quinta-feira, 6 de maio de 2010

NIEMEYER em PORTO ALEGRE 03

Nada é transmissível a não ser o pensamento

Le Corbusier[1] in Boesiger, 1970, p.168


[1] BOESIGER, Willy . Le Corbusier Les Derniers œuvres Zurich : Artemis, œuvres complètes 1970, , v.8, 208 p

.


Origem da foto Zero Hora 24.03.2010

Fig. 01 – Oscar Niemeyer

Prosseguindo na busca dos vestígios da passagem de Niemeyer pela capital dos Pampas, publica-se aqui uma entrevista inédita com o 1º Urbanista formado num Curso Superior do Brasil. Para esta entrevista encaminhou-se, no dia 18 de abril de 2002, ao Urbanista Francisco RIOPARDENSE MACEDO (1921-2007)[1] um texto, comunicando-lhe as intenções da entrevista. Anexou-se algum material dos jornais da época da visita, artigos publicados, por ele, no Correio do Povo[2] - relativos ao ENSINO SUPERIOR de ARQUITETURA no Rio Grande do Sul - e do diário manuscrito de Fernando Corona. A partir deste material formulou-se uma série de perguntas que se prendiam, tanto a pessoa do urbanista, ao destino dos seus dois colegas. Estas perguntas centraram-se no pioneirismo do CURSO de URBANISMO do IBA-RS de forma muito particular, ao sentido que este curso e às suas
circunstâncias, no início do século XXI.


Em função das perguntas foram realizadas duas entrevistas com Francisco Riopardense Macedo. A 1ª em 03 de fevereiro de 2004, das 16h30min até 17 h30min, no apartamento nº 1501 do Condomínio Instituto Histórico Geográfico da Rua República - Porto Alegre – RS. acompanhada pela sua esposa Maria Leda Macedo e pelo estudante Fabiano Mesquita Padão da Faculdade de Arquitetura da UFRGS. Esta matéria foi remetida ao entrevistado no dia 14 de maio de 2004 para conhecimento e eventuais correções. Numa 2ª visita, no dia 20 de maio de 2004, entre 14h00 e 18h00, Francisco Riopardense fez observações em relação aos apontamentos iniciais, os corrigiu e os completou sob a supervisão da Profª Maria Leda e posteriormente com a presença do filho e advogado Sérgio Macedo. O articulista agradece esta ajuda qualificada.



OSCAR NIEMEYER em PORTO ALEGRE.


Entrevistador: - Existem outras fontes como cartas, fotos, desenhos do projeto de Niemeyer para o prédio do IPÊ, além daqueles citados nos jornais?


Riopardense em 03.02.2004: O projeto de Oscar Niemeyer deveria ser construído no local onde depois se ergueu o “Mata-Borrão” e, mais adiante, o prédio da Caixa Econômica Estadual, no cruzamento das Ruas Borges de Medeiros com Andrade Neves.

O projeto foi entregue à área mais reacionária da prefeitura de Porto Alegre. Contudo esta solicitou uma análise e um parecer do projeto, da parte do arquiteto Demétrio Ribeiro. O parecer deste arquiteto foi favorável, mas não foi acolhido e comissão não fez prosperar esse projeto.

Poucos estudaram esse projeto ficando no ar como um problema a ser retomado e que eu acho muito significativo pelas suas implicações culturais da época.

Inclusive eu mesmo perdi a tramitação desse projeto para Porto Alegre de autoria de Oscar Niemeyer e as discussões posteriores e o resultado final. Logo após a minha formatura fui trabalhar em Erexim


Em 20.05.2004 sobre a mesma pergunta Riopardense comentou: A voz dos técnicos da prefeitura foi contra o projeto de OscarNiemeyer por que era moderno demais. Alguém encaminhou este projeto para as autoridades com os argumentos que evocavam a Praça de São Marcos de Veneza como um dos espaços abertos mais significativo do Urbanismo. Mesmo assim o projeto não foi aceito.


Entrevistador: - De quem são as matérias da vinda do Niemeyer a Porto Alegre e não assinadas dos jornais de Porto Alegre?:


Riopardense: O período depois da II Guerra Mundial e do Estado Novo no Brasil foi de profundos enfrentamentos entre o Capitalismo e marxismo e nas vésperas do Marcatismo americano. O período era muito sombrio. Em Porto Alegre era a época do mais forte confronto entre a Engenharia e o Instituto de Belas Artes devido aos dois cursos de Arquitetura. Do lado das artes seguia-se o pensamento de Le Courbusier, Niemeyer[3] e Lúcio Costa. O porta-voz do lado da Engenharia era Eugênio Steinhof[4]. Evidentemente nem os jornais nem os jornalistas queriam se comprometer de um forma ostensiva a favor de um ou outro lado. Diante disso predominou a política de simplesmente dar a notícia e não assinar.



