domingo, 12 de setembro de 2010

ARTE em PORTO ALEGRE e a “HISTÓRIA em MIGALHAS” - 09.02

PLÍNIO CESAR LIVI BERNHARDT.

Origem da imagem : Arquivo Yvonne BERNHARDT

Fig. 01 – Plínio pintando



Percorrer a vida e obra de Plínio César LIVI BERNHARDT (1927-2004) significa identificar os passos de um caminho de alguém fiel à sua terra[1] e, em sua arte, recolher as migalhas dispersas em suas obras. Neste caminho e nestas obras de arte é possível verificar o que significam as perdas e os ganhos que representa uma tal opção para um artista nascido e que consumiu a sua existência em Porto Alegre.


Em relação à origem da pessoa de Plínio significa uma ampla mistura étnica presente na sua origem familiar. No caso de sua obra constitui a oportunidade de conhecer e recolher uma lição de coerência entre um projeto pessoal e o que lhe permitiu realizar neste meio cultural que ele escolheu. Assim a vida e a obra de Plínio são índices preciosos das competências e dos limites que um artista visual enfrentou, na segunda metade do século XX, ao escolher ser fiel em praticar a sua arte em Porto Alegre e nas circunstâncias da cultura sul-rio-grandense.


No presente texto busca-se dar forma escrita ao pensamento plástico visual de Plínio Bernhardt e de alguns dos seus intérpretes. A memória de sua obra visual busca agora abrigo institucional e que já está acontecendo no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) e no Centro Cultural CEEE. No MARGS Plínio Bernhardt foi diretor e onde desenvolveu numerosos cursos de Desenho e Pintura para os seus estudantes. No Centro Cultural CEEE ele estava planejando uma exposição quando foi surpreendido pelo seu desaparecimento. A exposição aconteceu mais tarde acompanhada por um livro que pode se constituir-se numa semente para um “Catalogue Raisonée” e para a constituição de uma fundação para abrigar, referenciar, autenticar e acompanhar a socialização da obra de Plínio Bernhardt.


Por enquanto Plínio pode ser incluído entre os poucos dos quais muitos ficarão ignorantes na constatação de Fernando Corona (1895-1979):


nunca tantos deverão ficar ignorantes de tão poucos, pois a história na seara das Artes, ainda está para ser contada desde Araújo Porto-alegre e Pedro Weingärtner até os últimos talentos que despertam nas artes plásticas e na arquitetura. Corona, 1977 p. 166.


Com certeza Plínio foi um dos agentes que o Rio Grande do Sul careciam serem mais conhecidos pela população e por pessoas ilustradas, pois ele dedicou a sua vida para muitos tivessem acesso ao conhecimento, à reflexão em relação às obras de arte e à institucionalização da sua memória.

No contraditório este blog necessita admitir que os milagres de um profeta não são aceitos na sua própria terra. Apesar desta constatação bíblica, Plínio Bernhardt contrariou o padrão daqueles artistas sul-rio-grandenses que tiverem de sair de sua terra para provar o seu valor fora para depois serem ali aceitos na cultura local. Este caminho do exílio voluntário foi trilhado por um Araújo Porto-alegre, por Pedro Weingärtner e por Iberê Camargo que só foram reconhecidos, na sua própria terra, por que triunfaram lá fora. Contudo, se esta lei fosse universal, a memória de um Giotto, de um Rembrandt ou dos Impressionaitas.., estaria destinada ao lixo da História pois foram artistas intensamente cultivados na sua própria terra e cultura.


[1] Este blog já se ocupou do PROJETO PLINIO LIVI BERNHARD em

http://profciriosimon.blogspot.com/2009/11/plinio-livi-bernhardt.html

e http://profciriosimon.blogspot.com/2009/11/projeto-plinio-1.html..

Agora o foco pretender ser a pessoa e a obra de Plínio.



Foto Círio SIMON

Fig. 02 – A memória de Plínio que está sendo cultivada.


Trabalhando a memória da vida e da obra do artista.


Assim este texto dedica-se aos observadores que ainda ignoram a obra de Plínio como um artista sul-rio-grandense que não emigrou, recebeu os louros e pagou todos os tributos pela sua escolha de ser fiel à sua terra. Esta fidelidade à terra colocam o problema dos ganhos e das perdas que um artista sul-rio-grandense necessita administrar ao escolher não migrar. Esta fidelidade à terra natal permitiu ao artista um desenvolvimento linear de uma obra que se apresenta sem rupturas. A obra de Plínio reflete a melancolia do apreciador dos longínquos horizontes das paisagens do pampa sulino. Pampa no qual Bernhardt descobriu, no final da vida, as tragédias dos esqueletos que juncam estes planos pampas. Esqueletos que se erguerem desta paisagem plana do Pampa reivindicando os seus direitos em grandes telas do artista. Os esqueletos reais produzidos nas numerosas batalhas travadas pela posse destas planuras. Na obra de Plínio ganharam um lugar privilegiado para mostrar os lados trágicos da vida do homem pampeiro e que o artista contempla na maior serenidade de alma. Um artista não encontraria o lugar para contemplar e elaborar estas reflexões profundas e desapaixonadas do seu destino quando corre de um lado para o outro. Os esqueletos encontram, na obra calma de Plínio, uma forma singular e surpreendente. Artista que produz agarrado à sua aldeia, mas assim pode tratar de um tema universal e presente nas formas mais diversificadas em muitas culturas.




A memória desta obra necessita ser provada por longos períodos de silêncio para que amadureça como um bom vinho acabado. Contudo, para que esta memória não resvale para o mito, existe um período ideal para romper este silêncio. A obra de Plínio está amadurecendo ao amparo do carinho de sua família. Família que ao modelo do que Jorge Vasari necessitou para compor a memória do Renascimento italiano a partir da memória dos descendentes artistas. No centro da família de Plínio Bernhardt encontra-se a memória viva da Professora Ivonny Bernhardt que, além de herdeira da obra do esposo, é competente para comandar e organizar o espaço conceitual necessário para preservar esta memória do artista.

O grande público foi privado de contemplar, ao menos um conjunto mínimo da sua obra do artista. Deve-se este procedimento ético e elogiável do artista para não sobrepor a sua obra pessoal ao espaço público do qual era um dos agentes. Após o seu desaparecimento físico o pensamento do artista permanece mais vivo do que nunca na sua obra. Contudo esta memória não é natural. Ao contrário, para a consolidação deste patrimônio cultural sul-rio-grandense, constituído pela memória e pela obra do mestre, o mundo criativo necessita de um longo, trabalhoso e continuado processo de pesquisa. O mundo de Plínio irá sumir inteiramente se o seu conhecimento e a sua vontade não forem continuados por uma nova geração de pessoas capazes de emprestarem um continuum atualizado ao seu legado histórico. As instituições, como aquelas que ora recebe este pensamento e esta vontade, são a maior garantia deste continuum atualizado para mais uma etapa da vida latejando do artista nestas obras. Esta legitimação institucional necessita um evidente e rigoroso vestibular onde a pergunta básica é se de fato:

- As instituições culturais possuem condições de uma interação profícua com o pensamento do artista?.

