http://profciriosimon.blogspot.com/2010/10/isto-nao-e-arte-01.html
Nem o MEIO TERMO e
nem o IGUAL são ARTE.
“Todo o que é contínuo pode ser dividido em infinitas partes”. Leonardo da Vinci
Algo não é virtude nem arte apenas por ser grande, estar equidistante de seus extremos e situado ao meio. A solução centralista é tecnicamente preguiçosa e esteticamente monótona. Isto é possível verificar tanto na Natureza como na Arte.
Na Natureza o coração humano não ocupo o centro geométrico do peito. Da mesma forma a homeostase, entre estas forças opostas, não se encontra situado num ponto simétrico central, principalmente se as forças são desiguais em potência e em tamanho. A virtude da Ciência e a graça da Arte, não são virtude e nem graça apenas por situar-se ao meio de forças de extremos opostas.
Fig 01 – Gráfico de Leonardo da Vinci inspirado em Marcus Vitruvius Pollio (c. 80 a.C – 15 a.C).
Na criação artística, desde o período clássico grego, este centralismo e equidistância, deram lugar à média e extrema razão. O matemático e geômetra Euclides de Alexandria (360 a.C. – 295 a.C) definiu esta relação da seguinte maneira:
“um segmento se divide em média e extrema razão quando todo o segmento está para a parte maior como esta última esta para a menor”.
Fig 02 – As proporções sobre o gráfico de Leonardo da Vinci inspirado em Marcus Vitruvius Pollio.
Ao contemplar um braço humano, repara-se que o cotovelo não está ao meio, os olhos não estão ao meio, ou ao centro, da face humana e que as divisões das articulações da mão, ou seus ossos, não são do mesmo tamanho.
Na figura 01 é possível verificar que no seu centro não há elementos visuais expressivos ou interessantes a considerar.
As divisões e os lados iguais são monótonos e sem interesse. Quando se quer desqualificar alguém se diz que ele é “quadrado”. Nas criações humanas predominam, de fato, retângulos cujos lados possuem a relação áurea entre si mesmos. Uma simples folha de ofício segue estas relações dos tamanhos de lados entre si. A soma do lado maior e menor, dividida pelo lado maior, sempre dá o mesmo número do que a divisão do lado maior pelo lado menor. Ambos os resultados tendem sempre para o número áureo = 1,618033989....
Esta relação áurea é recorrente no espaço e no tempo. Quem assistir a versão integral do filme “Encouraçado Potemkin” (1925), um clássico de Sergei Eisentein (1898-1948), perceberá, na linha de tempo que separa o início do seu fim, que o clímax do filme, ou o apogeu de sua narrativa visual, encontra-se num ponto que fica numa proporção áurea nesta linha de tempo de sua duração.
O arquiteto Le Corbusier (Charles-Edouard Jeanneret-Gris,1887-1965) orientava as suas obras, pelo “Modulor”, fundado sobre o número áureo. O “Modulor” permitia-lhe criar outros centros de interesse além do centralismo ou da monotonia da mesmice visual ou plástica.
A Natureza para se organizar, desenvolver-se e expandir-se ela tende para a média e extrema razão. Na sua evolução e reprodução o ponto mediano e a repetição de formas monotonamente iguais, são contornados a favor das proporções comandadas pelo número áureo.
Fig 03 – Leito de Procusto O Legislador inglês tenta convencer trabalhadores de diversas categorias a aceitarem as 8 horas diárias iguais de trabalho. Revista Punch – Londres – 1891.
Os gregos já haviam percebido o perigo de um dos seus legisladores querer fazer e aplicar leis iguais aos desiguais. Assim o último trabalho de Teseu foi vencer Procusto. Este bandido tinha um leito onde cortava os extremos das suas vitimas grandes ou os esticava os pequenos até o tamanho da sua cama padrão. Ao vencer este gigante, Teseu aplicou-lhe o mesmo castigo, cotando-lhe a cabeça e os pés que sobressaiam do seu malfadado e tétrico leito.
Fig 04 – Teseu prende Procusto em cima do seu leito. Vaso do período clássico grego da figura clara.