Entrevistador: - E a notícia do CORREIO de POVO do dia 15.04.1949?


Riopardense: no Correio do Povo predominava o pensamento estético de Aldo Obino que era contra tudo aquilo que se dizia moderno.



[1] Ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_Riopardense_de_Macedo Alem de 1º Urbanista do Brasil com Curso Superior específico Francisco Rioparrdense de Macedo tambe « carteira como 1º arquivista concedida pela Associação de Arquivistas do Brasil” conforme é possível ler neste artigo «


[2] - RIOPARDENSE de MACEDO, Francisco. «30o Aniversário do Ensino de Arquitetura no Rio Grande do Sul : O Primeiro Curso de Arquitetura» série in Correio do Povo: Porto Alegre, Nov. dez 1974. Em especial os artigos de 10.11. 1974, p.27 e dia 17.11.1974


[4] - Como foi afirmado em nota em artigo anterior Roberto de Azevedo e Souza, aluno de Steinhof em Porto Alegre, está coletando materiais da sua origem, formação e ação européia, sua passagem aqui, além de sua vivência e obra nos Estados Unidos. http://atmay.blogspot.com/2007/02/roberto-de-azevedo-e-souza.html



Arquivo da Associação Francisco Lisboa

Fig. 02 – Aldo OBINO e Francisco RIOPARDENSE de MACEDO

Em reunião da Associação Francisco Lisboa em 2002

- Entrevistador: E a de 14.04.1949 do DIÁRIO de NOTÍCIAS?



Riopardense: No Diário de Notícias predominava o pensamento de Ângelo Guido que ao menos era uma pessoa mais informada, do que a média.

Entrevistador: - Essas matérias são fiéis aos fatos?

Riopardense: devido à época sombria que se estava vivendo, essas matérias se limitaram a publicar os fatos sem estabelecer qualquer forma de crítica ou desenvolver um pensamento.

Entrevistador: - Calaram algo?

Riopardense: sem ter possibilidade de se posicionar sobre idéias ou pensamentos próprios esses periódicos não puderam furar o bloqueio que lhes era imposto. Do lado norte-americano imperava a ordem “prendam quem fala em PAZ porque isso é coisa de comunista[1]. Portanto eu não poderia falar da paz no meu discurso de formatura. O próprio Oscar Niemeyer não quis ler o meu discurso porque ele sabia que eu não poderia tocar em temas polêmicos nessa hora. Nesse sentido Tasso Corrêa dominava a cena pública no Instituto de Artes.


Então, nessa época, tínhamos de nos valer da casas de amigos, como a casa de Vasco Prado. Ele morava na rua da Margem (João Alfredo). Nós íamos para lá um após outro e tínhamos de sair
um depois do outro sem nos encontrar na rua, senão a polícia tinha ordem de nos prender. Assim reuníamos ali Demétrio Ribeiro, Jorge Amado, mas tínhamos de cuidar para sair um após outro com grandes intervalos. Eu pertencia à célula Frei Caneca e que atuava pelo centro de Porto Alegre e se encarregava da agitação e da discussão.

Apesar disso e as autoridades conhecendo a minha posição, fui recentemente homenageado pela Brigada Militar, com o meu trabalho sobre a arquitetura açoriana, enquanto Günter Weimer foi homenageado pelo estudo da arquitetura alemã. Achei isso um grande progresso.
Em 20.05.2004 sobre a mesma pergunta Riopardense comentou: No discurso da formatura tive de brigar tanto com o Demétrio como com o Paiva. O Paiva era, na época, muito formal. E em vez das concepções de Demétrio, eu preferia as de Edgar Kroef que possui um pensamento mais avançado e originário de uma visão histórica da Arquitetura mais coerente e mais ligado com a vida.



[1] - No dia 20.05.2004 Riopardense esclareceu que este pensamento era apregoado por algumas rádios americanas da época. Estas difundiam uma mensagem que, em termos gerais, dizia "se alguém bater na sua porta para falar de PAZ mandam prender este sujeito por que ele comunista".


Imagem do Arquivo Geral do Instituto de Artes da UFRGS

Fig. 03 – Oscar Niemeyer falando com um grupo dos formandos do IBA-RS.

Da esquerda para a direita, Nelly Peixoto Martins, Sérgio Corrêa, Francisco Riopardense Macedo e Oscar Niemeyer Soares Filho - identificados por Francisco Riopardense Macedo em 03 de fevereiro de 2004.


