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http://profciriosimon.blogspot.com/2010/10/isto-nao-e-arte-01.html
ESTUDANTE não faz ARTE.
Há dois caminhos na formação de quem pretende estudar Arte para praticá-la. Ele necessita escolher entre desenvolver a consciência individual ou, então, incorporar-se e sujeitar-se à consciência coletiva.
Fig. 01 – ARTISTAS EGÍPCIOS e seus aprendizes
O artista, com consciência individual, existiu pontualmente na tradição grega, que lhe dava nome pessoal e responsabilidade. Algumas culturas, desenvolvidas na esteira da Grécia Clássica, do 4º século a.C., aceitavam alguma autonomia do artista, consciência individual e um nome próprio. Nas demais culturas a consciência coletiva era imposta a todos, inclusive ao artista. Nestas culturas, a criação artística era atribuída a quem dominava o poder política, inclusive em Roma. Assim a arte foi atribuída aos faraós, aos imperadores romanos, aos papas e aos reis.
Fig. 02 – PÉRICLES e FÍDIAS uma sintonia entre um político e um artista com nome e estatuto próprio.
O Renascimento Italiano retomou a tradição grega de conceder a fonte da criação ao indivíduo especializado, a quem atribuía a genialidade e criação ao modelo divino. Estas artistas sustentaram-se como criadores individuais e, portanto, com autonomia, nome e na busca de um estatuto próprio.
A formação do artista oscilou conforme a escolha que uma cultura fazia entre o caminho da consciência individual ou coletiva. Em épocas nas quais dominava a consciente coletiva, não havia o destaque ao indivíduo. A sua formação ocorria nos canteiros de obras ou ateliers coletivos sob a orientação de um mestre formado neste mesmo canteiro de obras. Há índices desta mentalidade no paradigma que comandava a Bahaus.
Fig. 03 – ESTUDANTES de ARTE na Academia dos Carracci em Bolonha – Itália - c. 1580
Quando a consciência individual do Renascimento atingiu o seu apogeu, alguns artistas tentaram criar formas institucionais para o cultivo de artistas individuais e cuja expressão a mais visível, e socialmente aceita, era a assinatura individual de uma obra considerada de arte. (PEVSNER, 2005),Nesta cultura o indivíduo, candidato à artista, tinha uma árdua tarefa de inscrever o seu gênio individual nesta tradição.
Queremos tratar, a seguir, desta conquista e formação de autonomia do artista.
O ARTISTA como o TEMERÁRIO mais INÚTIL e
o SOBRE-HUMANO.
Historicamente o choque entre o trabalho coletivo e a obra individual assinada, possui um momento específico e inaugural. Este momento de inflexão entre o a arte coletiva da individual é possível acompanhar no Brasil melhor do que em outras culturas. A tradição da obra artística, com assinatura individual, foi implantada no Brasil, em 1816, pela Missão Artística Francesa. A inauguração da Academia de Belas Artes no dia 12 de agosto de 1816 é no Brasil o “Dia da Arte”. Esta data é significativa na medida em que representa o iniciou desta tradição da obra de arte assinada e a inscrição na tradição clássica grega. Assim o Barroco colonial, no seu conjunto, é obra do coletivo, inclusive as Missões jesuíticas do Rio Grande do Sul, apesar de todo o seu esplendor e sua fama.
Documentos do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul – Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 04 – ARTÍFICES no INSTITUTO PAROBÉ e aprendizes de artesanato - Desenho de Giuseppe Gaudenzi. 1915
As temeridades e os perigos são imensos para quem quiser ser artista com gozo de estatuto próprio, autonomia e nome próprio. As sábias mães, de todas as culturas, intuem este perigo e temeridade quando advertem “meu filho não faça artes”. Se de um lado é verdade que a “Arte não se aprende” de outra parte há cada vez mais estudantes que buscam ser o “o único inútil no sentido mais temerário” como Nietzsche1 titulou a quem se entrega à atividade da arte. Ele reconhece que no projeto do artista “ está a sobre-humanidade”.
Quem deseja lidar com este forte desafio precisa, certamente, de mestre para aprender unir a contradição entre o perigo e a mais absoluta inutilidade prática, com aquilo que arranca o ser humano da Natureza e lhe permite tornar-se contemporâneo com o que de melhor cada civilização produziu.
