13.02 - UMA OBRA das ARTES VISUAIS AÇORIANAS
SUL-RIO-GRANDENSES ou o
projeto iluminista no Rio Grande do Sul.
Continuação e complemento de
“O PROJETO ILUMINISTA OPÕE_SE à CONTRA
REFORMA no RIO GRANDE do SUL”.
Disponível
em
13.0 - A ‘casa do cachorro sentado’ como índice açoriano no meio urbano sul-rio-grandense.
13.0 A nova infraestrutura invade o território do
Rio Grande do Sul e inviabiliza a projeto da Contrarreforma 13.1 – Condições gerais do imigrante que procurou o território do
Rio Grande do Sul. 13.2 . O imigrante da ilha dos Açores. 13.3 - Índices matérias da cultura açoriana. 13.4 –
A cultura imaterial açoriana. 13.5 – Condições para a manutenção do regime
colonial. 13.6 – A interdição do luxo residencial individual. 13.7 – A memória
renega a verdade da origem e o transforma em mito. 13.8 – Dificuldades nas
tentativas de institucionalizara a memória do projeto iluminista açoriano.
Fig. 01 – O prédio da antiga Assembleia dos Representes é uma amostra do período
Iluminista pombalino no Rio Grande do Sul. Uma rara fotografia anterior ao
acréscimo de um andar. Nas aberturas é visível a verga arqueada e cujo desenho
se atribui ao mestre José FERNANDES PINTO ALPOIM (1700-1765)[1].
13.0 A nova
infraestrutura invade o território do Rio Grande do Sul e inviabiliza a projeto
da Contrarreforma
Dois paradigmas
são irreconciliáveis, íntegros e reciprocamente excludentes. O mesmo acontece
com os suportes conceituais que alimentam duas vertentes estéticas. Assim o
paradigma racional e intelectual sustentáculo do iluminismo classicista é íntegro,
excludente e irreconciliável com o paradigma estético emocional e sensorial que
sustentava o barroco e a constelação das suas tendências estéticas.
O paradigma
racional e intelectual - sustentáculo do iluminismo classicista - decorre dos
sintomas da emergência da nova infraestrutura da Era INDUSTRIAL. Paradigma
expresso no Enciclopedismo e na ascensão política, intelectual e econômico da
pequena burguesia que se livrava dos mitos que sustentavam a aristocracia, a
nobreza e o regime monocrático real.
Fig. 02 – O Colégio Jesuíta em Paranaguá
do Paraná possui uma tipologia mais austera e mais racional que o afasta da
tendência barroca. O jesuíta lusitano é diferente do jesuíta espanhol mais
voltado para a ostentação externa. Esta
obra e esta tipologia arquitetônica estão no caminho do Sul do Brasil lusitano.
.
Nem a Colônia
brasileira, muito menos o Rio Grande do Sul, apresentava qualquer traço da ERA
INDUSTRIAL. O rigoroso Alvará de Dona Maria I, de 05 de janeiro de 1785[1],
fornece, no Brasil inteiro, um índice do
que era possível neste estagio da ERA INDUSTRIAL. Assim é possível falar em
relação a qualquer tentativa nesta direção de uma ERA INDUSTRIAL temporã formal
e jurídica carente e deslocada de qualquer suporte econômico.
Os contrastes
entre os paradigmas estéticos não são percebidos intelectualmente pelos seus
agentes coloniais, pelos artistas e por quem encomenda as obras de arte. Estes
contrastes ainda permanecem no século XXI que se expressa apenas ao nível empírico do “gostar”
ou “não gostar” de uma ou outra tendência. Os contrastes - entre os paradigmas
estéticos - se evidenciam ao nível da inteligência e são muito produtivos para os historiadores
armar as suas intrigas entre uma ou outra tendência.
Fig. 03 – Laguna era o extremo sul das terras americanas concedidas para Portugal,
em 1494, pelo Tratado de Tordesilhas. Tornou-se
o ponto de partida da ocupação do Sul do Brasil. O prédio do Museu de Anita Garibaldi
foi construído em 1747. Ele expressa as referências estéticas arquitetônicas
para obras urbanas e rurais na ocupação
lusitana do território do Rio Grande do Sul.
13.1 Condições
gerais do imigrante que procurou o território do Rio Grande do Sul
A maioria dos
imigrantes chegou ao Rio Grande do Sul tangido por necessidades primárias de
sobrevivência. Chegaram a contragosto, expulsos de sua própria terra natal por
perseguições de toda ordem, ou então, cativos. Tiveram pouca autonomia na escolha da nova
terra, dos recursos na construção de um
lar e viviam com a firme intenção de
retornar à terra natal na primeira oportunidade. O propósito de retorno foi
frustrado pelas pobres condições locais, que não permitiam acumular recursos
materiais e culturais para fazer frente a um regresso para as terras de origem
que os expulsara.
