Porto Alegre na coleção de um diplomata:
a SOLIDARIEDADE MATERIALIZADA no TEMPO
por meio
da ARTE.
“É tal a força da solidariedade das épocas que os laços da
inteligibilidade entre elas se tecem verdadeiramente nos dois sentidos. A
incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado. Mas talvez
não seja mais útil esforçar-nos por compreender o passado se nada sabemos do
presente” . Marc
Bloch 1976, p.42.[1].)
[1] BLOCH, Marc (1886-1944) .
Introdução à História.[3ª ed] Conclusão de Lucian FEBVRE - .Lisboa :Europa-
América 1976 179 p.
MARISTANY de TRIAS Luís (1885 -1964) - Barcos no
cais do Caminho Novo - 1939 - òleo 15.6
X 21.6 cm
Fig.01 – O pintor
catalão MARISTANY de TRIAS
- educado em Barcelona ( localizado na cidade marítima paralelo 40 Norte como Veneza) - transpôs o seu saber e a sua Arte para Porto Alegre onde captou em a luz do Sol projetada sobre o
paralelo 30 Sul. O artista percorreu várias cidades
marítimas antes de radicar na capital do Rio Grande do Sul como o diplomata
Agradável surpresa de obras de artistas de Porto Alegre retornarem,
para a sua origem, após larga circulação pelo mundo afora. Surpresas desta natureza confirmam o
investimento de uma nação culta nos seus diplomatas por meio da Casa de Rio
Branco. Diplomatas como Fernando Cacciatore de Garcia que carregam máximo de
sua pátria nas suas peregrinações mundo afora e o materializam no mínimo da
obra de arte autêntica. Diplomatas deste quilate estão efetivamente
qualificados para estabelecer a solidariedades entre os povos. Solidariedade é
um artigo absolutamente necessário diante de tantas ameaças materializadas em
gestos brutais e que teima rebrotar na barbárie.
BOEIRA, Oscar (1883 – 1943) Veleiro e vista de
Porto Alegre - c.1920 - óleo - 18 x 28 cm
Fig.02 – O
conjunto da obra do artista Oscar Boeira reflete o seu prazer pintar. Prazer
materializado na coerência da tinta sobre a tela. Como motivo
tomou a luz do Sol que se fragmenta sobre a cidade de Porto Alegre
devido à umidade permanente que envolve a tudo e a todos. O pintor se
manteve distante do mercado de arte e só
vendeu uma única obra e quase por acaso. Esta gratuidade da ARTE era coerente
com a gratuidade da VIDA e tudo que resplende a sua verdade a partir do núcleo
do seu ENTE
Pintura coloquial na qual o colecionador escolheu artistas cujas obras ainda estão próximos do seu ENTE e sem mediações de
interesses extras estéticas. Trata-se de esboços, apontamentos e ideias na sua fonte original. Fonte na qual a tinta sobre a tela e o traço ainda estão prenhes da
intenção da mente transmitida da mão através do gesto criador na sua gratuidade e enlevo coloquial.
Esta coleção mantém sua coerência interna e externa orientada e
conduzida pelas luzes do seu pertencimento. Pertencimento lastreado em sólida
construção a partir da terra, do tempo e do seu povo de origem.
Fig.03 – As águas
límpidas do Riacho Dilúvio permitiam que
a roupa dos habitantes mais exigentes de cidade de Porto Alegre fosse lavada em
sua margens. A era Industrial transformou as suas águas num fedorento esgoto a
céu aberto. O pintor alemão levou esta obra para sua pátria onde o colecionador a pode adquirir numa epopeia registra por ela no catálogo desta exposição
Alguém ingênuo - ou amigo de intrigas – poderia argumentar pela
anacronia destas obras. Para evidenciar a falsidade - ou malícia mal-intencionada
- de tal argumento basta ler - e entender - a frase de Marc Bloch e um dos pais da História contemporânea, e
colocada no início deste texto. Assim uma obra produzida no dia de ontem pode
ser remetida para esta mesma anacronia. Admitindo que sejam anacrônicas supõe
que o que se está produzindo no instante presente é infinita e indubitavelmente
superior e que possui a mesma ou maior força para força interna e externa para
enfrentar o implacável trânsito por terras estranhas (Weltgeist) , tempos
revoltos (Zeitgeist) e ser valor inquestionável para povos distintos de sua
origem (Volksgeist).