Os meus dois colegas eram muito ligados pela formação de engenheiro e pelo trabalho em comum. Era o primeiro Curso de Urbanismo que se oferecia e eles iriam fazê-lo se eu me matriculasse. Portanto eu me sentia na obrigação de fazer o discurso

Infelizmente eu perdi o texto deste discurso, mas aparece que o texto que está elaborando está fundado sobre o meu pensamento que eu quis transmitir neste texto.

Mas para mim a Arquitetura vernacular está aberta e presa ao crescimento da criatura humana e não é um simples modismo. Quando estive nos Açores descobri um "agulheiro" na casa açoriana e do qual não se encontra vestígio aqui. Depois fui ver que este "agulheiro" era um oco na parede que dava para o mar e ao lado de uma janela na qual as mulheres esperavam os maridos que tinham ida pescar. Enquanto elas faziam os seus trabalho de linhas, enquanto
esperavam pelos barcos de pesca.



Quanto à cerimônia da formatura dos primeiros urbanistas do Brasil e os seus participantes.

Entrevistador: - Existem outras relativas a essa cerimônia, além das fontes apresentadas aqui?


Riopardense: Devido à época e aos interesses, ali em confronto, se colocou uma pedra em cima desse evento. Assim não houve repercussões posteriores ao fato, nem registros e muito menos estudos.


Em 20.05.2004 sobre a mesma pergunta Riopardense comentou: Na época a vinda de Oscar Niemeyer serviu para ressaltar a iniciativa de Tasso Corrêa ao implantar o primeiro curso superior de Urbanismo brasileiro. Em segundo lugar esta presença era necessária para pontuar em favor do Instituto de Belas Artes na luta com o outro curso de arquitetura mantido pela Escola de Engenharia da URGS.

Para mim foi bom pois a seguir fiz uma viagem para Montevidéu onde encontrei um clima mais favorável e maior compreensão dos problemas práticos que tínhamos estudado na teoria.
Mas o grupo dos três que tinham realizaram juntos o curso. Depois fomos cada um para o seu lado.


Entrevistador: Necessitaria a identificação das pessoas foto anexa aqui:

Foto do Arquivo Geral do Instituto de Artes da UFRGS

Fig. 04 – Oscar Niemeyer no palco do IBA-RS em 13.04.1949

(Da esquerda para a direita)- :1Edvaldo Paiva,- 2 Luis Artur Ubatuba de Farias,- 3 Francisco Riopardense de Macedo - 4, desconhecido, - 5 TASSO BOLÏVAR DIAS CORRÊA - 6 OSCAR NIEMEYER SOARES FILHO - 7 Coronel Carlos PANDOLFO - 8 Sérgio Corrêa, - 9 Nelly Peixoto Martins - 10 Desconhecido, - 11 Secretário do Instituto

Identificados por Francisco Riopardense de Macedo em 05.06.2002

Foto estampada em: «Colou grau, ontem, no IBA da Universidade, a 1a turma de urbanistas do Brasil» Diário de Notícias, Porto Alegre ano XXIV, no 38, p.7, 14.04.1949. colunas 2, 3 e 4 .

Clique sobre a imagem para ampliá-la

Entrevistador: Qual a história posterior e fontes relativas aos seus dois colegas?.



Riopardense: Nós três éramos engenheiros formados pela Escola de Engenharia da URGS e funcionários da Secretaria de obras do Estado.

Ainda estudante eu trabalhei em Esteio na construção da fábrica de cimento onde fazia a intermediação entre os projetos de um engenheiro polonês e o trabalho dos operários. Uma dessas formas de intermediação era converter para centímetros as polegadas que constavam nas plantas de um engenheiro polonês, para que os operários pudessem ler e interpretar as suas medidas.


Neli Peixoto Martins foi trabalhar na Universidade. Sérgio Corrêa trabalhou na Petrobrás.
Depois de formado residi dois anos em Erexim onde projetei jardins e espaços públicos para vários municípios, como três praças na cidade de Marcelino Ramos, entre elas a praça Porto Alegre e a Praça do Mercado de Passo Fundo, cujos projetos estão publicados. Nelas pude aplicar no espaço aberto as minhas concepções e dos teóricos que eu seguia.
Voltando para a capital tornei-me funcionário da Secretaria de Obras da Prefeitura na Divisão de Urbanismo de Porto Alegre. Mais tarde passei para a Secretaria de Educação de Porto Alegre onde me entreguei à organização de Arquivos, tendo assinado a minha carteira como do 1º arquivista concedida pela Associação de Arquivistas do Brasil.

Entrevistador: - Quanto à Sérgio Corrêa?:



Riopardense: O Sérgio era muito inteligente. Não se dedicou ao Urbanismo continuando a sua atividade de Engenharia. Nessa atividade não manifestou preocupações estéticas. O último encontro, que tive com ele, foi em Ouro Preto, num congresso. Faleceu cedo deixando descendência ativa no nosso meio social.