GRAVATAI: Sobrado erguido, em 1877, por Antônio Dias Fialho
Fig. 04 – Amostra remanescente de um
prédio construído ainda na tipologia de uma fazenda com senzala. Este clero
recebia uma designação e um soldo pelo exercício das suas funções
Este sobrado foi construído por Antônio Dias Fialho – que veio com a mãe e mais
um irmão de Portugal. Antônio foi pai de Antônio Dias Fialho Filho e avô de
João Dias Fialho. Este teve Zeferina e Cecília Fialho Ramos.
Zeferina
teve Glorinha Dias Fialho (artista Plástica formada no IBA em 1940) Enquanto
isto. Cecília Fialho Ramos teve Maria Ramos Camargo. Esta teve Maria Eronita
Garcia que teve como filha Anelise Camargo Garcia. (Esta prestou as informações
ao autor, em relação ao sobrado,
enquanto estudante de Artes Visuais do IA) Este sobrado foi vendido
pelos descendentes da família de Antônio Dias Fialho para a vendido pelos
descendentes da família de Antônio Dias Fialho para a família Bina. Esta
família manteve a posse do imóvel até tornar-se sede da Fundação de Meio Ambiente
da Prefeitura de Gravataí- atualmente é a sede Casa dos Açores do RGS CAERGS
13.2 O
imigrante da ilha dos Açores
A partir de 1750
os açorianos deslocaram-se do seu Arquipélago para o Rio Grande do Sul,
continuando este fluxo migratório até o século XX. Uma metáfora dos valores culturais da cultura açoriana, pode ser
encontrada na sua casa denominada de “cachorro sentado”. Esta casa contém, no mínimo de sua forma, o máximo de conteúdo. A sua elaboração contava com recursos técnicos, materiais
e instrumentos extremamente pobres. A
estrutura formal da obra é condicionada às dimensões de um terreno de
poucos palmos de largura ocupada por fachada com uma porta e uma janela sem
entrada de luz lateral. Ambos os lados erguiam-se casinhas com as mesma
características e amarradas às umas outras,
formando vielas de "casas em fita". Os açorianos
continuaram, na nova terra, presos ao condicionamento telúrico e geográfico das
ilhas Açores da sua origem. Nestas
minúsculas ilhas cada palmo de terra devia ser aproveitado ao máximo.
Casas
urbanas em fita a partir da casa de ‘porta e janela’ ao modelo da “Casa Cachorro Sentado”.
Fig. 05 – As humildes habitações do primeiros açorianos aglomeram-se em “em fita”
ao longo das vielas de suas concentrações urbanas do litoral sul-rio-grandense.
Esta tipologia de casas geminadas, e
em fita, recebeu o carinhoso apelido de “CACHORRO SENTADOO”, Ao mesmo tempo são
índices da socialização doméstica restrita, da minúscula economia e dos
restritivos contratos jurídicos vigentes nestes ambientes.
As casas
açorianas foram reduzidas a miniaturas, exprimidas umas contra as outras, com
dimensões bem diferentes das quintas senhoriais do continente europeu. Contudo
estas casas, de minúsculas dimensões, eram povoadas por uma riquíssima cultura
imaterial em uma oposição direta e inversa das dimensões geográficas e
materiais. Confrontados com o meio e os condicionamentos geográficos as dimensões continentais, que o Novo
Mundo lhes oferecia, preferiram transportar, em primeiro lugar, a sua
riquíssima cultura imaterial, acondicionando-a nos seus minúsculos domicílios.
Fig. 06 – Os prédios das igrejas coloniais
mereciam destaque e atenções especiais.
Eram erguidas pelo estado colonial brasileiro também como fortalezas em pontos
estratégicos militares. Para os súditos
era o único local onde podiam fazer alguma exibição e ostentação de roupas
domingueiras. O clero era regular com obediência a o bispo que, por sua
vez, era nomeado pelo Rei de Portugal. Este
clero recebia uma designação e um soldo pelo exercício das suas funções.
13.3 Índices
matérias da cultura açoriana
A riqueza
imaterial açoriana forjou um meio
cultural no qual a casa do “cachorro sentado“
constitui índice. Este índice se concretiza e percebia na fala baixa dos seus
ocupantes, que acolhem apenas as pessoas da mais estreita relação familiar. A
afabilidade, a familiaridade e o carinho concretizam esta riqueza imaterial
açoriana.