Mario de Andrade foi particularmente cruel com intelectuais e políticos que buscavam forçar, ao seu favor, este centro, por meio do populismo e fazendo-se passar como “afáveis” e “amigos de todo mundo”. Em tempo Estado Novo ele fustigava o ECLETISMO como “acomodatício e máscara de todas as covardias”. (Andrade 1955, fl. 13)
Em tempos de buscas de maximizações, hibridagens e domínio intelectual do código genético, sob os variados argumentos – como de um rendimento melhor e mais uniforme - renascem e se desenvolvem facilmente as idéias da eugenia de Platão ou dos nazistas. As monoculturas de clones geneticamente iguais, apesar de rentáveis, são esteticamente cansativas e comprometem seleções preciosas e irrecuperáveis de cargas genéticas raras com milhões de anos de evolução.
Fig 05 – DORÉ, Paul Gustave 1832-1883 – “Sobre Londres” - Gravura 1870
Esta era industrial necessitou gerar o mito do “homem médio” coerente com a padronização do taylorismo. Assim um certo tipo de “ergometria” muito parecida com o “leito de Procusto” pode progredir.
Este mito era cultivado pela injustiça do “prêmio em cima de..” atribuído a quem mais se aproximava “do tipo” racial deste ideal pontual e prático da estandardização universal. Tipo ideal elaborado e traçado previamente por metas ideológicas, econômicas ou estéticas.
Os artistas visuais conseguiram abolir, no plano estético, há muito tempo, os famigerados “prêmios em cima de...”. Muitos Salões, Bienais e Feiras de Arte já entenderam que o seu papel artístico e social primordial, era organizar lugares públicos para que o artista possa mostrar as suas obras, interagir com o seu público e os seus observadores. Espaços públicos nos quais o artista, e as suas obras, sejam primordiais e que eles não sejam apenas um objeto ou marionetes nas mãos de curadores, donos do poder institucional ou os organizadores do evento. Para tanto as instituições, que contrariam o hábito industrial, possuem não só outra lógica, mas necessitam de muito mais trabalho, mais profissionais qualificados em mais áreas e mais recursos do que a ingênua administração taylorista da otimização e da estandardização industrial. No fundo contariam o MEIO TERMO e a IGUALDADE na ARTE, vistas e propaladas como “virtudes” e “graça”.
Fig 06 – MANET, Eduard –1832-1883“O Almoço sobre a Relva” pintura 1863
Um dos primeiros eventos públicos das artes visuais, sem prêmios, foi o “Salão dos Recusados”, de 1863, no qual Eduard Manet teve ocasião para mostrar a sua pintura “Almoço sobre a Relva”. Como recompensa teve a aproximação, nesta ocasião, e a admiração do grupo daqueles que depois formariam os pintores impressionistas. Estes observavam a autonomia de Manet e se inspiraram no fato deste gostar e dedicar-se sinceramente á arte e sem segundas intenções. Antes e depois, muitos salões nasceram e continuaram impregnados com a mesma mentalidade concorrencial que comanda os prêmios industriais, mercadológicos e seletivos de raças de animais de linhagens apuradas e raras. Isto, além de não dar ouvidos e contornando às acusações recorrentes e mais comuns, dos “prêmios para os amigos” e do grupo do elogio recíproco.
Porém o ponto mais grave, tanto para a Arte como para o artista, é a perda da autonomia, da gratuidade na pratica da Arte, envolto neste jogo e de comércio simbólico de interesses menores. A Arte guiada, por motivos alheios à ela mesma e por interesses menores, perde a sua autonomia, a sua gratuidade e torna-se objeto de obsolescência fácil e vulgar.
A percepção humana das proporções.
A Natureza é prodiga em se estruturar fisicamente em formas que se desviam do centro geométrico e usa truques de toda ordem para fugir da monotonia e do uniforme. Apesar de Leonardo ser uma das expressões maiores do Renascimento italiano, já previu o estágio estético posterior a ele e plenamente desenvolvido no Barroco. Intuindo o estágio seguinte ele escreveu.
“Faça sempre suas figuras de tal modo que o tronco não esteja orientado na mesma direção da cabeça. Deixe o movimento da cabeça e dos braços ser suave e agradável, valendo-se de diferentes giros e torções”. Leonardo da Vinci
Leonardo, como artista do Renascimento ainda orientava-se, nas suas composições, pelo eixo central e pela forma dos dois pratos equilibrados de uma balança. O Barroco desequilibrou a balança, trabalhou e colocou os elementos plásticos e visuais sobre esta diagonal.
Outra forma de Leonardo projetar os seus pensamentos, para além do seu tempo, foi desenhar formas grotescas e que tiveram a sua expressão maior na Caricatura como arte.
