Antes de ler este artigo, convém consultar:
http://profciriosimon.blogspot.com/2010/10/isto-nao-e-arte-01.html
LIXO e LUXO não são ARTE.
“Quem gosta de miséria é o intelectual” Joãozinho Trinta
O Dicionário Escolar Bueno (1986) é sintético quanto ao conceito de “LIXO: s.m. O que se varre de casa e, em geral, tudo o que não presta e se deita fora; cisco; imundície; (fig. Escoria” (p.666)
Fig. 01 – BURTYNSKY Edward - Oxford Tire Pile - Deserto de borracha.
Complementar e oposto ao LIXO, os extremos se tocam quanto conceito de :
“LUXO: s.m. Ostentação, magnificência; ornamento; superficialidade; viço; vigor; esplendor; (fig.) dengues; melindres; recusa de alguém a fazer ou aceitar alguma coisa; negação afetada; afetação; Cheio de --(pop) diz-se do indivíduo implicante, pretensioso, manhoso, exigente”(p. 675).
http://weimarart.blogspot.com/2010/12/art-history-for-dummies.html
Fig. 02 – ZOFFANY Johannes Josephus 1733-1810 - Uffizi - 1772
A origem da palavra LIXO recebe um tratamento honesto num dicionário digital contemporâneo, quando registra que “no momento não dispomos de definição para a palavra a etimologia de lixo. Ou a grafia está incorreta ou essa palavra ainda não consta em nossos bancos de dados.” http://dicionariorapido.com.br/a%20etimologia%20de%20lixo/
A frase do carnavalesco Joãozinho Trinta (João Clemente Jorge Trinta -1933 - ), que inicia este artigo, sintetiza o que nos preocupa aqui. Em si mesmos nem LIXO e nem LUXO são ARTE.
Fig. 03 – GEHRY Frank - Pavilhão para Serpentin Gallery - 2008 – Londres.
ARTE supõe projeto, pensamento e criatividade. A marca de qualquer civilização histórica é aceitar o projeto e o desafio da ARTE de ir além do recebido e transcender a Natureza dada. Nem o “pobre de espírito” nem o “rico acomodado” querem aceitar este desafio da ARTE de contrariar a Natureza que lhe é dada. Natureza dada que sepulta a criatura humana debaixo do LIXO e das sobras de uma cultura de desperdício, formado por riquezas fáceis de malbaratar. Ou o rico que também não aceita o desafio renovador da Arte e prefere sepultar-se sob LUXO produzido por esta mesma cultura do desperdício. LUXO que lhe servido ao rico, usufruí sem esforço e não conhece os limites da Natureza que lhe é dada. Invertendo os pólos: o pior POBRE é aquele que alguma vez já foi RICO sem conhecer os limites da Natureza que lhe foi dada.
Fig. 04 – BARCLAY Per - mai. 2011 - Superfície reflexiva.
A autêntica ARTE desaloja a criatura humana do seu caminho natural e a leva para novos patamares civilizatórios. Tanto a entrega à lógica do LIXO como ao LUXO levam para heteronomia do conhecimento e da vontade. Na contramão, a VIDA entregue ao LUXO ou ao LIXO, carece de autonomia e da possibilidade de conceber e realizar projetos na autonomia da vontade. A ARTE, nascida nestas circunstâncias, desenvolve-se corrompida na medida em ela espelha esta VIDA entregue à heteronomia do LUXO ou do LIXO.
Fig. 05 – CHINA - Escola ou fábrica de pintores
Pelo lado do LIXO, os “lumpen-artistas do LUMPEMPROLETRIAT” os intuitivos-primários e “pintores-de-domingo”, produzem trabalhos que raramente possuem algum centelha de um projeto consistente, consciente e de algo que não tivesse sida visto alguma vez (déjà-vu).