Fig. 07 – Uma das artes açorianas que sofreu drástica decadência com a mudança
para o Brasil colonial foram aquelas
aplicadas aos tecidos e rendas. As ordens religiosas femininas foram proibidas
de migrar e acompanhar os imigrantes saídos dos Açores. Nestas ilhas as
moças frequentavam os conventos para a sua preparação profissional, estética e
social. Estas monjas eram, muitas vezes, princesas e nobres enclausuradas. Ali
exerciam atividades estéticas condizentes com as suas origens familiares
nobres. No Brasil colonial, e na ausência destas mestras, permaneceu apenas uma
memória desta cultura elaborada. Sem
matéria prima, carentes de equipamentos e sem orientação qualificada estas
atividades entraram em vertiginosa entropia.
Evidencia-se na
cozinha dos doces domésticos. Flui no artesanato das rendas de bilro e no ‘fuxico’ das sobras e recortes de roupas,
ou então no "fuxico" das
falas da vida da vizinhança. Estas falas familiares e em voz sumida,
transformavam-se, em algumas ocasiões, em anônimos "pasquins" escritos, assinados, ou não. Produziam as cartas
familiares do "pão-por-deus"
para pedir atenção, presentes e o carinho dos seus parentes. O que chega ao
espaço cultural público é coloquial, como as suas canções e acompanhadas por
apenas um, ou dois, instrumentos musicais.
Fig. 08 – Uma das atividades estéticas e poéticas dos açorianos é a confecção do
“PÂO POR DEUS” e os “PASQUINS” manuscritos.
Frágeis, delicadas e silenciosas manifestações açorianas que corresponde a necessidade de comunicação
de sentimentos e do pertencimento ao grupo.
O “PÂO POR DEUS” era uma declaração de amor, de respeito e aguardo de
uma resposta positiva. Os “PASQUINS” manuscritos eram anônimos, sarcásticos e
para provocações colocadas sob a porta das casas do “cachorro sentado”. Ambos
são índices da alfabetização açoriana e que, assim, contratavam com a população
nativa analfabeta. .
As qualidades
humanas dos ilhéus foram atropeladas pelo projeto dos colonos vindos da
metrópole, em especial quando esses imigrantes do continente europeus tiveram
contato, ou haviam sido expulsos pela era industrial. A vergonha, a falta de seriedade e as desqualificações
que essa casa, seu habitante e a sua cultura carinhosa, permitiram poucos estudos sérios e continuados.
Apesar disso, são visíveis largas manchas
da cultura açoriana na sua disseminação no litoral do Rio Grande do Sul
e Santa Catarina e nas margens de rios e lagoas dessa costa.
Fig. 09– Fazenda de Dom Feliciano José
RODRIGUES de ARAUJO PRATES (1781-1858), o 1º Bispo do RS-(1851-1858) nas proximidades
de Rio Pardo. A austera e funcional aparência estética é índice de uma
racionalidade administrativa coerente com a mentalidade iluminista das funções militares, empresariais e religiosas deste
líder.
O turismo em
massa, a mídia eletrônica e a cultura de largo consumo, é tudo aquilo que esta
casinha do "cachorro sentado"
evidentemente não pode oferecer. Estas casas, de minúsculas dimensões
materiais, supõem um profundo processo da compreensão dos valores da riquíssima
cultura imaterial que lhe são imanentes.
Fig. 10 – O imenso continente territorial sul-americano foi ocupado por um projeto com um desafio redobrado para lusitanos
e açorianos provenientes de minúscula terra e povos. Estas terras
continentais das fazendas cuja posse foi doada, pela Capitania, aos conquistadores
militares. Estes militares transformavam as suas sedes em baluartes desta
ocupação. Estes donos estabeleciam uma hierarquia, ao modo militar, entre
familiares, peões e escravos.
13.4 A cultura
imaterial açoriana
Para a
compreensão dos valores da riquíssima cultura imaterial, que se esconde na
casinha do "cachorro sentado",
há necessidade de uma leitura
estilística dos seus elementos formais. Nas proporções destas casas existe
uma íntima relação das partes entre si. Essas partes são formadas pela telha
‘romana’ de canal que a cobre em duas águas desiguais, sendo a do fundo maior.
