PEDRO WEINGÄRTNER e o SENTIDO da FORMAÇÃO de um ARTISTA na ESCOLA de ARTES do INSTITUTO LIVRE de BELAS ARTES do RIO GRANDE do SUL
“O ente no ser” Heidegger
“Toda a arte está no que produz, e não no que é produzido”.
Aristóteles[1](1973: 243 114a 10 )
Fig. 01 – Pedro Weingärtner
Foto - Acervo MARGS www.margs.rs.gov.br/_adm/_thumbs_upload_dossi...
É necessária muita atenção ao transpor os umbrais da obra que Pedro Weingärtner (1853-1929) nos legou. Em especial ao que concerne à sua formação. Não existe nada mais atual do que a discussão do que significa a formação de um artista que pretenda agir, na autonomia, no espaço de uma civilização como a nossa.
Esta formação coloca-se acima de qualquer ensino de tipologias artísticas, temáticas ou técnicas materiais. Importa o que artista escolheu. Nesta escolha encontra-se o ente que move o candidato à artista e que está na busca da realização do seu projeto de vida. Projeto coerente - ou incoerente - com o seu ser, às suas potencialidades e às suas circunstâncias e para o qual o estudante busca um contrato com uma instituição de arte qualificada para tal.
Fig. 02 – Pedro Weingärtner - - Detalhe de estudo
Veja a obra integral clicando em http://www6.ufrgs.br/acervoartes/modules/xcgal/displayimage.php?pid=58&fullsize=1
Uma Escola de Arte deveria propiciar - para quem escolheu ser artista - o seu mestre, os seus colegas, que são os seus concorrentes - de fato - e o sentimento de pertencer a uma civilização. Contudo as escolhas individuais estão fora do âmbito de uma escola, se esta instituição for coerente com a cidadania e tenha por projeto formar o artista autônomo. Cabe ao candidato a estudante de artes, contratar aos seus mestres[1] e ao sistema de ensino os limites da sua autonomia, ou não. Se optar por esta heteronomia consciente e temporária, a sua obra não lhe pertence, pois “o estudante ainda não é artista” na expressão da Ado Malagoli.
No Rio Grande do Sul o estudo da formação do pintor Weingärtner constitui uma amostra do que acontece, com quem escolhe seguir a carreira de artista.
Ângelo Guido, o biógrafo de Weingärtner, descreve (1956, pp. 13/5)[2] o impacto e a apreensão que tomou conta dos familiares, dos colegas e dos patrões de Pedro quando esse candidato artista pintor, de 24 anos de idade, tomou esta decisão na Porto Alegre de 1877. Não havia escola, grupo de artistas constituído e muito menos mercado para o artista. A busca de um ambiente adequado de sua formação tornou inevitável a separação do grupo familiar, do emprego recém iniciado e dos amigos.
Porto Alegre teria a sua Escola de Artes somente em 1910 e de funcionamento muito embrionário. Neste ano Weingärtner já era quase sexagenário, com a carreira e o nome artístico consagrados. Mas em 1910 a lembrança do seu gesto heróico e solitário certamente pesou quando se abriu, fez funcionar e se manteve aberta, em Porto Alegre, a Escola de Artes[3].
Para acompanhar o que se passa numa instituição, que está
nascendo, é necessário conhecer o seu interior. A fragilidade do interior
da origem desta Escola de Artes do IBA-RS é evidente. Em 1910 ela contava com um único docente e meia dúzia de estudantes que o pagavam. Este único docente era Libindo Ferrás e que acumulava a função da direção da Escola. Nos relatórios de Libindo[4] é possível acompanhar a circulação de docentes de artes plásticas em Porto Alegre e que passavam pela Escola de Artes.
[1] - O ideal, para este candidato, é a pessoa de um único mestre.
[2] -GUIDO (GNOCCHI), Ângelo (1893- 1969).. Pedro Weingärtner. Porto Alegre: SEC- Divisão de Cultura – Diretoria de Artes 1956 , 228p
[3] - O pediatra Dr. Olinto de Oliveira – presidente do IBA-RS e mantenedora da Escola – havia dedicado, como crítico do Correio do Povo, dois artigos a Pedro Weingärtner. Ambos os textos são do ano de 1898. Um é de 03 de julho e outro de 11 de dezembro
[4] - A copia dos relatórios de Libindo Ferrás como Diretor da Escola de Artes estão disponíveis na Biblioteca do Instituto de Arte da AUFRS em:
SIMON, Círio. Centenário da Escola de Artes do Instituto de Artes da UFRGS. Porto Alegre, 2010, 752 f.l il.
