a descobertas cientificas, certezas racionais nas quais a
criatura humana ocupava om modestíssimo lugar. Esta obra de Holanda não mostra o menor vestígio da criatura e de qualquer
representação do próprio Criador antropomorfo. Há um respeito e uma coerência
com a proibição da Bíblia e do Corão
.
Após a Contrarreforma, a Companhia
de Jesus, com o rígido catecismo da Propaganda Fé, ameaçando os sentidos
humanos com as chamas a Santa Inquisição pactuada entre Igreja e a Coroa
portuguesa. Neste meio político era impensável, ao homem luso contemporâneo ao
renascimento, cultivar uma sadia mente individual e em cidadãos manter projetos
pessoais lúcidos. Do outro lado das fronteiras, que congregavam as mentalidades
atingidas pelo “Livre Arbítrio” da Reforma, o
filósofo Espinosa, filho de portugueses migrados em tempo, resumiu a questão do
equilíbrio entre a liberdade do cidadão, face à segurança do Estado, ao escrever (s´d., p.203) que “num Estado
livre, as ciências e as artes serão perfeitamente cultivadas, porque
permitir-se-á a qualquer cidadão ensinar em público, por sua conta e risco”. Em Portugal rumava-se no exato caminho contrário. A liberdade de uma
consciência de um artista, deveria ceder lugar à lei, que precedia os fatos.
Esta lei era modelada, de forma unívoca, e a sua aplicação era determinada pelo
Estado. Em face de tudo isto, Luís de Camões teve de submeter “Os Lusíadas” à Inquisição, para ter o direito de
publicar, em 1572, a sua obra em
Portugal.
A aprendizagem
individual da arte.
Francisco de Holanda criou para si mesmo um
programa de educação e de aprendizagem, apesar de todas estas condicionantes,
como homem influenciado de longe, pelo Renascimento. Este programa permitiu
que, ao menos, algumas parcelas de sua obra sobrevivessem a tempos dão
adversos.
Fig. 10 –A época de dúvidas, de especulações
ideológicas, econômicas e técnicas vividas por
Francisco de Holanda tornou a sua obra coerente co o Maneirismo
estético.. Ele venceu a proibição bíblica e islâmica de do Corão de
representação do Criador
antropomorfo. Seguia trilha de Miguel Ângelo entregue as representações do
mundo das ideias platônicas. .
Seguia assim o programa de “nunca
fazer algo que um outro seria capaz de fazer” formulado por
Leonardo da Vinci (1452-1519). Contudo as grandes distâncias geográficas
e políticas e a necessidade da racionalização da produção e da sua
estandardização para uma população cada vez mais numerosa, colocavam, em toda
parte, a necessidade e os pilares da industrialização. O homem, como a medida
de todas as coisas, e a terra, como
centro do universo, aos poucos estavam sendo deslocados por fenômenos, que
ainda não haviam aflorado à consciência individual e muito menos emergido para
a consciência coletiva, para receber um nome ou uma designação universal.
Nas artes a formação lenta, individual e de
resultados improváveis estava dando lugar para a formação rápida, coletiva e de
resultados rigidamente controlados no tempo. Esta a tarefa que se propunham as
diversas academias de arte que se estavam organizando na entrada do Maneirismo
europeu.
Fig. 11–A época da industrialização da imprensa
produziu uma grande variedades do obras reproduzidas mecanicamente. O
mercantilismo tinha nos livros impressos uma fonte de econômica e busca de
fama. Francisco de Holanda contribuiu
com várias obras nas quais esta intenção é percebida. A impressão de livros foi pioneira da
tendência da primeira era industrial dos quais. No entanto estas anotações
de Francisco de Holanda tiveram o
destino dos “códices” manuscritos de Leonardo da Vinci.. Em Portugal a
impressão de livros estava sob a severa vigilância da Santa Inquisição além do
pouco extenso público de potenciais leitores. Um suporte econômico para as
especulações impressas de Francisco de Holanda era determinado pelos raros alfabetizados
e dos ainda mais raros com um interesse mais elevado para este repertório
especifico..
