segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

156 – LOGÍSTICA em ESTUDOS de ARTE: fazer crer e crença

Fig. 01 - CHARTIER, Roger. Au bord de la falaise . Paris: Albin Michel, 1998, 291 p
7.
Poderes e limites da representação.
Marin, o discurso e a imagem.
CHARTIER 1998,  pp. 173 -189



A TEORIA da REPRESENTAÇÃO.

«Representação: A imagem que nos remete em ideia e memória aos objetos ausentes, e que nos pinta tais quais são» ...  Representar, no sentido político e jurídico, é também «ter o lugar de alguém, ter em mãos a sua autoridade[1]»
De maneira mais geral, o conceito de representação tal como ele (Marin) o compreende e maneja foi um apoio precioso para  pudessem ser marcados e articulados, melhor, sem dúvida, que o permitia a noção de  mentalidade, as diversas relações que os indivíduos ou os grupos entretém com o mundo social:  inicialmente, as operações de recorte e de classificação que produzem as múltiplas configurações  graças aos quais a realidade é percebida, construída, representada;  em seguida, os signos que visam a fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira, Enfim, as formas institucionalizadas pelas quais os «representantes» encarnam de maneira visível, «presentificam», a coerência de uma comunidade, a força de uma identidade ou permanência de um poder.

A DOMINAÇÃO SIMBÓLICA.

   O trabalho de Marin permite assim compreender como os enfrentamentos fundados sobre a violência bruta, a força pura, transformam-se em lutas simbólicas – quer dizer em lutas que possuem a representação por armas e por alternativas. A imagem possui esse poder porque ela:
 «opera a substituição da manifestação exterior onde uma força não aparece que para aniquilar outra força numa luta de morte, signos da força ou  melhor sinais e índices que não tem necessidade de serem vistos, constatados, mostrados, eme seguida contados e recitados para que a força eles são os efeitos sejam  acreditados».
A constatação retoma a hipótese do conjunto que sustenta a demonstração do Retrato do Rei e que considera que:
  «o dispositivo representativo opera a transformação da força em potência, da força em poder, e isso duas vezes, de uma parte modalizando a força em potência e de outra parte valorizando a potência em estado legítimo e obrigatório, justificando-a[2]».
  A referência a Pascal está aqui próxima. Colocando a nu o mecanismo de «mostrador»[3], que se característica de ser no mundo, significando um estatuto, um lugar, um poder; dirige à imaginação ao produto da crença, Pascal opõe os que tem necessidade de um tal «aparelho» e para aqueles para quem é supérfluo. Do lado dos primeiros, os juízes e os médicos:
«nossos magistrados, conhecem bem esse mistério. As roupas vermelhas, os seus arminhos, com os quais se enfaixam  como gatos recheados, os palácios nos quais julgam, as flores de lis, todo augusto aparelhamento é muito necessário;  e se os médicos não tivessem batas  e pantufas, e se os doutores não tivessem bonés quadrados e roupas amplas, eles jamais teriam ludibriado o mundo que não resiste a essa demonstração de autenticidade. Se eles possuíssem a verdadeira justiça, e o médicos a verdadeira arte de curara, eles só necessitariam fazer bonés quadrados; a majestade, dessas ciências, seria suficientemente veneráveis por si mesmas. Mas não sendo senão imaginárias, é necessário que usem esses instrumentos vãos que chama atenção sobre a ocupação que possuem; e dessa forma, eles conseguem efetivamente o respeito
Os soldados não necessitam fazer esta  manipulação dos signos de produzir respeito:
«Os que se ocupam da guerra não precisam disfarçar, porque o seu quinhão é mais essencial, eles estabelecem pela força  o que os outros fazem pela careta[4]».
    Reformulado por Marin, o contraste indicado por Pascal possui uma dupla coerência para toda a história das sociedades do ‘Ancien Régime’. Ele permite situar as formas de dominação simbólica, pela imagem, o «mostrador» ou o «aparelho» (a palavra é cara para La Bruyère), como o corolário do monopólio sobre o uso legítimo da força que pretende se reservar o monarca absoluto. A força não desapareceu com a operação que a transforma em potência. Escutemos Pascal que continua assim o fragmento sobre a imaginação:
«é assim que nossos reis não precisam procurar disfarçar. Eles não estão fantasiados com roupas extraordinárias para parecer como tais: mas eles se fazem acompanhar com guardas, com armas. Essas tropas armadas que não possuem ajuda e força que por si mesmos, as trombetas os tambores que marcham na frente, e essas legiões que os cercam fazem tremer os mais corajosos. Eles não possuem só o uniforme, possuem a força.»
Mas essa força, que permanece sempre à disposição do soberano colocando como reserva pela multiplicação de dispositivos (retratos, medalhas, louvações, textos, etc..) que representam a potência do rei e que devem produzir, sem recurso a qualquer violência que for, a obediência e a submissão. Os instrumentos da dominação simbólica garantem, pois, de uma vez:
« a negação e a conservação do absoluto da força: negação, pois que a força não se exerce e nem se manifesta, pois ela está calma nos signos que a significam e a designam; conservação, pois que a força através e na representação se manifesta como justiça, quer dizer como lei obrigatoriamente impositiva sob pena de morte[5]».
O processo da erradicação da violência, cujo manejo é confiscado pelo estado absolutista, tornou possível um exercício de dominação política que se apoia sobre a ostentação das formas simbólicas, sobre a representação da potência monárquica, dada a ver e a crer  durante a ausência do rei graças aos signos que indicam a sua soberania.. Prolongando essa esse encontro entre Marin e Elias, poderia juntar-se que é essa mesma pacificação (pelo menos relativa) do espaço social que transformou, entre a Idade Média e o século XVII, os confrontos sociais abertos e brutais em lutas de representação cujo objetivo é ordenamento do mundo social, distribuindo o lugar reconhecido para estado, a cada corporação, à cada indivíduo.

