ESTÉTICA
do QUARTO DISTRITO de PORTO ALEGRE
(1)
A menor fração do Estado
Brasileiro é o município. No entanto os seus distritos oferecem oportunidade
perceber e sentir com mais intensidade esta fração administrativa.
Fig. 01 - Mapa dos dez distritos do Município de
Porto Alegre até 1929. Este município circundava praticamente o Guaíba e as
ilhas de confluência. Era formado por área rural de significava extensão. O
Quarto Distrito era uma parte este cinturão verde formado por hortas. Isto lhe
emprestou uma forte identidade visual que ela não esconde no seu traçado urbano
determinado pela industrialização. Não é por acaso o que ele abriga a
atual CEASA.
Ao privilegiar e aceitar o limite distrital da
observação e do estudo corre-se menor tentação de fazer generalizações injustas
ou comparações sempre odiosas. Afasta também a aplicação subliminar e a
aplicação de esquemas mentais, ideológicos e estéticos hegemônicos e redutores
das sensações intuitivas e diretas para os sentidos.
Fig. 02 - No início do século XIX o acesso por terra
a Porto Alegre era feito num caminho entre o rio e as bem cuidadas chácaras. Esta
área e pare do rio foi opada pela atua Avenida Voluntários da Pátria e pelo o
Cais dos Navegantes.
Mesmo no limite
distrital ocorrem expressões artísticas muito diversificadas. No sentido
inverso é possível argumentar que ele representa um fractal do universal de sua
época e da cultura local. A dialética entre o diminuto do distrito e do
universal não representa intriga e nem desqualificação.
Fig. 03 - Um dos solares destas chácaras do Quarto Distrito foi erguido
por DOM DIOGO de SOUZA governador do Rio Grande do Sul e depois Vice Rei da
Índia. Foi derrubado, por volta de 1940, no auge da industrialização de Porto
Alegre e que se abrigava majoritariamente no Quarto Distrito.
No plano universal o
PODER ORIGINÁRIO deste distrito é desafiado a entender seu passado, romper com
o que é obsoleto e crer no seu imenso potencial de criatividade, de
persistência e de renovação. Na cultura imaterial este bairro é permeado pelo
cortejo da Santa que empresta o seu nome de Navegantes a um dos bairros deste
distrito de Porto Alegre.
Revista
do Globo, Ano 1, nº 24, 23.12.1929, capa
Fig. 04 - A capa do número do Natal do ano de 1929 da
Revista do Globo era dedicada ao templo de Navegantes. Este templo foi
reerguido após incêndio que destruí a primeira construção. No mundo estava em
andamento o desastre bem mais recente a quebra da bolsa de Nova York. Foi possível
reconstruir o templo devido a um seguro que um dos administradores fizera. O
desastre de 1929 foi pago com muito medo, trabalho perdido e, no Brasil, com a
Revolução de 1930.
No dia 02 de fevereiro
de cada ano a convergência é para este local. Por água para dar sentido ao
porto ou por terra para visitar e estimular aqueles que são permanentes neste
local. O clássico estudo (1955) de Dante Laytano possui um nutrido arsenal
logístico de narrativas e de imagens cujo sentido merece ser decifrado e atualizada ano a ano desta
manifestação secular que ocorre no QUARTO DISTRITO desde 1875. A vida, a
cultura e o meio natural manifestam-se neste evento cíclico do início do mês de
fevereiro e no centro do verão de Porto Alegre. Neste caldeirão visual explode
a diversidade visual, simbólica e étnica num cenário privilegiado do QUARTO
DISTRITO.
Edgar
KOETZ (1913-1969) – “Churrascaria Modelo”-
xilogravura
Fig. 05 - Conhece-se a cultura de um povo pela sua mesa. O artista Edgar
Koetz conhecia a mesa do Quarto Distrito. Herdeira da mesma mistura de pratos,
paladares provenientes de todo o planeta ela se industrializou inicialmente com
o espeto corrido e o churrasco. Foi nas festas de Navegantes e nas suas mesas
improvisadas que repercutia a música de Lupicínio Rodrigues. Estes sons que
tenderam à sua industrialização e predomínio de vozes campeiras e pampianas.
.
