Um CONGRESSO e duas TESES.
Foto de THALES FARIAS – Revista do Globo nº 716
Fig. 01 – Tasso Bolívar DIAS CORRÊA fala na abertura do 1º Congresso Brasileiro de Arte ocorrido no Cinqüentenário do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul.
Os eventos que acompanharam a celebração do cinqüentenário da criação do Instituto constituem fortes expressões de autonomia do campo artístico institucionalizado no IBA-RS. Elas tomaram corpo nos festejos do dia 22 de abril de 1958, através do Iº Congresso Brasileiro de Arte e do Iº Salão Pan-Americano de Arte. Os eventos, que envolveram a celebração, dessa data, podem ser lidos como uma demonstração do sentido do IBA-RS no sistema de artes local e a afirmação dos seus agentes e de suas obras.
As comemorações do cinqüentenário do IBA-RS foram planejadas por Tasso Corrêa e por sua equipe a partir 1956[1]. Os eventos deveriam dar visibilidade nacional e internacional a essas comemorações. A nacional seria com a realização do Iº Congresso Brasileiro de Arte e o IX Salão Oficial. A internacional foi acrescida, depois, com o Iº Salão Pan Americano de Arte.
No relatório de Tasso Corrêa, no período 1951/6[2], constava :“O Instituto de Belas Artes foi fundado a 22 de abril de 1908, comemorando, portanto, seu cinqüentenário, a 22 de abril de 1958. Para celebrar essa magna data foi elaborado um programa de comemorações, como segue:
a) – Congresso Nacional de Arte em geral;
b) – publicação de anais;
c) – cunhagem de medalha comemorativa;
d) – selo comemorativo;
e) – IX Salão Oficial de Belas Artes do Rio Grande Sul[3]
f) – publicação de monografias sobre os mais eminentes artistas riograndenses
g) – série de concertos sinfônicos, de Câmara e de solistas”.
Constituíram-se comissões internas, externas, nacionais e internacionais para colocar esse projeto em movimento. Uma amostra das atividades dessas comissões é visível já em outubro de 1957, quando Tasso Corrêa declarou:
“Convidamos já cercade quatrocentas entidades culturais sediadas por todo o território nacional e mais de duzentas pessoas possuidoras de credenciais que justificam sua presença na importante reunião, o sucesso do Iº Congresso Brasileiro de Arte considera-se de antemão assegurado’”[4].
Essas entidades culturais foram motivadas por personalidades conhecidas nas diversas áreas que Tasso esperava reunir nesse 1º Congresso das Artes, em geral. Assim, os escritores foram coordenados por Érico Veríssimo, Guilhermino Cesar e Athos Damasceno. Os pintores foram orientados por Ado Malagoli e Ângelo Guido. Teatrólogos, por Bolívar Fontoura. Os arquitetos, por Demétrio Ribeiro, Ernani Dias Corrêa e Roberto Felix Veronese. Os engenheiros – arquitetos, por Edvaldo Pereira Paiva. Os musicistas, por Ênio de Freitas Castro e Paulo Luiz Vianna Guedes. Os escultores, por Fernando Corona[5].
Não foi possível cumprir tudo o que se sonhara[6]. Contudo o Congresso, o Salão Pan-Americano e o Salão polarizaram as comemorações do Cinqüentenário. Através desses eventos, o Instituto buscava o seu observador e a sociedade, retribuindo, o que eles haviam depositado ali, na forma imaterial de representações da arte e, inclusive, material através dos legionários do Instituto.
O Primeiro Congresso Brasileiro de Arte e suas duas teses[7].
O Congresso foi planejado para toda a intelectualidade brasileira que tivesse relação com alguma forma expressão artística. Tasso Corrêa insistia que.
“é perfeitamente justificável a realização de um Congresso Brasileiro de Arte que reuna em memorável conclave, a intelectualidade brasileira para, num bom entendimento, estabelecer diretrizes que possam entrosar os interesses comuns, no ensino, na difusão, nos deveres e nos direitos que devam atribuídos a todos os que trabalham direta ou indiretamente no alevantamento da cultura nacional”[8].
