A LIBERDADE ASSUSTA e DESESTABILIZA
-
A ESCRAVIDÃO CONFORTA
e é SEGURA.
Fig. 01 – SALA dos MISTÉRIOS - pintura mural da Roma
Antiga. As cerimônias - relacionadas à iniciação e ao culto dos deuses da
fertilidade - selecionavam e legitimavam a procriação de filhos aceitos na sociedade romana como os seus legítimos
herdeiros do poder, da economia e da política. . A religião do Estado zelava e controlava
o sistema por meio de cerimônias que reforçavam e legitimavam este contingente
humano que constituía o núcleo crítico da nação romana.
A Arte em si mesma não
infunde medo algum, parece inofensiva e até divertida. Contudo as condições que
a Arte exige, para a sua prática, assustam desde a sua origem e continuará a
infundir temores, a desestabilizar e a provocar racionalizações de toda ordem.
As próprias mães, de todos
os lugares e tempos, procuram afastar, de sua prole, a sombra de qualquer Arte,
e advertem:
-
Não faça artes, meu filho..
A Arte sempre sofreu, nas
suas praticas, severas restrições, e sempre as sofrerá. Isto apesar de todos os
progressos científicos, filosóficos ou morais de uma civilização adiantada e na
qual Arte pede voz e vez. Existem e existiram civilizações inteiras nas quais é
raro encontrar aqueles que enfrentaram o tabu apontado pelas zelosas mães, em
todos os tempos e lugares. Assim na antiga Roma, apesar de todo o seu esplendor
e força, é muito difícil distinguir romanos aos quais se poderiam entregar o
título de artista na concepção que temos hoje desta figura.
A questão que emperra a
criação artística não reside no patrimônio material ou imaterial. Nem é ali que
se camuflam os gatilhos da armadilha da escravidão voluntária ou compulsória. O
problema da Arte reside na LIBERDADE que ela supõe para se constituir, para
circular e para ser recebida como uma força de procriação mental e física com
suas próprias leis e exigências.
Fig. 02 – SENTIDO ETIMOLÒGICO da PALAVRA LIBERDADE
em FERRATER MORA, José – Dicionário de Filosofia – São Paulo
: Loyola 2000-2011 2vol
Veja a evolução termo
LIBER na cultura romana em http://en.wikipedia.org/wiki/Liber
Clique sobre o texto
para ler
O termo LIBERDADE,
criado exatamente pelos romanos, possui o dom de lançar luzes e a mesmo tempo
escamotear os mecanismos do poder e de tudo aquilo que aciona os controles da
procriação, da circulação e da recepção da Arte. Os patrícios romanos conferiam
a LIBRÉ aos indivíduos que atingiam a fase fértil da vida. O sistema, reforçado
e legitimado pela religião de Estado, zelava e controlava a mente e o corpo deste
contingente humano que constituiu o núcleo crítico da nação romana. Quando as
pessoas, deste núcleo, atingiam o liber eram aceitos, legal e
ritualmente, como aptas para procriar e acrescentar novos patrícios à nação
romana. Os outros, o restante da população, era reproduzido ao modelo do
escravo que não dispunha do seu corpo e não estava em condições deliberar e
decidir e legalmente gerar patrício romanos. Esta escravidão legal fazia com
que Aristóteles colocava o escravo na categoria dos não seres humanos.
Fig. 03 – CASA GRANDE e SENZALA em PORTO ALEGRE.
Este prédio é um índice cujo mérito
atual é preservar uma amostra física desta
da iniquidade legal, social, cultural e econômica da escravidão legal no Rio
Grande do Sul. A parte superior da casa repousa sobre o porão transformado em
senzala com parca ventilação, conforto para
animais e cujo sentido era dar abrigo e segurança ao plantel escravo do
próspero e bem relacionado comerciante Lopo da Costa. Preservado pela
Prefeitura de Porto Alegre que instalou e mantém nele o Museu José Joaquim Felizardo.
Evidente que este
escravo era tratado de tal forma que o seu dono o apresentasse como um plantel
e um patrimônio de 1ª ordem. Quanto maior o seu número, maior era o prestigio
do seu dono que os exibia nos melhores trajes, como o descreve Sêneca.