A
estética de uma mesa é índice indiscutível da cultura do povo que a põe. Além
do mais é o cenário ao redor do qual os gostos se dividem, explodem as intrigas
e traições e é sobre esta mesa que se tenta consertar os cacos resultantes das
pelejas. Mas também nesta mesa conserva-se, se reproduzem e se atualizam os hábitos
civilizados. Nesta mesa civilizada afastam-se ressentimentos, desigualdades
e provações de toda ordem. Quem
transita, estaciona temporariamente ou vive no QUARTO
DISTRITO encontra um variado visual culinário. Para o PODER ORIGINÁRIO
ali radicado a sua mesa é o lugar do cultivo e da expressão das suas mais puras
energias positivas. No QUARTO DISTRITO também não
possui um prato típico ou especialidade culinária predominante como no restante
das expressões culturais. Na apresentação, desta mesa, reina uma
SALADA visual como ao redor dela
confraternizam estéticas e etnias ao modelo do que acontece nas IDEOLOGIAS
que ali circulam. Por sua vez a era industrial impôs rituais e
etiquetas coerentes com a pressa, a divisão de trabalho e sob estrito controle
do onipresente relógio. A migração, da área rural e da campanha
sul-rio-grandense, trouxe os hábitos alimentares do campo para o QUARTO DISTRITO. Porém
tiveram de serem reelaborados e tornados
coerentes com a indústria e produção em
série. Mesmo distantes no tempo e nos lugares de origem da mão de obra uma
grande série de restaurantes se adaptaram e cultivam, de outra forma, estes
hábitos campeiros. Estes rituais e etiquetas convergiram do paradigma da CHURRASCARIA
ao MODELO daquele que o empresário industrial Alberto Bins consagrou na
Exposição Farroupilha de 1935[1].
A tradicional CABANA dos SANTOS formou gerações que multiplicaram os rituais, a
etiqueta e a configuração visual deste modelo no espaço público tornaram-se verdadeiras
referências gastronômicas. Estas referências foram reforçadas na medida em que QUARTO
DISTRITO concentrou a sua vocação como grande espaço de
estacionamento de transportadoras. Os motoristas do interior, que demandam a
capital, tornaram-se os seus clientes preferenciais.
[1]
Exposição Farroupilha e Churrascaria http://lealevalerosa.blogspot.com.br/2010/05/centenario-da-revolucao-farroupilha.html
Quadra e os pavilhões da CEASA de PORTO ALEGRE concebidos
pelo arquiteto uruguaio Eládio Dieste (1917-2000)
Fig. 06 – A CEASA abastece democraticamente
tanto redes de franquias, supermercados e hipermercados, como as quitandas,
os armazéns de esquina e as padarias dos portugueses que resistem heroicamente
encravadas nas esquinas e quadras urbanas do 4º Distrito de Porto Alegre.
Com o final da era
industrial as churrascarias cederam lugar. No seu lugar impuseram-se franquias
de processos alimentares importados de culturas hegemônicas e com rígidos
protocolos controlados pela informática.
Para dar conta logística desta variedade
visual da mesa do QUARTO DISTRITO ele abriga a CEASA/RS, o centro de
abastecimento que satisfaz as necessidades básicas alimentares de 3 milhões de
pessoas da região metropolitana de Porto Alegre. Neste ponto geográfico do
QUARTO DISTRITO entrelaçam-se a era agrícola, industrial e pós-industrial
palpitando em interação viva e dinâmica.
Gastão HOFSTETTER (1917-1986)
Pátio 1981Óleo sobre tela
Fig. 07 - A “arquitetura
sem arquiteto” é bem visível nesta
pintura de Gastão Hofstetter outro artista do Quarto Distrito. Os “puxadinhos”,
os “moquifos” e “remendos” dão do mesma “salada estética” presente na mesa, no
vestuário e na música de todos os gêneros e qualidades que os alto falantes dos
carros, a música das salas, casas comerciais.
Evidente
que uma ESTÉTICA OPERÁRIA não existe. Existem manifestações e expressões
profundamente marcadas pela vida operária, o seu modo de ser e algo em
permanente mudança. Esta vida e mentalidade materializam-se pontualmente na
Arquitetura como é visível no estudo (1975) de Blanca Brites. As apropriações e
as adequações também são visíveis nos meio de comunicação visual como mostra o
estudo de João Batista Marçal (2004). Este percebeu uma SALADA, estética e
IDEOLÓGICA no meio destes vozerios de ‘efeito cock-tail’. Esta SALADA estética
e IDEOLÓGICA está bem evidente produção e inclusive na apresentação visual dos
jornais redigidos, impressos pelo operariado ou dirigidos a ele.
