terça-feira, 4 de maio de 2010

NIEMEYER em PORTO ALEGRE 02

O II CONGRESSO BRASILEIRO de ARQUITETURA em PORTO ALEGRE PRECEDE a PRESENÇA de NIEMEYER

Fig. 01 – Oscar Niemeyer em Porto Alegre

Origem da foto de Flávio DAMM da: Revista do Globo, fascículo nº 482, 14.05.1949, p. 44

A vinda mais conhecida de Oscar Niemeyer a Porto Alegre foi como paraninfo dos formados da 1ª turma de Urbanistas do Brasil pelo Curso Superior de Urbanismo do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul

Como de costume, diante de qualquer tema, com um certo vulto, a opinião pública de Porto Alegre, dividiu-se em corrente absolutamente favorável e absolutamente desfavorável. Enquanto isto engrossa a platéia - em cima do muro - para assistir o espetáculo.


Em relação à arquitetura e arte de Oscar Niemeyer, não podia ser diferente. É verdade que o tema da arte e da arquitetura de Niemeyer poderia ser ‘destinado apenas aos seus pares concorrentes do próprio campo’, como quer Pierre Bourdieu[1]. Contudo, tanto a arquitetura como a arte, quando se destinam ao espaço público, sacodem profundamente os valores estéticos, sociais e econômicos de todos os membro do poder originário. E o cidadão - como parte interessada neste envolvimento - possui direito à voz e a vez.


Apesar das conhecidas posições ideológicas de Oscar Niemeyer, e que ele não esconde de ninguém, a sua arte foi sustentada pelo lado antagônico. Assim questões ideológicas, de esquerda e de direita, antepuseram-se as apropriações do pensamento e das obras arquitetônicas de Niemeyer. Questões periféricas à arte e à arquitetura serviram para reforçar antagonismos e cujo foro deveria acontecer em outras esferas. Questões, que no entanto, não podem perturbar uma leitura isenta da sua arte e de sua obra arquitetônica. Niemeyer sabe do conselho de Aristóteles de que não se deve argumentar com todo mundo, nem praticar argumentação com o homem da rua, pois há gente com quem toda discussão tem por força que degenerar Aristóteles –Tópicos – [Penúltimo aforismo][2].


Trata-se aqui de um exame dos vestígios da passagem de Oscar Niemeyer pela capital do Rio Grande do Sul. A mais conhecida foi como Paraninfo e acompanhada e registrada pela imprensa[3] de Poro Alegre. Esta vinda também foi registrada, em 1975, por Fernando Corona (1895-1979) nas folhas 4 a 9 do seu 2º diário[4].


Contudo esta visita foi longamente esperada, preparada e cercada de amizades cultivadas ao longo de existências. É necessário mergulhar nas mentalidades que alimentaram estas amizades.

Oscar Niemeyer teve mais amigos em Porto Alegre do que as suas parcas e rápidas visitas à capital dos Pampas. Entre estes amigos estava Fernando Corona (1895-1979) que o conheceu pessoalmente, no inverno de 1944, numa viagem ao Rio de Janeiro quando:

“fiquei a disposição do meu filho Eduardo e fazer visitas a colegas seus e arquitetos famosos do Rio. Estávamos uma tarde no escritório do arquiteto gaúcho Firmino Saldanha quando apareceu Oscar Niemeyer. Eduardo, que já era amigo dele pois para ele desenhara, me apresentou. Gostei a primeira vista de seu olhar moreno ao meu parecer nobre. Falamos bastante naquele primeiro contato. Muito amigo do Saldanha alí, em seu escritório se reuniam a bater um bom papo!” . (Diário inédito de Fernando Corona, 1944)

Em 1944 Eduardo Corona (1921-2001)[5] era aluno da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) que também foi de Oscar Niemeyer. Eduardo foi de uma das últimas turmas de Arquitetura da ENBA[6] e onde o seu pai foi buscar os programas do Curso Superior de
Arquitetura a pedido de Tasso Corrêa.