Fig. 07 - DAUMIER Honoré 1808-1879 – “Vitor Hugo”- lito- Revista Charivari – 1849
Na caricatura o artista opta intencionalmente para desequilibrar as formas naturais. A “charge”, na concepção francesa, “carrega” mais sobre um ou outro ponto, como Daumier fez com o imenso “crânio” da cabeça da “charge” seu “Vitor Hugo”. Contudo a sua “charge” mais conhecida é do imperador Luiz Felipe, que ele transformou numa pêra o que lhe valeu a prisão.
Fig. 08 - DORÉ, Paul Gustave 1832-1883 - Dom Quixote - Gravura 1863.
Mas a caricatura busca o exagero de detalhes da natureza ao estilo do Dom Quixote. O escritor exagera os traços de caráter, idealiza hábitos e costumes de outra época. Traz estes traços anacrônicos para o tempo presente e espaço cultural contemporâneo, reorganizando-os pela metáfora, os edita criteriosamente, numa obra ficcional coerente e de sua própria lavra.
Fig. 09 - CAPITAL GATE - em Abu Dhabi - RMJM arquitetos –
Em construção em 2011
A Pós- Modernidade redescobriu e usa abundantemente a recomendação de Leonardo da Vinci de “valer-se de diferentes giros e torções”. As novas gerações de arquitetos buscam alternativas do centralismo - ao meio e do igual- apesar da sua tradição do eixo central dos prédios e das divisões em partes iguais. O planejamento, os materiais novos e os robôs permitem audácias inimagináveis em outras épocas e culturas. Um outro princípio de Leonardo, como o “contínuo pode ser dividido em infinitas partes”, permite que o novo contínuo seja calculado e administrado de outras maneiras criativas. Isto é possível por meio dos recursos conceituais e técnicos desta nova infra-estrutura decorrente do domínio da energia, do conhecimento do código genético e da administração do infinito pelos recursos numérico-digitais.
Fig. 10 – CASA ECOLÓGICA de madeira em New Leyden HOLANDA
http://www.archtracker.com/urban-housing-in-nieuw-leyden-24h-architects/2011/04/#more-12081
As obras e os artistas da Pós Modernidade nos provam, na prática, que nem o MEIO TERMO e nem o IGUAL são ARTE. Estas obras e estes artistas tornam-se históricos, únicos, documentos e expressões coerentes com o seu próprio tempo e lugar.
FONTES
CONTÍNUO
http://www.cle.unicamp.br/cadernos/pdf/Marcio%20Damin%20Custodio.pdf
DUAMIER e LUIS FELIPE
http://www1.assumption.edu/users/McClymer/hi119net/default.html
ENCOURAÇADO POTEMKIN
http://video.google.com/videoplay?docid=1264898891656456473#
LEONARDO da VINCI
http://pt.wikipedia.org/wiki/Leonardo_da_Vinci
LEITO de PROCUSTO
http://gwapes.blogspot.com/2011/02/34-o-leito-de-procrusto-uma-breve.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Procusto
REVISTA PUNCH
http://www.punchcartoons.com/index.html
MONA LISA e os TURISTAS
http://www.guardian.co.uk/culture/poll/2011/may/11/leonardo-gallery-crowds
PROPORÇÂO ÁUREA
http://pt.wikipedia.org/wiki/Propor%C3%A7%C3%A3o_%C3%A1urea
http://design.blog.br/web-design/como-calcular-a-proporcao-aurea
http://www.africamae.com.br/livros/pdf/ProporcaoAurea.pdf
http://pt.scribd.com/doc/47879602/Proporcao-Aurea
Videos http://www.youtube.com/watch?v=SUSyRUkFKHY
http://www.youtube.com/watch?v=fzxmwCddN4c
O Modulor de Courbisier.
http://en.wikipedia.org/wiki/Modulor
“Prêmio em cima de. “ Em Sobrinho de WITTKENSTEIN
BERNHARD, Thomas (1931-1989) – O Sobrinho de Wittgenstein – Tradução de José A. Palma Caetano . Rio de Janeiro : Assírio & Alvin, 2.000 ISBN: 972-37-0603-2
http://profciriosimon.blogspot.com/2009/11/premio-em-cima-de-01_30.html
http://www.skoob.com.br/livro/35860-o-sobrinho-de-wittgenstein
http://www.rascunho.net/critica.php?id=1371
Ecletismo
ANDRADE, Mário (1893-1945) - Curso de Filosofia e História da Arte. São Paulo : Centro de Estudos Folclóricos, 1955. 119 f.
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