Fig. 08 - A obra de Guido Mondin é um mergulho no repertório que
circulou e que se acumulou no Quarto Distrito ainda sem a ordem e lógica da Era
Industrial os preceitos tayloristas. Resultou uma narrativa entre o coloquial,
o confidencial e uma vontade de fazer circular o que corria o risco de ser
sepultado por mais uma devastadora infraestrutura.
Poucos possuem tempo, disposição ou alcance
cultural para conhecer o QUARTO DISTRITO como um todo, mesmo nos diversos
aspectos apontados na presente postagem. A maioria transita por ele com tempo e
interesses claramente definidos pelas necessidades básicas das suas vidas.
Chegam de outra parte, trabalham ao modo de lugar de estacionamento e ganham
outros ares. Poucos passam toda a sua vida neste lugar do planeta. O aspecto
visual e estético do QUARTO DISTRITO está marcado por esta vida urgente, precária
e efêmera. Os que chegam, os permanecem
ou partem, possuem em suas mentes na medida em que os atores se aglomeram e tentam
falar neste ambiente de suas impressões pessoais e pontuais.
Fig. 09 - O Quarto
Distrito de Porto Alegre apresenta um vivo contraste entre os índices rurais e a abrupta
muralha urbana. Contraste que também denuncia a distância entre mentalidades decorrentes
destes dois modos de vida e que passam por os todos tons e as gamas possíveis
entre estes extremos.
A estética do Quarto
Distrito de Porto Alegre foi marcada profundamente pela infraestrutura da
industrial. Esta estética industrial esteve presente massivamente nas numerosas
suas salas de cinema que também era eventualmente teatros. Salas que se
destinavam para escoar a produção cinematográfica
dos países hegemônicos industriais. Isto não impediu a produção local da 7ª
Arte no Quarto Distrito nas mãos de Eduardo Abelim, nos jardins de Antônio
Mondin (atual Praça Pinheiro Machado). Este material era distribuído pelo
próprio Abelin que se tornava caixeiro viajante de sua produção. Não mais em
mulas e cavalos, mas em automóveis com os quais fazia exibições ao vivo para as
populações interioranas fascinadas com o novo modo de vida e que tornava
obsoletos as suas práticas dependentes absolutamente da Natureza.
Fig. 10 - O monumento da Praça Pinheiro Machado marca
a inauguração da Avenida Farrapos em 1940. Ele proclama a hegemonia da era
industrial e o triunfo do trânsito motorizado.
Poucos suspeitam que esta praça do Quarto Distrito já foi o local, no
passado, o jardim do italiano Antônio Mondin e foi cenário da produção das
fitas cinematográficas do pioneiro cineasta sul-rio-grandense Eduardo Abelim.
Na conclusão, ao rever a
presente postagem, é possível constatar a mesma SALADA formal e conceitual
apresentada pelo visual do QUARTO DISTRITO. Porém o QUARTO DISTRITO, neste seu
estágio embrionário corre o risco de ser mitificado e se tornar um clássico. Em
contrapartida esta vontade, sentimento e ação da criatura humana não podem ser
naturalizados em um eclético e imponderável juízo “GOSTEI” ou “NÃO GOSTEI”.
[A analise da estética do Quarto Distrito de
Porto Alegre continua na próxima postagem]
FONTES
BIBLIOGRÁFICAS
BRITES, Blanca Luz – Le kitsch et l’art populaie en
Brésil – Tese - Orientação Marc Le Bot (1921-2001) - Paris: Université de Paris I (Pantheon Sorbonne)
1975, 105 p
LAYTANO, Dante (1908-2000) Festa de
Nossa Senhora dos Navegantes: estudo de uma tradição das populações
Afro-Brasileiras de Porto Alegre – Curitiba: Instituto Brasileiro de
Educação e Ciência (I.B.E.C.C.)- Vol.
6 1955 – 128 p.
MARÇAL João Batista A Imprensa Operária do Rio Grande
do Sul 1873-1974– Porto Alegre: do Autor – 2004, 288 p. il.