Fig. 05 – AULA numa ACADEMIA GREGA o “Trivium” e “Quadrivium” incluía a Música e a Retórica
http://pt.wikipedia.org/wiki/Artes_liberais
Devido ao acumulo do melhor que cada civilização deixou para as gerações posteriores seria temeridade querer refazer tudo sozinho e aprende-lo por sua própria conta, em especial numa cultura como a nossa. Isto seria uma impossibilidade ainda que sejamos eternos aprendizes, o artista é por excelência o perpétuo aprendiz. Diante desta impossibilidade, ou temeridade, alguém busca tornar-se discípulo de alguém. Por segurança, e por motivo de diversificações de orientações, é melhor realizar esta formação numa instituição. Contudo esta escolha, do estudante de arte, possui o seu preço.
Este preço é a heteronomia temporária ou definitiva da vontade do aprendiz. Nesta heteronomia ele aceita a vontade do mestre e se dirige para o desenvolvimento da sua competência. Nesta competência ela aceita a ruptura epistêmica da sua própria inteligência e, no estágio final, com a do próprio mestre. Estas condições de heteronomia da vontade colocam alguém na impossibilidade da criação autoral e da reprodução própria. Esta heteronomia é mais profunda em culturas que identificam e desqualificam o estudante reduzindo ao termo de “ALUNO” ou de “DISCÍPULO”.
Diários de Francis Pelichek – Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 06 – AULA na ESCOLA de ARTES do IBA-RS onde o professor Francis Pelichek busca ter o mesmo “ponto de vista” da sua estudante.
O presente artigo busca entender o que acontece com o artista desde o momento do contrato com o seu(s) mestre(s) até o momento em que afirma “sei errar sozinho e pago por isto”.
No plano individual podem ocorrer os “assassinatos de Mozart” pela negligência ou pela incapacidade do mestre manter vivo o projeto do seu discípulo. Os inventos podem ser temporões e acontecer de forma precoce em gente nova. Ou o contrário, esta heteronomia perpetua-se vida afora e sem cura, devido ao gostoso e irresponsável estado de “escravidão voluntária” (La BOÉTIE– 1982) pois a vontade, na hetronomia, não conhece sanção moral alguma.
ETAPAS na HISTÓRIA da APRENDIZAGEM INSTITUCIONAL da ARTE
No plano institucional a aprendizagem da arte passou por diversas etapas históricas
Na antiguidade o discípulo, estudante e aprendiz pertencia à uma guilda ao estilo medieval com obrigações que iam muito além da sua profissão de artista. Dali saía como mestre ou permanecia até o final dos seus dias.
O Renascimento italiano evoluiu para além da guilda devido à profissionalização dos artistas e o ensino-aprendizagem da Arte tornou-se global, individual, acadêmico e oficial, com começo, meio e final.
Relatórios do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul – Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 07 – ESTUDANTES da ESCOLA de ARTES do IBA-RS PRATICAM ESTUDO de ANATOMIA em 1915.
Com a gradativa entrada da era industrial este ensino passou a ser coletivo para estudantes ordenados em linha de montagem e produção massiva e de ensino e aprendizagem taylorista. A Arte foi decomposta em numerosas especialidades e o seu ensino foi entregue à catedráticos. A linha divisória mais profunda passou a ser aquela traçada entre a teoria e a prática. O lado teórico se acentuou com a aproximação da escola de artes com a universidade. Cabia a estudante de Arte reordenar estas peças separadas, que ele recebeu na sua formação, num todo coerente. Este todo deveria fizer sentido para a sua autonomia. Poucos atingiam um patamar de reordenamento coerente entre a Arte e a Vida.
Relatórios do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul – Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 08 – ESTUDANTES da ESCOLA de ARTES do IBA-RS PRATICANDO ESTUDO de GEOMETRIA em 1915
Com a entrada da era da informática o processo de ensino aprendizagem é cada vez mais fragmentado. Também cabe ao estudante da arte reordenar estas peças isoladas. Contudo cresceu o número de configurações possíveis e próprias.
A reprodução institucional.
O objetivo último e comum a todo sistema educativo institucional, é o de reproduzir-se2 como em qualquer sistema. Onde a Escola de Artes, não conta ainda com um sistema de Artes Plásticas para a reprodução externa da obra de arte, há necessidade de investir na reprodução na formação do agente e através da instituição. Uma instituição, para realizar essa teleologia imanente, necessita formar agentes que cumpram eticamente essa tarefa. Agentes éticos, autônomos e competentes para fazer circular os valores da obra de arte num sistema.