Plínio Bernhardt trabalhou, ao longo de sua vida, pelo patrimônio cultural sul-rio-grandense e brasileiro. Chegou a hora para a cultura sul-rio-grandense e brasileira tenham a oportunidade de conhecer, de assimilar e de continuar a reprodução do patrimônio que agora constitui a sua própria obra criativa e que é índice de toda uma cultura desta mesma época. Contudo não se traz impunemente para o presente o pensamento de um criador de uma outra época.

Origem da imagem : Arquivo Yvonne BERNHARDT

Fig. 03 – Obra de Plínio


A História escrita com as migalhas e pelas dúvidas.


A história de uma personagem pode ser escrita por meio das dúvidas que assaltaram a sua mente. Dúvidas quando teve de abandonar caminhos, realizar outras escolhas concretas pelas quais seguiu e entregou sua vida. A história de Plínio é revelada no fluxo continuado das dúvidas enfrentadas pela sua mente, nas soluções criativas e materializadas nas suas obras de arte. Ele resolveu permanecer no chão da sua origem e nele enfrentar os obstáculos que esta escolha determinou contra o impulso de abandonar cedo a periferia cultural do mundo Ocidental. As suas dúvidas necessitam serem procuradas nas suas obras que teimam em se calar, guardar segredos e mistérios imponderáveis como a própria vida.


A escolha concreta e obrigatória da migração para outras culturas constitui um problema que tentador para a mente de todo jovem artista, nascido e criado na periferia. A angústia do problema gira ao redor da necessidade de uma decisão precoce e concreta e decidir se esta migração constitui o fundamento e o motor da carreira de um artista.


Toda escolha implique numa perda. As perdas que uma tal escolha impôs ao jovem Plínio colocam, de um lado a necessidade de o artista migrante iniciar, no local e na cultura para ele migrar, uma nova vida e uma nova história. Do outro lado se ele permanecer fiel à sua terra, antepõe-lhe a dúvida de como lidar com as forças entrópicas locais que irão condicionar todos os seus passos. Um acurado estudo de todas as migalhas que constituem o conjunto da obra e da vida de Plínio oferecem uma resposta oportuna para avaliar este problema.

De outra parte, os que seguiram alguns artistas-professor que aconselharem, como primeira lição da carreira de artista sair do seu ambiente, constitui outro cortejo de artistas anônimos que foram mostrar em outras paragens que o problema do abandono da sua terra não constitui uma sina do artista sul-rio-grandense. Entre permanecer ou sair de sua terra, necessita de uma homeostase entre múltiplas escolhas que assaltam a vontade do artista dono de sua inteligência e vontade e que pertence à autonomia de cada artista que deve escolher, de forma absoluta, o ambiente mais competente para desenvolver a sua obra. Plínio resolveu permanecer fiel à sua terra.


A obra e a vida de Plínio constituem uma lição constante dos lucros e de como é possível administrar as perdas da escolha de ser fiel à sua terra e á sua gente. Evidente que Plínio nunca esteve sozinho no passado e nem é original nesta escolha de ser fiel, em tempo integral, à sua terra e à sua gente. O estudo de uma legião de artistas, que nasceram e viveram em Porto Alegre, formam um imenso cortejo. Este cortejo mostra concretamente que a obra e a vida Plínio nos coloca diante de uma vida e de uma obra que resolveu permanecer fiel à sua terra natal e enfrentar o tabu da permanência.


Apesar de Plínio ter feito diversas experiências no exterior, elas nunca conseguiram abalar a convicção da fidelidade à sua terra e à sua gente. A evolução pacífica da carreira do artista demonstra esta convicção fundamental. No percurso desta vida e desta obra, a linha condutora deste artista, constitui não só a memória, mas colocam luzes claras em todas as instituições e as circunstâncias culturais que Porto Alegre ofereceu a um dos seus filhos.


Enfrentar o conhecimento destas circunstâncias consiste em reverter e apagar as chamas do fogo das queimas de etapas e revolver as cinzas do incêndio, das conseqüências da entropia e da obsolescência imediata da memória das circunstâncias culturais e instituições que Porto Alegre ofereceu na segunda metade do século XX. A escolha da permanência, resolvida adequadamente, permitiu ao Plínio artista cultivar outras dúvidas e soluções bem mais profundas, existenciais e, em última análise, bem mais universais do que se tivesse optado em ser um artista ao estilo “glob troter”.


O artista que permanece na periferia enfrenta a falta da construção isenta da sua memória institucional até pela fragilidade destas instituições. Ele precisa lutar silenciosamente contra as chamas endêmicas do fogo das queimas de etapas. Estas chamas são alimentadas pelo combustível do sentimento de inferioridade, de atraso e da culpa inerentes à esta cultura periférica. Cultura é pobre na medida em que ainda não teve a coragem de proclamar a sua autonomia e construir a sua identidade face à outras culturas que ela julga superiores, por um ou mais motivos. Não adianta ostentar, neste instante, o mito da origem, do ufanismo oco e do patriotismo xenófobo[1]. Mário de Andrade proclamava o “direito permanente à pesquisa estética”, a “atualização da inteligência brasileira” e a “formação de uma consciência coletiva.” Estas três linhas traçadas, em 1942, por Mário são indispensáveis para uma cultura sadia, competente e atual. Ele seguia a lei universal de que o direito da construção de um mundo autônomo humano é realizado pelo conhecimento acoplada à uma vontade. O direito de uma cultura proclamar a sua autonomia e a possibilidade de usufruir os frutos da sua competência, é proveniente de uma vontade de estabelecer limites na sua competência e estar plenamente ciente daquilo que ela inclui ou exclui nestes limites.



[1] - Quanto ao sentimento de inferioridade da cultura norte-americana, ainda em 1960, em relação às demais culturas européias hegemônicas, é interessante ler um texto do autor da TERCEIRA ONDA anterior a esta obra:

TOFFLER, Alvin Questões básicas da sociologia cultural (2ª ed) Rio de Janeiro ; Lidador, 1967, 255 p.





Origem da imagem : Arquivo Yvonne BERNHARDT

Fig. 04 – Plínio jovem no seu atelier.


A contemplação lenta e gradativa da obra de Plínio.


O presente texto é proveniente, não só do convívio do autor com o artista, mas, de forma particular, da contemplação lenta e prolongada com uma obra que teima em guardar, como a própria vida, segredos e mistérios imponderáveis. Estes desenhos e as pinturas silenciosas merecem a observação atenta e sem pressa, como melhor retribuição ao legado supremo que Plínio nos brindou. Para o observador das obras de Plínio vale aquilo que Nietzsche pediu (2000, p.27) aos seus leitores do seu texto ‘O futuro das nossas escolas[1]:: “espero do leitor (observador) três qualidades: deve ser tranqüilo e ler (olhar) sem pressa; não deve fazer intervir constantemente sua pessoa e a sua cultura, e não tem direito de esperar – quase como resultado – projetos”.