Os caminhos de Corona e Niemeyer também se tocaram profissionalmente. Em relação ao terreno e ao projeto de Oscar Niemeyer para Porto Alegre, Corona registrou[7] no seu primeiro caderno auto-biográfico:

“Resolvemos concorrer a um concurso de ante-projetos para o Instituto de Previdência do Estado. Tive como colaborador o Engenheiro-Arquiteto Egon Waindorfer[8]. Apresentados os trabalhos, não demorou a classificação dos mesmos. Mais uma vez conquistamos o primeiro lugar. Mais tarde, a pedido da diretoria do IPE, ampliamos o ante-projeto para vinte andares, que o fiz só sem colaborador. O edifício seria construído na esquina da Av. Borges de Medeiros com Andrade Neves. O projeto de construção se arrastou muito tempo e nada de iniciar a obra. Chegaram a pedir um estudo para o mesmo ao
famoso arquiteto Oscar Niemeyer.



[1] PARES CONCORRENTES: “existe apenas na relação circular de conhecimento recíproco entre artistas, escritores e eruditos”. Bourdieu, 1987 : 108

BOURDIEU, Pierre ( *1.8.1930 - †23.1.2002 ) Economia das trocas simbólicas. São Paulo: EDUSP- Perspectiva, 1987. 361p.


[3] Veja, no final do artigo a lista de algumas matérias que a imprensa local publicou:


[4] - FERNANDO CORONA.«Caminhada – Tomo 2o – um homem como outro qualquer – nascer em um lugar e renascer em outro». “Começo a escrever este tomo II na noite do dia 28 de maio de 1975, trinta e oito da minha chegada a Porto Alegre que correspondo da minha chegada a Porto Alegre a 1949”.


[6] UFRJ – Faculdade de Arquitetura A separação definitiva do Curso de Arquitetura da Escola de Belas Artes, sendo criada a Faculdade Nacional de Arquitetura pelo Decreto n0 7918, de 31 de Agosto de 1945, que acabou sendo transferida para outro edifício, o antigo Hospício Pedro II, então recuperado, localizado na Praia Vermelha http://nova.fau.ufrj.br/index.asp?n1=1&n2=23


[7] - “CAMINHADA de FERNANDO CORONA: Tomo I. 01 de janeiro de 1911 até dezembro de 1949 – donde se conta de como saí de casa e aqui fiquei para sempre: nasci num lugar e renasci em outro onde encontrei amor Manuscrito - Tomo I 302 folhas de arquivo: 210 mm X 149 mm.Copiado no Arquivo GEDAB Faculdade de Arquitetura. UFRGS)


Fig. 02 – Oscar Niemeyer projeto ara o prédio do IPE

Revista do Globo : Porto Alegre, nº 478, 05 mar. 1949, p.-49


Será curioso constatar o atraso intelectual na Seção de Obras da Prefeitura. Oscar Niemeyer fez um ante-projeto a sua maneira genial, pois uma vez estudado pela Prefeitura, não foi aprovado porque o Engenheiro Bozzano não achava o estilo próprio para a Av. Borges de Medeiros, alegando que iria desentonar das construções ao lado. Mais uma vez se constatou que a falta de um preparo apurado, os nossos engenheiros responsáveis pelas Obras Públicas, pouco entendem de arquitetura. Ora, se o projeto do Oscar fosse aprovado, mesmo que o nosso fosse o primeiro escolhido em concurso, eu me sentiria feliz por vez em nossa cidade um exemplar da arquitetura de Oscar Niemeyer.

Há coisas que não tem explicação. Gastam dinheiro em concursos, aprovam projetos, duvidam de seu valor, encomendam outros fora do concurso e tudo para nada. Até hoje em 1971, ao escrever estas minhas memórias, o terreno da Av. Borges de Medeiros se encontra vazio. Nenhum diretor do IPE se atreveu a construir seu Edifício Sede num terreno tão bom como esse”. Fl,s 375 e 376


O legendário Mata-Borrão foi erguido com planta do arquiteto Marcos David Heckman[1]. No terreno onde Este terreno - hoje ocupado pelos escritórios do “Tudo Fácil” e pela antiga sede da Caixa Econômica Estadual - faz face à Av. Borges de Medeiros (1925) e a Andrade Neves[2].




Fig. 03 – Marcos David HECKMAN Mata Borrão no lugar do projeto do prédio do IPE

Acervo João Alberto - UniRitter

CLIQUE sobre a FIGURA para AMPLIÁ_LA.