Alice Soares - Acervo da Pinacoteca do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 09 – ESTUDANTES do CURSO de ARTES PLÁSICAS do IBA-RS com o PROFESSOR de ESCULTURA e MODELAGEM FERNANDO CORONA : 5 Leda Flores – 2 Fernando Corona – 3 – Cristina Balbão – 4 – Dorothea Vergara – 1 – Teresa Gomes Gruber – 6 - Alice Soares: autora do quadro, em 1943 – Todas as estudantes seguiram o caminho da Arte tendo nome próprio reconhecido. Fizeram valer o projeto do seu mestre
O papel primordial da formação da autonomia do agente estudantil era enfatizado, na expressão de Corona ‘deixei de ser escultor para formar escultores’. Transferia a tarefa da reprodução institucional ao seu estudante pois a “nossa precípua missão era a de preparar substitutos entre os nossos alunos formados para que nos substituíssem quando a hora chegasse”’ (Corona 1977:188). Para que isto pudesse acontecer, o médico pediatra Olympio Olinto de Oliveira (1865-1956), fundador do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul (IBA-RS), afirmava, em 1928, que o ‘estudante está acima de todas as organizações escolares’ (in Souza Campos, 1954: 85). Ou
Observando de perto o estudante de artes.
No Rio Grande do sul este ideal é mais recente e pontual. Isto apesar de Manuel Araújo Porto-alegre (1806-1879) ter sido um dos primeiros estudantes da Imperial Academia de Belas Artes e de ter sido inclusive o seu diretor. Este fato recente oportuniza uma análise mais próxima e com maior número de dados empíricos. Oportuniza acompanhar o impacto da concepção da universidade, pelo lado mais empírico e próximo, quando ela assumiu a formação institucional do estudante de arte.
Foto de Selso Dal Bello no Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 10 – ESTUDANTES do CURSO de ARTES PLÁSICAS do IBA-RS com o PROFESSOR de PINTURA ADO MALAGOLI em 1961
Contudo, ao acompanhar o que aconteceu efetivamente no campo discente, esse ideal não resistiu, ou não foi praticado. Os estatutos, os regimentos e os regulamentos, além das normas não escritas, colocavam o formando, se não na heteronomia total, ao menos numa situação crítica. Uma das frases com que o mestre Ado Malagoli resumia a posteriormente essa heteronomia, era de que ‘aluno não faz arte’. O aluno, ao colocar-se em tal situação, está se colocando na heteronomia, torna-se desmesuradamente vulnerável à autoridade docente. Mesmo que seja impelido fortemente a praticar rupturas epistemológicas do seu próprio saber, nem sempre dispõe de condições para levar adiante, e a bom termo, esse ideal de tornar-se autônomo.
Diários de Francis Pelichek – Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 11 – ESTUDANTES da ESCOLA de ARTES do IBA-RS com os PROFESSORES FRANCIS PELICHEK (sentado), LIBINDO FERRÁS e AUGUSTO LUIS de FREITAS (de chapéu) c. 1925.
A autoridade docente torna-se desmesurada quando o estudante está constrangido de se avaliar por meio dos seus próprios conhecimentos. A escola, o professor e a sociedade, ao romper o exercício do cultivo do hábito da integridade intelectual do estudante (Max Weber - 1989) estão prolongando a agonia do parto da autonomia do estudante. Contra a condição de heteronomia, emergem sentimentos de frustração os mais incontroláveis e soluções extremas3. O fracasso educacional em arte tem conseqüências mais profundas, amplas e frustrantes, pelo fato de lidar com a totalidade do mundo sensível. Como qualquer assassinato, os ‘assassinatos de Mozart’ são irreversíveis.
Os estudantes de artes se organizam no Rio Grande do Sul
O trabalho em comum é o primeiro passo para a organização coletiva e a formação de uma categoria separada (SANTOS 1982). Certamente este princípio pode ser transferido para o estudo em comum. Seguindo as concepções de Popper, (1987: 33), supõe-se em relação às instituições que elas exercitem a formação de estudantes autônomos e competentes para fazer circular o saber da arte. Os registrados dos primórdios da organização estudantil no IBA-RS são posteriores à Revolução de 19304. Da parte dos amadores que dirigiam o IBA-RS, não houve iniciativa para conceder um espaço institucional para exercitar a autonomia do estudante. O tema de uma aliança entre o docente e o estudante, romperia a hierarquia onde ambos estavam subordinados ao seu poder, cada um em dado patamar. Estes amadores poderiam permitir, no máximo, que esse ‘grêmio’5 funcionasse no interior da estrutura do seu poder e na ordem que eles haviam estabelecido na época.
