ATHOS
DAMASCENO FERREIRA
Porto Alegre, 3 de
setembro de 1902 - Porto Alegre, 14 de abril de1975
Pesquisa e texto de ILDA
ANDERS APEL
Porto Alegre, 31 de
agosto de 2017.
Enciclopédia Rio-grandense., O
RIO GRANDE do SUL ATUAL
Canoas-RS: La Salle. 3º vol. 1957 p.305 il, col
Fig. 01 - Athos
Damasceno Ferreira num desenho de João FAHRION (1898-1970) O poeta, cronista e historiado concentrado na
pesquisa documental impressa. Tanto FAHRION como DAMASCENO eram personagens discretíssimas
e habitualmente caladas. Falava por eles a sua ARTE.
Era filho de João
Armando Damasceno Ferreira e Ana Dias da Silva. Os pais moravam num sobradão da
antiga Rua da Praia, atual Rua dos Andradas, ao lado da Casa Krahe (portanto
próximo ao cruzamento com a rua Marechal Floriano). Frequentou por um ano e
meio uma escola dos maristas e após recebeu lições de um professor particular.
Em 1915 matricula-se no Colégio Meyer, onde conclui o curso de Humanidades, em
1919. Ingressa na imprensa porto-alegrense e nela trabalha até 1927. Exerceu
funções na Secretaria de Educação do estado. Casa-se em 1928 com Clara Vasques
Goulart (Clarinha), numa união que perdurou até seu falecimento.
Damasceno produziu uma
obra literária bastante extensa e diversificada. Foi jornalista, poeta,
romancista, crítico, pesquisador. Usou pseudônimos: Ferreira Jr., Peregrino
Barbatana e Pierrot Blasé. A primeira fase literária de Damasceno é dedicada à
poesia, com a obra Poema, publicada em 1922. Era um apaixonado por sua cidade natal,
inspirou-se nela para escrever poemas enaltecendo sua beleza, suas paisagens e
recantos onde os habitantes circulavam, as casas com fachadas valorizadas por
lindas sacadas e sacadinhas de tantas utilidades para os moradores, quase tudo
servia de inspiração para suas poesias, que foram reunidas no livro “Poemas da
minha Cidade”, publicado em 1936. Para ele, todos os elementos da natureza se
entrelaçavam no quotidiano das pessoas, Damasceno apresentava isto com muita
sensibilidade. Era um tanto nostálgico em relação às mudanças que via ocorrerem
por conta do progresso e desenvolvimento da cidade e lamentava as demolições e
novas construções que tiravam o charme da antiga cidade provinciana.
Desenho de Athos
DAMASENO FEREIRA in POEMAS da MINHA
CIDADE (2ª ed). Porto Alegre: Ed. Globo
1944 p. 121 Poema “PRAÇA da MATRIZ”,
Fig. 02 - Athos Damasceno Ferreira faz predominar o branco do espaço vazio tanto
no DESENHO-ILUSTRAÇÃO como o silêncio de qualquer palavra superficial, adjetiva
ou narrativa redundante nos seus POEMAS.. O ILUSTRADOR
ATHOS trabalha, nas artes visuais, com uns poucos elementos gráficos,
compõe a cena que o observador é convidado a completar com o seu repertório
visual. No POEMA ATHOS trabalha com a matéria prima da palavra e as sugestões que
ela provoca no seu leitor.
Como neste poema transbordando saudosismo,
intitulado “Praça da Matriz”:
São
os pássaros que voam contra o azul, sobre as cumeeiras
(quem me dera as mesmas asas
tatalantes, migradoras!...)
Minhas mãos caem ao longo do meu
corpo – prisioneiras,
Só as vozes do passado ainda me são
consoladoras...
Olho agora da janela a copa verde
das paineiras...
(Que é de vós, sombras amigas, que
passáveis sonhadoras,
entre os choupos das aléas junto às
velhas trepadeiras,
Para as missas de domingo, nas
manhãs ensolaradas?...)
Me revejo, neste instante, como eu
era antigamente:
-
sou de novo o rapazinho do colégio dos Maristas,
o menino de olhos tristes e carinha
de doente...
Lá vou eu de novo à Missa, de boné e
cabeção
Vou passando pela praça, sob a copa
das paineiras,
Meu avô, de cartolinha, me levando
pela mão...