Entrevistador: - E quanto a Nelly Peixoto Martins?:



Riopardense: Na sua vida profissional não continuou o mesmo ritmo que tinha durante o Curso de Urbanismo. Tornou-se depois professor da Faculdade de Arquitetura da UFRGS atuando no pós-graduação de Urbanismo[1].




[1] Atuou no grupo nomeado por Ildo Menegheti para implantar o jardim Botânico de Porto Alegre http://clicpetropolis.com.br/jardim_botanico.htm



Origem da foto de Flávio DAMM da: Revista do Globo, fascículo nº 482, 14.05.1949, p. 44

Fig. 05 – Oscar Niemeyer com os formandos do Curso Superior de Urbanismo do IBA-RS.

Da esquerda para a direita, 1 Oscar Niemeyer Soares Filho – 2 Sérgio Corrêa – 3 Francisco Riopardense Macedo – 4 Nelly Peixoto Martins .




Entrevistador: Quem foi o fotógrafo?



Riopardense: era da Revista do Globo[1].



Quanto ao Curso de Urbanismo do IBA



Entrevistador: - Nunca houve contestação ao título do IBA de ter sido o pioneiro no ensino superior de Urbanismo no Brasil?

Riopardense: Não. Nunca ouvi qualquer contestação sobre o pioneirismo do Instituto de Artes no Brasil em implantar o primeiro curso superior específico de Urbanismo no Brasil.

Entrevistador: - Quais são as suas lembranças em relação a esse Curso do IBA?



Riopardense: era um lugar muito rico em discussões para uma época de grande repressão no espaço público. Nesse espaço público havia uma forte repressão como por exemplo aquele que senti em relação ao meu discurso quando fui orador da turma. Por saber disso o próprio Oscar Niemeyer não quis ler esse discurso, apenas aconselhando escolher muito bem as palavras que eu iria usar. Mas entre os estudantes e os professores do curso gerou-se um pensamento muito rico como aquele de Edgar Graef muito ativo no 2º Congresso do IAB e consciente do materialismo dialético. Uma
das suas obras escritas foi a “
História da Cidade”, uma referência até hoje. Deixou poucas obras construídas. Mas poderia citar a capela do Colégio Americano


Entrevistador: - Que sentido percebe agora, no ano 2004, para essa área incluído no ensino superior da universidade brasileira?



Riopardense: O Urbanismo carece de revisão. Ele deveria oferecer um esquema lógico ao fazer um inquérito de várias áreas para fornecer os elementos para a elaboração dos componentes de um projeto. Ao mesmo tempo é referencial para os estudos de várias profissões. A Arquitetura não liga para a anatomia da cidade e do bairro onde implanta o seu prédio. Ao passo que o Urbanismo influencia o grande número de pessoas que necessitam serem atendidas. Ao se fixar num esquema de pesquisa e realizar a anatomia de um bairro, como aquele realizado por nós no bairro Navegantes de Porto Alegre, emergem uma série de necessidades humanas que devem ser quantificadas e atendidas num projeto. Nesse momento o professor de Urbanismo deveria participar dos atritos que suas idéias geram. Um pronto socorro, como um serviço de saúde, não é um ente urbano isolado. Assim os dois curso deveriam ser separados.


Entrevistador: - Outras observações:



Riopardense: Comparo o Urbanismo ao jornalismo, pois o urbanista deveria ser o pluralista no estudo das aglomerações urbanas como o jornalista deve ser plural na teia de relações e necessidades humanas. O prêmio do jornalista deveria ser intitulado de “o bolicheiro” pois essa pessoa conhece a teia de relações e necessidades humanas que se forma na campanha ao redor de sua tenda. Um prédio, projetado por um arquiteto, denuncia e necessita
de índices dos internos como aqueles externos. Na busca desses índices poderia ser feito um esforço comum entre arquiteto e o urbanista. Essas idéias defendi no Congresso de Arquitetura Brasileira que houve, em 1954, na ocasião do 4º Centenário de São Paulo. Esse texto e essas idéias foram retomadas em 2003 pelo vereador Raul Carrion que está distribuindo o meu texto de 1954 em anexo ao projeto da lei municipal que deseja dotar os prédios de
Porto Alegre com obras de arte.


Procure a literatura internacional relativo a Oscar NIEMEYER em

http://library.getty.edu:

http://artlibraries.net/index_fr.php




[1] - Posteriorente, a esta entrevista, o autor da pergunta descobriu que se trata de Flavio DAMM verdadeira legenda da foto-jornalismo brasileira . Ver http://www.abi.org.br/paginaindividual.asp?id=992

http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=1781&cd_idioma=28555

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