As mais trabalhadas e caprichosas
possuem “eira” e “beira” como transição entre a fachada e
o telhado. Nesta fachada existe uma única porta e janela solitária com as
vergas curvadas em forma de cangalha e cuja desenho era atribuído ao Mestre
Alpoim. A fachada liga, ou separa harmoniosamente, as casas lindeiras, numa
repetição de “padrão infinito”
islâmico e sempre variada na sua minúscula gramática plástica e física. Essa
diversidade se sujeita a uma unidade que permite a sua repetição neste "padrão infinito" para formar ruelas
calçadas com "pé de moleque"
e junto às fachadas uma fieira de lajes de cantaria, para que a água da chuva
não escorrer próximo às paredes de estuque destas "casinhas em fita". Esta solução está presente em casas de
diversas culturas nas quais ainda predomina o anonimato e o coletivo.
Fig. 11 – Nas concentrações urbanas do litoral
sul-rio-grandense as casas geminadas “em
fita”, denominadas “CACHORRO SENTADO” contrastam com as igrejas. Estas
igrejas eram os locais da socialização que era restrita nos minúsculos
ambientes domésticos. Esta restrição
reflete-se na fala baixa nos gestos contidos e refletidos dos habitantes.
Contrastam assim com as vozes altissonantes, os gestos desabridos e emocionais
das regiões abetas da campanha do
interior do Rio Grande do Sul .
O século XIX
trouxe a ênfase no indivíduo contra este paradigma do coletivo. Este indivíduo,
fascinado pela cultura francesa, isola-se dos vizinhos lindeiros, para
resistir, ao coletivo colonial da época. A casa do burguês imperial necessita
abrir se para a luz, nos seus quatro lados de um amplo terreno, o ar circulando
debaixo da casa pelas "gateiras"
e nos sótãos pelas "águas furtadas".
O governo imperial permitia colocar, na sala de visitas desta casa iluminada e
arejada, o retrato do casal de proprietários. Esta casa burguesa abre-se para
receber os estranhos à família, algo que era impensável no paradigma original
da casa açoriana.
Imagem da Santana e a
Virgem do acervo de obras de arte sacra da Arquidiocese de Porto Alegre
Fig. 12 – As devoções religiosas açorianas se desenvolviam, em grande parte, nos
ambientes domésticos ou nas humildes ermidas anexas às casas grandes das
fazendas. Este culto retova muitas devoções e práticas religiosas
anteriores ao Concílio de Trento ou a Propaganda da Fé. Os temas, o tratamento
iconográfico e os ambientes religiosos combinavam com a fala baixa, as
recitações coletivas e a práticas
quotidianas. Assim, esta imagem de Santana e a Virgem, é coerente com estas
circunstâncias e um dos seus índices.
A casa açoriana
permite uma leitura iconológica na
falta de retratos individuais anteriores ao Império. Nos temas presentes na
casa açoriana, eram alguns santos e estampas religiosas, colocados em capelas
domésticas. O projeto iluminista
reduziu a cultura anterior, a cinzas fogo de uma "coivara". No entanto ele também não teve sucesso nesta “coivara” incendiaria, ao quere impor e implantar o seu próprio
paradigma. A sua onipotência e erudição,
expressas no projeto iluminista, não teve sucesso esperado, nem na metrópole
portuguesa, na sua colônia americana, e muito menos na cultura
sul-rio-grandense. O fogo desta “coivara”
iluminista foi alimentado pelos sucessivos tratados de Meuthen (1703), de
Madrid (1750) e a "Viradeira" (1777). A era industrial das culturas
inglesa, norte-americana e francesa queimaram a evolução desta cultura em
direção à sua autonomia e consequente construção de um mundo simbólico próprio
e autônomo.
Somente, a
partir de 1816 - com a vinda da Missão
Artística Francesa - foi permitido ao burguês mandar construir a sua casa no
território brasileiro, ornamentá-la com as suas insígnias pessoais como mandar fazer o seu retrato individual. Antes disto a
ostentação -destas insígnias pessoais - era privilégio de reis, bispos e provedores de
"santas casas".
Dom Feliciano do acervo
de obras de arte sacra da Arquidiocese de Porto Alegre
Fig. 13 – - Dom Feliciano José RODRIGUES de ARAUJO PRATES (1781-1858) foi o
primeiro bispo do Rio Grande do Sul - entre
1851-1858. Ele oficial do exército e, portanto, funcionário do Estado Imperial brasileiro. O clero era
regular com obediência a o bispo que, por sua vez, era nomeado pelo Rei de
Portugal e depois pelo Imperador do Brasil. Assim tinha direito ao retrato
individual ostentando todas as insígnias oficiais do Império . Este clero recebia uma designação e um
soldo pelo exercício das suas funções.