FAZER CRER e CRENÇA

 É com efeito, o crédito concedido (ou recusado) para as representações  que um poder político ou um grupo social se propõe de si mesmo que depende a autoridade do primeiro e o prestígio do segundo. Por essa constatação, Marin designou os contornos de uma dupla história: história das modalidades do fazer-crer, história das formas de crença. Sua obra reuniu num única busca a análise dos dispositivos, discursivos ou formais, retóricas ou narrativas, que devem coagir o leitor (ou o espectador), o submeter, o «prender», e, de outra parte, o estudo das opções possíveis face a esse mecanismo persuasivos tanto mais poderosos quanto mais dissimulados, mas tanto menos eficazes quando eles são desmontados. A tensão conduz necessariamente Pascal que despe os recursos do dispositivo representativo das condições da sua própria credibilidade. Assim nesse fragmento, citados na «Introdução» do Retrato do Rei, que evidencia como os mecanismo que movem a força em potência produzem respeito e terror evocando ao seu espectador a violência originária fundadora de todo o poder: « o hábito de er os reis acompanhados de guardas, tambores, de oficiais e de todas as coisas que movem a máquina para o respeito e o terror, faz com que seu rosto, quando está alguma vez só e sem os seus acompanhantes, imprima nos seus súditos o respeito e o terror, porque não se separa no pensamento as suas pessoas dos seu séquito, que em  geral andam ordinariamente juntos. E o mundo, que não sabe que esse efeito vem desse costume, acredita que procede de uma força natural; disso vem a sentença: “ As caraterísticas divinas estão impressas no seu rosto, etc. “[6]»



[1] - FURETIÈRE  - Dictionnaire   1727
[2] - MARIN, Louis, Le portrait du roi, Paris, Editions de Minuit, 1981 «Introduction. Le trois formules» p. 11
[3] - Jogo de palavras que permite traduzir «montre» por mostrador (ícone das horas)ou por relógio (aparelho)
[4] - Pascal Peensées, edition Lafuma : 25; érition Brunschvicg : 82
[5] - Le Portrai du roi, op, cit.,«Introduction. Les trois formules», p.12.
[6] - Pascal, Pensées, edition Lafuma : 22; édition Brunschvig : 308.
Philippe CHAMPAIGNE  (1602-1672)  -  Abadia de Port Royal des Champs
Fig. 02 CHAMPAIGNE Philippe .Abadia de PORT ROYAL des CHAMPS