MARISTANY de TRIAS Luís (1885 -1964) Livro de
Arte – desenhos 1940-1942
Fig.04 – Este livro único de arte guarda uma série de
desenhos e esboços intimistas do artista das cores da atmosfera que envolve a
cidade de Porto Alegre. Existe uma profunda coerência entre o grafismo do
traço e as pinceladas carregadas das mais variadas matizes da luz fragmentada
pelo prisma da atmosfera carregada de
umidade.
O diplomata Fernando Cacciatore de Garcia certamente entende, pratica
e sabe avaliar o sentido de protocolos não escritos. Protocolos não escritos -
e não cobrados formalmente - mas que possuem largo amparo e práticas universais
consolidadas em civilizações evoluídas e experimentadas em todas intempéries.
Uma coleção de arte – digna deste nome – supõe conhecer, praticar e avaliar uma
série de protocolos. Protocolos que garantem a sua coerência interna e externa.
A exposição na Pinacoteca Ruben Berta da Prefeitura de Porto Alegre materializa
um momento do protocolo que cerca e mantém circulando intacta e coerente o
projeto desta coleção. Projeto que ganha narrativa escrita impresso n
introdução do catálogo desta exposição
entre os dias 24 de março até 25 de abril de 2015.
FERRÁS Libindo
(1877-1951) Casa do colono - Óleo - 13 x 20 cm
Fig.05 – A
prática do “PLEIN-AIR” levou o diretor
da Escola de Artes do IBA-RS a carregar o seu cavalete e caixa de tintas pelos
arredores da cidade de Porto Alegre. Nesta prática levava os seus
estudantes a seguiras suas pegadas. Os resultados desta prática são pequenos
apontamentos como esta tela do tamanho de uma folha A5.
A celebração de um aniversário não é só um olhar para o passado. Mas
em especial é ocasião propícia para buscar, contemplar as descobertas e
refundar - no tempo presente - o
patrimônio físico e simbólico vivido e sentido neste trânsito do tempo. A arte
- como fato positivo e com forte presença física nas suas obras – abrem e
desafiam para que o futuro goze do mesmo - ou melhor - estatuto. Obras
produzidas em épocas e por pessoas que superaram a cápsula do seu próprio tempo.
Superação de todas as angústias que continuam a serem sentidas e padecidas numa
terra onde tudo está para fazer, inclusive um pacto nacional digno deste nome e
praticado por todos. A coerência destas obras com sua terra (Weltgeist), tempo
(Zeitgeist) e povo (Volksgeist)
constituem um passo e a materialização de energias coerentes com este pacto
nacional digno deste nome.
GUIDO Ângelo
(1893-1969) Barcos no Guaíba –
Óleo - 28 x 40 cm
Fig.06 – Vindo da
Itália, Ângelo Guido educou-se na cidade marítima de Santos (SP). Depois
percorreu a Amazônia onde as águas dominam o ambiente. A partir de 1925
fixou-se em Porto Alegre depois de participar do grupo da Revista Klaxon que
publicou a resenha de um dos seus livros.. Em Porto Alegre produziu uma
série ee “manchinhas” como ele dizia onde captava as cores, as luzes e as
formas impregnadas pela atmosfera local.
Se o olhar abrangente de Fernando Caciatore de Garcia não é dado a
todos, este colecionador do melhor, não deixa de marcar um protocolo, buscar diálogo
e uma socialização discreta mas eficaz de obras que orgulham qualquer um em
qualquer lugar. Certamente o colecionador não investe num populismo no qual o
burburinho corrompe aquele coloquialismo do artista que ele tanto busca e cultiva nesta seleção. As necessidades primárias da população- ainda serem satisfeitas - não
permitiram a percepção e a assimilação adequada deste tesouro. Com estas proveniências
tomadas no interior de suas competências e limites o colecionador sabe administrar neste conjunto. Assim garante
que terá um futuro a ser construído com o tempo e energias coerentes. Coerência
que possui todas as condições para manter a sua autonomia ou então migrar
- sem sobressaltos, medos e danos de sua
integridade - para quem souber tratar no interior do mesmo projeto e protocolo
que geraram esta reunião harmoniosa e de força simbólica ímpar para Porto
Alegre.
