quinta-feira, 30 de agosto de 2012

ISTO é ARTE – 044


A FORMA é a MORTE da ARTE.

Boa é a formação, má é a forma,
 porque a forma é fim, é morte.
                                                   Paul Klee[1]



[1] - Klee in Bosi, 1995, p. 71

Fig. 01 – Os apontamentos rápidos e instantâneos de Paul KLEE (1879-1940) buscam o menor caminho entre o universo mental e o a forma física da obra de Arte. Numa escrita estenográfica e criptografada este músico suíço escolheu os meios formais mais adequados e característicos deste universo sonoro onde sons e suas modulações ganham corpo nas cores, formas possíveis à aquarela.

A Arte e a forma estão em antagonismo continuado e numa dialética permanente. Dialética e antagonismo entre a forma física que obra de Arte venha a tomar. Forma com a qual a Arte reveste a ideia como objetivo de ser percebida pelos sentidos humanos e, assim, ganhar o mundo. A Arte teme forma física por diversas razões.  Entre estas razões, a Arte trata de precaver-se de toda forma que a possa corromper, simplificar e desviar de sua autonomia e competência próprias do seu campo de forças. Escudada neste campo de forças, a Arte pode decretar, a qualquer momento, o fim ou a morte de uma das suas determinadas formas e devido ao poder que lhe é inerente. A Arte possui o direito de se evadir de uma determinada forma, por mais cômoda, canônica e legível que ela tinha sido. Depois de a Arte se evadir de uma forma cômoda, canônica e legível, permanece o seu simulacro da moda, do kitsch e do obsoleto.

Fig. 02 – A grande contribuição de Pablo Picasso foi de aproximar as formas da Arte das suas concepções mentais O exercício de desenhar com a luz de uma vela enquanto uma câmara fotográfica registra o desenho formado no espaço permite ao criador diminuir a distância e o tempo entre a sua concepção mental e o mundo empírico. Esta flexibilidade permitiu ao artista ter sobre o sewu controle numerosas tendências estéticas e passar incólume de uma para outra. Inclusive aquelas, como o cubismo, que ele havia tornado canônico e legível não o prenderam numa escravidão voluntária. Aqui um dos momentos desta proximidade

A maioria dos seres humanos não quer enfrentar este trabalho para superar este antagonismo.  Ou não possui meios de transferir as suas concepções mentais ao mundo empírico. Esta incompetência faz com que a maioria destas concepções jamais cheguem aos seus semelhantes. 
O resultado é que 90% da criação humana perece com os seus criadores originais e destina-se ao cemitério. No entanto conferir uma forma equivocada ao seu universo interior e um corpo sensorial incompetente para fazer esta ponte coerente entre os seus criadores e receptores produz evidentemente o mesmo efeito entrópico.
Uma forma equivocada - ou incoerente com o universo interior do seu autor - faz com que ela seja percebida pelos sentidos humanos como um embuste ou uma corrupção.  O que deveria ser cristalino e fazer transparecer a sua origem, ganha o mundo dos seus semelhantes de uma forma turva, como meia verdade ou farsa.

Fig. 03 – O pensamento cartesiano - subvertido nesta pichação - realiza um ato de resistência à fugacidade da moda, do lugar comum e do reducionismo fixo. O autêntico artista possui o direito de se explorar o seu tempo e lugar sem se dobrar à concepções alheias, pré construídas e não coerentes com as suas circunstâncias.

O trabalho do criador original é imenso para construir e manter esta coerência entre os meios que pretendem ou deveriam transferir ao mundo empírico as suas concepções mentais.
 A forma da obra de arte teme a Arte é perceptível ao extremo. A forma da obra de arte sabe que ela é constitui como uma casca da semente. Não haverá vida nova, se esta semente não anunciar, concordar e encenar a morte de sua forma. Sem esta ruptura, as melhores ideias e os pensamentos mais brilhantes acompanham o seu criador ao túmulo.

Fig. 04 – O trabalho de filósofo e do teórico se dá e se completa num universo bem acima dos confrontos e, lutas e equívocos entre a Arte e suas possíveis formas. Conforme Jorge Guilherme Frederico HEGEL (1770-1831) o filósofo não pode descer - nas suas especulações do geral e do universal – e de lá experimentar e usufruir das formas sensíveis o mundo empírico. Estas formas sensíveis, ao tentarem acompanhar o filósofo, não só se perdem neste caminho,  mas perdem a sua razão de ser e não fazem sentido no universo das ideias puras e universais.