Spiegel 16.06.2011
Fig. 06 – CHINA - HAK NAM - Hong Kong -
O LUXO também sempre é relativo. O pintor Ado Malagoli (1906-1994) sentenciava que “o artista que se torna rico será apenas mais um RICO”. Entregues ao espetáculo do cultivo do LUXO eles perfilam-se no triste cortejo dos “vencedores e premiados de salões” e os “pintores pompiers”. Estes pretendentes a artista são remetidos para do cultivo da era de industrial na qual impera a lógica do marketing e da propaganda do supérfluo. Lucius Sêneca (4 a.C- 65 d.C) escrevia “o que não é necessário é caro, mesmo por um tostão” denunciando, no início do Império Romano, este marketing e propaganda do supérfluo.
O fazer do mundo do TRABALHO se distingue da AÇÃO criadora que instaura a ARTE, o novo e o perene. O TRABALHO industrial acentua, e potencializa a implacável obsolescência programada. O resultado desta potencialização da obsolescência programada é o LIXO que se corrompe e corrompendo todo o seu entorno. Ou então produz o LUXO que corrompe a mentalidade, o conhecimento e a vontade humana. Nada mais categórico do que a condenação da RIQUEZA pela RIQUEZA, empreendida pelos profetas de todos os tempos e lugares. Eles pressentiam o LUXO como potencial concorrente frontal da sua mensagem renovadora e purificadora da mentalidade, vontade e hábitos das criaturas humanas de sua época e seus lugares.
http://en.wikipedia.org/wiki/File:Dore_London.jpg
Fig. 07 – DORÉ Gustave (1832-1883) Over London-by Rail – A Pilgrimage 1872.
O resultado do AGIR é a OBRA de ARTE, que a humanidade guarda na memória e destina aos seus museus, como o melhor do que já concebeu e deu um corpo físico. As OBRAS de ARTE constituem o que escapou do LIXO.
A aproximação de LIXO, da ECOLOGIA, LUXO e da ARTE certamente poderá acontecer e até é desejável. Contudo quem quiser conduzir e praticar esta aproximação necessita dominar as competências e os limites de cada uma destas áreas.
A aproximação do LIXO exige o domínio teórico, social e as práticas de todas as interveniências, numa competência técnica de alta complexidade. A ECOLOGIA é de uma complexidade e de uma responsabilidade limitado à técnica. Ela penetra nos segredos da vida como um todo, na saúde das espécies vivas. Inclui e situa a criatura humana colocada adequada e coerentemente no seu contexto sem alimentar nenhum sonho de onisciência, onipotência, onipresença e perpetuidade.
Fig. 08 – POP – ART norte americana – c.1970
Muitas vezes o LUXO é associado à ARTE. No entanto cada campo destes possui as suas exigências e sua autonomia. A desculpa ou pretexto para outros fins não pode entrar nesta relação. Como aquela da ARTE colocada como simples cereja sobre o bolo do LUXO. Nesta circunstância a ARTE passa a se constituir em simples enfeite e perde o seu sentido transformador e da busca do novo e da VERDADE. A terrível desculpa de estetizar consegue feitos alheios à ARTE e que escapam a qualquer coerência e racionalizam em nome de princípios de uma civilização que se queira auto-sustentável na História de Longa Duração.
http://weimarart.blogspot.com/2010/12/art-history-for-dummies.html
Fig. 09 – MAX Gabriel von (1840-1915)- O crítico de arte - 1889
Lúcio Sêneca descreveu o mal estar que o acometia diante da vista de alguns escravos romanos cercados do LUXO dos seus donos. Ele destacou aqueles escravos que eram destinados à educação dos filhos (pedagogos) dos donos das casas.
“O meu ânimo sente-se constrangido diante da aparência de alguns escravos pedagogos, vestidos com o maior cuidado e apuro, este exército de servos cobertos com mais ouro resplandecente do que num dia de procissão; esta casa na qual se pisa sobre preciosos tapetes, e da qual as riquezas estão distribuídas em todos os recantos, os tetos refulgentes e diante destas multidões que sempre acompanham os patrimônios que estão sendo malbaratados” S E N E C A “Da tranqüilidade do ânimo”, p. 05
Evidente que o escravo não delibera nem decide. Sêneca constatava como a moral dos austeros romanos, do período republicano, estava dando lugar ao LUXO imperial. Os seus escravos provinham de províncias, antes florescentes e soberanas, e que o LUXO havia arruinado e os filhos foram entregues à escravidão. Estes, vencidos pelo vício e pela espada, estavam trazendo para Roma os seus hábitos e seus costumes decadentes. Os netos dos austeros republicanos deixavam-se seduzir, por vez, sob o pretexto da ostentação e do LUXO. Passaram a cultivar uma falsa vergonha e tentando esconder e varrer o “LIXO REPUBLICANO” dos seus avôs debaixo do tapete persa do “LUXO IMPERIAL” e que inviabilizava o seu próprio futuro.