“Fico
constrangido sempre diante do aparato de alguns pedagogos, estes escravos vestidos
com o maior requinte e portando mais ouro do que num dia de procissão, este
exército de servos resplandecentes; a casa na qual se pisa sobre tapetes preciosos,
e na qual as riquezas estão disseminadas em todos os recantos e os tetos são
esplendorosos e onde sempre existe esta multidão que acompanha os patrimônios que se
dissolvem” SÊNECA
Da tranquilidade do ânimo, p. 08
O escravo também goza do
conforto moral de sua consciência individual. A sua condição legal o exime de
qualquer sanção moral nos atos que praticasse. Qualquer culpa pode ser repassada
ao seu dono. Contudo este conforto - físico e moral do escravo - impunham o seu
preço. Toda possibilidade legal de atribuir ao escravo os méritos do processo
da criação artística sucumbem diante da heteronomia de seus sentimentos e de deliberar
e decidir de sua vontade. No máximo ele é um artesão habilidoso capaz de
encantar e de encher de orgulho o seu proprietário.
Fig. 04 – ESCRAVO MARCADO no ROSTO em PORTO ALEGRE no final dos século XIX
Os mecanismos que
sustentam e reproduzem esta servidão voluntária, ou forçada, estão tão bem
escondidos. Estes mecanismos estão
camuflados debaixo de camadas de conforto moral e física. Estes instrumentos de servidão desaparecem da
percepção ao longo de vidas ou de gerações inteiras na medida em que as
necessidades básicas da vida são satisfeitas. Estes necessidades do escravo,
uma vez providas, ainda contam com o
conforto de alguém de plantão para ser o culpado de todos os atos de quem se
encontra na servidão. Nestas condições o escravo está impedido intelectual,
voluntária e emocionalmente de se libertar por si mesmo. Basta ameaçar, ou
apenas sugerir, retirar as suas condições de segurança física e conforto moral
de não ser culpado de nada.
Fig. 05 – CRIANÇAS como “ESCRAVAS de GANHO” em
PORTO ALEGRE no final dos século XIX. Os que tentam forçar a versão dos fatos
para o seu lado poderiam argumentar que viviam melhor do que as crianças da
África atual
Em consequência, qualquer
um que queira praticar esta filantropia, é percebido como um ameaça ao dono, ao
escravo e ao próprio sistema como um todo.
Na prática, este sistema, este escravo ou este dono deste escravo tratam
de eliminar, na fase inicial deste trabalho de libertação, este libertador. Pratica-se esta eliminação de uma forma legal
sob o argumento de que ele constitui uma ameaça concreta ao sistema. Por
incrível que pareça, a escravidão é sempre acompanhado por um incrível arsenal
legal que legitima esta servidão. A advertência é de Aristóteles. A abolição de
escravidão Brasil teria sido um ato administrativo inócuo e sem objeto se a
escravidão não fosse legal. A verdade é que o hábito da escravidão continuou
existindo, tanto da parte do cativo como da parte de quem o prende intelectual,
intencional e emocionalmente.
Fig. 06 – Os DONOS de ESCRAVOS
de MÚLTIPLAS FACES de MUITOS FEITORES em NOVA YORK por DIEGO RIVERA em
1935. Um sistema que sob o manto da LIBERDADE seduz pelo conforto e segurança
Os múltiplos atalhos que
dono do escravo, se vale para se apropria dele, são subliminares. Quem é seduzido
- em direção desta heteronomia da vontade e dos sentimentos - percebe apenas
vantagens que lhe parecem naturais e simplificações. Nestas bem vindas
simplificações, não existem apresentações de contratos em relação às ações do
escravo antes, durante e após elas. A heteronomia da vontade e dos sentimentos é
escamoteada em mecanismos que possibilitam ao dono a posse legal de todos os
lucros de todas as ações do escravo antes, durante e após elas. As perdas são socializadas.