As academias de arte racionalizavam esta
formação e impunham programas que, aos poucos, se constituirão nas bases de
currículos coletivos, substituindo o grande esforço da formação individual do
artista. Ainda, que em todos os tempos, o artista tenha resistido a esta
racionalização, na verdade a educação artística também mergulhou na linha de
montagem da produção da escola racionalizada. O campos das artes, apesar disto,
resistiu até o século XX na sua inscrição institucional na universidade e da
qual o Brasil foi um dos pioneiros[1].
Com a entrada da era da Informática já existem acenos institucionais para que o
artista retorne ao projeto da construção individual do seu currículo,
pensamento próprio e a formação continuada antes, durante e após a passagem do
artista pela instituição de arte.
Ao retornar ao exame da formação de Francisco
de Holanda, e o fracasso ulterior dos seus esforços individuais, é possível
tirar lições para ler o período inicial da educação artística colonial
brasileira. Para seguir a gênese e o desenvolvimento da trilha deixada por
Francisco de Holanda há necessidade de uma soberana legitimação interior e ao
nível das ideias. Neste universo interior de Francisco de Holanda, iluminado
pelas luzes das ideais, não existe registro de mágoas pessoais, apesar de toda
a consciência da situação aversiva à arte em Portugal. Esta sublimação foi
sustentada pelo idealismo neoplatônico a partir da concepções encarnadas na
arte de Miguel Ângelo tão bem descrito por Panofsky na sua obra “Idea”[2].
A sincronia de Holanda com o seu tempo, que associava intimamente arte com o
ideal[3],
manifesta-se especialmente com a intenção superior com que Francisco Holanda
concebia o mundo do desenho.
[1] - Ver os decretos-lei nº
19.851 e 19.852, de 11 de abril de
1931, do Ministério de Educação e Saúde
Pública do Brasil, que instituem a Universidade Brasileira e o lugar que as
artes ocupam neste texto jurídico.
[2] PANOFSKY, Erwin . Idea: contribuição à História do conceito
da antiga teoria da arte. São Paulo : Martins Fontes 1994, 259 p
[3]- Segundo Pevsner (1982, p. 53) os artistas da época de Miguel Ângelo
qualificavam o ‘disegno’ como ‘ún
signo de dio in noi’ Desenho ou ‘disegno’,
constituía a base dos mais diversos ofícios e que vinculava as artes plásticas
ao mundo das idéias através do ato da designação mental. Pevsner resumiu a importância que a Academia de Vasari dava Desenho, ao registrar
que era a disciplina que reunia os mais diversos profissionais, trabalhando em
materiais diferentes e que procuravam infundir nesses materiais os conceitos e
idéias que os animavam. Assim Pevsner registra (1982, p 45) que “na
«Accademia del Disegno» os seus membros
trabalhavam materiais muito diversificados, e portanto pertenciam a diferentes
grêmios, mas o que o que era importante
para todos era o «disegno» e que acima de qualquer outra coisa era «esprezione
e dichiarazione del concetto che sia nell’animo».
Fig. 12–O regime monocrático, centralista e se dizendo de origem divina em
adiantado estado construção na nação lusitana deixava pouco espaço para a
autonomia de um artista mesmo com sólida formação nos estados republicanos da
fragmenta Itália da época de Francisco de Holanda. Os desenhos como de
Francisco de Holanda nos seus esquemas mentais legitimavam este regime
lusitano. Nesta produção plástica Holanda se distanciava de qualquer
antropomorfismo e todo corpo sensível. Esta produção plástica antecipava o 7º
aforismo de Wittgenstein “o que não pode ser dito deve ser calado”
diante do regime lusitano de natureza monocrático,
centralista e de origem divina.
O próprio Miguel Ângelo soube da forma como
Holanda se apropriara da natureza de uma pintura sagrada, existente na Basílica
de São João e elogiou (in Holanda, 1955, p.77) a formação do artista por meio
do desenho “grande muito grande, é a força do desenho, pode Messer
Francisco Holanda pintar, se ele quiser, tudo o que ele sabe desenhar”
O desenho possui aqui o sentido do `designio´ ou da idéia. Adiante, no mesmo texto (in Holanda, 1955,
p. 77), Miguel Ângelo sentenciou “somente
o não saber é defeito” Este saber deve ser tão natural a ponto de formar
uma segunda natureza no artista
“o primor cuido que tereis
por sumo, este é que o por que se mais há de trabalhar e suar nas obras da
pintura é com grande soma de trabalho e de estudo, fazer a coisa de maneira que
pareça, depois de mui trabalhada, que foi feita quase depressa e quase sem
nenhum trabalho, e muito levemente, nãos sendo assim. E este é mui excelente
aviso e primor”
Miguel
Ângelo, in Holanda, 1955, p. 82.