http://night-caps.blogspot.com/2010/02/nick-dewer.html
http://weimarart.blogspot.com/2010/12/art-history-for-dummies.html
Fig. 10 – DEWER Nick
Com toda certeza a virtude da ARTE não se encontra num meio termo entre o LIXO e o LUXO. A virtude da ARTE supõe, antes de qualquer meio termo, ou extremo, a proposição de projetos, de pensamento e de criatividade. A ARTE sempre foi portadora de uma natureza própria e distinta de qualquer ecletismo ou simples ponto médio entre extremos dados. Esta exigência nasce em função da criatividade renovada, de uma linha de pensamento e de projetos coerentes entre as obras que produz e a mentalidade que os anima.
Assim o LIXO aproxima estas OBRAS de ARTE do ACASO. O ACASO impõe às OBRAS de ARTE circunstâncias e cerceia a linha de pensamento do artista, condicionando-o à uma criatividade alheia e incontrolável. Neste sentido o LIXO impõe a sua própria natureza e o que se pretendia denominar de ARTE é algo condicionado e pouco apto para dar suporte a um pensamento criador.
Fig. 11 – BODY ART c. 1970
A ação comandada pelo pensamento criador da ARTE supõe uma continuada ASCESE ESTÉTICA do artista, tanto na sua atenção como na inspiração. Ação que se concretiza, e é comandada, por uma permanente sintonia entre o indivíduo criador, a sua própria civilização e de toda humanidade. Esta ascese estética exige, de quem se deseja dedicar e profissionalizar, praticar esforços na escolha de materiais favoráveis e coerentes com o seu pensamento e projetos.
De um lado esta coerência pode ser prejudicada pelo excesso do investimento (LUXO) como as jóias, esmaltes e metais preciosos limitavam este pensamento criador dos ícones bizantinos. De outro lado alguém que escolhe os materiais errados e baratos (LIXO) para as sua obras de arte. Condicionada por um pensamento mesquinho e pouco afeito aos exercícios da coerência com a ARTE pratica economias que põe tudo a perder.
Tanto a capacidade de Giotto de Bondone (1266-1337), como dos Impressionistas (1874-1886) ou de Pablo Picasso (1881-1973), tornam-se exemplos universais na manutenção da coerência com o seu tempo e os materiais dos quais lançaram mão para expressar o seu pensamento. Eles souberam administrar as perdas que as escolhas dos seus materiais provocaram e compensaram amplamente estas perdas pela sua criatividade renovada. Eles alimentaram e mantiveram a mentalidade que os animavam numa linha de pensamento coerente com seus projetos as obras que pretendiam produzir.
A ARTE não se desenvolve, pela ruminação e pela regurgitação de um passado morto. O candidato a artista não adquire a mentalidade pela certeza cultivada por meio do LIXO intelectual. Mesmo ícones intelectuais brasileiros como de Oswald de Andrade, Florestan Fernandes e Raimundo Faoro e tantos outros, podem ser transformados e remetidos para o LIXO desta heteronomia indistinta.
O LIXO do nacionalismo das certezas infantis do século XX é tão condenável como as senis incertezas planetárias da poluída e imponderável atmosfera do século XXI. A homeostase múltipla, provocada pelas certezas infantis daqueles que se julgam oniscientes, onipotentes, universais e eternos, defronta-se com as incertezas senis daqueles que pensam e agem alertados pela entropia permanente que qualquer construção humana ou natural sofre de uma forma constante e irreversível.
http://weimarart.blogspot.com/2010/12/art-history-for-dummies.html
Fig. 12 – PLEIN AIR - Escola de Arizona
O primeiro passo, de alguém adulto e acordado para a sua verdade, é olhar o que foi possível na cultura local. Evidente que cultura política e social brasileira não é artigo de exportação e muito menos instrumento de busca hegemonia planetária internacional, como também ninguém nega as grandes contribuições da cultura européia e norte-americana.