A corrupção, ou embuste, podem ocorrer na própria luta e tornar-se evidente por meio da dúvida da busca da forma que as concepções mentais irão buscar para a sua permanência. O trabalho do artista criador consiste na luta para não entregar a suas concepções mentais aos repertórios reducionistas, de duplo sentido e contenham apenas meia verdade.
O filósofo Maurice Merleau Ponty (1908-1961) no seu texto (1945) intitulado de a “Dúvida de Cezanne” percebe este eterno antagonismo entre a Arte e a sua forma. O filósofo observa a luta entre o universo mental do artista, as formas e as ferramentas que  dispunha, no seu tempo, para tornar evidente as suas criações mentais. Este pintor, devido à forma honesta e coerente da sua pintura, abriu um universo pelo qual ganhou corpo uma série de tendências importantes da Arte do século XX.
Nestas tendências estéticas há críticos que distinguem Forma (maiúscula) com a forma (minúscula). A distinção é significativa para as obras nas quais existe um predomínio das estruturas geométricas ou matéricas. Contudo esta tendência formal é apenas um dos caminhos possíveis para a Arte ir ao encontro do seu criador, mediador ou público.
Esta amplidão é possível na medida em que permanece aquilo que é o pensamento, como se afirmou a postagem anterior. A forma, por mais sólido que seja construída, continua a ser vítima da entropia.

Fig. 05 – Uma das capas da revista alemã “KUNSTFORUM” , que possui por título “A Arte sem a Obra”  e no subtítulo inverte a questão “Estética sem intenção”. Nestes polos opostos  percorrem a dialética entre  o universo mental dos artistas criadores que buscam situar-se para além do limite físico do mundo empírico . Evidente que na Filosofia esta posição é legítima, na Arte cada criador necessita realizar escolhas criteriosas,  pois, para ela, a Obra de Arte é primordial para que este pensamento do esteta possa se ampliar e solidificar.

No entanto a recepção - destas formas originais e únicas - necessita de um público atento e competente para fazer o caminho inverso a partir das formas sensoriais até alcançar a sua fonte. Público capaz de atingir às ideias que iluminaram e motivaram o criador da obra a escolher, e trabalhar,  as formas sensoriais das suas concepções.
O mediador, pouco preparado, pode corromper este processo, falsificá-lo ou naturalizá-lo. Pode ser infeliz de tal maneira que quebre a ponte entre a obra física e o universo mental no qual o artista teve êxito. O mediador faz sentido, pois, muitas vezes, este mesmo artista sente-se impotente para traduzir para o código da fala ou da escrita este processo onde trabalhava por outros meios e outros códigos nos quais é competente. Porém na maioria das vezes o artista criador esta ausente pois viveu outra época e tempo do que o seu público. Assim a profissionalização do mediador é cada vez mais urgente. Profissional que não só do comunicador mediático, mas especialmente o filósofo, o esteta, o museólogo, arquivista e criador de eventos que lhe dão suporte e preparam as suas pautas relativas à Arte. Contudo todos estes profissionais estão corrompidos, ou praticam desvio de conduta, ao não considerarem a natureza e as circunstâncias da origem da obra de arte. Municiados com este saber, vontade correta certamente possuem todo o direito de preparar o público para perceber os abismos que a obra de Arte abre e também aqueles que as separam entre si mesmas.

FLUXUS J. C. MALLANDER 2002
Fig. 06 – Uma obra que dialoga com a Natureza e ao mesmo destaca-se dela pelas múltiplas formas geométricas e artificiais. A tendência minimalista aqui possui duas LEITURAS. Uma é das próprias formas geométricas puras e sólidas. A outra é pelas dimensões mínimas das diversas formas diante do amplo parque. De outra o artista se diverte na ambiguidade destas formas e o sistema dos parques urbanos no qual dispôs estas formas. .

O mediador não pode permanecer na superfície que confunde o tema e o título. Evidente que o título não é sinónimo de algum sentido de uma obra de Arte. Também no plano da natureza da obra de Arte: “a forma é uma noção ambígua nas artes visuais: ela designa ali tanto a configuração do objeto representado como elementos e o sistema do qual se serve para dar conta dos objetos”, conforme ensinou Wölfflin, (1990 :  74).

Fig. 07 – O mal estar da Civilização fica evidente neste sacrifício de uma obra de arte realizada pelo diretor Antônio Manfredi do Museu de Arte Contemporânea de Casória, na Itália. Evidente este ato comprova o contrário do que Miguel Ângelo apregoava a favor da Itália e da sua cultura estética.