A poesia de Damasceno, e
a prosa também, é sempre envolvente, tudo ao seu redor se conecta, se
relaciona: ele com as árvores, as ruas, as praças, os animais, o céu, a noite,
o dia, e neste encontro de tantos elementos nos carrega junto para participar
dos seus devaneios e experimentar esses momentos de encantamento. A poesia de
Damasceno é sedutora, integradora, nos faz sentir parte do lugar, caminhando
junto com ele pelas ruas e praças, protestando também pelos malfeitos que
tiraram o brilho do lugar, o progresso da cidade poderia ter sido diferente.
Desenho de Athos
DAMASCENO FEREIRA in POEMAS
da MINHA CIDADE (2ª ed). Porto Alegre: Ed. Globo 1944 p.35 Ilustração do poema “Procissão
do Senhor dos Passos”
Fig. 03 – O memorialista Athos Damasceno
Ferreira parte de suas próprias experiências da cultura de Porto Alegre. Na ILUSTRAÇÂO do POEMA intitulado “Procissão
do Senhor dos Passos” ATHOS destaca uma
SACADA e SACADINHA que será objeto tanto
nas artes visuais como em trabalho narrativa
no qual aborda este lugar “para ver e ser visto” SACADAS e SACADINHAS como limite entre o
MUNDO EXTERNO e o MUNDO INTERNO que predominava ainda na infância do POETA e
CRONISTA e HISTORIADOR das ARTES VISUAIS .
Neste outro poema,
intitulado “PROCISSÃO DO SENHOR DOS PASSOS”, igualmente publicado no livro
“Poemas da minha Cidade”, ele nos deixa entrever um momento de sua infância:
Me lembro: - Minha mãe me conduzia
Pela mão, junto ao andor do Senhor
dos Passos...
Velhos, crianças, tudo, em romaria,
Caminhava, rezando, de olhos
baixos...
Ao longo, as ruas eram alumiadas
Pelo clarão das tochas e das
velas...
Colchas roxas pendiam das sacadas
E assomavam cabeças, nas janelas...
No silêncio, se ouviam os
breviários,
As charangas tocavam em surdina,
De mistura com os terços dos
rosários...
E eu, anjo e demônio desde infante,
Punha pingos de cera, de propósito,
Nos piedosos fraques que iam
adiante...
Muitas informações sobre
a pessoa do poeta transparecem e se revelam pela leitura dos seus poemas. Podem
ser simples narrativas em forma de poesia, cheias de sentimentos e
encantamentos pela terra onde ele viveu e que inspirou sua apreciável obra. Ele
acompanhou as transformações pelas quais foi passando a cidade de Porto Alegre
e sempre lamentou as demolições e os desvirtuamentos paisagísticos e urbanos
que aos seus olhos foram tirando a beleza do que de bonito havia em termos de
arquitetura.
Desenho de Athos
DAMASCENO FEREIRA in POEMAS
da MINHA CIDADE (2ª ed). Porto Alegre: Ed. Globo 1944 p.32 Ilustração do poema “Praça
da Harmonia”
A Fig. 04 - Athos Damasceno Ferreira no seu POEMA “ Praça da HARMONIA” conjugou os índices do mobiliário colocados na intervenção urbana
com paisagem ordenada, selecionada e
silenciosa.. Nestes índices vislumbra
os vultos dos poetas ausentes de Álvaro,
o Felipe, o Dionélio, o Eduardo o De Souza cujas criações continuam a presentes na sua
memória, colocados e recitados diante do Guaíba em cujas águas se embalavam
outrora os veleiros.
Numa de suas poesias,
Damasceno descreve a cidade onde ele viveu toda vida e conta assim suas
memórias e os seus sentimentos ao ver as mudanças que o tempo trouxe à cidade:
POEMAS DA MINHA
CIDADE
Que é daqueles lampiões
Que espiavam de dentro do tufo das
árvores velhas
O ingênuo colóquio dos noivos
Nas salas das casas fronteiriças à
praça?...
As crianças brincavam de roda na rua
risonha
que foi o princípio da linda cidade
açoriana...
De cima – as estrelas botavam
reflexos vagos nos vidros dos graves sobrados
Com largas portadas e muros cobertos
de heras...
