sábado, 30 de outubro de 2010

ISTO NÃO É ARTE - 01

01 – O HÁBITO da INTEGRIDADFE INTELECTUAL em ARTE.


Fig. 01 – “Isto não é um cachimbo” por André Magritte



O único elemento, entre todos os “autênticos” pontos de vista essenciais que elas (as universidades) podem, legitimamente, oferecer aos seus estudantes, para ajudá-los em seu caminho pela vida afora, é o hábito de assumir o dever da integridade intelectual; isso acarreta necessariamente uma inexorável lucidez a respeito de si mesmos

Max WEBER 1989: 70 [1]



No aforismo acima Max Weber aponta o caminho que também é da arte. Em ARTE NÂO EXISTE o CERTO ou o ERRADO, há caminhos que apontam e levam para arte, outros que não levam até ela. Há aqueles que apenas a tangenciam ou passam longe deste território de forças e de motivações humanas. Os que não levam até ela não são caminhos errados ou equivocados. Apenas o caminhante se desvia da arte pois conhece as dificuldades de penetrar, e de circular, por entre estas forças. Ainda, por desconhecimento, simplesmente não sabe da entrada da arte e dos custos e dos benefícios desta caminhada. O importante em relação aos caminhos da arte é o hábito de assumir o dever da integridade intelectual.




[1] - WEBER, Max. Sobre a universidade. São Paulo : Cortez, 1989. 152 p.



Fig. 02 – O clássico de William Shakespeare

interpretado pelo grupo TEIA PAULISTA de PONTOS de CULTURA[1]


O pensamento de Max Weber possui, numa universidade, toda a sua validade e sentido. Especialmente se o artista está sendo convidado, por todos os meios, para ingressar numa universidade, como o faz Marcel Duchamp[2].





[2] DUCHAMP. Marcel “O artista deve ir à universidade?”[2] in SANOULLET, Michel. DUCHAMP DU SIGNE réunis et présentés par Michel Sanouillet Paris: Flammarrion, 1991, pp. 236-239


Fig. 03 – Auguste Rodin “ O Pensador


A História mantém aberto o caminho da DÙVIDA após a desmoralização dos grandes discursos corroídos pelas certezas das própria onipotência e pelo esgotamento das fontes de suas ideologias oportunistas. Caminho da DÙVIDA revigorado e sinalizado pelas investigações de Paul Ricœur. Este historiado subiu aos ombros de Descartes para ver mais longe e sinalizar este caminho da DÙVIDA:

“..para nós, como para os primeiros contraditores de Descartes, a questão é saber se, dando a ordem das razões a forma do círculo, Descartes não fez do procedimento que desvia o Cogito, portanto, o “eu” em sua solidão inicial, um gigantesco circulo vicioso. Uma alternativa parece então se abrir ou o Cogito tem valor de fundamento mas é uma verdade estéril à qual não pode ser dada uma seqüência sem ruptura da ordem das razões, ou é a idéia do perfeito que o fundamenta na sua condição de ser finito e a primeira verdade perde a auréola do primeiro fundamento.” (RICOEUR, 1991:p.21) [1]


No presente continuam vigentes os ensinamentos de Sócrates. Eles abrem o imenso território no qual é possível cultivar as mais absolutas e otimistas certezas como as mais radicais e amargas incertezas. Território que permitiu, com o sono da Ética, as mais bitoladas certezas, como também as mais imponderáveis afirmações das dúvidas radicais - sobre tudo e todos - até se defrontar com às raias do abjeto cinismo.


Como a arte não é cumulativa - e necessita afirmar-se no aqui e agora - ela contorna as certezas bitolantes, para não produzir o “dejá vue” - em outro tempo e lugar - como se afasta a vontade de todo anarquismo que desconsidera,ou atropela, a coerência entre a arte, a obra e a vida. Está coberta de razão a mãe que insiste “meu filho não faça artes”. Ela tenta contornar aquilo que infunde tanto euforia desmedida ao seu filho ou o aproxima do perigoso extremo da anarquia.




