quinta-feira, 27 de março de 2014

084 - ISTO é ARTE

ESTÉTICA do QUARTO DISTRITO de PORTO ALEGRE
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A menor fração do Estado Brasileiro é o município. No entanto os seus distritos oferecem oportunidade perceber e sentir com mais intensidade esta fração administrativa.


Fig. 01 - Mapa dos dez distritos do Município de Porto Alegre até 1929. Este município circundava praticamente o Guaíba e as ilhas de confluência. Era formado por área rural de significava extensão. O Quarto Distrito era uma parte este cinturão verde formado por hortas. Isto lhe emprestou uma forte identidade visual que ela não esconde no seu traçado  urbano  determinado pela industrialização. Não é por acaso o que ele abriga a atual CEASA. 
 Ao privilegiar e aceitar o limite distrital da observação e do estudo corre-se menor tentação de fazer generalizações injustas ou comparações sempre odiosas. Afasta também a aplicação subliminar e a aplicação de esquemas mentais, ideológicos e estéticos hegemônicos e redutores das sensações intuitivas e diretas para os sentidos.


Fig. 02 - No início do século XIX o acesso por terra a Porto Alegre era feito num caminho entre o rio e as bem cuidadas chácaras. Esta área e pare do rio foi opada pela atua Avenida Voluntários da Pátria e pelo o Cais dos Navegantes.

Mesmo no limite distrital ocorrem expressões artísticas muito diversificadas. No sentido inverso é possível argumentar que ele representa um fractal do universal de sua época e da cultura local. A dialética entre o diminuto do distrito e do universal não representa intriga e nem desqualificação.


Fig. 03 - Um dos solares destas chácaras do Quarto Distrito foi erguido por DOM DIOGO de SOUZA governador do Rio Grande do Sul e depois Vice Rei da Índia. Foi derrubado, por volta de 1940, no auge da industrialização de Porto Alegre e que se abrigava majoritariamente no Quarto Distrito.

No plano universal o PODER ORIGINÁRIO deste distrito é desafiado a entender seu passado, romper com o que é obsoleto e crer no seu imenso potencial de criatividade, de persistência e de renovação. Na cultura imaterial este bairro é permeado pelo cortejo da Santa que empresta o seu nome de Navegantes a um dos bairros deste distrito de Porto Alegre.


Revista do Globo, Ano 1,  nº 24, 23.12.1929, capa
Fig. 04 - A capa do número do Natal do ano de 1929 da Revista do Globo era dedicada ao templo de Navegantes. Este templo foi reerguido após incêndio que destruí a primeira construção. No mundo estava em andamento o desastre bem mais recente a quebra da bolsa de Nova York. Foi possível reconstruir o templo devido a um seguro que um dos administradores fizera. O desastre de 1929 foi pago com muito medo, trabalho perdido e, no Brasil, com a Revolução de 1930.

No dia 02 de fevereiro de cada ano a convergência é para este local. Por água para dar sentido ao porto ou por terra para visitar e estimular aqueles que são permanentes neste local. O clássico estudo (1955) de Dante Laytano possui um nutrido arsenal logístico de narrativas e de imagens cujo sentido merece  ser decifrado e atualizada ano a ano desta manifestação secular que ocorre no QUARTO DISTRITO desde 1875. A vida, a cultura e o meio natural manifestam-se neste evento cíclico do início do mês de fevereiro e no centro do verão de Porto Alegre. Neste caldeirão visual explode a diversidade visual, simbólica e étnica num cenário privilegiado do QUARTO DISTRITO.