Debaixo – os humildes e tristes
casebres
Erguiam, medrosos, os olhos vazios
das janelas
Até a nobreza dos altos beirais
solarengos...
Andei tantas vezes por estes
caminhos!...
E
via as crianças brincando de roda.
E
via o ingênuo colóquio dos noivos
que eram vigiados
cuidados
olhados
por todos os lados...
E
via que, às vezes, cruzavam a praça deserta
Senhores
austeros, com fraques de alpaca e calças balão...
Diziam
que eram maçons,
-
senhores de alta linhagem
que
vinham de estranhos congressos,
falavam
baixinho
e
viam mistérios em todos os cantos...
Depois,
se perdiam nos ângulos rasos das ruas.
Agora,
o silêncio me diz tanta coisa,
Me
dá a presença amorosa de tantos destinos ausentes...
Na
praça deserta
As
árvores velhas se encolhem na sombra,
As
folhas cochicham...
E
no fundo esbatido do céu cor de cinza
As
torres da Igreja das Dores
Assistem
e velam o sono cristão da cidade...
Desenho de Athos
DAMASCENO FEREIRA in POEMAS
da MINHA CIDADE (2ª ed). Porto Alegre: Ed. Globo 1944 p.9 Ilustração do poema “Alto
da Bronze”
Fig. 05 – Com um pouco de atenção é possível
acompanhar as referências pictóricas dos DESENHOS-ILUSTRAÇÕES de Damasceno Ferreira motivadas e
orientadas nas suas sínteses a partir de quadros dos seus amigos e companheiros
pintores.
Na ILUSTRAÇÂO do poema “LTO da BONZE” ATHOS escolhe um detalhe das duas torres do
quando de LIBINDO FERRAS exposto no SALÂO do INSITUTO de Belas Artes do RS no
dia 15 de novembro de 1929.
ÍNDICES do SALÃO de 1929 http://profciriosimon.blogspot.com.br/2013/11/076-isto-e-arte.html
Neste poema, Damasceno
vai extravasando seus sentimentos, mas também apontando, com toda a delicadeza
e respeito apropriados para a época, a enorme desigualdade social existente na
cidade. E só de passagem, como se fosse só para constar, cita duas instituições
protagonistas ativas do desenvolvimento da sociedade, mas que, ou passam
apressadas pelas ruas vendo mistérios em todos os cantos, ou então apenas
tinham a pretensão de guardar o sono da cidade tangendo sinos. E se perdiam nos
ângulos rasos das ruas...
Igualmente Damasceno
estendeu seu olhar para além da cidade de Porto Alegre, sobre o que estava se
processando em relação às raízes do povo gaúcho, “num tempo em que a cultura se
universalizava e as antigas raízes culturais se dissolviam”. Não negava o
passado de lutas do povo gaúcho, mas exigia uma interpretação imparcial, sem
tanto glamour. Travou uma polêmica que ficou célebre com Vargas Neto, que
pertencia ao grupo dos chamados saudosistas e que resumiam todo o povo
rio-grandense na figura do gaúcho, tido como homem valente, livre e aguerrido,
e centravam a herança cultural do estado no passado campeiro e militar e na
contribuição dos portugueses. Damasceno se opõe veementemente a essa visão
fragmentada do homem rio-grandense. E afirmava que o Rio Grande do Sul “já não
é mais um vasto campo de criação de gado. E que possuímos uma vasta zona
colonial onde homens de outras raças, de outros climas, trabalham, sofrem,
lutam conosco pelo progresso do estado”. E ironiza: “será possível que, se
amanhã tivermos de apresentar-nos fora daqui, na França, no Industão ou no
inferno, teremos de levar um petiço a cabresto, à maneira de ficha de
identidade ou credenciais acreditadas?”.