Fig. 07 – O noivo das Núpcias Aldobrandinas - detalhe da pintura mural da Roma Antiga. O
sistema da nação romana zelava e controlava o contingente humano que constituiu
o núcleo crítico do poder, da economia e da política. A religião de Estado
realizava cerimônias aos deuses da fertilidade. Os admitidos - a estas
cerimônias de iniciação - eram os selecionados e legitimados para a procriação
de filhos que seriam aceitos como os legítimos herdeiros na sociedade romana, que
reforçavam e habilitados a dar a continuidade ao contrato social da nação. Diante
deste conteúdo explicam-se as violentas reações romanas contra os que não se
submetiam a estas cerimônias.
A liberdade individual,
ou mesmo coletiva, sempre assusta. Quem está preparado - para uma interação
saudável – percebe logo os desafios e os altos preços a pagar diante a
liberdade das vontades e dos sentimentos individuais e coletivos. No seu
contraponto é estonteante perceber como no Brasil o regime da escravidão legal
passou em marcha batida ao longo de quatro séculos e deixou estragos
irreparáveis. Nestes estragos está muito longe de ser erradicada a escravidão
física e subliminar, mesmo no século XXI. As suas práticas mais cruéis visíveis
foram sublimadas em mecanismos mais devastadores e invisíveis Os seus prejuízos
monumentais e continuados estão em toda parte e em especial no descendente do
dono do escravo. Este descendente, físico ou mental, continua a cultivar o
hábito subliminar da dependência do trabalho e de serviços do outro. Assim os mecanismos de servidão continuam
vivos e ativos na mentalidade de quem usufruiu esta heteronomia e impedem
qualquer atividade criativa e inovadora.
Fig. 08 – As
OSCILAÇÕES e EXPLOSÕES de EUFORIA e de FÚRIA
do POVO são pontuais e escondem os mecanismos da manipulação da
massas e desviam do trabalho continuado. Nas culturas mediterrâneas estas explosões
foram usadas como catarse intencional e comandados pela propaganda da fé e por
meio do barroco e continuado pelo carnaval, futebol e mega festivais dos
quais aquele de Woodstock foi também uma
incursão e ruptura na cultura nórdica. O envolvimento e os estímulos aos cinco
sentidos humanos nestas explosões são totais arrasando sentimentos, vontade e
direitos. Contudo deixam intacto e encobrem o poder político, econômico e
social que as controla e no fim quando esterilizadas de qualquer subversão, as
incorpora ao sistema.
Esta heteronomia impede
qualquer atividade criativa e inovadora. Explica, na arte brasileira, as poucas
e extremamente irrelevantes contribuições para as civilizações mundiais. Estas,
com todas as razões, só percebem no Brasil movimentos atrelados e subsidiários
de outras aculturas que tiveram mais condições ou que correram mais riscos no
caminho da afirmação da sua autonomia artística. Raríssimas são as
manifestações artísticas brasileiras que outras culturas adotam como
complementos de algo que lhes falta como uma necessidade material ou imaterial.
Se as manifestações brasileiras, são adotadas em culturas alheias, isto
acontece por tempo limitado. Não passam de manifestações exibidas como modas
passageiras, ou como curiosidade ou ainda como exotismo pontual sem deixar
resíduo fértil e apto a se reproduzir em meio de uma cultura ou uma civilização
alheia.
Fig. 09 – A EXPLOSÃO da FÚRIA de um POVO contra um sistema econômico
que a opção pela UNIÃO EUROPÉIA em crise devido às imposições econômicas de uma
moeda única. (ATENAS -
GLOBO 20.10.2011)
De outra parte, se
Maquiavel insistiu de que o povo esquece mais facilmente as maldades do que as
bondades. Porém estas também são esquecidas, também, em curtíssimo prazo. Basta
verificar o que aconteceu ao longo do regime de Muammar Abu Minyar AL-Gaddafi
(1942-2011) no qual o povo líbio nunca foi tão aquinhoado por tantos benefícios.
Contudo, na hora defender estas conquistas sociais, este líder foi abandonado e
aniquilado ao pó pelos seus oponentes.
