sexta-feira, 16 de novembro de 2012

ISTO é ARTE - 053



O ENTE e o SER diante da ARTE, da
Beleza, da Verdade e da Justiça.

O que não pode ser dito deve ser calado
WITTGENSTEIN Tractatus Logico-Philosophicus Aforismo 7.

Regina SILVEIRA  - 1939- Sombras
Fig. 01 – A origem do desenho e da pintura, conforme narrativa grega teria sido o traçado do perfil de um jovem feito pela sua namorada na hora da partida para a guerra. Regina Silveira atualiza esta metáfora para o tempo e as circunstâncias atuais. A artista sustenta a eterna luta contra o que insiste em se ausentar e aquilo que  escapa à percepção humana. Para tanto renuncia a tudo aquilo que poderia perturbar este seu projeto como a cor, a textura ou relevo.
Na administração destas perdas ela ganha coerência entre o seu ENTE e a sua maneira de SER no mundo. .

Necessitarmos guardar silêncio em relação ao ENTE da Arte. Como ENTE encontra-se  envolto em insondáveis dúvidas e mistérios dos quais só conhecemos repercussões. A mesma dúvida e o mesmo mistério envolvem a Beleza, a Verdade e a Justiça. No entanto as dúvidas e mistérios permitem especular e expressar-nos em relação ao SER. SER que se manifesta nas suas obras na forma de eventuais repercussões nos sentidos humanos. Neste SER das obras de Arte, da Beleza, da Verdade e da Justiça é possível exercer um sem números de escolhas entre extremos (Kuperthes) naquilo que atinge, estimula os nossos sentidos e repercutem em nossa mentalidade e cultura. Estímulos e repercussões derivadas do que denominamos de Arte, Beleza, Verdade e Justiça. Contudo elas derivam de ENTES primitivos da fala humana que se expressam em efeitos em campos de forças distintas e soberanas entre si mesmas. 

1968 - cartazes  - Biblioteca Nacional da França
Fig. 02 – “A Beleza está na rua” e jogando um paralelepípedo..  O ano de 1968 tornou-se antológico nas formas de expressar novas circunstâncias vividas ao longo da denominada “Guerra Fria” e a efeitos da descolonização dos continentes africano e asiático. Uma nova geração inovou os seus meios  de SER em formas de evidenciar formas de expressão do seu ENTE. Em tempos de imagens fotográficas, publicitárias e de marketing hedonistas fez escolhas de formas sintéticas nas quais imagem e palavra se reforçavam reciprocamente

As obras de Arte repercutem e se materializam em documentos de épocas e civilizações que tornam históricos os autores destes projetos. A maioria das grandes forças da natureza também só é perceptível aos sentidos humanos nos seus efeitos. As energias magnéticas, da gravidade e da genética, são algumas das forças das quais os sentidos humanos só percebem os efeitos. Estes efeitos geram documentos perceptíveis nas obras de Arte e que também constituem índices das escolhas dos seus autores. Estes autores tornam-se históricas na medida em que administram as perdas decorrentes da passagem entre o ENTE inatingível e imaterial e o seu SER possível e material.  

Fig. 03 – – “A Beleza está na rua” na forma de flores sendo levados sobre os paralelepípedos A indústria cultural da beleza é uma das mais consistentes e índice da evolução e de civilização. O recente termo “aestesia” tentou trazer para a gramática contemporânea os mais variados vocábulos existentes em todas as civilizações. Evidente que a “corrupção do ótimo é péssima” e ocorre quando o SER substitui, silencia ou abafa o ENTE do qual decorre a autêntica beleza. Esta é gratuita e revela-se nos mais variados índices..

O ENTE é percebido na COMUNICAÇÃO humana ao migrar do seu universo imponderável em direção dos sentidos humanos do seu SER. Esta percepção implica na passagem deste ENTE pelo ambiente da EXPRESSÃO rumo às obras físicas Nesta obra convergem autor e receptor. Esta passagem cobra o seu pedágio, pois toda escolha implica em uma ou mais perdas. Perdas físicas e mentais, pois também a quem recebe a obra de Arte nem tudo é possível perceber, codificar e assimilar em todas as épocas e lugares.

Fig. 04 – A cultura islâmica desaconselha a produção de imagens antropo e zoomorfas. Na perda da leitura imediata (mimese) ganha amplitude no universo da Lógica e da Matemática. Nesta lógica investe no PADRÃO INFINITO com o qual cria os mais amplos e variados estímulos sensoriais. Este acervo matemático desta cultura não figurativa esta Arte islâmica foi buscar o seu repertório na cultura hindu da qual trouxe o zero com profundas ressonâncias do conceito de “Nirvana ”.