II CONGRESSO BRASILEIRO de ARQUITETURA


A vinda de Oscar Niemeyer era aguardada no final do ano de
1948 quando se celebrou, no Instituto de Artes do Rio Grande do Sul, o II CONGRESSO BRASILEIRO de ARQUITETURA. Mas não foi possível a sua presença. Veio inicialmente o Secretário do IAB, Eduardo Corona e no evento o seu presidente Firmino Fernandes Saldanha (1905-1985)
[1]


A Imprensa de Porto Alegre também não foi indiferente a este evento[2]. Mas novamente há necessidade do testemunho de alguém envolvido profissionalmente e familiarmente com este evento. Fernando Corona escreveu no seu 1º volume[3] do seu Diário

No mês de Outubro chega a Porto Alegre meu filho Eduardo como Secretario do Instituto de Arquitetos do Brasil. Traz credenciais para organizar aqui o 2º Congresso Brasileiro de Arquitetos. A primeira visita que fez foi ao Dr. Tasso Corrêa, diretor do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul solicitar a sede como o local mais apropriado para a realização do Congresso.

Tasso ficou encantado com a idéia, pois ele fora o fundador dos Cursos de Arquitetura e Urbanismo em nosso Estado.

Levei o Eduardo ao Correio do Povo, pois se fazia urgente da entrevista sobre o assunto. Apresentei-o ao amigo Breno Caldas e este destacou o redator Raul Riff para fazer a entrevista, que no dia 26 de outubro de 1948 o Correio publicava. Eduardo, entre tanta coisa disse: “O Instituto de Arquitetos do Brasil vai realizar, nesta cidade, de 20 a 27 de Novembro o 2º Congresso Brasileiro de Arquitetos. Aqui serão debatidos os problemas importantes da Arquitetura e do Urbanismo pelos mais autorizados profissionais brasileiros, arquitetos e urbanistas de renome mundial, como sejam Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Reidy, José de Souza Reis, Jorge Moreira, Marcelo Roberto etc”. E mais adiante diz: “A escolha de Porto Alegre nos foi importante por ser esta capital a mais necessitada entre todas de um impulso e um esclarecimento no que se refere ao aspecto arquitetônico. Porto Alegre, nesse particular está atrasadíssima. É uma cidade em câmara lenta. Tudo chega em ultimo lugar. Precisamos mostrar ao povo porto-alegrense o que é a nova arquitetura e o que ja se fez no Brasil, qual é a nova realidade técnica. É urgente evitar-se que a nossa cidade seja vitima, como tem sido, dos mais recentes monstrengos construídos em nosso pais. Belo Horizonte, por exemplo, de uns anos para cá, tomou aspectos plásticos tão diferentes que está muito à frente de Porto Alegre. Porto Alegre continua sendo vitima. Por isso a capital gaúcha é um caso que merece a maior atenção dos arquitetos brasileiros que, estou certo, hão de lhe dar toda a sua atenção e apontar os caminhos certos para seu progresso nesse setor”..




[2] - KREBS, Carlos Galvão, II Congresso Brasileiro de Arquitetura, Revista do Globo : Porto Alegre, nº 478, 05 mar. 1949 pp. 46-49

[3] i Ibed - “CAMINHADA de FERNANDO CORONA: Tomo I. 01 de janeiro de 1911 até dezembro de 1949 fl.s. 597-602


Fig. 05 – Comissão do II CONGRESSO BRASILEIRO de ARQUITETURA reunida no IBA-RS

Revista do Globo : Porto Alegre, nº 478, 05 mar. 1949, pp 46.-49


No dia 20 de Novembro de 1948 era instalado no Auditório Tasso Correa do IBA o 2º Congresso Brasileiro de Arquitetos do Brasil, Eduardo era o Secretario Geral nato, determinava e mandava em tudo. Na abertura, a presidência da mesa estava constituída pelas seguintes personalidades: Eng. José Batista Pereira, Secretário das Obras Públicas, representando o Governador Walter Jobin; Eng. Hildo Meneghetti, Prefeito Municipal; Arq. Firmino Fernandes Saldanha, Presidente do Instituto Brasileiro de Arquitetos; Dr. Tasso Corrêa, Diretor do Instituto de Belas Artes e Arq. Ernani Corrêa, representando o Curso de Arquitetura e Urbanismo. A comissão executiva seria a seguinte: Presidente: F.F. Saldanha; Vice, Eduardo Kneese de Mello; Arq. Ernani Corrêa, Tasso Corrêa como Diretor geral; Jorge Moreira e Leo de Morais secretario da comissão.


