Antes de ler este artigo, convém consultar:
“Toda a arte está no que produz, e não no que é produzido”.
Aristóteles (1973: 243 114a 10 )
COMUNICAÇÃO não é ARTE.
A COMUNICAÇÃO trabalha a mensagem para tornar a sua leitura unívoca e linear. A EXPRESSÃO busca na leitura da sua mensagem a maior amplidão possível e multiplicidade de interpretações.
Fig. 01 – Elementos e processos da circulação da COMUNICAÇÃO.
O estudo da COMUNICAÇÃO situa-se no campo da Semiótica. A Semiótica tornou-se hegemônica, reforçada pela onipotência da infra-estrutura técnica dos meios numéricos digitais. O reducionismo ao unívoco primário e a aplicação linear e precipitada da eletrônica, fizeram o resto do estrago. Diante da avalanche, estrondo, fulgor das mídias e instrumentos eletrônicos, a EXPRESSÃO encolheu-se ao seu canto, e ali permaneceu inerte, muda, surda e cega.
Fig 02 - A ARTE e alguns elementos e processos da circulação da EXPRESSÃO.
Na década de 1970 houve tentativas de juntar os campos da COMUNICAÇÃO e da EXPRESSÃO, no âmbito das tábuas curriculares escolares do Brasil. Colocou-se no mesmo campo o estudo da Leitura, da Escrita da Gramática e das diversas línguas como o território da COMUNICAÇÃO e as Artes como território da EXPRESSÃO. Não se examinou e teve cuidado na aplicação dos processos e dos elementos que são da natureza que distinguem uma área da outra
Gráfico 01 Elementos e processos da circulação da EXPRESSÃO e da COMUNICAÇÃO.
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A junção dos campos da COMUNICAÇÃO e da EXPRESSÃO, no âmbito das tábuas curriculares infantilizou, invadiu e sobrepôs a natureza estética específica, profissional e sem considerar os ciúmes das suas competências recíprocas. Na verdade não houve êxito nesta hibridação curricular. Felizmente este Frankenstein pedagógico, estético e profissional - dos gêmeos xifópagos da COMUNICAÇÃO-EXPRESSÃO - não progrediu e não se reproduziu, pois, além do hibridismo, resultou estéril.
As crianças xifópagas da Semiótica, da Comunicação e da Arte acabaram na confusão. O que é de lastimar é que água desta catástrofe pedagógica acabou sendo jogada pela janela junto com as crianças. Não tiverem oportunidade de se desenvolveram, mostrar os seus potencias, que cada uma possuía e possui ainda. Nem, ao menos, passaram a figurar num museu dos horrores de uma pedagogia formalista e de uma educação reduzida à administração institucional.
Fig 03 - A TORRE de BABEL da COMUNICAÇÃO
Não havia nada de novo no experimento pedagógico brasileiro, pois é antiga e universal a falta de distinções entre a OBRA de ARTE (TORRE) e o processo da circulação da COMUNICAÇÃO unívoca e linear (TRABALHO de CONSTRUÇÃO). Mantida a sua devida autonomia recíproca, poderiam se reforçar, tornado-se complementares e não excludentes (ver os textos e obras de Max BENSE e Roland BARTHES). As empresas humanas sempre foram carcomidas e inviabilizadas ao não respeitarem estas competências e estes limites. Este desconhecimento e desrespeito determinaram a catástrofe da imensa Torre de Babel do relato bíblico, inviabilizada pela confusão das línguas.
A tarefa de agora, como a de sempre, é recuperar e distinguir a competência e os limites de uma e de outra. Convém ver, e prestar atenção, ao quadro a seguir. Ele busca distinguir a competência e o limite da EXPRESSÃO daqueles da COMUNICAÇÃO, destacando os elementos e os seus respectivos processos.
Gráfico 02 - Elementos e processos da circulação da EXPRESSÃO e da COMUNICAÇÃO.
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De um lado temos a busca do novo, do inédito e do ainda não codificado, pretendido pela ARTE por meio da EXPRESSÃO. Do outro, a busca da disseminação e veiculação do novo e do inédito pela LINGUAGEM e pela COMUNICAÇÃO por intermédio do já conhecido, estabelecido e codificado. Esta distinção coloca o artista como profeta e o comunicador como o seu sacerdote.
VENEZA Bienal 2011 - Guardian 04.06.2011 http://www.artloversnewyork.com/zine/the-bomb/2011/06/09/wiggs/
Fig 04 - Urs FISCHER – 54ª Bienal de Veneza 2011 – A vela acesa sobre a cabeça e a cera escorrendo, mostram e aceleram os processos de entropia a que está condenado este trabalho. Permanece o registro do projeto, a imagem e pensamento do seu autor.