São raros os textos de Plínio. Ele preferia o discurso visual da sua obra plástica e o conselho coloquial dado generosamente no momento oportuno no qual os seus discípulos realizavam as suas próprias experiências estéticas criadoras e ao repertório do discípulo. Este discurso visual e conselho oportuno resistem como toda boa obra de arte. Boa obra que não entrega sua mensagem ao primeiro desavisado ou curioso de ocasião. Plínio sabia que a obra seria apenas uma comunicação se ela entregasse o seu segredo. Passaria a constituir mais um trabalho consumido pela obsolescência, característica de todo o trabalho humano, e que não passaria além deste operar no tempo e no lugar desconhecido. Porto Alegre não pode ser mais desconhecida e desconsiderada quando se fala da obra de arte de Plínio Bernhardt.


Portanto, o autor deste texto, emite apenas opiniões pessoais que resultaram desta atenção à obra. Certamente outras sensibilidades, inteligências e circunstâncias poderão contestar, ampliar ou reduzir este texto. O presente texto diz não às tipologias de arte, às comparações com outras culturas e às influências desqualificadores. A obra de Plínio não entrega o seu segredo, face à qualquer comparação. Além do mais , toda comparação é sempre odiosa.




[1] - NIETZSCHE, Frederico Guillermo (1844-1900).Sobre el porvenir de nuestras escuelas. Barcelona: Tusquets, 2000. 179 p.

Origem da imagem : Arquivo Yvonne BERNHARDT

Fig. 05 – Plínio e a memória de Rio Pardo


A obra de arte coerente com a vida e as suas circunstâncias.


Em vez de comparações e de tentativas de enquadramentos em tipologias estéticas, estamos convictos que o pensamento do artista só pode ser captado pela atenção à obra, pelo estudo da sua vida e das suas circunstâncias. Esta é a investida da tese central, que atravessa todo presente texto. A atenção à obra encontra os maiores obstáculos no primitivismo das nossas instituições, uma cultura entrópica, sem identidade e muito próxima ou envolta nas necessidades humanas mais básicas não vencidas. Por isto há necessidade de enfrentar as racionalizações apressadas e os reducionismos estéticos interesseiros e favoráveis às culturas alheias hegemônicas.

Antes de comparações com outras culturas cabe muito mais estudo com atenção redobrada às nossas circunstâncias, até para não fabricar comparações indevidas e improcedentes que esterilizam e matam a obra criativa autêntica.


Origem da imagem : Arquivo Yvonne BERNHARDT

Fig. 06 – Plínio e as Missões de um projeto mostrado na Espanha.


Limites e competências das instituições sul-rio-grandenses de artes.


O primeiro passo para vencer o primitivismo das nossas instituições é em direção ao conhecimento dos seus limites e das suas competências.

A obra de Plínio necessita ser refeita periodicamente por meio de novas leituras, valendo-se de com repertórios coerentes com as novas gerações que chegam ao palco da História. As instituições e os novos repertórios resultam da construção humana e como tais são dominadas pela entropia.

As necessidades básicas humanas não possuem uma solução uniforme, nem constituem um destino pré-fixado e escrito no além. A reversão do destino, que a Natureza parece impor com solução única, passa por um trabalho no qual a arte também está presente e em especial motivadora deste esforço. Uma verdadeira obra de arte possui o alto sentido de transcendência e de duração como uma solução contra a ação da entropia de sua identidade. Plínio provou que o seu trabalho foi realizado nesta infra-estrutura periférica, sem descurar a sua necessária institucionalização, com o objetivo de atingir o seu observador e em companhia de quem ele completa a produção da sua obra.

Origem da imagem : Arquivo Yvonne BERNHARDT

Fig. 07 – Plínio professor


Plínio como pessoa e o coletivo das instituições de arte

A indústria cultural contemporânea instalou o cultivo do gênio artista. O culto ao individualismo do GÊNIO da ARTE produziu, no Romantismo, um monumental EU ancorado no onisciente, onipotente, eterno e onipresente. Os martelos que tentaram esculpir o anti-gênio não fizeram mais do que reforçar o protagonista e antagonista da cultura clássica grega. Se o artista puder conceder a si mesmo a “epoché” e a “scolé”, também gregas, poderá produzir a sua obra a modelo da obra de Plínio Bernhardt. A pós-modernidade está apontando novamente no sentido contrário, quando, após os “15 minutos de fama individual”, a solução deste indivíduo é o retorno ao inconsciente coletivo e social.


Plínio foi um dos raros artistas criadores sul-rio-grandenses que compreendeu corretamente como a obra de arte constitui o seu sentido e o seu percurso social. Quando a obra de arte isola-se das instituições sociais, o seu sentido social é muito frágil. Esta obra só consolida o seu sentido quando puder institucionalizar num lugar saudável, forte e com uma segura garantia de um continuum histórico. Para os artistas plásticos do Rio Grande do Sul este lugar institucional é o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) constituídos, mantidos e consolidados pelo Estado do Rio Grande do Sul. Foi no MARGS que Plínio agiu de forma permanente exercendo com dignidade a direção desta instituição[1] e na qual interagiu até as suas últimas forças. Por tanta dedicação, desprendimento e compreensão de Plínio para com o projeto civilizatório do qual este museu é portador. é justo que o MARGS lhe consagrem uma exposição e um livro. Esta consagração da obra do Plínio acontece depois do seu desaparecimento físico. Mas o seu pensamento, plasmado nas suas obras, permanece mais vivo do que nunca. É digno e oportuno pois que as obras de Plinío recebam legitimidade, estudo e consolidação cultural nesta instituição pública, gratuita e de qualidade inconteste que é o MARGS.


Apesar da queixas que alguns desavisados, de espírito infantil e de escravos voluntários, exercem em relação, e contra, às instituições de arte de Porto Alegre, não existe registro escrito de uma queixa de Plínio. Ele tinha coisas superiores para realizar e não possuía tempo para este tipo de manifestação. As suas queixas foram canalizadas para as suas obras. As obras, que tiveram como temas os esqueletos das planuras dos campos sul-rio-grandenses, são as caraças humanas que pontilham as batalhas interiores de Plínio contra estes queixumes e os fantasmas improdutivos.

As intensas batalhas interiores expressam o amargor universal da finitude da vida humana e os infinitos campos da arte a percorrer nesta curta vida humana. Os rolos e os fantasmas formados pela fumaça dos seus cachimbos eram, certamente, índices e metáforas externas destas batalhas interiores.