13.5 Condições
para a manutenção do regime colonial.
A manutenção do
paradigma colonial só pode ser explicada pela ausência de um modelo de política
erudita autêntica. A solução autoritária praticada contra a Inconfidência
Mineira, na qual Tiradentes foi morto e
o poeta Cláudio Manuel da Costa teve a sua casa individual confiscada, além de
ser exilado na África pode ser explicada
pela falta geral do hábito de um questionamento continuado. No Brasil faltava a
universidade acessível a população, disseminada em todo o seu território e
sonhada pelos "Inconfidentes".
A sua ausência foi ótima para manter todo o vasto território brasileiro numa
ignorância coletiva. Por este objetivo ela foi protelada por mais um século e
meio[1]
após a “Inconfidência Mineira”. Esta ausência abria espaço para qualquer
temerário tomar em suas mãos, a ferro e fogo, o poder político, o econômico e o
cultural. Para o Rio Grande do Sul como uma província periférica este panorama
nacional, significava uma submissão dobrada e sem menor voz ativa no conjunto,
que não fosse autorizado pela metrópole lusa.
[1]- A
universidade brasileira, para todo o
território nacional, foi decretada em 11 de abril de 1931. Ela baixou entre nós
por meio de num ato autoritário do poder político e iluminado de um executivo
que tomara, por uma Revolução que triunfou
em 24 de outubro de 1930.
Fig. 14 – O Brasil e a sua população não usufruíram praticamente nada da imensa
riqueza extraída, pela mão escrava, em Minas Gerais, Este gigantesco tesouro serviu, apenas, para cobrir o abismo
e o imenso rombo cavado pelo malogrado Tratado de Methuen entre Portugal e
Inglaterra. A primeira indústria
têxtil britânica fornecia toda a roupa para Portugal e as suas colônias. Os lusitanos abasteciam as adegas inglesas com
o parco e limitado vinho artesanal do Porto. Como a balança tendia sempre a
favor de Londres os britânicos tomaram militarmente as adegas e os vinhedos do
Rio Minho. Como as contas, mesmo assim, não fechavam o recurso foi pagar a
indústria britânica com o Ouro do Brasil. Certamente este malogro reflete=se na
humilde arquitetura colonial da “casa do cachorro sentado” açoriano e a austera
vida do colono brasileiro comparado com o colono norte-americano.
Uma série cultural formalística jurídica
antepunha-se a qualquer criação livre a autônoma. O contato com a terra era sempre mediado por um formalismo
jurídico. No opressivo ambiente
colonial, as leis precediam a experiência ou a contaminam de tal forma que a
tornavam impraticável. O repertório estilístico e a temática, neste ambiente de
alienação, eram dominados pela tradição oral e pelas leis implacáveis da
Natureza.
Fig. 15 – Um
robusto solar lusitano erguido por DOM DIOGO de SOUZA (1755-1829) quando governador
(1809-1812) da capitania Rio Grande do
Sul e depois Vice Rei da Índia. Localizava-se numa chácara do atual Bairro Navegantes de Porto Alegre.
Foi derrubado, por volta de 1940, no auge da breve industrialização e que se
abrigava majoritariamente no Quarto Distrito. A efêmera duração deste ciclo
industrial apenas serviu para índice de que a mentalidade colonial,
escravocrata e centralista continuava a perdurar no Brasil em pleno século XX.
O que foi
criado, nessa série, pertencia e era subsumido numa heteronomia previsível. Um
exemplo é a pintura da paisagem, da natureza dos frutos e dos animais e dos
habitantes da terra já havia sido praticada, pelos holandeses no Brasil, no
século posterior à descoberta. Mas essa mesma série temática, uma vez submetida
ao modelo colonial luso, passou a constituir um conjunto quase vazio. No
paradigma colonial luso, a pintura de
paisagem, os frutos, os animais e os habitantes da terra devem ser adivinhados
em acasos criativos, em relevos e em estátuas de santos.
Fig. 16 – Uma humilde ermida erguida em Maquiné
na encosta da serra e próximo do caminho do mar, que ligava o Rio Grande
do Sul Com Laguna, Curitiba, São Paulo e Minas. Raramente era visitada pelo
clero, Este recebia uma designação e um soldo pelo exercício das suas funções.
Porém ele preferia receber o seu soldo e exercer as suas funções no conforto
urbano e da corte. Isto também acontecia com os professores, os médicos e os
outros remunerados pelo erário publico colonial e imperial brasileiro.