  A tensão entre de fazer-crer e a crença conduz assim a lógica de Port-Royal[1] e ao capítulo XIV de segunda parte, «Das proposições nas quais se dá aos signos o nome de coisas», que identifica as duas condições necessárias para que a relação da representação seja inteligível: de um lado, o conhecimento de um signo como signo, na sua diferença com a coisa significada; de outra parte, a existência de convenções compartilhadas regulando a relação do signo à coisa. O texto localiza as razões de uma possível desvelamento e uma possível incompreensão da representação. Seja que uma relação arbitrária «extravagante», seja estabelecido entre o signo e o significado: assim se um homem tivesse a fantasia de dizer que uma pedra é um cavalo, ou um asno um rei da Pérsia. Seja que o destinatário, por falta de «preparação», não pudesse compreender o signo como signo. É porque não se pode dar aos signos da instituição o nome de coisas, como, por exemplo, na parábola ou na profecia, a não ser que aqueles a quem se dirige sejam capazes de conceber que o signo não é a coisa significada que em figuração e em figura. Mesmo que ele tenha, sobretudo chamado a atenção aos mecanismos discursivos ou visuais que tem por objetivo manipular o leitor, e a fazer crer o que se quer que ele creia, o trabalho de Marin, apoiado sobre as referências à Port-Royal, ajuda a pensar as condições próprias da eficácia ou de fracasso de um tal intenção. Nisso ele atravessa diretamente as interrogações de Michel Certeau sobre as formas da crença, entendida dessa forma:
«Eu entendo por “crença” não o objeto da crença (um dogma, um programa, etc.), mas o investimento dos sujeitos numa proposição, o ato de enunciar tendo com verdadeiro – dito de outra forma, uma “modalidade” da afirmação e não seu conteúdo[2]
  As condições do ato de  crer remetem, primeiro, aos lugares e às formas de inculcação das convenções, às modalidades da:
 «preparação» para compreender os princípios da representação da qual os lógicos de Port-Royal. Elas supõem também que a leitura, a decifração, a interpretação não jamais totalmente nem controlados nem abrangidos pelos discursos e as imagens. É verdade, não se encontra em Marin nem teoria de recepção, nem história da leitura. Portanto, o cuidado minuciosos que ele colocou para compreender «os estratagemas, astúcia e maquinações[3]»
desdobrado em textos e em quadros para impor uma significação unívoca, para enunciar e produzir sua correta interpretação, me parece repousar sobre o postulado que o leitor ou espectador pode sempre ser rebelde. Submeter-se ao sentido não é coisa fácil, e a subtileza dos laços que lhe são armadas na medida da sua capacidade, sábia ou desastrada, em usar da sua liberdade. Como em Michel Foucault, para quem analisar os aparelhos disciplinares não é pata concluir que a sociedade é necessariamente disciplinada, em Marin, desmontar as máquinas textuais que constroem o leitor-destinatário como efeito de mensagem emitidas não obriga a supor que o leitores reais se conformam em todas  as partes a «leitor-simulacro» do discurso. Os artífices podem ser os mais hábeis, e os «golpes» muito espertos, como, por exemplo, os jogados por Pellisson no seu Projeto da História de Luiz XIV que tem por objetivo um relato da história seja lido por seu receptor como um discurso de louvação pois:
 «o que não é dito a emissão (epítetos e elogios) o é – e necessariamente – para a recepção. O que não é representado no relato e pelo narrador e a leitura pelo narrador, ao título do efeito do relato[4]».
Essa engenhosidade produtora de efeitos, sempre pensados como necessários, não é portanto jamais segura do leitor que sua falta do saber ou seu mau pode tornar muito difícil de persuadir. È esse possível desvio, jamais designado mas sempre temida, que justifica as maquinação discursivos de Pellisson como desmontagem minuciosa de sua competência. É ela que funda o objeto do trabalho, complementar do que conduzido por Marin, que visa identificar os limites e as figuras, as regularidades e as singularidades de tal liberdade.