Nº do sistema 000732273 –
Fig. 03 – Pedro Weingärtner - Detalhe de estudo
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No ano de 1912, Libindo solicitou abrir concurso para professor de Desenho. No ano escolar de 1913, ele contou com o seu primeiro ajudante na Escola, que era o pintor italiano Miro da Gasparello[1], de passagem pelo estado. Em 1914, não foi positiva a experiência com uma monitora, a aluna Percila Pibernat Pedra, que foi nomeada para esse cargo no dia 14 de abril. Na metade do ano ela pediu demissão do cargo.
Libindo conseguiu uma colaboração gratuita e espontânea de Oscar Boeira, para substituí-la e ajudar a atender os 24 alunos matriculados na Escola. Boeira passou a ser responsável pela disciplina de Desenho Figurado. No ano de 1916, a Escola de Artes recebeu a visita do professor Lucílio de Albuquerque[2], da Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. Ele se ofereceu para intermediar com Eduardo de Sá, também docente da ENBA, a remessa de materiais, em especial modelos de gesso. Esse as prometeu para janeiro de 1917. Nesse ano, Libindo conseguiu a vinda do pintor rio-grandino Augusto Luis de Freitas[3]. O ano escolar de 1918 teve de ser interrompido abruptamente no dia 28 de outubro, pelas autoridades sanitárias, devido à gripe espanhola. Como Freitas havia retornado à Europa, Oscar Boeira retomou as suas aulas na Escola de Artes no início do ano letivo no dia 17 de março de 1919. No seu lugar foi nomeado Eugênio Latour[4] no dia 01 de maio e começou a lecionar a partir do dia 12 de maio, inclusive o curso noturno. Latour solicitou a Libindo que lecionasse Geometria e Perspectiva e Sombras também para o noturno. As bancas do final do ano escolar de 1919 foram compostas por Eduardo de Sá e Eugênio Latour. Esse retornou ao Rio de Janeiro no dia 30 de novembro de 1919. No relatório de 1920 Libindo Ferrás registrava que Eugênio Latour esteve aqui por motivo de saúde. Nem persistiu por muito tempo o contrato com Francisco Bellanca, primeiro aluno formado como professor na Escola.
[1] Esse recebeu grandes elogios de Libindo e que aguardava para que esse pintor pudesse continuar na Escola no ano seguinte. No relatório do ano de 1914 Libindo lamentava a retorno para a Europa de Miro da Gasparello onde pereceu, em 1915, como soldado da 1a Guerra Mundial. In: . {148GAL} Galeria do IBA: arte rio-grandense do passado ao presente, 1961, 24 p. Ver também FRANCESCO, José de Reminiscências de um artista . Porto Alegre : s/editora. 1961
[2] - Certamente a presença de Lucílio envolveu o contrato do painel em tela maruflada que está na escadaria do Instituto de Educação, junto aos dois painéis de A.L. Freitas e que inicialmente eram destinados ao palácio do Governo do estado. [F4.004.5]
[3] - Relatório de Libindo Ferrás a Olinto de Oliveira{021Relat} No seu relatório do dia 20 de dezembro precisou a data 17 de junho na qual o pintor Augusto de Freitas assumiu a cadeira de Desenho Figurado e Pintura. Substitui assim Oscar Boeira. No dia 17 de setembro de 1917 iniciaram as aulas do curso noturno gratuito. Em 1918 Augusto Luis de Freitas lecionava Desenho Figurado nas manhãs das 2ªs, 4ª e 6ª das 08h30min até às 9h30min. Nos mesmos dias assumiu o curso noturno das 19h30min até 21h30min. Libindo lecionava Desenho Geométrico, Perspectiva-Sombras e Anatomia Artística em todos os dias da semana, nas manhãs, tardes e sábado até às 16h30min.