Nas circunstâncias em quem se encontro o criador da obra  como o seu observador não pode ser desconsiderado o fator do “Mal Estar  de uma Civilização”. “Mal Estar” que atinge o mediador como o observador da obra de arte. As instituições, o comércio da Arte, os estudiosos e os próprios meio de comunicação, impõem a sua lógica formal e provocam um distanciamento e um “Mal Estar”. Este “Mal Estar” afugenta tanto os potencias observadores e até os mais dedicados mediadores das obras de Arte. Neste caso o diretor Antônio Manfredi do Museu de Arte Contemporânea de Casória ná Itália, que, não obtendo as verbas do Estado, resolveu sacrificar, publica e midiaticamente, as próprias obras de Arte, dando-lhes a morte física diante da “Cegueira Branca” das autoridades públicas e privadas.


Fig. 08 – O trânsito da obra de arte, do domínio privado para o espaço e domínio publico, provoca este congestionamento visível nesta instalação de obras de Arte voltadas, aparentemente de castigo, contra a parede. De outra parte, esta imagem sugere que a instituição museológica é proveniente da era industrial. Destina-se, ainda, a se constituir no repositório de objetos cujas formas perderam a sua função e numa potencial busca de outra função. Os museus hoje representam um vigorosos suporte à espaço simbólico e sendo intensamente explorada como apoio ao turismo cultural e massivo.

Além do mais este “Mal Estar  de uma Civilização” projeta-se no futuro do observador, mediador e do próprio criador. Este “Mal Estar” proclama a morte da Arte no contexto das muitas outras “mortes anunciadas”. Evidente, aquilo que morre são os conceitos, muitas vezes infantis, outras vezes mal intencionadas, as meias verdades, as impossíveis de estabelecer uma correlação unívoca entre o que se enuncia com o que pretende enunciar. “Rei morto”, “viva o rei.


Fig. 09 – O escritor português José Souza Saramago (1922-2010), “prêmio Nobel de Literatura” (1998) soube, como poucos cultivar esta passagem das suas concepções estéticas para o domínio público. Transição que a sua obra acompanhada, reforça e torna coerente com  todas as circunstâncias de sua época e daquelas de sua terra lusitana de origem.

A contradição do “Rei morto”, “viva o rei” foi bem percebida  e interpretada por Saramago. Ele declarou ao Jornal “El Nacional” da Venezuela,  em 18 de outubro de 1998 para criar um personagem sem significado específico é necessário cria-lo o mais real possível”. Nesta dialética Saramago estava construindo uma das suas obras mais emblemática que é “A Cegueira Branca”. Neste texto ele trabalha como mediador preparado e competente para enfrentar a corrupção do processo, a falsificação ou simplificação que a naturalização da percepção da obra de Arte pode provocar no seu observador. Muitos habitantes de Congonhas do Campo percebem as esculturas de “Os Profetas “ do Aleijadinho e ingressaram na “Cegueira Branca” devido a qual naturalizaram esta criação. Este hábito naturalizador reduz a se discurso fixo, único e linear que os tronam cegos para atravessar a ponte entre a obra física e o universo mental no qual o artista teve êxito. Muitas menos para guiar outros cegos que chegam teorias prontas pelos quais se intoxicaram e os tornam tão cegos como aqueles que possuem estas obras no seu quotidiano. Muitas vezes este mesmo artista sente-se impotente para traduzir para o código da fala ou da escrita este processo onde trabalhava por outros meios e outros códigos nos quais é inquestionavelmente competente.



Fig. 10 – A culminância de um longo processo da indústria do restauro conduziu a uma imagem bem visível da “Cegueira Branca” de quem se apodera de uma obra de Arte é destrói de fato. Se aqui o caso é flagrante, e “midiado” mundialmente, ocorre muito mais vezes na prática. Se a distância do mundo mental para uma obra física já é longo, incerto, e, o mais das vezes, redunda em fracasso, imagine alguém em outra cultura ser o temerário para se abalançar a devastar e reinterpretar o pensamento de alguém, pensamento doa qual já possui uma obra degradada pela entropia do tempo e dos meios materiais.