O TEXTO e a IMAGEM

 Nessa tensão entre os efeitos do sentido procurados pelos discursos ou pelas pinturas e sua decifrações, as relações entre o texto e a imagem tiverem sempre para Marin uma extrema importância. No seu livro, Dos Poderes da Imagem, a proposta não é o de analisar os procedimentos da apresentação da representação – que era o objeto  de seus ensaios reunidos em a Opacidade da Pintura -, mas o estudar os textos que, de diversas maneiras, reconhecem e provam os poderes das imagens. A tentativa é justificada da seguinte forma:
«é nessa fraqueza do visível frente aos textos – ‘visível’ que é no entanto o seu objeto – que os textos assim glosado e entreglosados podem, por essa estranha referenciliadade, uma capacidade renovada da aproximação da imagens e de seus poderes, como se a escritura e seus poderes específicos se encontrassem excitados e exaltados por esse objeto que se subtrairia necessariamente, pela sua heterogeneidade semiótica, a sua toda poderosa empresa; como se o desejo da escritura ( da imagem) ensaiasse cumprir ‘”imaginariamente” em se colocando fora da linguagem, no que, em vários aspectos, constitui seu reverso ou sua outro, a imagem[5]
     «Fraqueza do visível nos textos», «heterogeneidade semiótica» da imagem face a escritura: essa fórmulas são um ponto de apoio preciosos para quem recusa identificar todas as produções simbólicas, as imagens mas também os rituais  ou a «invenção do quotidiano», a uma textualidade. Contra tal posição que anula todas as distinções fundadoras do trabalho historiador ( entre texto e contextualização, entre discurso e imagem, entre prática e escritura), é necessário colocar a diferença radical entre a lógica na obra na produção do discurso e as outras lógicas, que povoam a «a colocação em visão», o rito ou o sentido prático. O trabalho de Marin foi  sempre fundamentado sobra a aguda consciência dessa heterogeneidade, partindo da historicidade e da descontinuidade dos funcionamentos simbólicos.
    De lá a sua conveniência para todos os que tem por ilegítima a redução das práticas constitutivas do mundo social e de todas as formas simbólicas que não recorrem à escrita, aos princípios que comandam os discursos. Reconhecer que as realidades passadas não são acessíveis, na maioria das vezes, a não ser por textos que  esperavam organizá-las, as descrever, os prescrever ou proscrever, não obriga, portanto, postular a identidade entre a lógica que governa a produção de discursos e a lógica pratica que regula as condutas ou a lógica «icônica» que governa a obra da pintura. Da sua irredutibilidade ao discurso decorre uma prudência necessária no uso da categoria «texto»,  aplicado demasiadas vezes  indevidamente a formas ou a práticas onde os modos de construção, os princípios de organização não são em nada semelhantes às estratégias discursivas.. Daí, a tensão que habita os textos destinados no Os Poderes da Imagem e que encontram todos colocados diante da mesma dificuldade, lembrada aqui no tema dos Salões de Diderot:
« como fazer com as palavras uma imagem ou ainda [...] como dar, a uma imagem construída dentro e pelas palavras, sua potência própria, ou o inverso, como transferir às palavras, ao seu arranjo e suas figuras, o poder que a imagem esconde pela sua própria visualidade, a imposição de sua presença[6]
Com essa transposição necessária mas impossível, apesar de toda a arte da ekphrasis, marcam-se na sua singularidade, as forças e os poderes que, diversamente, são os da imagem e da linguagem.
   Há uma dupla conveniência ao conceito de representação tal como o compreendeu e maneja Marin.  Inicialmente, considerado como um instrumento essencial para compreender os modelos de pensamento e os mecanismos da dominação característicos da sociedade da época clássica, o conceito obrigou os historiadores banir de seu repertório a noções anacrônicas úteis para dar conta de realidades que lhe são contudo estranhos. A introdução do Retrato do Rei descreve com acuidade a trajetória seguida: depois de haver marcado
«o lugar capital que ocupava, nos gramáticos e os lógicos de Port-Royal, a noção de representação e seu equivalente geral era colocado ou pressuposto por eles com a noção de signo no nível na qual se analisava a linguagem (termo, proposição, discurso), a algum domínio ao qual essa linguagem pertence (verbal, escrita, icônica)[7]»,
Marin identificou a matriz eucarística a esta teoria, pois ele reconheceu as modalidades e os efeitos do dispositivo da representação no campo da política. A operação encontra-se assim solidamente amarrada ao ferramental nocional que os próprios contemporâneos utilizam para tornar a sua sociedade menos opaca para o seu entendimento.
  Além desse primeiro uso, historicamente localizado, a noção de representação é encarregada de uma conveniência mais larga, designando o conjunto das formas teatralizadas e «estilizadas» (segundo a palavra de Max Weber) graças aos quais os indivíduos, os grupos, os poderes constroem e propõe uma imagem de si mesmos. Como escreve Pierre Bourdieu:,