Na Música, a aliança entre as forças dos docentes e dos estudantes aconteceu e esse instrumento político foi usado de fato, pelo Conservatório, para transformar o seu campo específico das Artes. Nas Artes Plásticas, e em particular na Escola de Artes do IBA-RS, as transformações foram lentas e pouco visíveis. A carência de outras instituições concorrentes, de um histórico local de agremiações no passado, a inexistência de ateliês públicos, de galerias ativas e continuadas no tempo, de cursos alternativos e eruditos e especialmente em obras de arte, nas quais seria possível ler uma vida cultural autônoma e autêntica a partir da juventude. Se essa possibilidade ocorria pontualmente, na maioria das vezes não tinham condições de superar o que era oferecido na frágil formação institucional da Escola de Artes do Instituto. Após a criação do IBA-RS, em 1908, tudo ainda estava no porvir e confiado à uma frágil instituição que depositava toda a sua esperança nos ombros dos seus estudantes que estavam sendo educados na maior heteronomia.
Fig. 12 – ESTUDANTES do CURSO de ARTES PLÁSICAS do IBA-RS com o PROFESSOR de PINTURA ANGELO GUIDO em 1945
Nas condições desse espaço cultural, carente de um mínimo de um sistema de arte, a formação do estudante na Escola de Artes (EA) do IBA-RS, e a sua conseqüente reprodução, podem ser vistas, por um olhar externo, como medíocres e amadoras. O repertório do ex-aluno era limitado ao mínimo daquilo que havia apreendido na sua rápida e superficial passagem pela instituição. Nessas condições, não seria possível nem atingir, o nível crítico e nem a amplidão da teleologia imanente de que a instituição propunha ser portadora. Contrariando esse pessimismo, é possível argumentar que a passagem pela EA, na medida em que era institucional, contribuiria, no mínimo, para marcar a posse do campo artístico, para uma nova causa, como os toscos pelourinhos portugueses marcavam as posses de novas terras.
Relatórios de Fernando Corona – Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 13 – A ESTUDANTE de ESCULTURA, CRISTINA BALBÃO, em 1938, TENDO como MODELO VIVO um VETERANO da GUERRA do PARAGUAI.
Os estudantes que frequentavam a Escola de Artes já formavam um grupo restrito no interior do Instituto de Belas Artes. Nesse grupo restrito, havia também uma forte disparidade de engajamento efetivo com o campo artístico. A Escola de Artes do IBA-RS não fugiu à média de 10% desse engajamento, como ocorreu na Academia Imperial, mesmo nos seus melhores momentos do século anterior6. Existem diversos índices dessa disparidade. Um está no pequeno número daqueles que chegavam ao curso superior. Outro, na pouca produção artística subseqüente à Escola, além das poucas participações posteriores na cultura como artista plástico. Na maioria das vezes, esses egressos, reproduziam apenas as formas dos conhecimentos recebidos na Escola, ao modelo de desempenho dentro de um saber mal assimilado, incapaz de reelaborar e adequá-lo à cultura circundante.
Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 14 – ESTUDANTES da ESCOLA de ARTES do IBA-RS PRATICANDO e MODELO VIVO
O estudante ‘de tempo integral’ era, e continua sendo, uma raridade. Raro era também o aluno de ‘uma linha de transmissão de interesse’ em que algum antepassado havia sido artista7.. De outra parte, a busca de qualquer instituto que tem por finalidade a prática de um saber desprendido de alguma aplicação imediata, como acontece nos institutos de Matemática, de Física e de Filosofia, impõe uma base paralela de sobrevivência. O que de fato importava era a profissionalização em “outros cursos” considerados ‘sérios’. No seu Relatório do ILBA-RS de 1912, pp.37/8, Olinto de Oliveira era explícito sobre o fato.