Os contatos regionais e internacionais foram realizados por associações de imprensa, de advogados e das academias de letras, que foram constituídas como porta-vozes do evento. Esses porta-vozes foram municiados com um detalhado regimento[9] que não descuidava de projetos pontuais a serem discutidos e aprovados como propostas de resolução.
[1] - Atas - livro II da Congregação do Instituto de Belas Artes{094ATA}, Ata livro III do Conselho Técnico Administrativo até 14/11/1958, {108ATA} Ata da Congregação de Professores. Sessões extraordinária, ata de 11/03/1959{123ATA} e Ata livro nº IV do Cons. Técnico Administrativo (CTA) do IBA{128ATA}
[2] - Relatórios de Tasso Corrêa 1951 até 1955{126 Relat}
[3] - Trata-se na realidade do VIII Salão do IBA-RS. Seria o IX se o de 1942 fosse considerado nessa numeração dos Salões do Instituto.
[4] - Correio de Povo, 10.10.1957 (recorte do Arquivo do IA-UFRGS).
[5] - Folder e cartaz [F4. 037] Logotipo: cinqüentenário do IBA-RS e [F5. 027] Cartaz do Cinqüentenário do I.B.A. -RS do Iº CONGRESSO Brasileiro de Arte Catálogo do 7º Salão do Instituto de Belas Artes{127CAT} 1º Congresso Brasileiro de Arte: recortes de jornais{127bCongBoletim nº 1 do 1º Congresso Brasileiro de Arte, }, {127cBol} Boletim nº 2 do 1º Congresso Brasileiro de Arte {127dBoll} e Boletim nº 3 do 1º Congresso Brasileiro de Arte. {127eBoll} CD-ROM - Disco 6 - IMAGENS. - Arquivo F4 – F5.
[6] - Assim a pretendida ‘publicação de monografias sobre os mais eminentes artistas rio-grandenses’ não se concretizou nessa oportunidade. É possível interpretar algumas obras publicadas como vestígios desse projeto e nem é possível analisar todos estes pontos. Mas neste projeto pode ser incluida a biografia de Pedro Weingärtener escrita por
GUIDO (GNOCCHI), Ângelo (1893- 1969). Pedro Weingärtner. Porto Alegre: SEC- Divisão de Cultura – Diretoria de Artes 1956 , 228p.. Cavalheiro Lima publicava, nessa época, os seus estudos sobre Araújo Vianna. O poeta Damasceno dedicará a Tasso Corrêa, diretor do IBA-RS na época do Cinqüentenário, a sua monumental obra relativa às artes plásticas do século XIX no Rio Grande do Sul:
DAMASCENO, Athos. Artes plásticas no Rio Grande do Sul (1755-1900) Porto Alegre : Globo, 1971. 540p
Mas essas obras não registram, nas suas edições, a sua vinculação com o evento do Instituto.
[8] - Correio do Povo, 17.10.1957 (recorte do Arquivo do IA-UFRGS).
[9] - Catálogo do 7º Salão do Instituto de Belas Artes{127a,b, c.d, e Boletim}{127Catal}. Catálogo do Iº Salão Pan – Americano de Arte abril-1958-maio{127aCAT} 1º Congresso Brasileiro de Arte: recortes de jornais{127bCong}Boletim nº 1 do 1º Congresso Brasileiro de Arte{127cBolI} Boletim nº 2 do 1º Congresso Brasileiro de Arte{127dBolII} e Boletim nº 3 do 1º Congresso Brasileiro de Arte{127eBolII}
Fig. 02 – Cartaz do Cinquentenário do Instituto de Artes do Rio Grande do Sul
O Regimento era explícito em duas teses, consideradas vitais para o êxito dos eventos do Cinquentenário. “Nas conclusões o Congresso deverá apresentar ao Exmo Sr. Presidente da República e ao Congresso
Nacional um anteprojeto de criação do Ministério das Artes[1] e das Universidades de Arte”.
A tese do Ministério das Artes.
A proposta do MINISTÉRIO das ARTES do Congresso do IBA-RS precede, em quase um ano, a efetiva criação do Ministério ‘Des Affaires Culturelles’ da França, implantado em Paris no 08 de janeiro de 1959 tendo como ministro André Malraux. (Ver Monnier, 1995: 333). No Brasil a proposta desse Ministério das Artes não corresponde ao Ministério da Cultura constituído quase 30 anos depois.