Colocados sobre um muro do senso comum, erguido por uma mídia alienada de ocasião, regurgitam sobre um publico desatento e jogam as pedras do seu desespero, na multidão dos passantes. O seu desespero só aumenta devido ao seu ódio á multidão silenciosa e indiferente às suas provocações. Multidão que não mais reage ao LIXO das suas ideologias que eles ainda julgam onisciente, onipotente, universal e eterna.
http://weimarart.blogspot.com/2010/12/art-history-for-dummies.html
http://www.flickr.com/photos/iesluisvelez2006-2007/3822304943/in/set-72157622046023688/
Fig. 13 – CABELLO IZARRA Segundo - Fin do século XIX b
As universidades brasileiras, mantidas por mentalidades desta natureza, tornaram-se instrumentos de heteronomia das culturas planetárias hegemônicas. Instituições condicionadas à reprodução interna da burocracia especialista no LIXO do nacionalismo das certezas infantis do século XX ou pelas incertezas senis planetárias da poluída e imponderável atmosfera do século XXI. Universidades brasileiras regurgitarem os cadáveres do passado no seu afã de se atualizarem sem ter a coragem de cultivar o habito da integridade intelectual ou de exercitar da ruptura epistêmica da sua própria endogenia. Com esta mentalidade, do cultivo do hábito do LIXO intelectual, estão muito longe de formas da educação nacional das buscas de Florestan Fernandes como saída da heteronomia dos regurgitadores de cadáveres do passado. Ou das denuncias de Faoro em relação ao poder nacional perpetuado pela burocracia cartorial ancorada no principio de que “as leis precedem os fatos” na cultura luso-brasileira.
Fig. 14 – BARCLAY Per - fev. 2011 - Superfície reflexiva
FONTES BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Mário (1893-1945). O movimento modernista. Rio de Janeiro : Casa do Estudante do Brasil, 1942, 81 p..
____. Curso de Filosofia e História da Arte. São Paulo : Centro de Estudos Folclóricos, 1955. 119 f.
ANDRADE, Oswald (1890-1954). Pau Brasil.(5ª.ed). São Paulo: Globo, 1991. 145p.
BUENO, Francisco da Silveira (1898-1989) - Dicionário escolar da língua portuguesa (11ª.ed-10ª tiragem) Rio de Janeiro : FAE 1986, 1263 p.
FAORO, Raymundo.(1925-2003) Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Porto Alegre – São Paulo : Globo e USP, 1975. 2v.
FERNANDES, Florestan (1920-1995) Universidade brasileira: reforma ou revolução. São Paulo: Alfa Omega, 1975, 257 p.
“No momento não dispomos de definição para a palavra a etimologia de lixo. Ou a grafia está incorreta ou essa palavra ainda não consta em nossos bancos de dados.”
http://dicionariorapido.com.br/a%20etimologia%20de%20lixo/
“Quem gosta de miséria é o intelectual” Joãozinho Trinta
http://www.alertatotal.net/2010/09/liderancas-que-nao-valem-um-tostao.html
http://www.pernambuco.com/diario/2003/12/11/politica2_0.html
http://www.domusaurea.com.br/curiosidades.htm
LUMPEMPROLETRIAT
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lumpemproletariado
DÉJÀ VU
http://pt.wikipedia.org/wiki/D%C3%A9j%C3%A0_vu
DESVIOS da ARTE
http://weimarart.blogspot.com/2010/12/art-history-for-dummies.html
PINTOR de DOMINGO
http://www.flickr.com/photos/iesluisvelez2006-2007/3822304943/in/set-72157622046023688/
PLEIN AIR
http://en.wikipedia.org/wiki/En_plein_air
SÊNECA – Da tranqüilidade do ânimo
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=6773
Nenhum comentário:
Postar um comentário