Esta `grande
soma de trabalho e de estudo´ era inteiramente contrária à cultura
portuguesa, especialmente se este trabalho significasse usar as mãos. O
trabalho manual, na época de Francisco de Holanda, era infamante em Portugal e
no Brasil, conforme texto citado por
Lourenço Filho (1940, p. 21) “um
cronista, que escrevia em Lisboa, por meados do século XVI dizia ´aqui somos
todos nobres e não levamos nada nas mãos pelas ruas. O trabalho fez-se para os
artesãos ou para os escravos´”
A cultura luso-brasileira, contrária ao
trabalho braçal, era reforçada por uma política oficial que apenas privilegiava
a atividade especulativa. O estado português reforçava de forma institucional a
educação do advogado, do teólogo e do militar e constituem os grandes
investimentos deste Estado, que reproduz e estimula os interesses da sociedade
que sustenta este Estado. A Universidade de Lisboa (1400) ou de Coimbra (1537)
a colhia a elite dirigente e os seus filhos. A própria instituição
encarregava-se de filtrar este saber para os seus interesses, apesar de
professores convidados de outros países. Assim quando Dom João II fundou, em
1542, o Colégio das Artes, poderia supor-se a criação de um canal institucional
para o desenvolvimento das artes. Mas este colégio não tinha nada a ver com as
artes na sua concepção atual[1].
Frustrava-se novamente o sonho de Francisco de Holanda repassar as suas ideias
por meios sensoriais orientados pelo `desígnio´.
[1]- Nos manuais jesuíticos, a concepção
de arte, era medieval e se referia, de forma particular, a “arte da retórica” indispensável aos
advogados, eclesiásticos e militares.
Fig. 13–O frágil SER
humano sob o implacável gadanho do TEMPO
na forma da morte. Esta implacável
concepção IMATERIAL era brandida com
mais vigor do que regime MATERIAL lusitano
monocrático, centralista e de origem divina
Este grande esquema mental e abstrato legitimava, até cerro
ponto, as investidas do regime colonial.. Este desenho
de Francisco de Holanda se valia, para tanto, do antropomorfismo que
dominava a produção plástica da Itália. Se um
lado se inspira no Juízo Final do
mestre Miguel Ângelo. Não deixa de submeter este antropomorfismo aos grandes
esquemas das ideias platônicas
O luxo e identidade individual do retrato
eram proibidos na cultura lusa e ainda mais nas suas colônias. Como Francisco
de Holanda era miniaturista, esta proibição retiravam-lhe esta possibilidade de
fazer retratos, como aquele que ele realizou do próprio Miguel Ângelo.
A pintura mural ou a escultura em prédios
particulares era outro tabu. O português podia construir na metrópole obras
arquitetônicas com maior ostentação, mais cômodas e mais amplas, mas jamais nas
terras consideradas colônias. A exceção eram os prédios das igrejas e as
ornamentações estritamente reguladas pelo Estado e pela Igreja. Esta rígida
estética oficial colonialista desanimava e jogava na heteronomia qualquer
artistas visual mais criativo.
Francisco de Holanda era portador de uma
tradição familiar de trabalho braçal que herdara dos seus antepassados oriundos
da região dos Flandres. Apesar de seu lugar de nascimento ser Lisboa e dos seus
sinceros protestos de ser português, o seu sangue flamengo o impelia ao
trabalho braçal. Miguel Ângelo criticava fortemente o trabalho braçal
detalhista da pintura dos Países Baixos, carregada de detalhes e de verdadeiras
proezas visuais.
“tudo isto, ainda que pareça bem
(pintura flamenga) a alguns olhos, na verdade é feito sem razão nem arte, sem
simetria nem proporção, sem advertência do escolher nem despejo, e finalmente
sem nenhuma substância nem nervo”
Miguel Ângelo,
in Holanda, 1955, p. 19..