Banquete oferecido na noite de
19.06.1956 – Terça feira -[1]
Fig. 06 - Athos
Damasceno Ferreira no banquete oferecido
a Tasso Corrêa na Pinacoteca do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul no qual TASSO recebeu a homenagem pelo 20o
.aniversário da sua ADMINISTRAÇÃO como Diretor PERSONAGES [da direita para a esquerda de quem olha
para a foto] 1 – Athos Damasceno
Ferreira 2 – Nome ignorado 3 - Marlene Damasceno Perrozzi 4– Nome ignorado –Cel. Daniel
Monteiro 5 –Luis
Carlos de Mesquita Rothmann – Secretário geral do IBA-R
[Personagens identificados
por Luis Carlos Rothman e Lucila Conceição em 22.04.2000]
É bem marcada a veia
satírica de Damasceno, tanto em prosa como em verso. Consta que, com seu
espírito arguto, captava com facilidade o ridículo das situações e dos gestos
ou mesmo as falhas de caráter das pessoas, porém, como tinha da amizade um
conceito muito elevado, viveu bem entre amigos. Produziu muito no terreno da
sátira, contudo, com o tempo destruiu boa parte do seu trabalho, principalmente
as sátiras mais ferinas, e o que sobrou foi publicado no livro Poesias
Reunidas.
[1] - Em Díário de Notícias.
Porto Alegre: dias 15.06.1956, 17.06,1956 e 22.06.1956
A Hora. Porto Alegre, dias
12.0.1956, 13.06.1956 e 15.06.1956
Correio do Povo. Porto Alegre,
23.06.1956, p.4
O Jornal. Rio de Janeiro,
Sábado, 23.06.1956 (Recortes dos periódicos sem noe página da pasta
de Tasso Corrêa {148bCURR}
Athos DAMASCENO
FERREIRA no Seminário Arquitetura e
Urbanismo do IBA-RS em julho 1948 com Mauricio CRAVOTTO (1893-1962)
no BAR do IBA-RS
Fig. 07 – A
presença de Athos Damasceno Ferreira revela os seus interesses, o seu circulo
de amizades e admiradores. A foto - tomada ao longo do Seminário de
ARQUITETURA e de URBANISMO promovido
pelo Instituto de Belas Artes , sob o comando de Tasso Corrêa - mostra a primeira turma de ENSINO SUPERIOR
de ARQUITETURA e URBANISMO específica, e
no âmbito e sob a normas, da Universidade Brasileira promovida no Rio Grande do Sul.
PERSONAGES SENTADOS [da direita para a esquerda de quem olha para a
foto] 1
– Athos Damasceno Ferreira; 2 – Mauricio
CRAVOTTO; 3 –
Tasso CORREIA;
4– Eugen STEINHOF....
A partir de 1940,
Damasceno inicia pesquisa histórica no âmbito das artes no Rio Grande do Sul
durante o século XIX. O primeiro livro publicado foi Palco, Salão e Picadeiro,
que trata das artes cênicas em geral. Ele cita os grupos locais e estrangeiros
que se apresentaram na cidade até o início do século XX e que ficaram
registrados na imprensa através de comentários ou de anúncios. Fala da primeira
casa de espetáculos, modesta, a Casa da Ópera, da Sociedade Musical
Porto-Alegrense, da construção e inauguração do Teatro São Pedro, e principalmente
comenta sobre a performance e o sucesso das inúmeras apresentações teatrais, de
mímica, de acrobacia, de óperas, recitais e tudo mais que entretinha o público
de todos os gostos naquele século. Trata-se de uma obra de quase 400 páginas de
alto valor histórico e escrito com tanto talento que prende o leitor, quanto
mais não seja pela surpresa de descobrir a movimentação que ocorria no campo
das artes cênicas na cidade de Porto Alegre àquele tempo. Os espetáculos vão
sendo nomeados juntamente com as circunstâncias em que ocorreram, a aceitação e
o sucesso de público e os comentários e críticas que circularam na imprensa.