A Arte apresenta-se diante de uma instituição como uma perpétua revolução e um caos imponderável. Nesta sua natureza, própria e única, a Arte teme ser acomodada e naturalizada numa ordem perpétua de uma instituição. Surge, pois, a necessidade de  entender o equilíbrio homeostático entre os contrários da arte e da instituição. De um lado, Foucault escreveu (1995: 124) “o poder circula de forma permanente”  e, admite-se que acontece o mesmo entre a arte e a instituição. Do outro lado,  esse equilíbrio entre a autonomia da arte e a segurança da instituição, acontece “somente dentro de um estado já bem equilibrado, que se apoie numa estrutura social equilibrada”,  na suposição de  Wright Mills   (1975: 315). Por esta razão a Arte constrói valiosos índices para a qualidade, competência e altura de uma determinada civilização. A obra de arte carrega, no mínimo de suas formas físicas, o máximo de informações da civilização de sua origem. Uma série de obras, linearizadas no tempo, também pode se constituir em índice do nascimento, apogeu e decadência de uma determinada civilização e independente do código escrito.

WAS IST KUNST - Kunstforum nº 162 ano 2002.b
Fig. 11 – A obra de Arte é sempre um equilíbrio precário e homeostático entre o seu nascimento na sua concepção mental e a sua morte na sua forma física. O confronto entre o ‘Eros’ e o ‘Tanatos’ deixa vestígios em qualquer obra de Arte.

Na conclusão é necessário admitir, com Paul Klee, que “a formação é boa”, pois ela representa a vida,  a busca e a luta. Porém “a forma é má” pois “a forma é o fim”  e todo fim “é a morte”. A morte é a vitória da entropia, da naturalização e do irreversível. Por isto em Arte não existes desculpas possíveis. Se o artista teve êxito em enfrentar a forma mesmo sabendo que ela é a morte, o que dizer da frustração do artista que fracassa na sua tentativa de conferir uma forma legível ao seu mundo conceitual?.

Fig. 12 – As três obras de Kazimir  Malevich (1878-1936) atingiram , por volta de 1915 formas radicais de um quadrado negro , de um círculo e de cruz grega nas quais o artista abandona qualquer figuração ou referência descritiva externa.. O contexto  da arte praticada nas circunstâncias da cultura  eslava,  conferem um suporte para a este passo estético deste pintor. Se, de um lado,  é necessário admitir que estas obras estão mortas em si mesmas. Contudo, apesar desta morte, estas obras avisam que elas constituem índices deste elevado grau cultural que o seu autor atingiu no momento de colocá-las no mundo físico. A sua eventual copia ou contra facção avisa também que a História não permite a sua repetição. Qualquer tentativa, neste sentido, seria mera farsa até crime.

De outro lado o artista, sabendo que esta obra destina-se à morte, o engrandece ao nível sobre-humano. Engrandecimento devido ao seu o triunfo de colocar neste mundo uma forma da obra de arte. Esta obra será vestígio material e positivo que ele deixa desta luta, desta busca e principalmente da vida de que esta obra constitui índice e apesar de sua morte. Todas as civilizações exibem este êxito material dos seus criadores artistas com muito orgulho e por justificadas razões.


Fig. 13 – A morte contendo o registro do tempo. A representação da morte lembrou, em todos os tempos, a finitude e os limites da onipotência, onsciêncai, eternidade e onipresença “ as pinturas, as esculturas e os objetos  das “Vanitas” perpassa as representações realizadas em período de instabilidade. Caveiras adoradas no México a partir das tradições astecas e maias



FONTES
ARTE

Henri Cartier-Bresson (1908-2004) DESENHOS
http://www.gilsoncamargo.com.br/blog/?p=1229 

CEGUEIRA BRANCA

CEZANNE

Claude RUTAULT

FORMA e ESTÉTICA

FORMALISMO RUSSO

HEGEL
HEGEL Jorge Guilherme Frederico(1770-1831). De lo Bello y sus formas (Estética) Inroduccion  -II – Método a seguir en la inadagación filosófica de  lo bello y dela Arte – Buenos Aires  : Esoasa Calpe Argentina (Coelçaõ Austra – Volume extra) 1946, p. 33.

KITSCH

KLEE, Paul 1879-1940

JOSÉ SARAMAGO Lecciones para la certidumbre   Edmundo Bracho Manuel Guerreiro | 18 DE OCTUBRE DE 1998 

KUNST OHNE WERK Kunstforum fascículo nº 152 –ano 2000

METAFÌSICA nos JARDINS  FRANCESES [ 351 comentários em 26..8.2012]

NATUREZA MORTA

QUEIMA de OBRAS de ARTE

RESTAURADORA DESASTRADA

WAS IS KUNST ? Kunstforum fascículo nº 162 – ano 2002



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SUMÀRIO do 1º ANO de postagens do blog NÃO FOI no GRITO

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