As escolhas realizadas pelo observador impõe também o fluxo criativo na recepção no contínuo do que é perceptível das obras de arte. No universo da COMUNICAÇÃO humana nem tudo é possível em todas as pessoas, épocas e lugares. A cultura clássica grega já estava consciente desta barreira.
Não se deve argumentar com todo mundo, nem praticar argumentação com o homem da rua, pois há gente com quem toda discussão tem por força que degenerar                  Aristóteles –Tópicos – [Penúltimo Tópico][1].
Evidente que a obra de Arte se completa no seu observador. Apesar de qualquer ENTE humano potencialmente ser criador, estruturante de forças para atingir altura e assim superar esta barreira, ele necessita qualificar o seu SER para esta façanha e ter êxito e fortuna neste projeto de vencer esta barreira.

Fig. 05 – A caverna descrita por Platão encontra no globo ocular dos seres vivos uma materialização e mostra a distância entre o que é percebido e a realidade concreta e não mediado pelos sentidos humanos. A ótica ao evoluir seguiu este caminho da Natureza guiado pelas concepções teóricas. A fotografia penetrou no registro dos efeitos dos átomos até o registro da luz e magnetismo proveniente dos gigantescos conglomerados do espaço estelar. Contudo continua válida prescrição de Platão ”depois de observar as estrelas, deixemos os astros em paz e façamos Astronomia
.
É clássica e taxativa a resposta “não suba sapateiro além da chinela” dada pelo pintor grego a um dos seus observadores de sua obra e um conhecido profissional da cidade. Na própria Bíblia a expressão das “perolas aos porcos” traduz esta barreira entre o ENTE e o SER.  Contudo o observador também pode perverter o seu repertório particular e aniquilar a coerência que o projeto que o artista atingiu por ventura . Nem por isto o artista pode renunciar a autonomia do seu projeto e aderir de forma servil a um populismo crasso. Esta súbita e questionável  heteronímia recíproca pode significar, tanto para o artista, como para o seu observador, o retorno para a Natureza que “não tem nada por dentro” e arruinar a origem e a essência da obra de arte como projeto humano.

Fig. 06 – O mito do nascimento de Atenas da mente de Zeus é uma das mais  dramáticas descrições do nascimento da inteligência, associada à beleza e à vontade guerreira. O ditado chinês que “pensar dói” resume não só o ato da concentração mental mas incorpora a mal estar humano decorrente da ruptura epistêmica, da estética e dos antigos e obsoletos hábitos.
  
O contraste, a corrupção e a ignorância podem mostrar as competências e os seus limites da energia presente e atuante na origem e na essência da obra de arte como projeto humano, Ou como já  sentenciavam os latinos “ridendo castigat mores”. Neste contraste o ENTE projeta-se e ele recebe contornos dos seus limites do que É ENTE e NÃO o É. Este contorno e limites se desenham no confronto entre  a JUSTIÇA e o ARBÍTRIO,  entre a VERDADE e a MENTIRA, entre a BELEZA e o AGRADÁVEL e entre a ARTE e a CULTURA.

ACRÓPOLE de ATENAS imaginada por  KLENZE Leo von 1784-1864 -  pintura - 1846
Fig. 07 – Conforme um mito Atenas foi escolhido como padroeira a cidade grega num concurso entre todos os deuses. Os furibundos deuses como Marte, Zeus, Netuno assustaram mais do que agradaram aos gregos. A deusa vencedora,  na sua apresentação dos seus predicados para o título,  trouxe simplesmente e presenteou a cidade com uma muda de oliveira. Até o presente o azeite e as olivas são uma das fontes de riqueza da Grécia. Porém os habitantes da cidade mereceram o apoio de sua deusa quando expressaram isto numa cidade na qual usaram a sua inteligência, sensibilidade e vontade para materializarem isto no templo da deusa. Este tornou se um ponto de referência nevrálgico, um ícone do comércio e base de uma incipiente indústria cerâmica.

O melhor testemunho é daquele que viveu e acumulou um razoável conhecimento e experiências diretas em relação à ARTE, à VERDADE, à BELEZA e à JUSTIÇA.  Quem acumulou um razoável conhecimento e experiências diretas pode orientar o carente de experiência s desta natureza. Esta mediação pode trazer imensos benefícios se for coerente nas suas etapas, continuada e progressiva até o momento da autonomia do orientando. O perigo da mediação é a sua naturalização, formalismo e, assim, resvalar para a entropia ou a corrupção.
Fig. 08 – As múltiplas leituras de uma obra de Arte que “contém o máximo no mínimo de sua forma” possui no mínimo três eixos que lhe emprestam vestígios semióticos tanto na sua elaboração como na sua recepção. .