A obra “Imprensa
Caricata do Rio Grande do Sul no Século XIX”, com mais de 200 páginas, surgiu
nos anos seguintes. Ela reproduz artigos publicados e revisados pelo autor,
contando a respeito dos inúmeros periódicos publicados na Porto Alegre de então
e também na cidade de Rio Grande. Haviam sempre vários jornais especializados
em fazer caricaturas de pessoas ou de acontecimentos circulando ao mesmo tampo
e disputando o mesmo tipo de consumidores. Cada novo jornal que surgia na praça
era até saudado pelos concorrentes, com os votos de longa vida e prosperidade,
e os concorrentes também noticiavam e lamentavam o desaparecimento dos que suspendiam
suas edições. Damasceno confere atenção especial aos caricaturistas da época,
cita os seus nomes e reproduz no livro algumas caricaturas desses que eram os
principais responsáveis pelo sucesso do jornal e de suas vendas. Era um tipo de
imprensa que não concorria com os periódicos que circulavam com as notícias
gerais do momento. Alguns jornais caricatas tiveram vida bastante longa. Conta
o autor que ”havia debates acalorados de ideias e princípios nas legendas das
charges, em geral ferinas, e, especialmente no curso de acesas discussões de
caráter pessoal, são comuns a grosseria dos conceitos e a imoderação de
linguagem”. E o jornal com menos freios neste sentido era “O Século”, vindo
mesmo da irreverência o segredo do seu êxito. Até os leitores mais escrupulosos
e sisudos consta que o recebiam muito bem, não deixando de estimular as sátiras
com risos e aplausos, principalmente nas investidas contra o Clero. “Talvez não
seja exagero observar que a essa altura o periódico era, até certo ponto, o reflexo
da opinião e dos sentimentos da maioria e quase a tradução literal, digamos
assim, do meio onde circulava – meio exposto, por força da nossa imaturidade
cultural, a excessos de toda ordem que enfraqueciam a autoridade e geravam a
confusão”. Nesta obra, Damasceno vai citando os acontecimentos cujos
protagonistas provocaram na política, na administração pública ou por uma
circunstância particular, comentários jocosos ou humorísticos na imprensa dita
caricata.
Fig. 08 - Athos
Damasceno Ferreira e Aldo Locatelli na inauguração do MARGS no Foyer do THEATRO
SÂO PEDRO. A iniciativa comandada por Ado
Malagoli e contou com a decidida orientação de Tasso Correa como Conselheiro da
Educação e Cultura. Contou com o apoio do governo e, inclusive, da Mitra Metropolitana. Assim esta iniciativa
pioneira no Rio Grande do Sul poder ser inscrita no âmbito de um PROJETO CIVILIZARÒRIO COMPENSADO da VIOLÊNCIA que o
ESTADO se percebe coagido a usar como delegação e contrato dos seus cidadãos.
Cidadãos que, mediante este contrato, se
privam de fazer a justiça com as próprias mãos e meios.
O terceiro livro sobre o
movimento artístico no nosso estado, chama-se “Artes Plásticas no Rio Grande do
Sul” e abrange o período de 1755 a 1900. É uma alentada obra de mais de 500
páginas.
Damasceno inicia falando
sobre os povos indígenas, primitivos habitantes do Rio Grande do Sul e qual
seria sua real capacidade de produzir arte, uma vez que eram conhecidos o seu ”escasso
arsenal de armas grosseiras e seus minguados haveres de rústica cerâmica”.
Sobre a inteligência dos índios, há avaliações bastante contraditórias, umas
sugerindo que só por um passe de mágica, sob o jugo dos jesuítas, tenham eles
se transformado em operários eficientes. E há também depoimentos que atestam
bem o contrário: falam da excelente capacidade de imitação dos índios, pois,
“vendo algo novo, é certo que eles tentarão reproduzir”, e com muita
propriedade, consta. Desmerecendo a habilidade do índio de fazer arte de
qualidade, houve quem afirmasse que, após devolvidos os aborígenes à vida
livre, jamais se ouviu falar que produzissem uma obra como as estátuas
católicas.
Sobre a contribuição dos
índios à produção da estatutária sacra produzidas nas missões jesuíticas, há
que se considerar, em primeiro lugar, que os jesuítas da Companhia de Jesus
chegados às reduções, provinham de vários países europeus e alguns possuíam
formação de arquitetos, urbanistas, escultores, pintores, o que se refletiu nos
diversos estilos não só arquitetônicos das igrejas por eles construídas, como
também nos seus ornamentos. As igrejas por eles edificadas eram ornadas com
arcos e consta que de cada um deles pendia um candelabro de prata. Os jesuítas
podiam empregar esse material, visto que as reduções se localizavam
relativamente próximo das minas de prata da região. Com o tempo, foram
retirados muitas desses candelabros “pesando cem ou mais arrobas de prata”
(sendo cem arrobas equivalentes a 1468,800 quilos). Consta que os jesuítas
espanhóis se ocupavam preferencialmente da administração do dinheiro e os
demais integrantes das missões que possuíam preparo para tal projetavam os
edifícios das missões.