MELLO, Bruno César Euphrasio de "A cidade de Porto Alegre entre 1820 a 1890: as transformações físicas da capital a partir da impressões dos viajantes estrangeiros"[dissertação Orient. SOUZA, Célia Ferraz de] Porto Alegre: Faculdade de Arquitetura da UFRGS. 2010, 213 f.; il.;30 cm
http://www.archdaily.com.br/br/tag/bruno-cesar-euphrasio-de-mello
MIRANDA, Adriana
Eckert - Planos
e projetos de Expansão Urbana
Industriais e Operários em Porto Alegre (1935-1961) – Porto Alegre:
Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbana e Regional – Faculdade de
Arquitetura da UFRGS Orientação de Günter Weimer – 2013, 371 p.
MONDIN, Guido Fernando (1921-2000) Burgo
sem água- reminiscências do 4° Distrito - Porto Alegre: FEPLAN,1987, 187 p.
FONTES NUMÉRICAS
DIGITAIS
QUARTO DISTRITO de PORTO ALEGRE:
¿ o que é isto?
A ESTÉTICA do 4º DISTRITO:
sumário do mês de fevereiro de 2014 em:
A FESTA das ÁGUAS de NAVEGANTES e de VENEZA
SOLAR COLONIAL do 4º DISTRITO
ARRASADO
AS NECESSIDADES
BÁSICAS ATRAVESSAM as DIVERSAS INFRAESTRURAS.
WELTGEIST fig. DEAL
TUDO o QUE É SÓLIDO DESMANCHA
no AR .
***********************************
POSTAGENS no blog de 5ª geração +
site: PODER
ORIGINÀRIO
01.02.2014
¿ A ÁGUA ainda é uma FESTA ?
02.02.2014
NAVEGANTES um BAIRRO de PASSAGEM e de ESTACIONAMENTO
03.02.2014
O DEMASIADO BEM QUERER.
04.02.2014
A ESCOLA do 4º POSTO.
06.02.2014
BURGO SEM ÁGUA.
07.02.2014
Uma GUERRA começa e termina numa MESA.
08.02.2014
A ESTÉTICA da DECADÊNCIA.
09.02.2014
ARTESÕES do BAIRRO NAVEGANTES PERPETUAM EVENTOS
http://www.poder-originario.com/news/artes%C3%B5es-do-bairro-navegantes-perpetuam-eventos/
http://www.poder-originario.com/news/artes%C3%B5es-do-bairro-navegantes-perpetuam-eventos/
ROMANO REIF
10.02.2014
ARTESÕES do BAIRRO NAVEGANTES COLOREM a LUZ.
HANS VEIT (1898-1985)
11.02.2014
ARTESÕES do BAIRRO NAVEGANTES e o USO do VIDRO.
CASA GENTA-SCHMIDT
12.02.2014
As LÁGRIMAS do COMANDANTE RUBEN MARTIN BERTA (1907-1966)
13.02.2014
TREM de PASSAGEIROS sem RETORNO
SANTA MARIA – PORTO ALEGRE 04 de fevereiro de 1996
14.02.2014
QUARTO DISTRITO de PORTO ALEGRE:
¿ o que é isto?
15.02.2014
A INDEPENDÊNCIA do BRASIL NÃO
FOI GRITO
16.02.2014
SOLAR COLONIAL do 4º DISTRITO ARRASADO
17.02.2014
NAVEGANTES e o CAMINHO NOVO.
18.02.2014
GODÓI – Um COLÉGIO do QUARTO DISTRITO
19.02.2014 –
ARTE DECÔ da PRAÇA PINHEIRO MACHADO.
20.02.2014 –
SAUDADES do CAMPO.
21.02.2014 –
SAUDADES da ERA INDUSTRIAL.
22.02.2014
O QUARTO DISTRITO VOLTADO para o FUTURO
23.02.2014
No QUARTO DISTRITO BUSCA-SE ENERGIA para o FUTURO
24.02.2014
QUARTO DISTRITO: CENTRO GEOGRÁFICO da REGIÃO METROPOLITANA.
25.02.2014
O QUARTO DISTRITO na INDÚSTRIA CULTURAL do ESPORTE.
26.02.2014 –
AS NECESSIDADES BÁSICAS ATRAVESSAM as DIVERSAS INFRAESTRURAS.
27.02.2014
O QUARTO DISTRITO um MICROCOSMOS em permanente TRANSITO para se
TRANSCENDER.
28.02.2014
SUMÀRIO: ESTÉTICA do QUARTO DISTRIRO
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