«a representação que os indivíduos e os grupos fornecem inevitavelmente através de suas práticas e suas propriedades faz parte integrante de sua realidade social. Uma classe é definida por seu ser-percebida como pelo seu ser, por sua consumação – que não tem necessidade de ser ostentatória para ser simbólica – como pela sua posição nas relações de produção (mesmo se é verdadeiro que esta comanda aquela)[8]».
Assim entendida, o conceito de representação conduz a pensar o mundo social no qual o exercício do poder segundo um modelo relacional. As modalidades de presentificação de si mesmo são determinadas pelas propriedades sociais do grupo ou dos recursos próprios de um poder. Elas não são, no entanto, uma expressão imediata, automática, objetiva, do estatuto de um ou da potência do outro. A sua eficácia depende da percepção e do julgamento dos seus destinatários, da adesão ou da distância face aos mecanismos de presentificação e de persuasão empregada.
    No século XVII, esta pluralidade de apreciações inquieta. Donde a pesquisa de relações necessárias, de equivalências estáveis: nos tratados de civilidade, entre a classe e o parecer; no ritual político, entre o príncipe e a soberania monárquica e as formas de sua expressão simbólica; na teoria do signo, entre a coisa que representa e a coisa representada. Marin colocou no centro de seu trabalho essas convenções que objetivam fixar e congelar os funcionamentos sociais, para assegurar uma plena eficácia aos modos simbólicos da dominação política, tanto mais potentes quanto os que eles devem submeter o conhecimento e reconhecimento como legítimos. Mas entre ‘monstração’ e a  imaginação, entre a representação proposta e o sentido construído, são possíveis discordâncias. Não só na sociedade menos rigidamente codificado depois da Revolução, mas mesmo no século XVII. Escutemos la Bruyère:
«te enganas, Filomon, se com esta carruagem brilhante, este grande número de espertalhões que te seguem, e essas seis bestas que te levam, tu pensas que a gente te estima por isso: a gente ao retira todo esse aparato que te é estranho para penetrar em ti, que não que um fátuo. Não é necessário algumas vezes perdoar a quem, que, com um grande cortejo, com rico traje e com carro de luxo, parece melhor nascido e com maior inteligência: ele lê isso na atitude e nos olhos dos que lhe falam» (Les Caractères de Théophraste traduits du grec, avec les Caractères ou les mŒurs de ce siècle, 1688, «Do mérito pessoal»).
De um lado, no contato da força de representação que manipula os destinatário, faz-lhe reconhecer o lugar e o mérito atrás da «mostração», o transforma em espelho onde a potência vê e se persuade da sua própria potência. Mas de outro lado, o texto diz das fraquezas do engodo, o desvelamento do artifício, a percepção do desvio entre os signos exibidos, o «aparelho» ostentatório, e a realidade que eles não podem disfarçar.
   A obra de Marin situou-se sempre entre a onipotência da representação e os seus possíveis desmentidos. É uma tal tensão que organizou suas últimas pesquisas sobre os processos e os efeitos da representação para a constituição do sujeito político na Europa dos séculos XVI e XVII. O relatório de seu seminário da ‘Ecole des hautes études’ de 1990-1991 o indica claramente:
«No centro da problemática da política, foi colocada a questão do poder do Estado, centrando-a exatamente sobre a manobra do governo e das técnicas objetivando criar o consentimento necessário a sua constituição e sua reprodução. Como nessa época, são analisados e construídas lógicas passionais subentendendo os comportamentos individuais e coletivos e como essas lógicas são utilizadas e desenvolvidas na manipulação das paixões com o  objetivo de sua subjugação[9]
  Faltou tempo para as respostas, mesmo se em 1991-1992, num seminário que deveria ser o último. Marin, retornando sobre quiasma[10] do poder político e da representação do teatro, cruzando a figura do rei em autor – Jacques I, autor do Basilokon Doron – com o do rei poeta – o Prospero-Shakespeare da Tempestade[11]. Faltou tempo mas, mas deixando as perguntas, Marin nos disse também como era necessário se aproximar:
 «como atravessar esse texto, na sua intimidade, sem dilacerações, na saída, no momento de o deixar? É necessário praticar o texto como atravessar habitualmente a rua ‘Traversière (XIª)’ tomando um passo numa parte de seu percurso sem vadiar pela curiosidade nem se retardar pelo interesse. Simplesmente para passar mais depressa para outros lugares ou abrir mais facilmente outros espaços. É esse também o sentido da travessa (atalho)caminho particular mais curto que o grande caminho ou levando a um lugar ao qual o grande caminho não leva”,
mas  sem dúvida com um efeito de surpresa ou de espanto: o percurso que eu tomo, de forma singular, eis que ele conduz-me alhures, lá onde:
 “o grande caminho não me conduz”, a um outro final, que eu não suspeitava : descoberta. Não era que eu queria ir e contudo, secretamente, este lugar revela-se de um verdadeira desejo, do desejo da verdade[12]