A respeito do variado e
custoso acervo encontrado nas igrejas dos Sete Povos das Missões, diz Damasceno
que não somos “mais que simples depositários, pois nenhum nexo cultural a ele
nos vincula. A obra dos jesuítas nas diferentes doutrinas guaranis se situou
inteiramente à margem do processo de nossa formação. E se, como já se disse,
nenhuma contribuição merecedora de apreço, na esfera da cultura, recebemos dos
primitivos habitantes desta parte da América, também nada devemos à Companhia
de Jesus, cuja presença nos Sete Povos, durante quase dois séculos, se
traduziria, ao contrário, em atos de franca competição e até de hostilidade
declarada à política luso-brasileira de expansão colonial”. Nesta altura,
Damasceno se socorre das palavras de escritor Moyses Velinho, que explica que
“somente algumas décadas após a derrocada das missões jesuíticas veio o
território dos Sete Povos a incorporar-se, por capitulação militar, ao
território rio-grandense, e que os fatos da crônica missioneira ocorreram assim
do outro lado da fronteira”.
Na continuação do livro
Artes Plásticas no Rio Grande do Sul, é feita uma volumosa e detalhada citação
dos artistas que mais se projetaram no campo das artes plásticas até o século
XX. Foram muitos, dezenas, alguns recém-chegados e já estabelecidos em seus
ateliers. Alguns ótimos retratistas, fizeram nome e ganharam prestígio exibindo
seus trabalhos nas vitrines das lojas das ruas centrais da cidade. Damasceno
pesquisa sobre o trabalho de cada um deles e faz um relato breve comentário,
mas sempre de apreço acerca da aceitação e do sucesso alcançado na cidade.
Nesse livro sobre as
artes plásticas, Damasceno, na primeira página, dedica a obra a Tasso Corrêa “a
cuja Inteligência, sensibilidade e ação tanto devem as Belas-Artes no Rio
Grande do Sul. Na página seguinte, transcreve o seguinte texto escrito por
Dámaso Alonso, retirado do livro “Poesia Espanhola – Ensaio de métodos e limites
estilísticos”
“...Essa massa amorfa se
acumula ante nossos olhos, imensa montanha. Comparada a ela, mal são uns
quantos pontinhos concretos as autênticas obras de arte. Mas, se nos
aproximamos, vemos que essa massa se estria, que na realidade se move, que tem
um fim. Há uma angústia e uma impotência – belas também – nesse montão que
bole. Um desejo ainda não satisfeito rebate aí em ressonâncias opacas, onde se
acumulam as tentativas fracassadas, esse escuro forcejar de uma época em busca
de sua expressão ainda não lograda...”
Nestas três obras
citadas sobre o movimento cultural e artístico no estado do Rio Grande do Sul é
louvado o enorme esforço de Athos Damasceno Ferreira para pesquisar, coligir
dados, comentar e interligar os fatos, situando-os dentro do seu tempo e da
atmosfera social e cultural em que se produziram. São obras que abordam a
História, as condições sociais da época, apresentando igualmente uma avaliação
crítica bastante ponderada de tudo.
Desenho de Athos
DAMASCENO FEREIRA in POEMAS
da MINHA CIDADE (2ª ed). Porto Alegre: Ed. Globo 1944 p.102 Ilustração do poema “Nossa
Senhora dos Navegantes”
Fig. 09 - No DESENHO-ILUSTRAÇÃO do POEMA intitulado “Nossa Senhora dos
Navegantes” Athos Damasceno Ferreira faz predominar as bandeirinhas da festa
para sugerir a paisagem, as pessoas e a emoção poética do evento O ILUSTRADOR ATHOS trabalha com elementos universais das
festas marítimas que são dão em qualquer cidade portuária e em contato íntimo
com as águas.
Damasceno produziu
também livros de ficção, de contos e novelas. Histórias não muito longas,
narradas com tanta arte e sensibilidade que quase nos sentimos à vontade de
fazer parte dos dramas e sonhos das famílias, junto com seus conceitos e
preconceitos, entendimentos e desentendimentos. Damasceno é humano,
essencialmente humano no trato do seu ofício de escritor e muito corajoso ao
expor os fatos e as pessoas, mas com um cuidado enorme ao utilizar adjetivos e
superlativos.