[4] - Eugênio Latour era pintor brasileiro que havia participado com outros artistas da decoração do Pavilhão do Brasil na Exposição Internacional de Turin em 1911. Nesse grupo estava Carlos Oswald cuja filha Maria Isabel reconstruiu (2000, p.65) o grupo e onde “Carlos reuniu-se ao que havia de mais representativo na arte brasileira de então. Pintores, além dele, havia sido convidado os irmãos Carlos e Rodolfo Chembelland, João e Artur Timóteo da Costa, Lucílio de Albuquerque, Eugênio Latour, Leopoldoa Gottuzzo e Manuel Madruga; o grupo incluía ainda outros artistas, como o escultor Eduardo Sá e o arquiteto Correia Lima”. Alguns deles passarão na Escola de Artes do ILBA durante a 1a Guerra Mundial. In MONTEIRO, Maria Isabel Oswald. Carlos Oswald (1882-1971): pintor da luz e dos reflexos. Rio de Janeiro: Casa Jorge, 2000. 229 p.
Fig. 04 – Pedro Weingärtner - O notário - 1892 -0leo sobre madeira 19,8 x 28 cm
TARASANTCHI, Ruth Sprung Minha descoberta de Pedro Weingärtner, in Pedro Weingärtner 1853-1929 : um artista entre o Velho e o Novo Mundo. - São Paulo : Pinacoteca do Estado de São Paulo, , 2009, p..152
Nem mesmo foi possível formular um convite profissional aos artistas de projeção nacional, como aconteceu com Eduardo de Sá[1], Eugênio Latour e Lucílio de Albuquerque, que haviam visitado e lecionado na Escola durante o período da Primeira Guerra Mundial.
Um dos critérios de seleção do docente da Escola de Artes era sua experiência de criação, uma carreira artística e de um currículo socialmente reconhecido. Evidente, outro limite era o forte constrangimento em oferecer, como retribuição, um salário adequado. Isso apareceu em 1913, na permanência do artista internacional Miro da Gasparelo, na Escola de Artes. Foi também impossível realizar um contrato com um grupo de artistas estrangeiros de uma série de arquitetos, de escultores ou de estucadores profissionais ou práticos que atuavam na época em Porto Alegre. Um deles foi Giuseppe Gaudenzi, contratado pela Escola de Engenharia para o seu Instituto Técnico (Parobé) e não pelo Instituto.
Mesmo em relação aos filhos da terra prevaleceu o mesmo constrangimento econômico visível em relação a Oscar Boeira, egresso da ENBA e Carlos Torelly. Esse constrangimento, Libindo Ferrás registrou em 1920, frente a um potencial contrato com a figura consagrada de Pedro Weingärtner[3] que, nesse ano, retornava definitivamente a Porto Alegre. No Relatório da Escola de 1920 ao presidente do Instituto, Libindo Ferrás escreveu “.Pena é que seus afazeres não lhe permitam aceitar o lugar de professor – cujos honorários - aliás – afugentariam qualquer artista de valor”. {028Relat}.
Evidente que se somavam os constrangimentos políticos frente ao pintor, como se verá adiante.Também no relatório de 1920 Libindo Ferrás registrava que Eugênio Latour esteve aqui por motivo de saúde.
- “Só mesmo por um acaso (como aconteceu com os professores Augusto Luis de Freitas que aqui estiveram, o primeiro para tratar de obter um favor do Governo do Estado e o segundo por motivo de saúde) poderia ter a Escola conseguido achar quem se sujeitasse a tomar conta – com taes honorarios – de uma aula da natureza dessa que exige, pelo menos três horas de
trabalho diarias”.As diversas visitas de Pedro Weingärtner à Escola foram marcantes para o ano de 1920. Ele deu sugestões, fez demonstrações ao curso superior e participou das bancas do final do ano[4].