[2] - Michel Certeau, L’Invention du quotidien, t. 1, Arts de faire, (1980), rééd. Paris, Gallimard, 1990, p.260
[3] - «Pour une theorie baroque de l’action politique. Lectures des coniderations sur les Coup d’Etat  de Gabriel Naudé», in Gabriel Naudé, Considerations politiques sur les coups d’Etat, Paris, Eduitions de Paris, 1988, pp. 7-65 (citation. 95)
[4] - Le Portrai du roi,  op, cit.,«Le recit du roi ou comment écrire l’histoire» pp. 49-107, (citation p.95)
[5] -  Des pouvoirs de l’image, op, cit,.«Introduction. L’être de l’image et son efficace», pp.. 9-22 (citação p.21)
[6] - Ibid.,«Le descripteur fantasiste. Diderot, Salon 1765, Casanove, nº 94, “Une marche d’armée”, description», pp. 72-101 (citation p.27)
[7] - Le Portrait du roi, op, cit., «Introducrin. Les trois formules» , p. 7
[8] - Pierre Bourdieu, La distinctin. Crítique sociale du jugement, Paris, Editions de Munit, 1979, pp. 563-564
[9] - «Semantique des systèmes de représentation», in Ecole des hautes études en sciences sociales. Annuaire. Comptes rendues dos cursos e conferências 1990-1991, pp. 400-401. Começado em 1978-1979, o seminário de Louis Marin teve por título «Sémantique des  systèmes représentatifs» até o ano de 1988-1898. Par seu último ano em 1901-1992, ele aparece sub intitulado «Systèmes de représentations da la époque moderne»
[10] - Da letra  c  (qui)  grega.   Assunto atravessado (Aurélio eletrônico).
[11] - Des pouvoirs de l’ímage, op, cit., « Leportriat du roi en auteur. Jacques I dÁngleterre, le Basilikon Dôron, soneto 1599-1603» e «Le portrait du poète en roi. William Shakespeare, La Tempête, acte I scènnes 1 et 2 (1611)» pp. 159-168 et pp. 169-185
[12] - Lectures traversières, op. Cit. «Rue Traversière», pp. 9- 15 (citação pp. 14-15).
Fig. 03 - CHARTIER Roger - A borda da falésia: a história entre certezas e inquietudes. . Porto Alegre; Ed. Universidade / UFRGS, 2002:  


AU BORD DE LA FALAISE

CHARTIER

PORT ROYAL

    Texto do Seminário: «Modernidade: arte e arquitetura:
 questões teórico-metodológicas” » -abril 1999
  Prof Dr.ª  Maria Lúcia Bastos KERN.  FFCH PUC – RS
Tradução de Círio SIMON,   
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