O Brasil deve, na concepção de José Vieira Couto Magalhães, o seu tamanho físico, a unidade nacional e a metade de sua força de trabalho ao processo de mediação. Mediação entre ameríndios e europeus iniciado (na base da VERDADE) e sustentado pela cultura portuguesa. Processo de mediação instituída e mantida pelos lusitanos na forma dos profissionais dos “línguas” (ARTE) colocados entre os ameríndios e os europeus. Além de manter relativa paz social (JUSTIÇA)  por meio desta medida singela o Brasil incorporou vastos territórios que inicialmente pertenciam outras potências europeias rivais, ou eram cobiçados e atacadas por elas. Na introdução do texto de o Selvagem  (1876 –p. X) ele escreveu: de que serve o missionário, com a as santidade das leis da religião, se ele não tem a língua por onde ensine a regenerador moral do cristianismo. O luso praticava este preceito (BELEZA), pois sabia que os espíritos não se vencem pela violência, mas pelo amor e pela generosidade” na concepção Espinosa  (Ethica 4.11)

FRANCISCO de HOLANDA 1517-1585 ilustração
Fig. 09 – O autor dos “Diálogos de Roma” revela a sua maneira  de perceber e expressar o ideal. Ele estava sob o profunda influência da figurativa de Miguel Ângelo, busca expressar o ENTE origem [A] e fim [W] de tudo e sem deixar de revelar uma ponta do legado da arte islâmica que preservou o pensamento de Platão durante a pior faz da Idade Média


Estas autores sabiam também que este conhecimento e prática constitui uma construção sobre o humano, pois toda a civilização, como construção artificial, está sujeita às leis da entropia. Contra as forças naturais da entropia há necessidade de vigilância e de trabalho.  Esta civilização artificial necessita do conhecimento das circunstâncias da evolução do projeto e da renovação dos contratos que se encontram na sua origem. Naturalizar uma civilização significa abrir as portas para a entropia. Não é possível realizar a passagem natural de uma civilização para outra sem ferir a sua soberania ou a sua autonomia e com graves riscos para as forças da ARTE, da VERDADE, da BELEZA e da JUSTIÇA. 
SIGNAC  Paul - Au Temps de l'Harmonie
Fig. 10 – A cultura europeia continuou a insistir na mimese figurativa. Esta obra de tendência  pontilista  de Paul  Signac foge da simples foto. Numa imagem  atomizada representa o ócio, o lazer e a Arte inclusive a si mesmo com o seu cavalete instalado ao ar livre e frente ao mar. O ENTE do artista se exterioriza e comunica o seu modo de SER e as suas circunstância particulares de um tempo e de um lugar. ”.

Toda revolução autêntica e coerente busca trazer para o seu presente o PODER ORIGINÀRIO de sua origem. As mediações espúrias conduzem  estas revoluções pelo caminho da entropia natural e acabam atentando contra as forças da ARTE, da VERDADE, da BELEZA e da JUSTIÇA. No seu lugar surge o populismo, a ganância pelo poder e da posse material e imaterial avassalador que neutralizam e aniquilam qualquer civilização.

FONTES BIBLIOGÁFICAS
ARISTÓTELES (384-322). Tópicos.   2.ed.  São Paulo  :  Abril Cultural. 1983,  pp.5-156.

COUTO MAGALHÃES, José Vieira (1837-1898)    O Selvagem  Rio de Janeiro : Typographia da ReformA, 1876, 194 p + anexos

HOLANDA, Francisco de (1517-1584) Diálogos de Roma: da pintura antiga. Prefácio de Manuel Mendes. Lisboa : Livraria Sá da Costa, 1955, 158 p.

SAUNDERS, Robert  A Educação Criadora Nas Artes. in  AR’TE 10. ano III  n o 10, São Paulo :Max Limonad, 1984., pp.18-23
 Este texto é parte do Capítulo  “Using Creative Mental Process in Planning Art and Humanities Programs”, do livro Relating Art and Humanities to the Classroom, de Robert J. Sauders. (Dubuque, WM.C. Brown Company Publishers, 1977.) Tradução : Silvia Macedo e D.T. Chiarelli.

WITTGENSTEIN, Ludwig. (1889-1951)Tractatus Logico-Philosophicus. Trad. Luiz Henrique Lopes dos Santos. São Paulo: EDUSP, 1994.

FONTES NUMÉRICAS DIGITAIS.
COUTO MAGALHÃES e a MEDIAÇÃO AMERÍNDIA – O SELVAGEM 1876

VISÂO e PERCEPÇÃO

Os espíritos não se vencem pela violência, mas pelo amor e pela generosidade.
Animi tamen non armis sed amore et generositate vincuntur. [Espinosa, Ethica 4.11]


Aforismo 7 “O que não pode ser dito deve ser calado
“7 What we cannot speak about we must pass over in silence”.
Satz 7 “Wovon man nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen

Oscar Augusto Alejandro Schulz SOLARI (1887-1963) - XUL SOLAR - DRAGO 1927
Fig. 11 –  O pensamento fantástico e festivo da cultura latino americana vale-se dos signos originários da arte ameríndia

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