Do lado de fora da Escola de Artes, ao tratar de conhecer os elos com que Pedro Weingärtner sentia pertencer a uma civilização em Porto Alegre, é possível entrevê-los no círculo de amizades local que o artista mantinha aqui e que fizeram retornar à sua cidade natal a partir de 1920. Doberstein registra (1999, fl. 91) que “em novembro de 1913, no salão nobre do Correio do Povo formou-se o Centro Artístico, uma associação que tinha por finalidade ‘desenvolver o gosto pelas artes’ em nosso meio. Estavam presentes na reunião de formação os senhores Victor Silva, Benjamin Flores, Emílio Kemp, Mansueto Bernardi, Leonardo Truda, Raul Totta, Pedro Weingärtner, Dr. Fábio Barros, Irineu Trajano Lima, Lauro de Oliveira e Dr. Mario Totta”. Esse Centro de Artes promoveu uma exposição de Weingärtner, que vendeu quinze das trinta e três obras oferecidas, segundo as pesquisas de Doberstein[5]. É de supor que aqueles que adquiriram essas obras pertenciam a esse Centro. Mansueto Bernardi, Leonardo Truda, Fábio de Barros e Mário Totta[6] eram na época, ou serão depois, membros ativos da CC-ILBA-RS
Diante da atualidade do sentido e do imaginário que representou, e que ainda representa, a formação de um artista que descobre tardiamente a sua vocação para as artes, três conclusões são possíveis conhecendo estas circunstâncias:
- em 1º lugar, Pedro Weingärtner, devido à idade em que ele se encontrava, não podia esperar a solução local e mesmo internacional[7];
- em 2º, a Escola de Artes do IBA-RS teve de funcionar nas primeiras décadas com um corpo docente muito reduzido e instável institucionalmente, ainda que nela tenham circulado artistas profissionais brasileiros muito expressivos;
- em 3º lugar, a formação institucional do artista continua problemática, com resultados e de retornos altamente improváveis, mesmo num sistema de artes com uma certa densidade.
Confira a biografia dos outros artistas – aqui nomeados - e as suas obras que deixaram na Pinacoteca Barão de Santo Ângelo do Instituto de Artes da UFRGS em http://www6.ufrgs.br/acervoartes/modules/mastop_publish/
Veja mais em:
SIMON, Círio “ORIGENS DO INSTITUTO DE ARTES DA UFRGSETAPAS ENTRE 1908-1962 E CONTRIBUIÇÕES NA CONSTITUIÇÃO DE EXPRESSÕES DE AUTONOMIA NO SISTEMA DE ARTES VISUAIS DO RIO GRANDE DO SUL” Porto Alegre : PUC-RS 2008 660 p
Disponível, na íntegra, em http://www.ciriosimon.pro.br/aca/aca.html
[1] - Eduardo de Sá (1866-1940) autor do busto de Manuel Araújo Porto Alegre colocado, em 1917, na Praça da Alfândega em Porto Alegre - Ver
ALVES, José Francisco A escultura pública de Porto Alegre – história, contexto e significado – Porto Alegre : Artfolio 2004, p. 116
[3] - No Relatório da Escola de 1920 ao presidente do Instituto, Libindo Ferrás escreveu “.Pena é que seus afazeres não lhe permitam aceitar o lugar de professor – cujos honorários - aliás – afugentariam qualquer artista de valor”. {028Relat}. Evidente que se somavam os constrangimentos políticos frente ao pintor, como se verá adiante.
[4] - No curso noturno de 1920 o Desenho Figurado da EA era ministrado nas 3ªs e sábados das 19h30min até às 21h30min pelo ex-aluno Francisco Bellanca, formado em 1919. Libindo lecionava, no mesmo horário as 4ªs e 6ª feiras, as disciplinas de Desenho Geométrico e Perspectiva Linear.
[5] DOBERSTEIN, Arnoldo Walter. Porto Alegre (1898-1920): estatuária fachadista e monumental, ideologia e sociedade. Porto Alegre. PUC-IFCH, 1988 dissertação. 208 f
-----------------------Porto Alegre 1900-1920: estatuária e ideologia. Porto Alegre : Secretaria Municipal de Cultura, 1992, 102 p.
-----------------------Rio Grande do Sul (1920-1940): estatuária, catolicismo e gauchismo. Porto Alegre : PUC-FFCH, 1999, tese 377 f
[6] - Ver biografia de Totta in: RAMIREZ, Hugo «Cem anos de vida acadêmica no Rio Grande do Sul» RS letras, Porto Alegre, nos 9/10, Nov.dez 2001 e jan.fev. 2002, suplemento, 4 p.
[7] - Para o ingresso na Ècole de Beaux arts de Paris possui como idade máxima os 24 anos do seu candidato
« Pour se présenter les candidats [2010] doivent avoir plus de 18 ans et moins de 24 ans au 1er octobre de l’année en cours, c’est-à-dire être nés entre le 2 octobre 1986 et le 30 septembre 1992. Aucune dérogation ne peut être accordée. » http://www.ensba.fr/pedagogie/Admission.htm
Muito legal!
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