O objetivo do Congresso era o de articular internamente o campo das artes para municiá-lo política, administrativa e economicamente para criar condições de enfrentar o espaço do sistema de artes. Os pontos fulcrais desse processo foram a busca de um espaço adequado para as artes e sua consolidação através de uma política administrativa brasileira nas artes, mais consistente na sua institucionalização das Universidades e um Ministério das Artes. Nessa proposta, está flagrante a esperança no Estado Nacional, colocando o seu poder político central e econômico, como salvação para as artes no Brasil.
A intelectualidade debruçou-se sobre a arte e os problemas da cultura no Brasil, em sucessivas reuniões das comissões e das plenárias, no decorrer desse ‘memorável conclave’. Na concepção do grupo congregado no IBA em abril de 1958, somente um ministério autônomo das artes reforçaria um projeto para todo o território brasileiro e não apenas uma universidade isolada de arte localizada em Porto Alegre.
A idéia vinda do Sul, como era de se esperar, encontrou uma forte
resistência da parte de São Paulo[2] que não podia permitir, depois da experiência do Estado Novo, também uma hegemonia da política cultural, por parte do Rio Grande do Sul.A Tese da Universidade das Artes
O sonho de maior envergadura da administração Tasso Corrêa foi da Universidade de Artes do Rio Grande do Sul, que ficou evidentemente no plano das virtualidades. Contudo, Tasso traduziu a virtualidade neste projeto de Universidade, mais como uma expressão de autonomia dos muitos projetos com que ele alimentou para dar corpo à teleologia imanente do Instituto ao longo de toda a sua gestão. O diretor do Instituto foi ajudado pelo professor Fernando Corona que elaborou detalhadas de plantas e perspectivas do prédio dessa Universidade de Artes[3] que ocuparia todo o lado par superior da rua Senhor dos Passos e tendo ao centro e como âncora, o prédio inaugurado em 1943, onde funcionaria a reitoria.
[1] - A proposta do MINISTÉRIO das ARTES do Congresso do IBA-RS precede quase um ano, a efetiva criação do Ministério ‘Des Affaires Culturelles’ da França, implantado em Paris no 08 de janeiro de 1959 tendo como ministro André Malraux. (Ver Monnier, 1995: 333). Evidente que a proposta desse Ministério das Artes não corresponde ao Ministério da Cultura constituído no Brasil quase 30 anos depois.
[2] - 1º Congresso Brasileiro de Arte: recortes de jornais{127b Cong}
[3] - [F3. 040] è [F3. 048] IBA: Fernando Corona: projetos da ampliação.
Fig. 03 – Fernando CORONA(1895-1979) – Projeto do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul como Universidade das Artes. 1947. Perspectiva
A parte inferior da rua seria ocupada por um Auditório–Teatro, sendo proposto como o “teatro municipal” de Porto Alegre para 1.800 cadeiras e com um palco de 180 m2, com a boca de 20 metros[1] e a ser construído e administrado pela Prefeitura Municipal. Em correspondência ao
governador[2], em 1947, Tasso escrevia “Esclareço a V. Excia, que a segunda parte da ampliação prevista – que se refere ao ‘Auditório – Teatro’ será proposta à Prefeitura Municipal, de vez que se trata de empreendimento de interesse imediato para a cidade”.O lado par superior da rua deveria ser ocupado por uma Pinacoteca e o Museu de Arte do Rio Grande do Sul[3]. O prédio da rua Riachuelo n° 1.285, abrigaria a Escola de Dança e de Bailados[4], segundo um projeto de Ernani Dias Corrêa.
[1] - [F3. 046] IBA: Corona: planta da ampliação do prédio.
[2] - Correspondência do dia 24.09.1947 de Tasso Corrêa para Walter Jobim. Nesta época Tasso Corrêa era membro do Conselho Estadual de Educação e Cultura nomeado pelo Decreto no 2.018 de 06.09.1946 do Interventor Federal do Rio Grande do Sul, publicado no Diário Oficial do Estado no dia 10.09.1946.
[3] - Ante-projetos da ampliação do IBA-RS{099.1Proj}
[4] - [F3. 050] IBA: Ernani Corrêa: prédio: Riachuelo, 1285e [F3. 050a] IBA: Ernani Corrêa: prédio: Riachuelo, no1285CD-ROM - Disco 6 - IMAGENS. - Arquivo F3.
