sábado, 16 de junho de 2012

ISTO é ARTE - 035


QUANDO o ÓTIMO é INIMIGO do BOM

ou quando os CRIADORES de CULTURA  marcham solidários, interativos e civilizados na  LUTA CONTRA a OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA.

Fig. 01 –  A civilização humana considerada pelos vetores cartesianos dos eixos x - y  dispostos na x-sincronia horizontal [Volksgeist] pelo progressão do tempo considerado na y-diacronia vertical [Zeitsgeist] na qual se acumulam uma sobre a outra as diversas etapas. Falta o eixo z-dispersão espacial [Weltgeist], nesta representação bidimensional, indicando os diversos lugares do planeta nos quais se desenvolveram estas civilizações.

O ÓTIMO é inimigo do BOM. Este parece também o mote da luta da PÓS-MODENIDADE contra a MODERNIDADE. Em termos materiais seria a luta da ERA PÓS-INDUSTRIAL com a ERA INDUSTRIAL Uma das características da ERA INDUSTRIAL foi a produção em série com a marca da OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA embutida nos seus produtos. A indústria automobilística fabricava um modelo para um ano. No ano seguinte lançava outro modelo no mercado que tornava o ano anterior não só obsoleto, mas arcaico por melhor que fosse.

Fig. 02 –  Uma  imagem do prédio, em ruinas, da antiga fábrica de laticínios DEAL, depois CORLAC, de Porto Alegre. Funcionando vinte quatro horas e sete dias por semana acumulava [entrada] todo o leite produzido na região, o industrializava [processava] e o distribuía [saída] num legítimo e autêntico SISTEMA da ERA INDUSTRIAL ao modelo taylorista. Reinando soberano sobre este sistema estava o relógio como controle de cada fase. As micro industrias, de cada bacia leiteira, tornaram obsoleto este caro e concentrador sistema industrial.

Na ERA INDUSTRIAL uma casa não podia ser mais personalizada, pois estaria fora dos bens simbólicos produzidos pelo e para o mercado imobiliário que trabalha com produtos estandardizados e com preços coerentes com esta classificação impessoal. Os resultados foram enormes conjuntos residenciais em série absolutamente iguais e até o menor elemento ao estilo do nosso antigo BNH.
Fig. 03 –  A capital brasileira foi concebida e construída ao modelo da era indústria. Nesta imagem torna-se evidente a rápida e a irreversível obsolescência da parte original (1956-1960) e a sobreposição de prédio concebido e executado na pós-modernidade com meios eletrônicos de planejamento e peças produzidas especificamente para a obra.

A ERA PÓS-INDUSTRIAL deu um passo a mais neste caminho, mas personalizando cada peça com a ajuda do robô e da informática. Tornou os seus produtos virtuais e diferentes peça a peça. Um dos exemplos extremo na informática é trabalho em “nuvens”. O produto individualizado, com o seu IP numérico-digital, possui  mecanismos e programas virtuais e descartados logo após o seu uso, pois estes produtos estão em rede mundial.
Porto Alegre não possui vestígios, no seu isolamento pontual, nem índices de haver participado ativa e pioneiramente dos movimentos estéticos que se autodenominam de e glorificam com “contemporâneos”. Autodenominados heróis e pioneiros que forçam  a sua passagem e a querem continuada, brilhante e glorioso num  PROGRESSO UNIVERSAL de uma carruagem impossível de frear. Contudo a arte praticada em Porto Alegre não pode ser desqualificada, contornada e morta como algo abjeta. Muito menos ser isolada pontualmente e sem o direito de continuar no caminho.  
Fig. 04 –  A pós-modernidade temporã para a cultura de Porto Alegre e produzido na obra do  MATA-BORRÃO projeto do  arquiteto Marcos David HECKMANN. Uma obra fora da série industrial, com os materiais desta, contudo sem se submeter a linha de montagem em série. Certamente também não é uma obra do artesanato, mas elas estão marcando presença e que, na pós-modernidade, são planejadas peça a peça no computador e produzidas com os cortes a laser. O MATA-BORRÃO faz pensar na concepção da pirâmide do Louvre pelo arquiteto chinês Pei e a produção de cad peça única e exclusiva para esta obra.