“As bellas-artes, principalmente entre nós, consideradas antes como prenda do que como profissão ou objecto de alta cultura, de sorte que os rapazes, quasi sempre cursando collegios ou já empregados desde cedo para o aprendizado de suas futuras profissões, não encontram o tempo necessário para estes estudos, considerados de simples ornamento”
De outra parte, ao longo de sua história, o Instituto exibiu sempre um conjunto de candidatos e estudantes que de fato já possuíam uma formação em outras faculdades, mas aspiravam à carreira artística8.
Índices do que aconteceu aos estudantes da
Escola de Artes do IBA-RS.
Não existe ainda um estudo sistemático do papel exercido pelos egressos da Escola de Artes do IBA-RS. Um grupo significativo abandonou o caminho da formação institucional, assumiu a sua própria formação e de cuja passagem por esta instituição apenas restaram as pastas com o registro de entrada e catalogadas como “abandonos da Escola”. Outros jamais desfizeram o vínculo com o Instituto nas mais diversas atividades. Disso foi exemplo Sotero Luis Cosme e seu irmão, Luis Cosme. Nas suas atividades de violinista e artista gráfico, Sotero havia sido aluno do curso noturno, deixando-se influenciar pelas obras do mestre Eugênio Latour, mantendo, até o final da sua vida, os vínculos com a Escola.
Relatórios de Fernando Corona– Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 15 – A ESTUDANTE CRISTINA BALBÃO do CURSO de ARTES PLÁSICAS do IBA-RS com a BANCA do PROFESSOR de ESCULTURA e MODELAGEM FERNANDO CORONA e JOÃO FAHRION em 1942
Entre os alunos que se profissionalizaram como artistas plásticos, há um número ainda não avaliado com maior precisão. Para citar alguns, lembra-se o pintor Francisco da Silva Brilhante (1901-1987) 9, que afirmou a sua própria autonomia nas calçadas de Porto Alegre, em sessões públicas de desenho, trabalhando nas arcadas da igreja do Rosário. Outro foi José de Francesco, colega de Brilhante, em 1922, no curso preliminar, artista que se tornou famoso em Porto Alegre com os cartazes e letreiros para o cinema. Ou Adail Bento Costa (1908-1980) que frequentou curso superior entre 1931 e 1932, que depois fez carreira em Pelotas. 10
O artista do século XX havia herdado do século XIX um número crescente de candidatos concorrentes. Do outro lado, havia a constante diminuição do número de pessoas que poderia se constituir em observadores ociosos, capazes de pagar os artistas plásticos pela sua obra11
Diante desses dados empíricos em relação a esses agentes, há necessidade de continuar a alimentar a sua base. Mas se acredita que a maior atenção deve ir às instituições criadas pelos egressos do Instituto. Essas instituições estão dispersas, não só no Rio Grande do Sul, mas em todo território nacional, como testemunhas da reprodução da teleologia imanente da Escola e do ILBA-RS.
Arquivo do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 15 – ESTUDANTES do CURSO de URBANISMO do IBA-RS numa AULA com OSCAR NIEMEYER em 1949
Em resumo o estudante ao tomar para si tempo a sua formação e um orientador, necessita também planejar o tempo em que irá permanecer na heteronomia, quando sairá dela e em que condições. O período de heteronomia não é de ócio. Mas um longo, árduo e intensivo preparo para a afirmação de uma autonomia problemática e em constante questionamento. Preparo para vencer problemas e questionamento que se renovam e se alimentam de uma cultura do servilismo e com traços profundos de uma escravidão ainda vigente. Nem servo e nem escravo fazem arte. A recaída para estes abismos da heteronomia são constantes e mortais.
O ex-estudante assumirá a sua autonomia na medida em que tiver uma firme deliberação e decisão de quando e em que condições ele fará Arte. Conhecimento, vontade e direito são conquistas, especialmente no campo da Arte.
8º andar do Instituto de Artes da UFRGS
Fig. 17 – MURAL de ALDO LOCATELLI com os ESTUDANTES do CURSO de ARTES PLÁSICAS do IBA-RS com o PROFESSOR de ESCULTURA e MODELAGEM FERNANDO CORONA em 1958.
