5. – Francis Pelichek agente da Escola de Artes e os seus relatórios.
“Tendo sempre em vista trabalhar em todo os sentidos para o progresso do Instituto e maior aproveitamento do ensino, organisei as referidas aulas, com o intuito de sanar algumas insuficiências, não só na parte material do ensino, como tambem na orientação e melhoramentos da parte didática”..
Francis Pelichek - Relatório de 1931
Nos relatórios anuais de Pelichek transparecem poucos indícios do meio social, político ou cultural-artístico. Como relatórios eram oficiais, que dirigiu ao Diretor da Escola, Pelichek, os submetia a um filtro crítico e formal, qualificando os dados ali registrados como os que constam no texto acima. Nos relatórios trabalhava com uma forte discrição e um formalismo simétrico com a sua atitude profissional [2].
[2] - Quando assumia o seu papel docente Pelichek transformava inteiramente o seu comportamento social que lhe atribuem seus contemporâneos. Cristina Balbão caracterizava-o sempre como o ‘europeu’ e diante do qual sentia um imenso temor e respeito contrapondo-o ao comportamento dos mestres da terra.
Contudo é possível encontrar Pelichek em todo incipiente sistema de artes visuais da Porto Alegre de sua época. Assim além deste cargo docente Pelichek manteve uma intensa intervenção na produção artística[1] de Porto Alegre. Dedicou-se à pintura da figura, da paisagem local, ao desenho com fina ironia e até a escultura[2]. Foi ilustrador e caricaturista em periódicos locais[3], onde as homenagens de 1937, de Sérgio Gouveia[4], Olinto Sanmartin[5] e Dante Laytano[6] estampavam e traduziram o apreço, no meio cultural de Porto Alegre, pela sua pessoa e pela sua obra.
[1] - Em Porto Alegre inicialmente Pelichek abrigou-se nos fundos da loja de móveis e da marcenaria da Casa Jamardo. Existe toda uma legenda a ser explorada e documentada sobre a casa dos irmãos Jamardo, que ficava na Praça da Alfândega, abrigo de vários artistas plásticos e locais de suas exposições. Essa casa era fornecedora de móveis de requinte para palacetes particulares da época Art-Nouveau. Segundo depoimento oral de Sandra Jamardo Dani, professora do DAV e Diretora do Instituto de Artes da UFRGS, Francis Pelichek foi acolhido na oficina de móveis, na qual residiu por algum tempo. Bernardo Jamardo era tesoureiro da Sociedade Sul-Rio-Grandense de Belas Artes que promoveu o Salão de Outono de 1925. Segunda a profª Dani, a Casa Jamardo entrou em declínio, quando o governo deixou de pagar os móveis fornecidos para o Palácio Piratini. (Ver também Guido, 1956 e Damasceno, 1971).
[2] - Foi contratado pelo governo estadual para projeto de monumentos como o de Aparício Borges, na ‘Chácara das Bananeiras’Recebendo pelo projeto e pela execução 36:000$000. ‘Termo de contrato entre o governo do Estado e o sr. Francis Pelichek’ assinado pelo interventor Flores da Cunha, no dia 3.08.1933. [F4.043, a, b, c, d] . TESE - IMAGENS. - Arquivo F4.
[3] - Como jornalista do Correio do Povo foi-lhe conferida em 1936 a carteira nº 53 da ARI, assinada pelo seu presidente Érico Veríssimo. PELICHEK, Francis Auto-retrato. TESE - IMAGENS. -
[4] - Sérgio Gouveia informava num artigo da Folha da Tarde do dia 02 de agosto de 1937 que o artista havia falecido na noite anterior na Beneficência Portuguesa, onde estava sendo velado. Estampava que Pelichek fora um doente constante e que estivera em Minas Gerais, buscando saúde. Descreve o sentimento de nostalgia e a busca da arte e da Beleza, que estavam agora sendo levados na retina de Pelichek. GOUVEIA, Sérgio de..«PELICHEK» in Folha da Tarde, Porto Alegre, ano II, nº 82, 02.08.1937. Ver também: GOUVÊA, Paulo «Um Barão da Tchecoslováquia» in Correio do Povo . Caderno de Sábado volume XIII, ano VII, n o 303, 26.01.1974, p 2
[5] - O artigo de Olinto Sanmartin, noticiando a sua morte, além de uma verdadeira apologia à pessoa do artista, colocava esse agente no contexto e o seu significado no sistema de artes sulino. O articulista centrava-se e destacava os elementos lingüísticos de Pelichek. Relembrava a sua verve oral nos colóquios entre amigos, o seu fino espírito de ironia e sua caricatura publicada na imprensa local. Nas Artes Plásticas, o domínio da técnica, permitiu-lhe exercer essa linguagem visual, na temática da paisagem, costumes, história e arquitetura do Rio Grande do Sul. Colocava-o como continuador atualizado da temática sulina, cultivada por Pedro Weingärtner. Relembrava a sua capacidade de fazer e cultivar amigos, tão bem como suas qualidades de professor do Instituto de Belas Artes.SANMARTIN, Olyntho. «A morte de um artista» in Correio do Povo, ano XLII, nº 183, p.5. 07.08.1937.