As únicas formas
de ostentação, toleradas pela corte, eram nas escuras igrejas onde gravitava a
organização social das confrarias coloniais, imantadas pela religião. Estes
pequenos e escuros templos eram povoados com santos de roca. As capelas domésticas das fazendas eram
concessões do poder central. Os santos e os cultos ali celebrados eram
comandados por rezas anteriores à Contrarreforma. Estas concessões religiosas
eram as compensas reais pela vigilância militar das fronteiras, do Rio Grande
do Sul, sujeito às frequentes invasões da expansão dos projetos castelhanos.
Fig. 17 – Aos poucos desaparecem os índices açorianos do litoral Rio Grande do
Sul. Mostardas preservou um correr de casas mais abastadas, mas com traços de
sua origem dos povos ilhéus. A
abertura de estradas, a energia elétrica e os meios de comunicação, de massa,
desclassificaram as funções e as formas destas primitivas vivendas e
instituições açorianas.
13.6 A
interdição do luxo residencial individual.
A ‘casa do cachorro sentado’ do açoriano,
possui a sua singularidade quando situada numa linha de tempo e contemplada num
determinado ponto de uma série cultural. Nesta série inclui-se a casa da
fazenda ou a casa urbana do português
que aqui enriquecia e voltava para Lisboa O modelo da ‘casa do cachorro sentado’ não era
original das ilhas, pois o seu ciclo ilhéu de evolução não fugiu das imposições
da metrópole. Transposta ao ciclo colonial brasileiro o modelo distinguiu-se da
casa do bandeirante, do mineiro ou do goiano. Contudo esta singularidade é bem
mais visível nesta diacronia, se ela
for comparada com à taba indígena ou os galpões coletivos da Missões jesuíticas.
O modelo da ‘casa do cachorro sentado’,
em seu ciclo no Rio Grande do Sul, permaneceu, ao longo do tempo, muito
mais pura nos pequenos e humildes ambientes urbanos e, em especial, naquelas
exprimidas no litoral brasileiro do Atlântico Sul e nas margens das lagoas
costeiras.
O paradigma da ‘casa do cachorro sentado’, opõe-se às
casas barrocas, de taipa de pilão dos paulistas e, no plano mundial,
constitui-se numa silenciosa oposição ao paradigma da casa iluminista
considerado na sua sincronia das
outras séries culturais paralelas naquela em que este paradigma foi criado e
ainda é vigente.
Fig. 18 – Uma construção de uma casa com senzala em Porto Alegre da metade do
século XIX, segue ainda as tendências construtivas tardias do período colonial.
Não há traços das tendências estéticas trazidas ao Brasil pela Missão Artística
Francesa e que começaram a disseminar no Brasil a partir de 1816. Esta
dessincronização estética reflete o modo de produção escravagista, visível e presente na senzala do térreo deste prédio .
Não se pode
negar influência na casa popular brasileira a partir da ‘casa do cachorro sentado’, apesar de menosprezada. A favela
brasileira deve-lhe muito da sua autonomia, sobrevivência no tempo e economia
de materiais e esforços. Mas ela exerceu
a influência direta na elaboração da arquitetura da primeira ocupação
lusitana do Rio Grande do Sul. Contudo a sua maior influência verifica-se,
tanto na busca de uma alternativa a pobreza, da falta de condições de higiene e
da mesquinhez do seu espaço interno, contrariando as dimensões continentais de
uma terra como o Brasil. Oposição e contaste que a ‘casa do cachorro sentado’ oferecia ao paradigma da casa burguesa,
derivada da arquitetura urbana francesa. O paradigma da casa açoriana
sobreviveu pois soube explorar ao máximo este contraste, permitindo que as duas
convivessem até o interior do século XX[1].
[1] - Em Porto Alegre a Travessa dos Venezianos da
Cidade Baixa constitui um caso exemplar
deste permanência da tipologia da‘casa
do cachorro sentado’.A mesma tipologia pode ser encontrada no bairro
operário Navegantes da capital.
Fig. 19 – Porto Alegre é a maior aglomeração urbana mundial criada a partir da
imigração açoriana. Ao mesmo tempo a atual capital do Rio Grande do Sul é
uma das numerosas aglomerações urbanas que espalham pelos afluentes do Guaíba,
se dissemina nos dois lados da Lagoa dos Patos e se conecta ao Brasil pela
costa do Atlântico em direção de Laguna,
Paranaguá, São Paulo e Minas Gerais..
13.7 A memória
renega a verdade da origem e o transforma em mito.