[1] Foram diretores do MARGS: entre 1954 a 1959 Ado MALAGOLI, de 1960 a 1963 Glênio BIANCHETTI, de 1963 a 1964 Francisco STOCKINGER , de 1964 a 1967 Carlos SCARINCI, de 1967 a 1968 Francisco STOCKINGER, de 1968 a 1972 Gilberto MORAIS MARQUES de 21.02.1972 a 30.06.1972 Antônio HOHLFELDT, de 07.1972 a 02. 1973 Armando ALMEIDA, de 03.1973 a 12 1973 Flávio ROCHA, de 12.1973 a 04.1974 Kurt G. SCHMELING, de 04. 1974 a 05.1975 Plínio César BERNHARDT, de 05.1975 a 1979 Luiz Inácio FRANCO de MEDEIROS, de 1979 a 1980 Jader SIQUEIRA de 06.10. 1980 a 1983 Valfredo BICCA PIMENTEL, de 1983 a 1987 Evelyn BERG IOSCHPE, de 1987 a 1988 Vasco PRADO, Carlos SCARINCI e Miriam AVRUCH, de 1988 a 1991 Miriam AVRUCH, de 1991 a 1993 Albano VOLKMER, de 1993 a 1994 Ernani BEHS, de 1995 a 1996 Romanita DISCONSI, de 1997 a 1998 Paulo César BRASIL do AMARAL, de 1999 a 2002 Fábio Luiz BORGATTI COUTINHO, de 2003 a 2006 Paulo César BRASIL do AMARAL de 2006 a 2010 César PRESTES.

Pesquisa de Beatriz MARODIN


Origem da imagem : Arquivo Yvonne BERNHARDT

Fig. 08 – Plínio no seu atelier


A obra do artista como primordial.



Um artista não pode fugir da tarefa de criar a sua obra ainda que esta obra seja a afirmação de que “a pintura como coisa mental” como queria Leonardo da Vinci. A obra do artista é primordial. Esta obra não pode ser escamoteada pela “desculpa de plantão” de uma movimentação institucional, por mais meritória que seja. Bem ao contrário, a instituição necessita usar todo o seu prestígio, equipe profissional e recursos físicos para fazer brilhar e valorizar esta obra do artista. Plínio compreendeu muito bem esta distinção e procedimentos como agente cultural adulto, autônomo e consciente. Nesta condição ele não misturou a sua própria obra com a instituição.


No entanto chegou o momento para que os observadores contemplem a obra deste agente institucional. A ausência física de Plínio vai oportunizar para que os atuais agentes institucionais e outros possam fazer brilhar o pensamento que impregna a sua obra.

Nada melhor do a aliança e o senso crítico das instituições de arte para a obra de arte possa fugir, tanto da entropia natural como da mitificação vazia. Para as obras e arte a aliança crítica com as instituições torna-se indispensável na guerra que necessitam travar com as intempéries da entropia natural. Entropia que se atravessa no seu caminho para chegar seguras para uma instituição que possua um projeto civilizatório digno deste nome. Se não chegarem a realizarem este intuito elas não passam de trabalhos com obsolescência marcada, como todas as coisas do mundo.

Origem da imagem : Arquivo Yvonne BERNHARDT

Fig. 09 – Detalhe de uma obra produzida por Plínio, em 1948, na viagem da AAPA para a BAHIA


A arte é longa a vida é breve


A turma de formandos do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul, do ano escolar de 1948, escolheu o lema latino “a arte é longa mas a vida breve”.

Plínio não conseguiu unir, ao longo de sua vida, a sua OBRA com uma INSTITUIÇÃO. Nem era a sua tarefa. Esta tarefa e o privilégio de realizarem a institucionalização da obra de Plínio compete aos que ficaram aqui. Compete, à estas instituições, abrirem-se para receber exposições, pesquisar e legitimar a obra do mestre.

O prêmio deste trabalho será o reconhecimento de uma identidade local e o ganho de um pilar seguro, erudito, provado a mais a ser universalizado para a cultura humana planetária.

Origem da imagem : Arquivo Yvonne BERNHARDT

Fig. 10 – Plínio pintando o patrimônio de madeira de Antônio Prado - RS


A obra permanece – o trabalho é consumido pela obsolescência.

Ressalta-se aqui tanto na vida e na obra de Plínio Bernhardt, como um daqueles que se uniram no aspecto institucional para iniciar o longo processo de pesquisa e consolidação do patrimônio da memória sul-rio-grandense para universalizá-la na cultura humana planetária.

Numa sociedade de consumo, de eventos e da obsolescência programada o artista sabe que a obra de arte é a única coisa que se salva. Contudo, para que estas obras têm sucesso na permanência do seu pensamento, elas possuem um desafio de percorrer uma larga trajetória. Trajetória durante a qual deverá tratar de arrancar do consumo, dos eventos e chegar sã e salva á uma memória coletiva que a reconheça, a ame e lhe confira o direito de ser arrolada como índice do meio em que foi gerada. Neste caminho ela enfrenta ameaça da barbárie de ser consumida mitificada num vazio cultural, além do confronto permanente com outras estéticas totalitárias ou os ingênuos retornos à Natureza comandada pela entropia natural.

Para uma visão panorâmica da teoria, práxis e utopia que é a Instituição do museu de arte, segue-se Aurora Leon que na sua obra (1995) destaca o papel desta casa das musas[1]. Enquanto Recht segue (1998:8) a circulação da peça de culto, da coleção particular até receber a legitimação, como obra de arte, num museu específico. Em Porto Alegre esta peregrinação da obra de arte também é legível no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS). Neste museu de arte, gerações de artistas sul-rio-grandenses podem ter as suas obras reconhecidas, preservadas e socializadas como obras de arte. Um dos agentes mais ativos do MARGS foi Plínio Bernhartd tanto como seu Diretor como na sua ação continuada como técnico-administrativo e docente.




[1] - Esta obra se recomenda pela bibliografia específica de que é portadora (pp. 361-375) em relação a cada tópico que aborda.

Origem da imagem : Arquivo Yvonne BERNHARDT

Fig. 11 – "A MULATA" pintura de Plínio de um projeto mostrado na Espanha.


As energias subjacentes à formação do artista.

A família e a composição cultural das origens de Plínio, mostram o convívio com pessoas familiares artistas e de suas obras de artes visuais. Se de um lado existe uma herança cultural subliminar, do outro não houve um determinismo. Foi uma escolha pessoal entre tantas que a vida oferece. .

A formação do artista ocorreu num período em que Porto Alegre tinha raros momentos nos quais despontava alguma ocasião para conhecer a arte viva e muito pouco para divulgá-la Se a sua época exigia uma ruptura e uma revolução a cada dia, de outro lado existem flutuações na obra de Plínio. Flutuações que não fazem perder o fio de Ariadne de um projeto pessoal traçado ao longo de sua formação e amparado por mestres que haviam percorrido estes labirintos antes de repassar este fio à nova geração, como aquela que se constituiu no apogeu da administração de Tasso Corrêa[1].