O caso do “Mata Borrão” construído no lugar do prédio projetado por Oscar Niemeyer de época posterior ao seu projeto do IPE-RS. Ou o caso de Brasília com arquitetura inteiramente degradada recebendo uma camada superior em outra época e com outros materiais [fig. 03] . Com certeza não é mais concebível o grito passageiro e isolado de quem sozinho quer mudar a História, ou, ao menos, mostrar que foi o vanguardeiro na área. No contraponto a este grito isolado é cada vez mais necessária na marcha solidária, interativa e civilizatória que necessita da capacidade  de cada um para atingir projetos que tornem estas marchas históricas.
Este grito isolado não se constitui uma simples quebra de protocolos, de contratos e de tradições - sem um projeto instaurador de algo capaz de suportar as adversidades e os seus contraditórios – continua sendo uma pirraça infantil, uma barbárie de bugres ou até um assalto de delinqüentes qualificados. Em especial numa época em que a humanidade dispõe os bens culturais provenientes de projetos de todos os quadrantes, de todos os tempos num gigantesco acervo virtual de bens simbólicos e materiais. No entanto, não é só este patrimônio gigantesco que enrique a humanidade, mas, e sobretudo, é a capacidade de mudança individual e coletiva, de educação continuada e de vitalidade na circulação no âmbito das novas circunstâncias.
Fig. 05 –  Uma das figuras lembradas em cada passo da pós modernidade é FRIEDRICH WILHELM NIETZSCHE (1844-1900) aqui numa foti ao lado da mãe.  A produção compulsiva do pensamento deste filósofo alemão foi de dimensões gigantescas e de um caos continuado. Este pensamento foi organizado pelas mãos de sua mãe e, especial, pelas das suas irmãs. A pós-modernidade permite as interações  femininas para muito além da modernidade da era industrial e infinitamente mais do que na era agrícola quando pareciam puras e simples posses familiares e do clã a que pertenciam

Esta capacidade de flexibilidade mental também atinge o universo das forças estéticas. Se na era industrial a Arte seguia tendências - e que alguns consideravam estilos artísticos - a pós-modernidade oferece uma gama múltipla na sua produção como na recepção de cada uma das suas manifestações. De um lado não é mais possível reduzir  estas manifestações a leituras e narrativas lineares e unívocas, ao modelo da linha de montagem industrial. Estas manifestações da pós-modernidade, exigem não só produtores coerentes com esta virtualidade como observadores competentes para a sua adequada decodificação.
Um sistema é característico da era industrial visto pelo lado da semiótica. Um sistema possui a entrada de implementos, uma fase de elaboração e que culmina na sua saída e recepção da parte de consumidores. Este sistema também entrou e uma fase de obsolescência apesara de mover ainda o Mercado de arte físico. A pós-modernidade, com os seus produtos, que se desviam do múltiplo físico e ingressam no mudo virtual, trabalha em rede e interação.
De um lado esta concepção da arte - retomada da sua raiz -permite afirmar, de novo, que ela reside em quem a produz e não no produz e que passa ser um mero índice de que produz. De outro lado aproxima a Arte da concepção de Leonardo da Vinci de que “um quadro era algo mental”.
Não faltam precursores desta retomada da Arte a partir dos seus fundamentos. Assim o percurso das obras e pensamentos de  Friedrich Wilhelm Nietzsche, Marcel Duchamp e John Cage mostram as múltiplas possibilidades de o ENTE materializar-se no modo de SER. Nas Artes Visuais Marcel Duchamp chegou a materializar um grande número de índices do seu pensamento e que se afastam de produtos em série com a marca da OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA da era industrial.
Fig. 06 –  MARCEL DUCHAMP -1889-1968
Esta concepção pós-moderna resguarda o ENTE humano do perigo de seu SER tornar-se um produto que se confunde com os resultados da máquina e de sistema controlado  por poderes
Cabe o contraditório a qualquer entusiasmo precoce, pois a pós-modernidade não pode ser mitificada e ser vista como mais uma retomada da antiguidade clássica, Renascimento italiano o modernidade clássica. Ele é apenas mais uma passagem como foi o Helenismo e Maneirismo.
A pós-modernidade possui respostas bem mais amplas, circunstanciadas e objetivas para a pergunta de QUEM REALIZA o BEM-ESTAR, a CIVILIZAÇÃO e o PROGRESSO. O mesmo pode ser dito em relação à Arte onde desapareceram os grandes ícones, o gênios da Arte e os chefes de escolas, movimentos e tendências.
Fig. 07 –  MARCEL DUCHAMP -1889-1968 A noiva despida pelos seus pretendentes 1915-1923