O esquecimento e
a desqualificação da ‘casa do cachorro
sentado’ é testemunha silenciosa de que o sul-rio-grandense não sabe
aceitar a sua verdade de origem. Riscada da memória coletiva recusa-se a estudar e a admitir, na sua
vontade, a sua própria verdade, constantemente negada e apagada por paradigma
de moda. Custam a serem admitidas pelos paradigmas do presente após a sua
desqualificação e sem lugar para o estudo dos bens simbólicos, da sua verdade
de origem e das suas circunstâncias.
Fig. 20– A era industrial manifestou-se timidamente nas fábricas de azulejos
lusitanos. De um lado herança do artesanato mouro das cerâmicas vitrificadas. No
entanto o azulejo lusitano não atingiu o estágio pleno da produção na linha de
montagem e da queima industrial. De outro lado o Brasil não teve este recurso
no seu Império e muito menos na época colonial na qual era proibida qualquer
ostentação fora da metrópole.
As atuais gerações
desconhecem e não querem aceitar a verdade dos seus antepassados que vieram ao
Rio Grande do Sul, tangidos por necessidades primárias de sobrevivência, com
poucos recursos materiais e culturais. Antepassados, expulsos de sua própria
terra natal, ou cativos, que vieram e aqui ficaram a contragosto vivendo nos
estreitos limites de sua mínima autonomia em deliberar e decidir, em relação à
escolha da nova terra, com os parcos recursos na construção de um lar. Como o
retorno à terra natal tornava-se cada vez mais remoto, pelas pobres condições
aqui encontradas, a casa passou a ser testemunho visual desta desesperança.
Arrasar e apagar esta testemunha silenciosa desta desesperança é o mesmo que
decapitar o mensageiro por nos trazer más notícias[1] de
um passado que não aceitamos
[1] - Conta-se que o califa de
Córdoba mandou decapitar o mensageiro que lhe trouxe a notícia de sua derrota,
em 1492, por Fernando e Isabel.
Fig. 21 – Um projeto de Álvaro Siza
recupera o despojamento da “casa do cachorro sentado” lusitana. A clareza
deste retorno as raízes - da estética ínsita e vernacular da casa açoriana -
está amparado por uma imensa coragem de diálogo com o meio ambiente e os
recurso técnicos e materiais do entorno econômico, social e do tempo de
urgências de toda ordem.
Evidente que não
é esta a generalidade. A clareza e as formas mínimas herdadas da casa açoriana
encontraram ecos na obra de Álvaro Siza. Isto não permite falar em renascimento ou valorização da obra estudada. E nesse sentido cabe lembrar que a ‘casa do cachorro sentado’ é mais obra de
uma estética demótica tangida por necessidades concretas, do que resultado de
um estudo erudito para estas necessidades. Por isto, a atualidade a estética,
vernácula e ínsita, goza de um lugar muito
secundário em todas as dimensões culturais. A ‘casa do cachorro sentado’ constitui-se um índice dos abismos da
distribuição de renda. Num país de desiguais este desequilíbrio reflete-se
diretamente nas escolhas das casas possíveis para as classes populares e as
escolhas possíveis para as classes abonadas. As favelas visualizam o câncer
social que circunda as cidades brasileiras,
desconhecido em culturas com distribuição de renda mais igualitária.
13.8 Dificuldades nas tentativas de institucionalizar a memória do projeto
iluminista açoriano.
As sucessivas
queimas de etapas não pouparam os meios pelos
quais se teve acesso ao estudo da ‘casa do cachorro sentado’. A
bibliografia pouco difundida e os meios eletrônicos disponíveis não permitem,
ao leitor, ainda a reversibilidade para as fontes do presente texto. Estas
casas devem ser estudadas em lentas[1]
caminhadas, dispensando o carro, parando e comparando cada exemplar que se
encontrar. Os ruídos das máquinas dos ricos necessitam serem silenciadas, para
que a fala coloquial dos seus habitantes seja ouvida no seu tom de voz e no seu
ritmo e na linha do seu pensamento. Só com esta “epoqué” é possível recuperar o mundo imaterial que informou o mundo
físico da origem no qual estas ‘casas do
cachorro sentado’ foram construídas.
Esta suspensão de juízo irá fazer o seu efeito na medida em pudermos compará-las com outros paradigmas
concorrentes e assim usufruir de sua especificidade.
[1] - O lema que traduz um dos
projetos do Iluminismo é “cada vez mais rápido e para mais longe” levou a
criatura humana até as viagens espaciais onde os satélites não registram
nenhuma particularidade humana.