No lado do contraditório imperava a entropia natural da periferia na qual, a maior parte das informações culturais, vinham de terceira mão. Não havia instituições, como galerias, museus de arte, mercado de arte continuado. Assim o Instituto de Artes – na época o Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul– era um lugar para pessoas se reunirem e esperar por melhores condições para o sistema de artes local. Plínio formou-se, em 1948, no Curso de Artes Plásticas do Instituto de Belas Artes, aprovado e reconhecido pelo MEC em 1941. Uma turma que contava com pessoas[2] que tiveram um brilho único nas artes no estado e país. Mas estes eram poucos entre os seus 46 colegas de formatura neste Curso Superior que profissionalizaram ou levaram tão a sério esta profissionalização como o fez Plínio.




[1] Veja o tema . Tasso Bolívar DIAS CORRÊA em:

http://profciriosimon.blogspot.com/2010/08/arte-em-porto-alegre-apos-1945-0803.html


[2] A turma diplomada em 1948 era formada por Alice Pinto de Lima, Amalia Luiza Winkelmann Postweiler, Antonina Zulema Hahn D´Àvilla, Beatriz Oderich, Caio Rosa Ilha, Carlos Maximiliano Fayet, Carmen Almeida de Mello Matos, Cassia Celanira Leitão de Revoredo.Barros, Celita Lindmeyer, Dionéia Ana Bohrer Nasi, Dulce Helena Constante, Elvira Eugênia da Silveira Saibro, Érica Alice Asta Hanke, Gilda Barbosa, Hermengarda Velho Alegria, Ida Zucchelli, Ivone Manske, Jahir Maria Soares, José Machado de Oliveira Júnior, Jussara Cirne, Ladislay Nahlosky, Laís Antunes de Souza, Lia Nair Santos, Lygia Rossler, Lúcia Simonis, Luny Maria Chincoli de Azevedo, Luiz Florência Barreto Braga, Maria Carolina Martins Andrade, Maria Eliana Ludwig, Maria de Lourdes Luchesi Henriques, Maria Magdalena Kroeff Lutzenberger, Maria Pereira Prestefelippe, Maria Scherer Meirelles, Mário Alavares Bittencort, Mirtô Conceição Weber, Noely Carlota Polidori, Nelly Maria Zatti Juchem, Norma Adornetti, Olga Gudolle Cacciatore, Osvaldo Ogliari Litivia, Patrícia Doreen Stroh, Plínio Cesar Bernhardt, Rosa Maria Kroeff Lutzenberger, Sonia Ebling de Oliveira, Suzana Dabdad, Vera Zélia Keller e Virgínia Palombini Tonoli, Yeda M. Defini. (Fonte dos nomes : convite de formatura assinado por Plínio Cesar Bernhardt)

Origem da imagem : Arquivo Yvonne BERNHARDT

Fig. 12 – Obra de Plínio


A vida profissional madura do artista.


Na sua vida profissional madura Plínio cultivou uma verdadeira ascese cuja motivação era a de prestar atenção à sua escolha pela arte realizada na sua juventude. Coerente com o “conhece-te a ti mesmo clássico, transformou todos os dias de sua vida nesta busca.

Para isto foi acumulando lentamente os meios para enfrentar a luta do auto-conhecimento. A escola superior opela arte, as associações, com outros artistas em vias de profissionalização, a culminância e a concretização da construção do seu atelier particular foram algumas destas marcas e índices desta escolha realizada na juventude. A sua vida madura foi marcada por esta iniciação, provação e contrato com a sociedade.

O resultado foi uma produção artística que só a morte teve o direito de interromper.

A construção do seu atelier e a sua fiel manutenção, durante décadas ,constitui o elogio e a prova material desta escolha de um ideal na sua vida.

Origem da imagem : Arquivo Yvonne BERNHARDT

Fig. 13 – Plínio e as Missões de um projeto mostrado na Espanha.

A reprodução da obra de Plínio

Depois de sua cuidadosa formação, Plínio passou a produzir a sua obra madura. Esta obra madura precisava reproduzir-se. Todo ser vivo, que chega à maturidade, coloca a sua continuidade no mundo externo. Uma força intrínseca o arrasta para a sua reprodução e continuidade neste mundo depois de desaparecer fisicamente. O termo “liberdade” origina-se desta força de reprodução que os romanos designavam de líber. Devido às escolhas precoces realizadas por Plínio, o exercício da sua liberdade foi reforçado a partir dos seus primeiros momentos.

Foi o processo de criação madura que necessitava exercitar-se e espelhar-se nos olhos do seu observador. Não um observador passivo. Mas alguém que havia passado também por uma formação cuidadosa para interagir com um outro ser humano que iniciava as suas experiências estéticas..

Nas interações, com quem se iniciava em arte, Plínio tratava, não só de técnicas, de tipologias estéticas ou de rituais. Os seus discípulos encontravam nele um companheiro de peregrinação pelos caminhos através dos campos da arte.

Como o sábio mestre Sócrates era companheiro solícito da “maieutica”. Plínio assistia por todos os meios, nesta respeitosa “maieutica”, aqueles que almejavam o parto de uma obra de arte pessoal. Considera-se como um fenômeno da ação humana, este parto da obra de arte, mas com características distintas do que lhe confere a Natureza. Recua-se até a cultura grega na qual Aristóteles distinguia (1973: 343 114a 10 ) “toda a arte está no que produz, e não no que é produzido”, entendendo-se por essa sentença, que o filósofo já concedia autonomia à arte com características próprias frente ao seu produto. Para o presente texto adotou-se essa distinção ao perceber, nesse conceito, o início de toda uma genealogia da autonomia da arte, apesar de estar ciente de inúmeras outras concepções, usos sociais e fins que se atribui atualmente ao termo ‘arte’. Pode-se argumentar ainda, que a distinção de Aristóteles concedeu características específicas à obra de arte, pois nas interações que Hannah Arendt descobriu entre o obrar e a arte (1983, pp. 228/9) “a produtividade específica da obra reside menos na utilidade do que na sua capacidade de produzir significado”. Uma das conseqüências da arte leva para verdade, como Aristóteles afirmou (1973: 342/3 [119b 15]) que “as disposições em virtude das quais a alma possui a verdade, quer afirmando, quer negando, são em número de cinco: a arte, o conhecimento científico, a sabedoria prática, a sabedoria filosófica e a razão intuitiva”. Saber adquirido na arte que Max Bill resumiu, em 1953, ao inaugurar a Escola de Arte de Ulm, a arte é a expressão mais elevada da vida humana e seu objetivo é, conseqüentemente, ajudar a fazer da vida uma obra de arte” (in Souza, 1996: 55). Durkheim afirmou (1983: 111) que o “obrar da arte torna perceptível a ação humana [1], o que para a presente texto, abre a possibilidade de buscar a verdade que circula através do obrar de Plínio numa instituição de arte. A associação da arte com a ação humana e com a busca da verdade fez com que Plínio cumprisse o clássico “conhece-te a ti mesmo”.