Francisco de Holanda não teve condições
para realizar o salto de qualidade para fora do paradigma que herdara dos seus
antepassados. Permaneceu preso a sua cultura pessoal, que cultivava a miniatura, ao estilo do
retrato que se conhece de Miguel Ângelo, e que se encontra nas “Antigualhas”
guardadas na Biblioteca do Escorial. Contudo ele não deixou de registrar o que
mestre renascentista italiano falava da pintura holandesa com leves atenuantes,
pois “em outra parte se pinta pior que em Flandres. Nem digo tanto
mal da flamenga pintura porque seja toda má, mas porque quer fazer tanta coisa
bem que não faz nenhuma bem” dizia Miguel Ângelo( in Holanda,
1955, p. 19.)..A conhecida ferocidade das opiniões do mestre se deteve diante
do rapaz que vinha aprender pintura em
Roma. Esta atenuante do velho mestre talvez fosse pela presença física e a
simpatia que nutria pelo jovem. Francisco também não se manifestou contrário ao
pensamento do mestre florentino.
O mestre florentino tocava um ponto central
da autonomia de um artista também no âmbito econômico. Francisco de Holanda antou a
frase lapidar de Miguel
Ângelo (1955: 66).
“Nesta nossa terra [Itália]
até os que não estimam muito a pintura a pagam muito melhor que em Espanha e
Portugal os que muito a festejam, por onde vos aconselho, como a um filho, que
não vos devíeis partir dela, por que hei medo que, não o fazendo, vos arrependereis”
Miguel
Ângelo tinha esta informação por intermédio de um seu ajudante português. Porém
acima deste âmbito material e econômico estava um regime e uma cultura. O mestre
Miguel Ângelo tornava enfático para Francisco de Holanda a origem imemorial
da autonomia de um artista de sua terra, ao afirmar (1955: 22) que
na:
[Na Itália..] .. nasceis na província que é mãe e conservadora de
todas as ciências e disciplinas, entre tantas relíquias dos vossos antigos, que
em nenhuma outra parte se acham, que já de meninos, a qualquer cousa que a
vossa inclinação ou gênio se inclina, topais ante os olhos pelas ruas muita
parte daquelas, e costumados sois de pequenos a terdes vistas aquelas cousas
que os velhos nunca viram noutros reinos”
A diferença entre a cultura italiana e acultura
lusa iniciava no fato material de “nada
fazer com as mãos”. Neste particular o jovem aprendiz lusitano tinha ao
seu favor a tradição flamenga aliada ao primoroso trabalho manual do detalhe. Se
de um lado, este traço do trabalho com as mãos forjou mais um aplicado
funcionário público do Estado português, do outro, este tabu permaneceu para as classes
brasileiras e lusitanas que se julgam “SUPERIORES”.
Fig. 14– O desenho da capa da obra de Francisco de
Holanda enquadra o titulo da obra - as IMAGENS
do TEMPO de MUNDO - entre dois pilares. A
fugacidade das. Imagens substitui algo que já está ausente e devorado pela
MALÍCIA do TEMPO implacável. Imagens
colocadas beira do abismo da ETERINIDADE e contra a qual a busca IMORTALIDADE
está sempre em desvantagem na concepção Hannah ARENDT. Os dois pilares são
recorrentes na iconografia maçônica como de uma serie outras ideologias e mais
ou menos herméticas para um não iniciado...
Holanda como funcionário público que se especializou na arte
de criar detalhadas instruções, gráficos e plantas, para serem executados manualmente por
escravos e artesãos.
CONCLUSÃO
Francisco de Holanda representa um índice e
uma amostra importante da cultura portuguesa da época. Constituir-se, porém, num
caso isolado e ignorado pelos historiadores.. A cultura lusa impôs um paradigma
colonial que teve séculos de profundas consequências diretas. Apesar da
progressiva perda da hegemonia mundial, a colônia brasileira era geograficamente
significativa. Por esta razão abateu-se, sobre ela um patrulhamento, um
controle e uma cortina de ignorância daquilo que poderia significar um artista
na sua autonomia no caminho de um Miguel Ângelo.
Fig. 15 – A
imensidão do espaço geográfico, comercial e política - que se abria diante de
Portugal do tempo de Francisco de Holanda - necessitava metáforas plásticas visuais nas
quais a figura humana é detalhe levemente sugerida como sombra e como ideia.