Fig. 04 – Ernani DIAS CORRÊA (1900=1982) – Projeto da Escola de Dança e Bailados do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul como Universidade das Artes. 1947. rua Riachuelo n° 1.285. Portoo Alegre - RS
As intenções de Tasso Corrêa da Universidade das Artes já vinham estampadas no jornal Correio do Povo, em 14.11.1947, véspera do dia da República. Este texto constitui mais um precioso fragmento das expressões de autonomia que se busca evidenciar nesse trabalho do presente texto. Diz ele “se o Instituto de Belas Artes não voltar para a Universidade [...] promoveremos a sua transformação em Universidade de Belas Artes”[1]. No dia seguinte, Ernani Corrêa, retomou, no mesmo jornal, o tema da Universidade de Belas Artes, onde ele recapitulava a história ocidental da institucionalização do ensino da arte e da arquitetura:
“Percebe-se que houve um transporte dos conhecimentos seculares de arquitetura, desde a velha Europa, transmitidos pela Missão Francesa no Rio de Janeiro e daí por intermédio da Escola Nacional de Belas Artes ao Rio Grande do Sul, veiculados pelo Instituto de Belas Artes que no dizer de notáveis estrangeiros que nos visitam, é uma verdadeira Universidade de Belas Artes pela razão de abranger o ensino superior de Música, da Pintura, da Escultura, da Arquitetura e do Urbanismo” (CORRÊA, Ernani,15.11. 1947[2],).
Essa proposta distinguiu arte em relação à cultura e à educação, sendo mais coerente que a eclética e xifópaga estrutura que reuniu educação, cultura e arte no Ministério que se denominou, a partir de 1953, de Educação e de Cultura (MEC)[3]. Essa proposta de Tasso Corrêa, não foi arroubo de um instante, em 1947, pois ele cultivou a idéia até 1958, quando a proposta da Universidade de Belas Artes, irá figurar como tese central do Primeiro Congresso de Arte e foi lançada para todo o Brasil e que propunha como mantenedora estatal, a criação do Ministério das Artes.
Esse projeto não chegou ao mundo prático, tanto por fatores externos, na oposição que lhe fizeram os intelectuais do centro do país, como internamente, onde o próprio Ernani irá propor, nesse meio tempo, a solução pela qual se separava Arquitetura de arte, através da
criação da Faculdade de Arquitetura, sob a vigilância dos engenheiros e da iniciativa da URGS.Com estas propostas - do Iº Congresso de Arte e do Ministério das Artes - é possível uma outra leitura do sentido das intenções da origem e do posterior abandono do Mural do 8º andar do IA-UFRGS.
[1] - Tasso Corrêa in Correio do Povo 14.11.1947, p.7 (Recorte doa CATC).
[2] - Ernani Corrêa in Correio do Povo, 15.11.1947 (recorte arquivo do CATC).
[3] - Antes, em 1930, MESP – Ministério de Educação e Saúde Pública e depois MES Ministério de Educação e Saúde.
[4] - A administração do IBA_RS subseqüente ao Tasso Corrêa ignorou estes teses e jogou na lata de lixo o filme produzido ao longo do evento das comemorações do Cinqüentenário do Instituto.
[5] - Em 17. 10. 1958 Tasso Corrêa passou , ,pelo Oficio nº 1086/58, o seu cargo de Diretor à professora Alayde Pinto Siqueira
Veja mais em:
CONGRESSO BRASILEIRO de ARTES - REVISTA do GLOBO Porto Alegre: Ed. Globo nº 716 17.05.1958. pp.81-3
SIMON, Círio “ORIGENS DO INSTITUTO DE ARTES DA UFRGS: ETAPAS ENTRE 1908-1962 E CONTRIBUIÇÕES NA CONSTITUIÇÃO DE EXPRESSÕES DE AUTONOMIA NO SISTEMA DE ARTES VISUAIS DO RIO GRANDE DO SUL” Porto Alegre : PUC-RS Versão 2008 , 660 p
Disponível, na íntegra em http://www.ciriosimon.pro.br/aca/aca.html ou
Nenhum comentário:
Postar um comentário