[1] - Um dos índices da modernidade é questionar a natureza da arte e não sua qualificação ou adjetivação. De Duve (1998, 125-152) afirma que “a passagem do julgamento estético clássico para o julgamento estético moderno é trazido á tona, como a substituição de ‘isto é arte’ no lugar do ‘isto é belo’”. Um índice material dessa passagem está na própria designação da instituição, objeto da presente tese, que passou da designação do antigo ‘Instituto de Belas Artes’ (IBA) para o de ‘Instituto de Artes’ (IA).

Origem da imagem : Arquivo Yvonne BERNHARDT

Fig. 14 – Turma com a qual Plínio viajou para a Bahia em 31.12.1947.

Índices do que falta, em Porto Alegre, para a capital do Estado possuir um sistema de arte.

Pode-se afirmar que em Porto Alegre não faltam obras de arte. Faltam o acesso e a circulação destas criações humanas. Faltam agentes qualificados que estudem, sistematizem e façam circular estas obras no interior de um repertório no qual tenham sentido, especialmente considerando a obra de arte no período de sua reprodução industrial e no presente, para a sua disponibilidade virtual planetária. Disponibilidade virtual planetária que também implica em pressões inéditas de hegemonias culturais e estéticas que se sentem contrariadas nos seus paradigmas pelos emergentes novos e diferentes.

Faltam instituições que realizam as legitimações e os vínculos com os repertórios da sua origem. Faltam escolhas conscientes para que agentes qualificados possam profissionalizar-se.

Silenciosamente Plínio respondeu a todas estas carências além de produzir a sua obra. É esta obra de Plínio que emerge agora neste espaço cultural. Espaço pelo qual o artista doou os seus melhores esforços, sem fazer alarde e sem culpar a ninguém pelas carências que encontrou no seu caminho. Como pessoa adulta Plínio sabia que devir dar, de si mesmo, muito mais do que receber dos outros. Ele sabia dar mais do que receber um retorno pessoal deste meio. Agia como pessoa adulta que conhece esta lei universal de que uma pessoa adulta possui esta potência de dar mais de si mesmo do que receber. É este tipo de “mais valia que permite à próxima geração dar o passo seguinte para uma nova civilização mais humana.

Origem da imagem : Arquivo Yvonne BERNHARDT

Fig. 15 – Obra de Plínio sobre Igreja do Bonfim POA-RS no cartaz da campanha de sua preservação.


As motivações para a pesquisa estética e as suas instituições.

Contudo, Plínio não agia isoladamente e de uma forma quixotesca. Ele. interagiu pela via institucional

A geração de Plínio teve de construir instituições adequadas para prestar atenção ao meio cultural. Neste meio cultural jazia todo o patrimônio indígena, africano, açoriano e o legado de inúmeras parcelas de culturas cujos representantes buscavam um novo futuro. A queima de sucessivas etapas históricas, aliado a entropia de antigas culturas, eram forças a serem consideradas na construção de uma nova identidade que se forma por meio de cruzamento de raças e de culturas que produzem algo novo.

A geração de Plínio foi aquela que viveu na infância a Revolução de 1930 e cujos próceres reforçaram uma identidade nacional por meio de um Estado Nacional totalitário e único. Deste constrangimento nacional nasceu a universidade Nacional.

O constrangimento e totalitarismo do Estado Novo ao queimar as bandeiras dos seus estados regionais e anatematizar qualquer hino ou etnia destoante do grande coral Nacional, teve o mérito da busca de um passado mitificado e inautêntico de um período romântico, colocou o assento sobre o retorno aos índices que a floresta havia tomado conta.

As Missões Jesuíticas, condenadas pelo Iluminismo ibérico passaram a exercer redobrada atenção[1]. A atuação neste Patrimônio Estadual de Carlos Galvão Krebs levou a proposta[2] feita no sentido da criação de um Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Estadual (IPHAE) e desde ao Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Esta proposta ganhou corpo em 1947 na Associação Araújo Porto Alegre ( AAPA[3]) do qual Plínio foi um dos fundadores[4] e no qual o vemos ativo até em 1952, numa viagem à Pernambuco.


[1] - Uma caravana de um docente e estudantes do Centro Acadêmico Tasso Corrêa partiu, no inverno de 1947, com o objetivo de percorrer, e produzir obra de arte no cenário que restou do projeto jesuítico das Missões. Esta comitiva era comanda pelo prof. Benito Castañeda e pelo acadêmico Emílo Ripoll, sua esposa Nelly Ripoll integrada por Dorothéa Pinto Silva, Alice Bruegmann, Hilda Grau, Sueli Fett, Lígia Fet, Plínio C. Bernhardt, Cecília Hoff, Ligia Dariano, Luis Florêncio Braga, Paulo R. Pitta, Carlos Galvão Krebs. Em Porto Alegre eles tiveram o apoio de Ruy Falcão que no final do ano chefiaria a Missão da AAPA pata a Bahia e Minas Gerais. In Krebs, 1947, p. 8

KREBS, Carlos Galvão Viagem aos Sete Povos das Missões Porto Alegre ; Centro Acadêmico Tasso Corrêa. 1947, 16 p.

[2] Na sessão do Conselho Técnico Administrativo (CTA) do IBA-RS cosnta na sessão do 24 de abril de 1947 Folhas 67v e 68) “X - Levantamento do Patrimônio artístico do Estado. O senhor diretor expoz a conveniência e utilidade de ser criado, no Instituto, a criação do serviço de levantamento do patrimônio artístico público e particular do Estado; lembrou a possibilidade de se realizar a iniciativa sob a orientação do Prof. Angelo Guido, com o concurso do aluno Carlos Galvão Krebs, que ha muito vem estudando o assunto com interêsse, sendo como funcionário do Tesouro do Estado, poderia ser tentada a sua requisição - o que viria facilitar aefetivação da idéia, porque seria evitada a necessidade de serem criados cargos e abertura de novas verbas. O Conselho aprovou integralmente a iniciativa, por unanimidade, aprovando, também, a requisição da pessoa lembrada pelo senhor diretor e autorizando-o a dar os passos necessários junto dos Poderes Públicos; aprovou, ainda, uma sugestão do senhor Conselheiro Angelo Guido, no sentido de se procurar obter, da Diretoria do Patrimônio Artístico Nacional, os moldes dos formulários alí usados, para facilitar a organização do novo serviço. Nada mais havendo a tratar, e com ninguém mais desejasse fazer uso da palavra, o senhor Presidente declarou encerrados os trabalhos. Do que tudo, para constar, eu, secretário do Instituto, lavrei esta ata, que subscrevo e que o senhor Diretor assina. Waldemar Lubke . Secretário Tasso Corrêa Aprovada na sessão de 21/2 Demofilo Xavier Angelo Guido, Fernando Corona, João Fahrion, José Lutzenberge, Oscar Simm Ernani Corrêa e Ney Chrysostomo da Costa”