Foto – Cartão postal - Igreja das
DORES sem as torres
Fig.07 – A
relação da cidade de Porto Alegre com as águas que a banham emprestou-lhe o
nome de porto, constitui um traço e um
meio de união com o mundo. As águas do Guaíba cederam generosas porções para a
terra onde a urbe pudesse estabelecer
estas conexões e ao mesmo tempo construir prédios e equipamentos urbanos. Antes
de 1900 o viajante se deparava com o prédio da igreja das Dores ainda sem as
suas torres.
Fernando Cacciatore de Garcia optou por obras de uma coleção portátil
e destinada a percorrer fisicamente os
caminhos do planeta. Certamente sua coleção está apta para continuar a
peregrinar mundo afora. Coleção de arte na qual Porto Alegre pode ser
apresentada no que de melhor produziu. Porto Alegre que sabe e distingue que a
ARTE está em QUEM produz e não no QUE produz. Assim o melhor - que a capital do
Rio Grande do Sul produziu - pode ser
apresentado como o melhor e o elevado de sua própria GENTE. Ou ENTE porto-alegrense
no seu modo de SER expresso em obras de Arte.
PERISSINOTTO, Giuseppe (1881-1965) - Ponte sobre
o Racho Dilúvio – Óleo 28.8 X 51.8 cm
Fig.08 – A Ponte
de Pedra sobre o Riacho Dilúvio foi tema
com variações de interpretações. Esta obra do pintor italiano radicado em
São Paulo é uma destas variações pictóricas
A cultura de Porto Alegre ainda carece de um pacto formal e conhecido
de todos. Nesta carência de sua identidade não pode se dar ao luxo de ser
temerária - e perdulária - em relação ao precioso índice constituído por esta
coleção. Coleção de Arte que representa a materialização da atenção do
diplomata Fernando Cacciatore de Garcia, do seu trabalho e seu investimento de
tempo e de dinheiro. Índice de identidade simbólica mas solidamente bem fundada
sobre obras de arte físicas e materiais da mais alta qualidade e relevância. Se
cada obra é um fractal deste projeto somente a manutenção deste conjunto
garante a integridade do pensamento que alinhavou a sua proximidade física.
Anônimo
- Vista de Porto Alegre a partir
do Guaíba – Impresso em cores Alemanha Sec. XIX 11 X 18 cm.
Fig.09 – Um porto
é sempre um lugar de circulação de gente
de todo o mundo. O artista anônimo colheu esta vista e a publicada na
Alemanha
Albert Camus
caracterizou, em 1947, Porto Alegre[1]
como uma civilização beira de um banhado. Assim a capital sul-rio-grandense
soma-se aos pontos geográficos como Veneza, Amsterdã, São Petersburgo que lutam
em nesgas de terra firme exprimidas pelas águas. Estes pontos sabem da luta, de seus êxitos e fracassos em se afirmar em obras edificadas da cultura humana sobre
a entropia natural do banhado[2]. O que é mais do conhecido - e evidenciado pelos
mais variados eventos- é de que a
transmissão da cultura, da civilização ou dos estágios de uma determinada arte
não se se dá por via genética ou simples convívio. A
SOLIDARIEDADE entre CIVILIZAÇÕES, CULTURAS e TEMPOS DIFERENTES necessita de suportes e
EXPERIÊNCIAS FÍSICAS. Uma das mais altas EXPERIENCIAS é AQUELA MATERIALIZADA pela ARTE.