O sacerdote é aquele que guarda e dissemina a verdade trazida e implantada pelo profeta, na concepção de Max Weber:
“1) que el profeta lo es en virtud de una revelación personal, a diferencia del sacerdote que esta al servicio de una tradición santa y; 2) que el profeta actúa gracias a su don personal, el carisma, mientras que el sacerdote distribuye bienes gracias a su cargo. En cuanto a la distinción con el mago, el profeta no recibe honorarios por su labor, mientras que el mago ejerce su labor profesionalmente”. http://www.galeon.com/ocdm/weber.html
Transpondo este conceito para a ARTE, o artista ocupa o lugar do profeta que instaura a novidade e o criativo. O sacerdote é o comunicador que mantém, dissemina e reproduz esta novidade criativa, em outros tempo e lugares. Tanto o profeta (artista criador do novo) como o sacerdote (comunicador deste novo) são necessários para uma civilização.
Esta concepção do profeta-artista para o tempo presente foi atualizada por Marcel Duchamp quando escreveu:
“As qualidades importantes que o artista adquire na universidade e que lhe permitem sustentar vivas as grandes tradições espirituais com as quais a própria religião parece haver perdido o contato. Creio que hoje, mais do que nunca, o artista possui esta missão para-religiosa a cumprir: manter acesa a chama de uma visão interior da qual a obra de arte parece ser a tradução a mais fiel para o profano Isto quer dizer que para cumprir esta missão, é indispensável a educação no mais alto grau” (DUCHAMP, 1991, p. 239).
Ao ler o texto completo é possível verificar que este artista, e intelectual, exigia uma verdadeira ascese a ser praticada por aqueles que desejavam assumir este cargo de profeta-artista criador. Assim ele sugeriu que este candidato ilustrasse a sua inteligência para que não incorresse em simplificações, em hibridismos e em confusões entre a ARTE e a COMUNICAÇÃO. Esta posição do artista francês foi secundada pela ação, pela obra e pelo pensamento do artista alemão Joseph Beuys (1921-1986).
“Não foi a arte de Beuys que o destacou dos demais artistas e o lançou como o primeiro artista alemão do pós-guerra, mas sim a sua vida, sua postura contestadora de tudo, determinada a criar uma nova forma de ver o mundo”.
A ação e a obra coerentes de Beuys ilustram a função primordial do artista em todos os tempos qual seja revelar na sua vida, postura e visão o ENTE no SER. A inteligente COMUNICAÇÃO soube decodificar esta mensagem central deste criador do novo e fazê-las circular pelas mais variadas mídias. Evidente que esta circulação supõe a obra de arte coerente do artista. Caso contrário seria mera “fogueira de vaidades”.
Fig 05 A mediação da COMUNICAÇÃO entre a OBRA de ARTE e o PÚBLICO resultou em torrentes de turistas ou de observadores intrigados com mistério da ARTE que substituiu, em muitos aspectos, os rituais que são deflagrados e acompanham os mistérios da RELIGIÃO.
Nas diversas e sucessivas épocas e culturas que a MONA LISA atravessou ela teve leituras diferentes. A obra envelheceu na sua forma física. Contudo permaneceu o mistério, o charme e o pensamento do artista que a concebeu e criou. Contudo cada cultura e época, que ela atravessou, projetaram o seu próprio repertório sobre ela. Assim, ao acompanhar os diversos e sucessivos trabalhos de COMUNICAÇÃO, dos quais ela foi o objeto, aparecem as mais variadas leituras. Evidente que esta riqueza só a pode enriquecer e conferir-lhe mais qualidades projetadas sobre ela por seus observadores atentos.
Gráfico 03 Elementos e processos da circulação da EXPRESSÂO e da COMUNICAÇÃO.
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No entanto na ARTE e na EXPRESSÃO o curto-circuito provocado pelas obras e ações do artista - na comunicação - gera desconfortos típicos de qualquer mudança de conhecimento e comportamentos coerentes com este conhecimento. Se estas mudanças são o maior entrave e objeto do desconforte e até ódio de qualquer estudante em relação a aprendizagem da algo novo. Algo novo, que se devidamente compreendido e assimilado, supõe deixar de lado hábitos antigos e confortáveis para assumir outros aos quais é necessário Dar a sua atenção e o tempo que era destinado a algo que se torna obsoleto e superado.
Fig 06 - TITIVILLUS
Na Idade Média o terror dos copistas era o diabinho “TITIVILLUS” que conseguia arruinar toda a comunicação. Um erro de copia, por pequeno que fosse, alterava todo o sentido, ou pior, causava um curto-circuito no qual se rompia a frágil linha de seu pensamento. O erro é um “ruído na comunicação” que sempre chama mais atenção sobre ele mesmo, do que toda a verdade que se o comunicador quer fazer circular. A flexibilidade do artista permite que o erro seja incorporado, em tempo, na OBRA de ARTE. Esta incorporação necessita chegar até o patamar da “coerência de organização” desta obra. Esta “coerência de organização” constitui o núcleo a culminância e irá determinar o “ESTILO da OBRA de ARTE” e que a torna única. Esta “coerência” não exclui a dúvida, o vacilo e até a deformação. Assim esta OBRA de ARTE também penetra no campo do DIREITO do artista buscar sua VERDADE e do seu tempo e seu lugar. A “Dúvida de Cezanne” foi uma das maiores contribuições deste artista para toda Arte Ocidental.