Edgar KOETZ (1913-1969) – “Churrascaria Modelo”- xilogravura
Fig. 05 - Conhece-se a cultura de um povo pela sua mesa. O artista Edgar Koetz conhecia a mesa do Quarto Distrito. Herdeira da mesma mistura de pratos, paladares provenientes de todo o planeta ela se industrializou inicialmente com o espeto corrido e o churrasco. Foi nas festas de Navegantes e nas suas mesas improvisadas que repercutia a música de Lupicínio Rodrigues. Estes sons que tenderam à sua industrialização e predomínio de vozes campeiras e pampianas.
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A estética de uma mesa é índice indiscutível da cultura do povo que a põe. Além do mais é o cenário ao redor do qual os gostos se dividem, explodem as intrigas e traições e é sobre esta mesa que se tenta consertar os cacos resultantes das pelejas. Mas também nesta mesa conserva-se, se reproduzem e se atualizam os hábitos civilizados. Nesta mesa civilizada afastam-se ressentimentos, desigualdades e  provações de toda ordem. Quem transita, estaciona temporariamente ou vive no QUARTO DISTRITO encontra um variado visual culinário. Para o PODER ORIGINÁRIO ali radicado a sua mesa é o lugar do cultivo e da expressão das suas mais puras energias positivas. No QUARTO DISTRITO também não possui um prato típico ou especialidade culinária predominante como no restante das expressões culturais. Na apresentação, desta mesa, reina uma SALADA visual como ao redor dela  confraternizam estéticas e etnias ao modelo do que acontece nas IDEOLOGIAS que ali circulam. Por sua vez a era industrial impôs rituais e etiquetas coerentes com a pressa, a divisão de trabalho e sob estrito controle do onipresente relógio. A migração, da área rural e da campanha sul-rio-grandense, trouxe os hábitos alimentares do campo para o  QUARTO DISTRITO. Porém tiveram de serem reelaborados  e tornados coerentes com a indústria e produção  em série. Mesmo distantes no tempo e nos lugares de origem da mão de obra uma grande série de restaurantes se adaptaram e cultivam, de outra forma, estes hábitos campeiros. Estes rituais e etiquetas convergiram do paradigma da CHURRASCARIA ao MODELO daquele que o empresário industrial Alberto Bins consagrou na Exposição Farroupilha de 1935[1]. A tradicional CABANA dos SANTOS formou gerações que multiplicaram os rituais, a etiqueta e a configuração visual deste modelo no espaço público tornaram-se verdadeiras referências gastronômicas. Estas referências foram  reforçadas na medida em que QUARTO DISTRITO concentrou a sua vocação como grande espaço de estacionamento de transportadoras. Os motoristas do interior, que demandam a capital, tornaram-se os seus clientes preferenciais.



Quadra e os pavilhões da CEASA de PORTO ALEGRE concebidos pelo arquiteto uruguaio Eládio Dieste (1917-2000)
Fig. 06 – A CEASA abastece democraticamente tanto  redes de franquias,  supermercados e hipermercados, como as quitandas, os armazéns de esquina e as padarias dos portugueses que resistem heroicamente encravadas nas esquinas e quadras urbanas do 4º Distrito de Porto Alegre.

Com o final da era industrial as churrascarias cederam lugar. No seu lugar impuseram-se franquias de processos alimentares importados de culturas hegemônicas e com rígidos protocolos controlados pela informática.

 Para dar conta logística desta variedade visual da mesa do QUARTO DISTRITO ele abriga a CEASA/RS, o centro de abastecimento que satisfaz as necessidades básicas alimentares de 3 milhões de pessoas da região metropolitana de Porto Alegre. Neste ponto geográfico do QUARTO DISTRITO entrelaçam-se a era agrícola, industrial e pós-industrial palpitando em interação viva e dinâmica.


Gastão HOFSTETTER (1917-1986)  Pátio 1981Óleo sobre tela
Fig. 07 - A “arquitetura sem arquiteto é bem visível nesta pintura de Gastão Hofstetter outro artista do Quarto Distrito. Os “puxadinhos”, os “moquifos” e “remendos” dão do mesma “salada estética” presente na mesa, no vestuário e na música de todos os gêneros e qualidades que os alto falantes dos carros, a música das salas, casas comerciais.

Evidente que uma ESTÉTICA OPERÁRIA não existe. Existem manifestações e expressões profundamente marcadas pela vida operária, o seu modo de ser e algo em permanente mudança. Esta vida e mentalidade materializam-se pontualmente na Arquitetura como é visível no estudo (1975) de Blanca Brites. As apropriações e as adequações também são visíveis nos meio de comunicação visual como mostra o estudo de João Batista Marçal (2004). Este percebeu uma SALADA, estética e IDEOLÓGICA no meio destes vozerios de ‘efeito cock-tail’. Esta SALADA estética e IDEOLÓGICA está bem evidente produção e inclusive na apresentação visual dos jornais redigidos, impressos pelo operariado ou dirigidos a ele. 


Fig. 08 - A obra de Guido Mondin é um mergulho no repertório que circulou e que se acumulou no Quarto Distrito ainda sem a ordem e lógica da Era Industrial os preceitos tayloristas. Resultou uma narrativa entre o coloquial, o confidencial e uma vontade de fazer circular o que corria o risco de ser sepultado por mais uma devastadora infraestrutura.

Poucos possuem tempo, disposição ou alcance cultural para conhecer o QUARTO DISTRITO como um todo, mesmo nos diversos aspectos apontados na presente postagem.  A maioria transita por ele com tempo e interesses claramente definidos pelas necessidades básicas das suas vidas. Chegam de outra parte, trabalham ao modo de lugar de estacionamento e ganham outros ares. Poucos passam toda a sua vida neste lugar do planeta. O aspecto visual e estético do QUARTO DISTRITO está marcado por esta vida urgente, precária e efêmera.  Os que chegam, os permanecem ou partem, possuem em suas mentes na medida em que os atores se aglomeram e tentam falar neste ambiente de suas impressões pessoais e pontuais.