[6] - Dante Laytano referiu-se, no Correio do Povo, às cores escuras eslavas, que caracterizavam a pintura do mestre. Elogiou Pelichek por haver fixado tipos populares, do antigo mundo açoriano de Porto Alegre. Distinguiu os dois ritmos do tempo, onde antes da (1ª) Guerra Mundial, havia ‘demora da adaptação’ do habitus açoriano, confrontando-o com o ritmo das mudanças rápidas da nova época da americanização, tanto do meio arquitetônico, como dos novos costumes. Como docente da Escola de Artes atribuiu a Pelichek a capacidade de preparar os seus discípulos a bem desenhar o rosto e as cabeças das figuras. LAYTANO, Dante. «Ultimo quadro» in Correio do Povo, ano XLII, nº 180, p.5, dia 04.08.1937.
Fig. 03 – Auto-caricatura de Francis Pelichek dando aula de modelo vivo. Tenta corrigir a sua diminuta altura com um estrado para
ter a mesma altura do olhar da estudante, e apesar do salto alto que usa ! – Fonte da imagem Diário de Pelichek
Voltando ao seu cargo de mestre é possível verificar como conduzia o estudante de arte a ser agente ativo e a dedicar todo o seu tempo para adequar esse novo mundo físico à prática da arte escolhida na sua autonomia. No relatório de 1930, Pelichek ainda concedeu aos seus estudantes um tratamento honorífico ao estilo cerimonioso, distinguindo-os como ‘Senhores’ e ‘Senhoras’, apostos aos seus nomes. Nos últimos relatórios, esse tratamento desapareceu completamente. Mas se desapareceram as formas de tratamento honorífico, aumentou a atenção centrada nos seus estudantes e nas suas obras. Assim registrava, em 1931, que “em geral, o aproveitamento dos alunos foi bom e mais uniforme do que nos anos anteriores” pois houve um maior esforço como um incremento de produção. Para ele “isto demonstra o grande esforço dos alunos - que executaram quasi 1.000 trabalhos durante o ano letivo, e como se pode apreciar na Exposição da Escola, pois as seções das minhas aulas foram expostas para mais de 200 trabalhos”. Essa melhora não era ocasional. Ele se empenhava para que o estudante tivesse aulas extras e gratuitas “com o fim de melhor desenvolver e tornar mais eficiente o ensino do meu curso, afigurou-se-me conveniente ministrar as referidas aulas extras, sem remuneração, o que fiz com o consentimento expresso do Exmo Sr. Dr. Presidente” . Para isso, ele não podia ver esse estudante privado de realizar a socialização dessas descobertas pessoais, através da exposição anual. Medindo o aspecto numérico do trabalho, ele conseguiu reunir 712 trabalhos em 1930. Em 1931, foram
1.000 trabalhos, em 1933, foram 800, em 1934, o número era de 500 e, no relatório de 1935, registrou apenas de 425 trabalhos, o mais baixo desde 1930
.
Fig. 05 – Francis Pelichek – Capa nº 25 da Revista do Globo de 11.01.1930Pelichek foi apresentado, muitas vezes, como boêmio ou doentio. Contudo aparece como profissional nos seus relatórios e com vigor que desmentem completamente essa fama. Neles, é possível surpreender expressões de autonomia autênticas, e essências para este texto, apesar de completamente diferentes daquelas do diretor da Escola. Pelichek mantinha a mesma coerência da sua autonomia que expunha na sala de aula quando passava para a prática de sua arte e na escolha dos seus temas, Em relação a estes temas Kern (1998: 28) registrou “mesmo ao retratar o gaúcho, não vemos o herói defensor de fronteiras, jovem e viril, mas, ao contrário, figuras envelhecidas com as marcas da idade bem evidenciadas”.
O original pertence à Pinacoteca Aldo Locatelli da Prefeitura de Porto Alegre
A leitura dos relatórios de Francis Pelichek (1896-1937)[1] fornece um significativo auto-retrato do artista professor. Ele permaneceu no cargo de simples docente a Escola de Artes por mais temp, do que qualquer outro. Ao longo de 15 anos consecutivos Pelichek e Libindo Ferrás alternavam-se na mesma sala de aula e atendendo os mesmos alunos. Quando o artista faleceu, em 01 de agosto de 1937, material do seu atelier[2] foi confiado ao Arquivo do Instituto.
VEJA MAIS:
DOCUMENTOS – Arquivo Geral do IA-UFRGS
Antigo prédio da Faculdade de Medicina – CAMPUS CENTRAL – UFRGS
Contato Fone: (0xx51) 3308 3391 E-mail: ahia@ufrgs.br
TESE : “Origens do Instituto de Artes da UFRGS” texto integral em http://www.ciriosimon.pro.br/aca/aca.html
TESES, DVD’s e CD’ e MONOGRAFIAS: Biblioteca Rua Senhor dos Passos, 248 - 2º andar CEP 90.020-180
Porto Alegre RS - Telefone: (0xx51) 3308 4308 Fone/Fax: (0xx51) 3308 4307 E-mail: bibart@ufrgs.br
[1] - [ PELICHEK, Francis – Carteira da ARI e Pelichek: auto-retrato. TESE - IMAGENS. - Arquivos . Há poucos documentos disponíveis em língua portuguesa sobre sua vida particular na Checoslováquia. Ele nasceu no dia 11 de setembro de 1896 segundo a ‘Certidão de qualidade de cidadão brasileiro para fins eleitorais’ com a data de 23.05.1935 . Os seus dados pessoais, na maioria das vezes, foram registrados na sua língua materna.
[2] - Pelichek estabeleceu o seu atelier de pintura na rua Duque de Caxias nº 769, onde era procurado para desenhos para jornais e revistas além de pinturas de Pelichek : ‘Velho Chimarreando’, : Quadro de Exposição. TESE - IMAGENS. - .
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