Fig. 22 – A gigantesca obra escultórica que homenageia a imigração açoriana em
Porto Alegre rende tributo às figuras anônimas, silenciosas e produtivas dos
ilhéus que se fixaram neste ponto geográfico em 1752 A obra de Carlos Tenius mostra apenas
vultos dos quais ninguém conhece o rosto por ser proibido o retrato de
indivíduos do povo ao longo do Brasil colonial.
As obras
açorianas não constam no acervo de MARGS. Este vazio não nos autoriza a
construir lugares físicos assemelhados, criando ruínas mitificadas pelo
romantismo, pela indústria do restauro e para atrair turistas desavisados. Nem
há necessidade de desencavar ruínas autênticas. Este perigo não nos impede de
estudar com o maior carinho e dedicação os museus regionais que guardam essas
peças, usando os paradigmas adequados para este estudo. O estudo por meio de
paradigmas que permitam traçar a genealogia de cada peça na diacronia e a
sincronia do seu sentido nesta cultura.
[Clique sobre o gráfico para ler a tabela]
Necessita-se formar bases de dados
institucionalizados em arquivos culturais e históricos qualificados e que
possam abastecer logisticamente estudiosos preparados. A formação da
iconografia, bibliotecas institucionais conectadas aos meios eletrônicos que
nos permita não isolar o objeto ou misturá-lo indiscriminadamente com outras
culturas antagônicas. Estas metodologias e recursos criam uma permanente fonte
para a reversibilidade para o objeto que já foi e continua vigente em nosso
meio.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS
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Histórico e Artístico Nacional - SPHAN nº 05
- 1941 pp09-104 http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/RevPat05.pdf
DAMASCENO, Athos (1902-1975) Artes plásticas no Rio Grande do Sul (1755-1900). Porto
Alegre : Globo, 1971, 520 p.
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histórico. Porto Alegre : UFRGS, 1983, 441 p.
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proposta de estudo» in Estudos
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CASA
dos AÇORES do ESTADO do RIO GRANDE do
SUL - CAERGS
COLONIA
do SACRAMENTO atual URUGUAI
http://fortalezas.org/impressao_jpg.php?ct=fortaleza&id_fortaleza=449&id_midia=002870#
CONJUNTO MUSICAL “Os TAPES” - RS
https://www.youtube.com/watch?v=8URsknLpWvQ
CORONEL
JOSÉ CUSTÓDIO de SÁ e FARIA ( - 1792)
desenho dos mapas e arquiteto
classicista
Catedral
de Montevidéu - https://pt.wikipedia.org/wiki/Catedral_Metropolitana_de_Montevidéu
DOCUMENTOS
(289) relativos aos LIMITES do BRASIL
MERIDIONAL entre 1699-1843
Dom
Feliciano José RODRIGUES de ARAUJO PRATES 1781-1858 = 1º Bispo do RS-1851-1858
Dom Paulo de Carvalho
Mendonça (1702-1770),- irmão do Marquês de Pombal
ENCICLOPÉDIA FRANCESA 1751-1772
FAZENDA SOCORRO Vacaria - RS
FAZENDA
SÃO JOÃO Candiota - RS
FESTA
do DIVINO
FORTALEZA JESUS MARIA JOSÉ de RIO GRANDE
FORTALEZA JESUS MARIA JOSÉ de RIO PARDO
FORTE de SÂO MIGUEL – URUGUAI
FORTE de SANTA TECLA BAGÉ
FORTE de SANTA TERESA – URUGUAI
Francisco
Xavier de Mendonça Furtado
GENEALOGIA
AÇORIANA em Santo Ângelo RS
IMIGRAÇÂO
AÇORIANA no BRASIL
MACAPÁ
MUSEU
ANITA GARIBALDI – Laguna SC 1747
http://brasilimagens.photoshelter.com/image/I0000QbbRDx9LQs4
MÚSICA
AÇORIANA
- CONJUNTO MADRE de DEUS – “Ao longe
o mar”.
O
OURO do BRASIL e o seu DESTINO pelo TRATADO de METHUEN 1703
PÃO
por DEUS
PASQUIM –
PÂO por DEUS
PORTO
ALEGRE
ROTA
AÇORIANA
SANTO
ANTÔNIO da PATRULHA
SIZA, Álvaro
URUGUAI
– Poema - Basílio da Gama
VIRADEIRA
com DONA MARIA I -
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Descobri hoje seu excelente blog, PARABÉNS. Sou historiadora, gaúcha, moro atualmente em Brasília e vou divulga-lo aqui. Sua pesquisa é muito importante. Um abraço.
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