Damasceno escreveu
inúmeros trabalhos que ficaram inéditos e que mostram outra faceta do autor. Com
o passar dos anos, mais amargo, triste e desencantado, mas que também
extravasava bom humor e ironia. Escreveu ele:
Não sou pensador – sou
pensativo.
Em arte – artífice, não artista.
Do poeta, que fui, apenas sobrou
O epagramista.
Desenho de Athos
DAMASCENO FEREIRA in POEMAS
da MINHA CIDADE (2ª ed). Porto Alegre: Ed. Globo 1944 p.129 Ilustração do poema “Grossmütterchen”
Fig. 10 - No POEMA intitulado “GOSSMÜTTERCHEN - vovozinha” Athos
Damasceno Ferreira vale-se de alguns
objetos que cercam esta figura doméstica e urbana. Neste DESENHO-ILUSTRAÇÃO
o guarda chuva gotejante nos remete também ao exterior e que ILUSTRADOR POETA ATHOS trabalhou numa serie de poemas
dedicados à Porto Alegre. Sugere a presença das águas, do clima úmido e que Albert CAMUS remeteu as “CIDADES
PÂNTANOS” como são Londres, Amsterdam e Veneza.
No lado ontológico é possível captar
a melancolia, a sensação de limite e de finitude do TEMPO, LUGAR e SOCIEDADE específica.
Aos que o admiravam como poeta, ele
surpreendeu com a amargura dos seus últimos poemas escritos já mais no fim da
sua vida, como o abaixo:
Nem uma sombra se projete agora
Nesta escarpada rocha, onde meus
passos
Assinalam a fuga, rumo à aurora,
E vão deixando os últimos pedaços.
Do corpo que carrego espaço-a-fora,
Que mal carrego nos meus próprios
braços
Inúteis, como inúteis já outrora
Foram para as misérias e cansaços
De toda uma existência dissipada...
Nem uma sombra, na distância ou
perto
Se
projete, ante mim, nesta escalada!
Sobre
o muro de pedras e segredos,
-
superfície de cal e de deserto –
que
apenas fique a marca dos meus dedos.
Athos Damasceno Ferreira
faleceu com 74 anos de idade, no Hospital Fêmina de Porto Alegre. Causa mortis:
enfisema pulmonar. Está enterrado no cemitério São Miguel e Almas, desta cidade.
BIBLIOGRAFIA
CESAR, Guilhermino. Athos Damasceno Ferreira. Separata do
livro Poesias reunidas, de Athos
Damasceno Ferreira. Porto Alegre: Globo, 1979
FERREIRA, Athos Damasceno. Poemas da minha cidade. Porto Alegre:
Globo, 1944
______, Colóquios com a minha cidade. Porto
Alegre: Globo, 1974
______, Imprensa Caricata do Rio Grande do Sul no
século XIX. Porto Alegre: Globo, 1962
______, Palco, salão e picadeiro em Porto Alegre no
século XIX. Porto Alegre: Globo, 1956
______, Artes Plásticas no Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: Globo, 1971
______, Persianas verdes. Porto Alegre: Globo,
1067
______, Moleque. Porto Alegre: Globo, 1936
SILVA, Gabriela Correa da. O regionalismo sul-rio-grandense de Athos
Damasceno e sua polêmica com Vargas Netto (1932). Monografia apresentada no
curso de História da UFRGS, Porto Alegre, 2011.
______, Da ficção à História: a escrita da história
de Athos Damasceno Ferreira (1940-1974). Pesquisa de mestrado na UFRGS,
2012
WIKIPEDIA, Athos Damasceno Ferreira. A enciclopédia livre de Internet, 2017.
O presente texto de ILDA ANDERS APEL foi
apresentado por ela, apreciado e discutido pelo
GRUPO de PESQUISA da AAMARGS no dia 31 de agosto de 2017 e autorizado a
sua publicação no presente blog no dia 14 de setembro de 2017.
Página do FACE BOOK do GRUPO de
PESQUISA da AAMARGS
Enciclopédia Rio-grandense., O
RIO GRANDE do SUL ATUAL
Canoas-RS: La Salle. 3º vol. 1957 pp.304-305 il, col
ÁTICO
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