A seguir foram indicados e aprovados os Presidentes das Comissões. 1ª Comissão: Arq. Eduardo Kneese de Melo; 2º Comissão: Engª Carmem Portinho; 3ª Comissão, Arq. Jorge Machado Moreira e 5ª Comissão Arq. Fernando Corona.


Até o dia 27 de Novembro não houve um momento de descanso. Os temas abordados, mastigados nas Comissões (a minha era de Temas Livres) era debatidos no plenário na mais seria conscientização de cada um e o Congresso foi um êxito onde inclusive nossos estudantes se deram conta que a profissão de arquiteto é de um poder criador inesgotável


Na sessão de encerramento, lá pelas tantas, após muitos discursos, eu que ja havia recebido do Instituto de Arquitetos – Departamento de Porto Alegre, o título de sócio honorário, pedi a palavra para falar rapidamente sobre a obra didática feita pelo Instituto de Belas Artes para a final propor ao Plenário que concedesse ao Dr. Tasso Corrêa o título de Arquiteto “honoris-causa”, o que foi aprovado por unanimidade.


Fig. 05 – Fernando Corona e Jorge MOREIRA que expunha o projeto do HOSPITAL de CLÍNICAS de POA-RS no IBA-RS no II CONGRESSO BRASILEIRO de ARQUITETURA

Revista do Globo : Porto Alegre, nº 478, 05 mar. 1949, pp 46.-49


Grandes amizades fiz durante o Congresso. Meu filho Eduardo se desdobrou em sua difícil missão de secretario geral a Exposição de projetos de Rio, São Paulo e alguns de aqui realizada no Correio do Povo foi um êxito total onde o Arq. Jorge Moreira expunha a maquete do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, grande prêmio num certame em Lima, Peru.


Eduardo, em sua entrevista ao Raul Riff, disse: “Ninguém sabe que em Porto Alegre existe o mais honesto curso de arquitetura que qualquer estudante possa procurar. Será neste ano que aqui no Rio Grande do Sul, o primeiro Estado do Brasil a diplomar uma turma de urbanistas, coisa conhecida até no Rio de Janeiro”.


Há necessidade ter em mente tudo isto para entender o sentido da viagem de táxi, de São Paulo até Porto Alegre, realizada por Oscar Niemeyer para ser o paraninfo dos formados pelo Curso de Urbanismo Superior do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul da 1ª turma de Urbanistas do Brasil.




FONTES BIBLIOGRÁFICAS aqui CITADAS


Alguns títulos do que a imprensa de Porto Alegre publicou:


«Oscar Niemeyer em Pôrto Alegre» Revista do Globo . Porto Alegre. Ano 20, fascículo 482, 14.05.1949, pp.43-45 e p.72 Disponível no site http://www.ipct.pucrs.br/letras



«O arquiteto Oscar Niemayer (sic) paraninfará a primeira turma de urbanistas do Instituto de Belas Artes». Porto Alegre: Diário de Notícias, ano XXIV, no 36, p.7, 3a feira, 12.04.1949.


«Colou grau, ontem, no IBA da Universidade, a 1a turma de urbanistas do Brasil» Diário de Notícias, Porto Alegre ano XXIV, no 38, p.7, 14.04.1949. colunas 2, 3 e 4 + foto.


«O povo gosta da nova Arquitetura». Porto Alegre: Correio do Povo ano 54, no 165, p. 16, 15.04.1949, sexta-feira.



DIÁRIOS MANUSCRITOS

CORONA Fernando - Diário CAMINHADA de FERNANDO CORONA: Tomo I. 01 de janeiro de 1911 até dezembro de 1949 –donde se conta de como saí de casa e aqui fiquei para sempre: nasci num lugar e renasci em outro onde encontrei amo Tomo I 604 f. Folhas de arquivo: 210 mm X 149 mm.

-----------------.«Caminhada – 1945/49-1953– um homem como outro qualquer – nascer em um lugar e renascer em outro». “Começo a escrever este tomo II na noite do dia 28 de maio de 1975, trinta e oito da minha chegada a Porto Alegre que correspondo da minha chegada a Porto Alegre a 1949” Manuscrito. 110 folhas de arquivo: 210 mm X 149 mm[1].




[1] Diários copiados em Xerox no período em que estes dois diários estiveram ao cuidado do Arquivo GEDAB Faculdade de Arquitetura. UFRGS

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