Fig. 09 - O Quarto Distrito de Porto Alegre apresenta um vivo  contraste entre os índices rurais e a abrupta muralha urbana. Contraste que também denuncia a distância entre mentalidades decorrentes destes dois modos de vida e que passam por os todos tons e as gamas possíveis entre estes extremos.

A estética do Quarto Distrito de Porto Alegre foi marcada profundamente pela infraestrutura da industrial. Esta estética industrial esteve presente massivamente nas numerosas suas salas de cinema que também era eventualmente teatros. Salas que se destinavam  para escoar a produção cinematográfica dos países hegemônicos industriais. Isto não impediu a produção local da 7ª Arte no Quarto Distrito nas mãos de Eduardo Abelim, nos jardins de Antônio Mondin (atual Praça Pinheiro Machado). Este material era distribuído pelo próprio Abelin que se tornava caixeiro viajante de sua produção. Não mais em mulas e cavalos, mas em automóveis com os quais fazia exibições ao vivo para as populações interioranas fascinadas com o novo modo de vida e que tornava obsoletos as suas práticas dependentes absolutamente da Natureza.

Fig. 10 - O monumento da Praça Pinheiro Machado marca a inauguração da Avenida Farrapos em 1940. Ele proclama a hegemonia da era industrial e o triunfo do trânsito motorizado.  Poucos suspeitam que esta praça do Quarto Distrito já foi o local, no passado, o jardim do italiano Antônio Mondin e foi cenário da produção das fitas cinematográficas do pioneiro cineasta sul-rio-grandense Eduardo Abelim.

Na conclusão, ao rever a presente postagem, é possível constatar a mesma SALADA formal e conceitual apresentada pelo visual do QUARTO DISTRITO. Porém o QUARTO DISTRITO, neste seu estágio embrionário corre o risco de ser mitificado e se tornar um clássico. Em contrapartida esta vontade, sentimento e ação da criatura humana não podem ser naturalizados em um eclético e imponderável juízo “GOSTEI” ou “NÃO GOSTEI”. 



[A analise da estética do Quarto Distrito de Porto Alegre continua na próxima postagem]
FONTES BIBLIOGRÁFICAS
BRITES, Blanca Luz – Le kitsch et l’art populaie en Brésil – Tese - Orientação Marc Le Bot (1921-2001) - Paris:  Université de Paris I (Pantheon Sorbonne) 1975, 105 p

LAYTANO, Dante (1908-2000) Festa de Nossa Senhora dos Navegantes: estudo de uma tradição das populações Afro-Brasileiras de Porto Alegre – Curitiba: Instituto Brasileiro de Educação e Ciência (I.B.E.C.C.)-  Vol. 6  1955 – 128 p.

MARÇAL João Batista A Imprensa Operária do Rio Grande do Sul 1873-1974– Porto Alegre: do Autor – 2004, 288 p. il.

MELLO, Bruno César Euphrasio de "A cidade de Porto Alegre entre 1820 a 1890: as transformações físicas da capital a partir da impressões dos viajantes  estrangeiros"[dissertação Orient. SOUZA, Célia Ferraz de] Porto Alegre:  Faculdade de Arquitetura da UFRGS. 2010, 213 f.; il.;30 cm

 http://www.archdaily.com.br/br/tag/bruno-cesar-euphrasio-de-mello


MIRANDA, Adriana Eckert - Planos e projetos de Expansão  Urbana Industriais e Operários em Porto Alegre (1935-1961) – Porto Alegre: Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbana e Regional – Faculdade de Arquitetura da UFRGS Orientação de Günter Weimer – 2013, 371 p.

MONDIN, Guido Fernando (1921-2000) Burgo sem água- reminiscências do 4° Distrito -  Porto Alegre: FEPLAN,1987,  187 p.

FONTES NUMÉRICAS DIGITAIS
QUARTO DISTRITO de PORTO ALEGRE:  ¿ o que é isto?

A ESTÉTICA do 4º  DISTRITO: sumário do mês de fevereiro de 2014  em:

A FESTA das ÁGUAS de NAVEGANTES e de VENEZA

SOLAR COLONIAL do 4º DISTRITO ARRASADO

AS NECESSIDADES BÁSICAS ATRAVESSAM as DIVERSAS INFRAESTRURAS.

WELTGEIST fig. DEAL

TUDO  o QUE É SÓLIDO DESMANCHA no AR . 

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¿ A ÁGUA ainda é uma FESTA ?
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QUARTO DISTRITO: CENTRO GEOGRÁFICO da REGIÃO METROPOLITANA.

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AS NECESSIDADES BÁSICAS ATRAVESSAM as DIVERSAS INFRAESTRURAS.

27.02.2014
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28.02.2014
SUMÀRIO: ESTÉTICA do QUARTO DISTRIRO


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