As concepções da circulação do
poder buscava esta imensidão no arsenal da traçado com régua
e. compasso...
Francisco
de Holanda, com antepassados flamengos, filhou-se à inteligência portuguesa.
Esta inteligência buscou contatos com Miguel Ângelo, um dos maiores expoentes
vivos do apogeu da cultura do renascimento. Italiano. A sua singularidade é ter
refletido, escrito e divulgado os seus pensamentos num mundo lusitano cheio de
verdades absolutas e a priori, contra as
quais qualquer pensamento era dispensável, senão perigoso para o seu autor. Certamente
o forte da cultura lusitana do Maneirismo NÂO era a circulação dos produtos
simbólicos apesar de sua rede de produtos materiais. Na obra de Francisco de Holanda,
como artista do Maneirismo e disposto a fazer valer a sua lusitaneidade, diante
destas múltiplas barreiras, é possível percebem-se dois caminhos. Um é da
IMAGEM com seus códigos, sua lógica e busca da universalidade, afinal, com a
imagem não se discute.. No TEXTO ESCRITO estes códigos são constrangidos a se
tornarem unívocos e lineares e nos limites de uma língua de parca circulação entre
as demais culturas e nações.
Fig. 16 – No
seu retorno para Portugal Francisco de
Holanda retomou a tradição das iluminuras de textos. Porém Holanda cultiva o
texto e imagem com a sua lógica própria. A letra capitular dos textos
manuscrito canônicos medievais já não interfere ou comanda a iluminura
Na imagem acima, a criação da EVA das
costela da ADÃO enfrenta seres superiores e que estão distantes das imagens da Capela Sistina do mestre Miguel
Ângelo..
.
Nos textos “Diálogos de Roma” adivinham-se estas três culturas. Eles
aproximam-se e constituem uma radiografia da cultura e dos valores artísticos
vigentes na época na Europa e em Portugal, onde houve escolhas cruciais para
cultura brasileira. Seguindo o conselho de Ricoer há necessidade de retornar
para meio cultural onde os agentes ainda possuem dúvidas em relação ao futuro das suas escolhas.
Nesta escolha fica evidente que a matriz da
cultura brasileira ficava numa heteronomia muito mais profunda do que as demais
futuras colônias anglo-saxônicas. Esta heteronomia fica mais evidente quando
acompanharmos a intencionalidade e os esforços portugueses para implantar no
Brasil, a partir de 1549, um novo projeto colonial. Tomé de Souza trazia
determinações claras e unívocas, referendadas por Dom João III, para a colônia
brasileira, quando ele. se fixou- em
Salvador
Fig. 17 – A lógica
própria do detalhe da imagem produzida
por Francisco de Holanda se inspira no
texto mas permite-se uma competência própria e autônoma como nas imagens sem legendas ou textos canônicos da
Capela Sistina do mestre Miguel Ângelo. Contudo a imagem da criação da ‘ EVA
das costela da ADÃO’ não se liberta de
seres imaginários e superiores que condicionam e geram as figuras humanas.
Havia sido o mesmo Dom João III que
autorizara a ida de Francisco de Holanda para Roma, colocar-se a par do
movimento cultural originário das repúblicas
italianas. Contudo o rei português acreditou, nas suas dúvidas, na
propaganda dos jesuítas, portadores da Contrarreforma.
As reportagens, que o jovem Francisco havia
realizado com um velho mestre renascentista italiano, foram relegadas, durante
séculos, como testemunhas de uma escolha crucial. Após esta escolha convinha
esconder estas reportagens, e, se possível, apagar da consciência dos súditos,
vassalos, e, muito mais, para os escravos, que não podiam deliberar e decidir.
A estética do renascimento italiano ficava no
espelho retrovisor da carruagem do rei e daquelas de seus súditos. O caminho
era irreversível em direção à Contrarreforma, ao regime colonial e da legalização
estatal da escravidão.
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Trad. Luiz Henrique Lopes dos Santos. São Paulo: EDUSP, 1994
.
FONTES NUMÉRICAS DIGITAIS
FRANCISCO de
HOLANDA (1517-1585)
Da PINTURA ANTIGA
Diálogos de Roma
EATATIBUS MUNDI
FRANCISCO de
HOLANDA e WILLIAM BLACKE
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Referências para Círio SIMON
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