Como toda a escolha
representa uma perda, assim a escolha pela mudança representa a perda s do
conforto moral, psicológico e físico da situação anterior. Os mecanismo da
liberdade, descritos por Lauro de Oliveira Lima, nas pistas deixadas por Jean
Piaget (1896-1980) e por Michel Foucault(1926-1984), possuem o seu preço a
pagar e perdas significativas para a
criatura humana natural. Criatura que aspira, de forma continuada, a se desvencilhar de todos os laços que
contrariam à entropia natural e o retorno continuado á lógica da Natureza dada
No entanto, a queda e/ou
o retorno para a Natureza dada representam a renúncia a tudo o que é novo e a
potencialidade de lhe acrescentar algo de positivo e diferente e
especificamente humano. Contudo a cultura se encarrega de gritar: “meu filho não faça Artes” e nada
acontece e nenhuma mudança real está a cominho.
Percebe-se a liberdade
como um acréscimo de algo ao dado pela Natureza e distinto do patrimônio
genético humano. Se de um lado a Cultura e a Educação possui a sua identidade
na preservação das conquistas humanas positivas e das quais esta humanidade se
reconhece e do qual se orgulha. Cabe à Arte prepara as circunstâncias e os
meios para continuar as conquistas para acréscimo de algo ao dado pela Natureza
e distinto do patrimônio genético humano. Nestas circunstâncias o exercício
pleno da liberdade de criar e reproduzir aquilo que se distinguir transcender e
acrescentar algo coerente com o seu tempo e local.
Fig. 10 – A FUMAÇA da BATALHA SOBE da ÁGORA
GREGA em 2011 Os gregos, como mediterrâneos, tenderam sempre a seguir as explosões
epidérmicas e pontuais da Natureza nas concepções descritas por William
Worringer. Reagem às racionalizações e às abstrações que os europeus nórdicos
lhes impuseram. Como mediterrâneos, sentem e expressam imediata e facilmente o “Mal Estar das Civilizações” descrito por
Freud.
(imagem de ATENAS - GLOBO
20.10.2011)
Que este processo,
inerente à liberdade, assusta é indubitável. Assusta devido às mudanças e as
rupturas que esta liberdade exige. Nas Artes traduz-se na forma de uma imensa
responsabilidade moral do artista de manter aceso e critico este processo nas
palavras de Jacques Maritain. Assusta e faz gemer e berrar, como a criança que
nasce, pois ela necessita abandonar o conforto e a segurança do útero materno
para se desenvolver e crescer num meio hostil e desconhecido. Assusta frente
aos preços a pagar para toda e qualquer escolha pessoal e coletiva a realizar,
implementar e concretizar algo novo e inédito. Assusta pelo abandono necessário
do conforto moral e físico adquirido no meio dos longos hábitos da escravidão
física ou mental voluntária ou coercitiva.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS
FERRATER MORA, José – Dicionário
de Filosofia – São Paulo : Loyola 2000-2011 2vol
ISBN 8434405008
FREUD,
Sigmund.(1858-1939).O mal estar na civilização (1930). Rio de Janeiro : Imago,
1974. pp. 66-150. (Edição standard
brasileira de obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v.13)
MARITAIN, Jacques (1882-1973). La responsabilité de l’artiste. Paris : Arthème Fayard,
1961. 121p
OLIVEIRA LIMA,
Lauro. Os mecanismos da liberdade: microfisilogia
. São Paulo: Polis, S/d.
376 p.
WORRINGER, Wilhelm (1881 - 1965). Abstraccion y naturaleza. 1.ed. 1908.
México : Fondo de Cultura Econômica, 1953. 137p.
FONTES NUMÉRICAS
DIGITAIS
Endereço
de vídeo relativo ao sentido das narrativas bíblicas e os bancos e guerras do
sec. XXI.
Veja também os diversos
adendos.
SÊNECA “Da Tranquilidade do Ânimo”
PRÁTICAS DEMOCRÁTICAS na ESCOLA
PÙBLICA
Belo trabalho !!! parabéns
ResponderExcluirMarcelo Cunha
http://marcelodubai.blogspot.com/