[1] - http://www.consciencia.org/paulricouerjosimag.shtml em RICOEUR, P. O si mesmo como um outro. Trad. Lucy Moreira César. Campinas/SP: Papirus, 1991.


http://www.conexionbrando.com/1318843

Fig. 04 – A negação e o limite de um sistema de arte



De outra parte existem limites no exercício da dúvida. Estes limites estão nos indivíduos, nas culturas e civilizações. Em arte também não é possível - em todo o tempo e lugar - o exercício desta dúvida. Estes limites encontram-se na capacidade que uma pessoa, uma cultura ou civilização de suportar e administrar rupturas epistêmicas. Dependem da capacidade, de pessoas, das culturas ou das civilizações, suportarem o olhar crítico que lança o contraditório sobre o seu conhecimento, repertório ou capacidade de elaboração estética. O mal estar acompanha toda e qualquer civilização[1].


No exercício deste contraditório é necessário admitir que toda a memória é falsa. A memória, em relação à alguma ação, ato ou objeto, sempre dependeram da capacidade de percepção desta ação, ato ou objeto. Como esta percepção não é total em relação a todos os aspectos - desta ação, ato ou objeto - a memória sempre será parcial em relação à causa desta percepção. Assim as versões de ações, atos ou objetos dependem desta percepção mais ou menos objetivo, mas que dificilmente será total.


Ética e estética não só rimam, mas são campos de forças que se estimulam e se energizam reciprocamente. Se a ética exige atos praticados na autonomia da vontade - como condição para possuírem valor e sentido - a estética valoriza as ações humanas dos sentidos humanos na medida em que são praticados pela vontade humana autônoma conferindo-lhes valor e sentido na medida de sua coerência com a verdade.


Numa época em que as potências industriais, econômicas e os estados nacionais aprenderam a dizer não ao uso indiscriminado da energia nuclear, ao terrorismo de estado, à pedofilia e ao comércio predatório mundial, cabe também à arte aprender a dizer não a aquilo que a corrói por dentro. Há necessidade de distinguir obra de trabalho e o agir do fazer. O neurótico fazer pelo fazer é bem diferente do agir. O agir sabe dizer não. A volúpia - do fazer pelo fazer - não possui esta prerrogativa. O fazer é a explosão de energias em cadeia que não encontra seus limites e consome tudo na sua passagem devastadora pelos cenários humanos mais civilizados.


Diante do agir é possível ao artista afirmar - com toda a sua convicção e sentido - de que não quer fazer mais uma obra[2]. Contudo, no contraditório, também é certo, que em arte, não há como pedir desculpas após uma obra malsucedida e que não alcança o território das forças da arte.




[1] FREUD, Sigmund.(1858-1939).O mal estar na civilização (1930). Rio de Janeiro : Imago, 1974. pp. 66-150. (Edição standard brasileira de obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v.13)

Gängeviertel: Offener Brief an Bezirksamtsleiter Markus Schreiber 10.09.2010

http://medienwatch.wordpress.com/gangeviertel-offener-brief-an-bezirksamtsleiter-markus-schreiber/

Fig. 05 – A ausência da obra de arte, o seu hipotético restauro e a industria da sua revitalização.


Cabe ao artista a direito da distinção da obra e do trabalho e entre o agir do fazer. Cabe-lhe também não se confundir com a obra e nem com a arte. Para não se confundir com a obra, o artista abstém dela. Arte que se confunde com a vida, sim, e desta vida como o efeito resulta da sua causa. Ou como a artista Christina Balbão (1917-2007)[1] gostava de resumir: “ não quero produzir mais um objeto para o mundo já poluído com eles”. O artista afirma, neste seu AGIR, o seu direito à vida e que precede todo fazer da Arte.

De outra parte o artista - e o espectador de sua obra - possuem o direito ao exercício desta abstenção da obra. O silêncio - ou ausência de sua obra - confere uma ascese que faz brotar e revigora aquilo do qual o asceta se priva. Privação que penetra no clássico campo filosófico da epokhou da suspensão provisória do julgamento.

Diante desta suspensão, de qualquer juízo preliminar, ganha plenitude de sentido a clássica escolha entre SER ou NÂO SER ARTE. Diante dos desconhecimentos, das frequentes confusões e os seus contornos, abre-se neste blog uma série de artigos para contemplar esta questão das competências e limites das artes diante de outros saberes, direitos e verdades.

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Este artigo abre a série de matérias relativos ao 2º ano deste blog.



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