[2] - Pensamento típico da Albet CAMUS “ Eu sei que vou fracassar: mas tenho de
realizar meu projeto”
OEHLMEYER, Edgar (1909-1967) Cais de Porto Alegre - 1956 - Óleo 17 X 24 cm
Fig.10 – Nem
sempre é festa e primavera em Porto Alegre. O pintor paulista chega a mesma
percepção daquela de Albert Camus. Registra com cores e formas o trabalho, os
dias sombrios. O traçado rude e direto
das linhas e formas e as cores, de seu quadro, são coerentes com os olhares de
operários e trabalhadores sérios. O
pintor paulista percebeu e registrou - em rápidos traços e pinceladas - um dia
invernoso, carregado de poluição urbana e que permitem estabelecer o contraste com os dias brilhantes registrados
por Maristany de Trias nas suas pinturas.
Porto Alegre está de PARABÉNS por retribuir, em alto nível, este esforço do colecionador diplomata e
de todos os que se mobilizaram para materializar esta exposição pública. Todos
já aguardam o 244º aniversário da capital.
Os esforços apontam para muitos outros a serem comemorados no início de
cada outono. A coleção de Fernando Cacciatore de Garcia aponta, entre tantos sinais e esperanças, para a utopia da
sua institucionalização museológica[1].
Todos garantem que os Outonos de Porto Alegre são os melhores dias desta cidade
banhada pelo Guaíba, inspirador das telas dos pintores desta coleção e
enfeitados pela profusão das suas floridas paineiras.
MARISTANY de TRIAS
Luís (1885 -1964) - Cais da areia - c.1940 - Óleo - 33 x 44 cm
Fig.11 – A obra
de MARISTANY
de TRIAS contrasta com a de Edgar Oehlmeyer. Este percebe a cidade
de Porto Alegre, taciturna e traduz por meio de cores frias, neutras e escuras. O pintor
espanhol usa cores quentes, luminosas e francamente alegres. O trabalho está
mergulhado num carnaval de luzes que um Sol - franco e direto - transforma em
festa.
O observador - por mais que esteja mergulhado no PRESENTE
- será capaz, certamente, de estabelecer a ponte e SOLIDARIEDADE com o PASSADO.
A coleção de Fernando Cacciatore de
Garcia
é uma ponte que materializa as EXPERIÊNCIAS FÍSICAS da ARTE por meio destas
obras. Devido à qualidade, pela sua
escolha criteriosa e devido à sua carinhosa preservação destas obras de ARTE
elas constituirão a MATERIALIDADE de uma alta EXPERIÊNCIA estética. É só experimentar estas energias que emanam
deste MÍNIMO destas obras que CONTÉM o MÁXIMO de uma civilização.
BELLANCA, Francisco (1895- 1974) - Ponte sobre o Racho Dilúvio c. 192º - Óleo - 10 X 15 cm
Fig.12 – Francisco
BELLANCA é o autor dos escudos de Porto Alegre e de Passo Fundo. Como desenhista
de Porto Alegre criou diversos projetos depois executados na canalização do
Arroio Dilúvio . Como lazer pintou constantemente vistas da cidade de Porto Alegre e do
Guaíba, Foi o primeiro aluno formado pela ESCOLA de ARTES do IBA-RS e onde lecionou ao longo de dois anos para, depois, assumir o posto na Prefeitura da capital.
Assim, quem lê esta narrativa, não perca tempo ou
oportunidade para fazer a experiência física da contemplação silenciosa e
pessoal das obras que o diplomata Fernando Cacciatore de Garcia. Coleção exposta generosa e gratuitamente na Pinacoteca Ruben Berta da Prefeitura de Porto
Alegre até o dia 25 de abril de 2015.
FONTE BIBLIOGRAFICA
ABARNO, Anete – KRAWCZYK
Flávio et Alii - Paisagens de Porto Alegre –
Coleção Fernando Cacciatore de Garcia – 243 anos de Porto Alegre -.
Porto Alegre Pinacoteca Ruben Berta – 2015 – catálogo 50 pp. Il. Color.
BLOCH, Marc. Introdução à História.3ª. ed. Lisboa:
Europa- América 1976 179 p.
LEON, Aurora. El Museu: teoria, práxis y utopia. Madrid
: Cátedra, 1995. 378 p.
FONTES NUMÉRICAS DIGITAIS
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Referências para Círio SIMON
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