Nas narrativas, e própria História, muitas vezes parece que o progresso no Brasil foi realizado por tal ou qual regime. Quando o bem-estar, a civilização e o progresso são, e foram realizados, pelo PODER ORIGINÁRIO.
Muitas vezes este PODER ORIGINÁRIO estava distante, seguia outro caminho dos chefes nominais e nem tomava conhecimento do que o governo tal ou qual estavam realizando ou defendendo de forças adversas a ele.
Evidente que todos olham para o vértice da pirâmide e que está sentado sozinho neste topo. Muitas vezes estes ocupantes, deste lugar elevado, não faziam outra coisa do que se equilibrar neste vértice e se vangloriar do tempo em permaneciam neste exercício.
Fig. 08 –  MARCEL DUCHAMP -1889-1968 “A noiva despida pelos seus pretendentes” 1915-1923 ou o “GRANDE VIDRO numa reconstrução museológica . O original é único e irreconstruível, pois o vidro trincou, após 8 anos de trabalho nesta obra. Diante disto o artista deu a obra como concluída. 
Para o historiador também fica mais fácil e para os seus leitores mais evidente acompanhara a ascensão, a permanência e queda deste vértice de um único sujeito singular. Na verdade é uma biografia deste sujeito que se dedica a este projeto ambicioso. No entanto escapa para esta narrativa e fica obscuro para a maioria dos leitores e publico em geral o que de fato ocorreu neste período abduzido por um sujeito singular.
Historicamente já foi comprovado o contraponto de que não é possível admitir que a “quantidade gera a qualidade”, ou a tese da socialização igualitária da Arte. Alguns indivíduos conseguem, como num fractal do todo ao qual pertencem, expressar, em si mesmos, este todo como o artista Marcel Duchamp percebeu e expressou (1960) esta questão do fractal do todo em cada indivíduo da espécie:
E sob a aparência, estou tentado dizer sobre o disfarce, de um dos membros da raça humana, o indivíduo é de fato sozinho e único e no qual as características comuns a todos os indivíduos, tomados no conjunto, não possuem nenhuma relação com a explosão solitária de um indivíduo entregue a si mesmo[1].
Trata-se deste grito isolado que é cada vez mais necessário na marcha solidária e interativa na multidão anônima. Explosão e grito isolado que dependem da capacidade de cada um para entender e atingir projetos que tornem estas marchas históricas e civilizatórias.


[1] Alocução em inglês pronunciada por Marcel Duchamp, num colóquio organizado em Hofstra em 13 de maio de 1960
in SANOULLET, Michel. DUCHAMP DU SIGNE réunis et présentés par Michel Sanouillet Paris Flammarrion, 1991, pp. 236-239
Fig. 09 –  O músico JOHN CAGE 1912-1992 foi o mestre de uma geração de artistas norte-americanos em especial da Pop Art.. Ele passou por um mosteiro budista no Japão. De volta aos EEUU apresentou, em  1952 , a sua obra mais conhecida que é a peça 4´33´´ que é uma performance de quatro minutos e trinta e três segundo do mais puro silencio e inação do pianista sentado diante do seu instrumento.  

Estes indivíduos, competentes para realizar, em si mesmos, esta fantástica somatória e a expressam na sua obra, não estão, em geral, no vértice de uma sociedade ou são seus lideres. Agem silenciosamente como John Cage na sua peça 4´33´´.  Neste silêncio e nesta “epoqué clássica, expressam esta somatória que revoluciona uma mentalidade e um mundo. Não se trata de retornar para o mundo da vulgaridade, da entropia e da Natureza. E neste sentido que destacamos aqui Friedrich Wilhelm Nietzsche, Marcel Duchamp e John Cage que nunca ocuparam posto de vértice de algum poder de uma sociedade, mas foram competentes para expressá-la em si mesmos.
Fig. 10 –  Os vetores cartesianos dos eixos x - y  dispostos na x-sincronia horizontal [Volksgeist] pelo progressão do tempo considerado na y-diacronia vertical [Zeitsgeist] na qual se acumulam uma sobre a outra as diversas etapas. Falta o eixo z-dispersão espacial [Weltgeist], nesta representação bidimensional, indicando os diversos lugares do planeta nos quais se desenvolveram estas civilizações.
No entanto este ÓTIMO possui o seu preço. Toda a civilização é aversiva à criatura humana natural, além de “não haver almoço grátis”, mesmo para este criatura natural. O primeiro preço é o esforço e a ruptura epistêmica necessária para a mudança de mentalidade para quem está preso aos estágios inferiores.



Alocução em inglês pronunciada por Marcel Duchamp, num colóquio organizado em Hofstra em 13 de maio de 1960
in SANOULLET, Michel. DUCHAMP DU SIGNE réunis et présentés par Michel Sanouillet Paris  
         Flammarrion, 1991, pp. 236-239

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