NOTAS
1“A arte não pode ter sua missão na cultura e formação, mas seu fim deve ser alguém mais elevado que sobre-passe a humanidade. Com isso deve satisfazer-se o artista. É o único inútil, no sentido mais temerário” Nittzsche 2000, p.134
-2 Na introdução dessa tese foi discutido o papel da reprodução como liberdade. A necessidade da REPRODUÇÃO parece se uma necessidade geral , tanto dos entes vivos como aos sistemas que essa força viva organiza. Arendt afirma (1983 : 155 e 314) que “a força da vida é a fecundidade. O ser vivo não foi esgotado quando ele providenciou a sua própria reprodução”. Maturana Varela transferem (1996: 48) essa característica da reprodução ao ser humano quando é “um além produto específico da força vital humana”. Bourdieu associa (1987 : 177) ao trabalho essa reprodução pois a “‘força do trabalho’ é capaz de criar uma ‘mais valia’”.
3 - Freud em Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância (1910) recolheu (1987, p. 68) a frase do mestre que coloca esses extremos “não se tem direito de amar ou odiar qualquer coisa da qual não se tenha conhecimento profundo”. Para Freud essa exigência da arte impulsionou Leonardo para a repressão dos instintos primitivos para se lançar na mais pura aventura criativa.
-4 O primeiro documento da organização estudantil no Instituto, parece ser o registro “o snr presidente apresentou à comissão Central um ofício da Diretoria do ‘Grêmio dos Estudantes do Conservatório’, comunicando a sua fundação e a realização da sessão inaugural no dia 03 do corrente, em uma das salas do Conservatório. No mesmo oficio a directoria dá seu apoio incondicional ao corpo docente para a oficialização pretendida do Conservatório de Música”. Livro de Atas nº II da CC-I. B. A (sessão do dia 16.06.1932, ff. 33f e v.).
5 - No final do 2o Império Brasileiro a designação ‘grêmio’ possuía conotações de organização republicana e como tal subversiva à ordem estabelecida. Pevsner discute (1982, p. 60) a distinção entre academia de arte onde se cultivava o desenho e não se discutia, face aos ‘grêmios’ que eram sinônimos de ‘universidade’ e onde se discutia.
6 - Durand chegou a conclusão (1989, p. 9/10) de que os estudantes da AIBA “entre 1867 e 1868 os aprendizes chegaram a umas quatro centenas, e essa foi a clientela mais numerosa durante o período monárquico. Nesses anos de maior freqüência não se alterou muito a parcela daqueles que, como alunos ‘efetivos’ e em período diurno, presumivelmente tivessem maior disponibilidade de tempo e de meios materiais para aprendizagem mais profunda. Eles foram sempre uns trinta ou quarenta, enquanto aumentam os aprendizes de condição ‘amadora’, notadamente os que iam a noite, sinal de que seriam menores trabalhadores á busca de formação artesanal”..
7 - No caso de haver algum antepassado artista, por parte desse aluno, há registros no IBA-RS de uma busca incompreensível para escamotear o nome, de ruptura ou renúncia desse índice do nome do parente. Pode ser interpretado como uma forma de buscar autonomia do parente famoso.
8 - Sobre a escolha da carreira nas artes plásticas, Durand escreveu (1989, p. 270) “como disse uma arquiteta, resumindo sabiamente um dos modos como é visto o curso de arquitetura entre a clientela potencial das classes altas médias ‘ é duro a pessoa chegar aos dezessete anos e dizer aos pais: - “Eu quero ser artista plástico!”. “A família cai de costas”, concluiu ela, resumindo o insólito que consiste em tomar por definição profissional o que a ideologia insiste em manter no escalão das práticas amadoras presididas pelo princípio do prazer. Nesse sentido, a procura por arquitetura exprime uma ópção’ de conciliação entre vontade de conviver com a arte visual e a exigência de participação em um campo profissional prestigiado no conjunto das classes donde sai a clientela universitária”.
–9- «Figura típica de Porto Alegre é homenageada» Correio do Povo Porto Alegre. Ano106, n o182, in caderno Folha da Tarde, capa, 31.03.2001
10- SILVA, 1996, pp.47-51.
11- Após o clero e a nobreza “é típico do século XIX um proletariado de artistas que inclui uma massa de homens medíocres e alguns melhores entre eles (...) Inclusive os mais ricos dos patrões é um homem ocupado e passa a maior parte do tempo trabalhando, e considera a arte como recreio, um descanso, um culto pseudo-religioso ou em todo caso alheio a vida cotidiana, Era totalmente impossível para qualquer artista saber o que um possível patrão poderia querer”. Pevsner, 1982 pp.151
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Livro II Atas do Conselho Técnico Administrativo do IBA-RS de 21. 06. 1941 até 30.1.1951