[3] - Plínio foi um dos fundadores da A ASSOCIAÇÂO ARAÚJO PORTO ALEGRE – AAPA – Confira em;

http://profciriosimon.blogspot.com/2010/08/arte-em-porto-alegre-apos-1945-0801.html

[4] O Estatuto da Associação Araújo Porto Alegre foi apresentado para inscrição sob n° 50.022 no Livro A4 de Protocolo Porto Alegre, 2 de abril de 1948 e foi recebido pelo official Othelo Rosa. Constava no seu “Art – 1° - A Associação Araújo Porto Alegre (AAPA), com sede nesta Capital, assim denominada para honrar a memória de Araújo Porto Alegre, Barão de Santo Ângelo. 2° - A Associação, de caráter estritamente cultural, se compõe dos seguintes sócios fundadores: RUY MIRANDA FALCÃO, presidente; Carlos Galvão Krebs, Secretário; Remo José Irace, tesoureiro; Carlos Maximiliano Fayet; Emílio Mabilde Ripoll; Jorge Sirito de Vives; Luiz Eduardo Santos; Luiz Fernando Corona; Luiz Florêncio Braga; Plínio Cezar Bernhardt e Roberto Bins. 3° - A Associação tem como finalidade específica o estudo, a documentação e a divulgação da Arquitetura e das Artes Plásticas”. Este documento foi arquivado e registrado em 02 de abril de 1948 à(s) folha(s) 19V. sob o número de ordem 900. no LIVRO A número 3 de Registro Civil das Pessoas Jurídicas e recuperado pelo estudante do IA UFRGS Sérgio Sakakibara , em 26 de junho de 2006 no SERVIÇO DE REGISTRO DE PORTO ALEGRE Av. Borges de Medeiros, 308 – 2° andar – CEP 90.020-020 – Porto Alegre – RS


Origem da imagem : Arquivo Yvonne BERNHARDT

Fig. 16 – Plínio no MARGS entre agentes culturais.

1 - Gaudêncio FIDELIS, 2 – Jader de SIQUEIRA, 3 - Plínio César LIVI BERNHARDT, - 4 – Jose Carlos MOURA [ da esquerda do observador para a sua direita]


Profissionais formados para as instituições de arte..

Plínio trabalhou, de maneira continuada, para a formação qualificada de novos produtores de arte. Esta formação não consiste numa imposição e nem possui uma estética ou um modelo pronto. Apenas transmite a experiência pessoal, com, e através das suas obras. Os artistas eruditos, como Plínio Bernhardt, se impuseram, como líderes nas artes, na medida em que possuíam o conhecimento do porquê e a disposição da vontade como causa. Aristóteles distinguiu a arte (1972, p.212 Metafísica I cap. I(7)) como um conhecimento e uma disposição da vontade, pois ela conhece e sabe o ‘porquê’ e a ‘causa’ e não a experiência, que apenas sabe o ‘quê´. Este conhecimento permite ao artista “transformar o caos em cosmos”, como Mota escreveu (1980: 272). Schiller caracterizava (1963:117) o homem entregue ao fluxo da natureza como sendo ‘apenas mundo, ainda não há mundo para ele’, pois desconhece as suas próprias competências e seus limites. No processo ensino-aprendizagem, Freud percebeu (1995: 248) um fenômeno de liderança tão forte como o próprio poder do saber, pois “é difícil dizer se o que exercia mais influência sobre nós e teve importância maior foi a nossa preocupação com as ciências que nos eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres”. O mestre Plínio era competente para distinguir e conhecer o ‘porquê’ e a ‘causa’, e leva os discípulos a se apropriar de um saber e de um determinado poder, que os transforma em sujeitos na autonomia, capazes de reproduzi-la. Já Sigrist concluiu (1982 : 65) “a consciência passa a ser a síntese dinâmica desses dois pólos: Homem e Mundo”. Essa síntese induz os agentes da instituição de arte a buscar a potência da reprodução da sua ação poética e permite concluir que um projeto civilizatório possui como teleologia imanente à reprodução da sua potência e da sua competência expressa através de seus agentes institucionais eruditos.

Origem da imagem : Arquivo Yvonne BERNHARDT – Pessoas identificados por Paulo GOMES[1]

Fig. 17 – Plínio entre agentes culturais do MARGS

1 - Luis GARCEZ, 2 – Plínio César LIVI BERNHARDT, 3 - Paulo GOMES, - 4 – Mônica ZIELINSKY, - 5 - Luiz Alberto BUCCHOLZ e 6 – Albano VOLKMER [ da esquerda do observador para a sua direita]


A autonomia do artista e a autonomia do seu observador.

A autonomia, do artista e do observador, é primordial. O artista e o observador são pessoas livres e autônomas. Ninguém é obrigado à produzir uma obra de arte, como ninguém é obrigado a receber uma obra de arte. O conhecimento e o fundamento da vontade na arte, foi pavimentado por uma série continuada de pensadores ocidentais. Para Emmanuel Kant (1724-1804) só a autonomia da vontade determinam o valor moral de um ato ou de uma obra. Para Artur Schopenhauer (1788-1860) o “Mundo é como vontade e representação Friederich Nietzsche (1844-1900) mostrou a potência da vontade e que William Worringen (1881-1965) traduziu para as mais diferentes manifestações de arte. Evidente que a “Vontade da Arte” não é só aquela do indivíduo artista. Esta “Vontade da Arte pode ser estendida a um grupo humano ou uma civilização inteira dominada por um pensamento autêntico e acoplado à uma consciência e uma vontade comum. Para a existência desta coerência coletiva da vontade arte sul-rio-grandense Plínio contribuiu de forma decisiva.

Contudo há necessidade de atenção redobrada, pois são mais freqüentes os equívocos nesta vontade e consciência coletiva. Os desvios e incongruências arruínam toda a obra e todas as vontades dos criadores de arte. Os erros catastróficos para toda uma civilização são demonstrados por indivíduos e grupos que misturaram a arte com a política totalitária. O cinema, a obra coletiva de uma orquestra e da indústria mostram esta faceta. Estas manifestações coletivas e correm para atribuir o seu fracasso ou seu sucesso a um único indivíduo. Ele pode ser o rei, o diretor ou regente.


[1] - . “Estamos juntos aí na abertura da mostra do Projeto Aquisição. O projeto foi uma compra de obras de arte pela AAMARGS, escolhidas pelo Plínio, pela Mônica e por mim” parte do texto do e-mail do Dr. Paulo GOMES enviado ao autor as 22h51min de 11.09.2010.

Origem da imagem : Arquivo Yvonne BERNHARDT

Fig. 18 – Obras de Plínio


Na arte é proibido pedir perdão.