Fig 07 - As ETAPAS CULTURAIS e REPERTÓRIOS CULTURAIS comandados por estágios técnicos de comunicação e determinados pelos suportes das diversas infra-estruturas econômicas da humanidade.
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Os juízos estéticos reduzem-se a clássico GOSTAR ou do NÃO-GOSTAR no âmbito dos estágios inferiores e mais primitivos da ARTE e da EXPRESSÃO. Na medida em que o artista e o seu observador progridem nos DEGRAUS CULTURAIS adquirem maiores condições de hierarquizar os seus CONHECIMENTOS das EXPERIÊNCIAS de ARTE. Este REPERTÓRIO pessoal aumenta a sua CAPACIDADE de CRÍTICA e os leva à realização de continuados EXERCÍCIOS de RUPTURAS EPISTÊMICAS e ESTÉTICAS.
Fig 08 - Os DEGRAUS CULTURAIS condicionadas e hierarquizados pelo CONHECIMENTO e pela CAPACIDADE de CRÍTICA e do EXERCÍCIO da RUPTURA EPISTÊMICA e ESTÈTICA
O número de artistas diminui entre aqueles que conseguem manter e cultivar os seus significados originais e traduzi-los estes signos coerentes com eles, com o seu tempo e com seu lugar.
Os curtos-circuitos são provocados, na COMUNICAÇÃO, pelas confusões entre ETAPAS CULTURAIS e REPERTÓRIOS CULTURAIS que emergem das obras e das ações do artista. A COMUNICAÇÃO é comandada por estágios técnicos e determinados pelos suportes das diversas infra-estruturas econômicas da humanidade. Enquanto isto a ARTE possui a tarefa de testar, contradizer e perguntar pelo sentido desta certeza. Com esta tarefa a ARTE sempre abriu e materializou caminhos para a VERDADE.
Fig 09 - A obra “ALMOÇO sobre a RELVA” de Eduard Manet foi tabu até 1863 quando, por mediação do Imperador Napoleão III, foi criado o “Salão dos Recusados”. O numero dos seus observadores não parou de crescer com este reforço político e pela Comunicação Industrial da imprensa. A ARTE e a COMUNICAÇÃO reforçam-se e são complementares nesta obra.
Pode-se concluir que tanto a ARTE como a COMUNICAÇÃO não são contraditórias e excludentes. Cada uma possui a sua própria natureza, forças e processos distintos. Contudo elas são esterilizadas na medida em que se ignora as suas competências e os seus limites. São corrompidas pelo voluntarismo da sua hibridagem forçada.
FONTES
ARISTÓTELES (384-322). Ética a Nicômano. São Paulo: Abril Cultural1973. 329p.
BARTHES, Roland (1915-1980). Système de la mode. Paris : Seul, 1967. 327p.
BENSE, Max (1910-1990). Pequena estética.São Paulo: Perspectiva,1971, 225p+(2.ed. 1975).
MERLEAU PONTY (1908-1961) Maurice, A dúvida de Cézanne,4 in Cadernos de Filosofia, Coimbra, Ideias e Comunicação, 1994
PÄCHT, Otto (1902-1988). Historia del arte y metodologia. Madrid: Alianza Forma 1986.
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____. Questions de méthode en histoire de l’art. Paris : Macula, 1994. 167p.
PANOFSKY, Erwin (1892-1968). Significado nas artes visuais. 3a. ed. São Paulo : Perspectiva. 439p
PEIRCE, Charles Sanders (1839-1914) Semiótica. São Paulo : Perspectiva, 2003, 337 p.
ISBN
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8527301946
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ISBN 000013944
SANOUILLET, Michel.(1924- ) DUCHAMP DU SIGNE réunis et présentés par Michel Sanouillet Paris :Flammarrion, 1991, pp. 236-239 - + http://www.educacaopublica.rj.gov.br/cultura/artes/0026.html
TITIVILO - TITVILLUS
WEBER, Karl Emil Maximilian Max(1864-1920). A ética protestante e o espírito do capitalismo. 5.ed. Barcelona: Península, 1985. 262p.
____. Sobre a universidade. São Paulo : Cortez, 1989. 152 p.
____. Economia e sociedade – esboço de sociologia compreensiva. México e Buenos Aires : Fondo Cultural Econômico, 1992. 1.237p
MAX WEBER http://www.galeon.com/ocdm/weber.html
WOLFE, Tom (1931- ) A fogueira das vaidades. (6ª ed. ) Rio de Janeiro : Rocco. 1989, 915 p.
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