Plínio estava ciente de que em arte não há como pedir perdão. Mas é possível reparar. Toda a obra de Plínio constituiu esta busca de reparação. Quando alguém pinta um mau quadro, compõe uma péssima sinfonia, o ator comete o menor deslize no palco... haverá eternamente um mau quadro, uma péssima sinfonia e um espetáculo infeliz. Uma obra de arte é constituída pelo pensamento que flui entre o seu produtor e o seu observador. Os signos matérias, coerentes com o pensamento do artista, garantem o fluxo do pensamento entre o produtor e o observador. A obra de arte é portadora da permanência física da organização do pensamento para os sentidos humanos. Nada pode comprometer este pensamento. Um gesto equivocado de um ator, uma nota fora do tempo e do lugar, uma pincelada fora do pensamento do quadro ... faz com o observador, deste trabalho desastrado, perca a idéia e o continuum das intenções do pretendente a artista. O trabalho desastrado fisicamente, não completa no observador o pensamento do artista e quebra irremediavelmente toda obra, a sua mensagem e joga para o lixo todo esforço humano.

Não se trata da comoção e nem de uma beleza fácil, mas da verdade. Goethe escreveu que era comovido até as lágrimas por um espetáculo barato e popular, enquanto os clássicos deixavam a sua emoção indiferente.

Um bom tema não faz uma boa obra de arte. Para Plínio um tema vulgar e indiferente podia construir uma bela e verdadeira obra de arte. A diferença estava nos recursos físicos e sensíveis da obra material, que manipulados pelo criador, colocam os sentidos do observador em o sintonia com o fluxo do pensamento do artista. A obra de arte conecta, de forma sensível aos sentidos humanos, o mundo do seu criador com o mundo do observador.

Origem da imagem : Arquivo Yvonne BERNHARDT

Fig. 19 – Plínio ensinando

Em arte: a tolerância zero ao erro.

A tolerância zero ao erro, aplica-se como princípio também ao esporte, à justiça, ao trânsito. O juiz, o esportista, o político estão impedidos de pedir desculpas para um eventual erro. Com o objetivo de jamais pedir perdão, ou desculpas todos estes são desafiados para trabalharem coerentes, contínua e suficientemente com as suas responsabilidades sociais,. Para isto necessitam trabalhar e serem humildes, pois sabem que o “pequeno diabo de um erro involuntário” os espreita em qualquer pensamento, gesto, palavra ou ação.

A barbárie e o desmoronamento de uma civilização iniciam com a tolerância aos equivocados dos seus juízes, com desleixo com o corpo e decisões políticas caprichosas e desligadas com o programa partidário. A arte é o espaço do exercício puro duma cultura e acima da aplicação ou responsabilidades sociais. O exercício com a arte é o lugar do ócio criativo. Contudo é mínima a distância entre o sublime e o ridículo. Esta distância é mínima devido à pureza da vontade, pela não aplicação prática imediata e pela altura suprema que a obra de arte ocupa. Qualquer deslize é fatal para a obra.

O pensamento de “não poder pedir perdão na arte” é aterrador para o seu iniciante Mas para aquele que realiza, aos poucos, este contrato de excelência de pensamento e de vontade consigo mesmo, ganha tempo e segurança nos seus projetos de arte. A vida humana é breve, a arte é longa. Mas esta arte é gratuita como a vida.

O perdão é admitido somente na transcendência e no âmbito de uma religião ou no amor humano nos seus eternos recomeçares. Na arte admite-se, não o perdão, mas a reparação, por meio de uma outra obra, mais coerente na sua organização material e que expresse a verdade do pensamento do artista.

A obra, que não logra atingir a coerência do pensamento, é remetida ao mundo do fracasso. Esta obra fracassada é escravizada pelo mundo do trabalho. O trabalho etimologicamente é sinônimo de suplício. O trabalho segue a lei da obsolescência sistemática de tudo o que a criatura humana realiza. O estudante de arte apenas trabalha, pois está ainda na heteronomia da vontade do seu mestre. Somente a legítima obra de arte consegue fugir desta obsolescência e deste contingenciamento da vontade.

Ao não gozar do direito ao perdão o artista possui uma grande vantagem. Vantagem que consiste numa atenção continuada e permanente à sua obra. Esta obra, exigente e única, não lhe permite o direito ao fim de semana, às férias ou à aposentadoria. O artista necessita da atenção continuada e permanente à sua obra, como a vida não pode ser interrompida apenas num único fim de semana. O artista não pode parar, assim como um organismo vivo não pode parar de funcionar, tirar férias ou se aposentar. A aposentadoria do artista coincide com o dia da sua morte. Contudo se ele conseguiu produzir, ao menos, uma única obra de arte, esta obra prolongará a sua vitalidade e a que força do seu pensamento único e livre.

A coerência de uma vida contra as múltiplas tentações de ceder à primeira moda, aos preconceitos e tipologias impostas por uma cultura morta e sem uma identidade para resistir aos oniscientes, onipotentes, eternos e onipresentes dominadores de plantão.


Origem da imagem : foto de Fernando ZAGO, Arquivo Yvonne BERNHARDT

Fig. 20 – Plínio no atelier


A coerência entre a VIDA e a ARTE como escopo e regra áurea.

Na coerência entre a vida e a obra de Plínio Bernhardt conclui-se que a sua arte revela índices precisos das competências e dos limites que um artista visual enfrentou ao escolher ser fiel à sua arte praticada nas circunstâncias da cultura sul-rio-grandense na segunda metade do século XX em Porto Alegre.

Verifica-se nas exposições, nas obras e na vida de Plínio que o seu pensamento pode ser captado pela atenção à sua obra, pelo estudo da sua vida e das suas circunstâncias. Esta obra ensina que Plínio Bernhardt conseguiu construir a sua arte para muito além do que alcança o comum dos mortais nas suas circunstâncias. Circunstâncias nas quais enfrentou todas as dificuldades de uma sociedade próxima das necessidades humana básicas, da entropia permanente, do primitivismo das nossas instituições e da queima continuada de etapas. A sua obra é uma demonstração material da sua continuada atenção às suas escolhas básicas realizadas na juventude apesar dos maiores obstáculos.

Evidente que, antes de comparações com outras culturas, cabe muito mais estudo da obra de Plínio Bernhardt. A obra e as nossas circunstâncias revelam a sua verdade única, somente por meio desta atenção redobrada, e colocam as condições de sua reprodução até para não fabricar comparações indevidas, imprudentes e improcedentes.

No final deste texto única coisa possível acrescentar ao leitor e ao público de Plínio é: vejam de novo para descubrir o mestre, a sua obra e avaliar o que é possível para quem resolveu ser fiel a Porto Alegre”.

Reitera-se que este blog possui objetivos apenas ideais e com a finalidades puramente didática.

Círio SIMON

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