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http://profciriosimon.blogspot.com/2010/10/isto-nao-e-arte-01.html
PATRULHAMENTO NÃO É ARTE.
“Todos puxavam o mundo para si, para concertar consertando.
Mas cada um só vê e entende as coisas dum seu modo.”
.Guimarães Rosa 1963, p. 18.[1]
A arte, na medida em que mobiliza os campos de suas próprias forças, necessita exercer a liberdade e a autonomia. A arte perde o seu sentido renovador e a sua coerência com as forças de uma civilização ao ver amordaçada e calada a sua liberdade e a sua autonomia. Todo tipo de patrulhamento tolhe este exercício de liberdade e de autonomia. Com este patrulhamento rompem-se as conexões internas e externas da arte com a vida.
[1] - GUIMARÃES ROSA, João. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro : José Olympio, 1963, p. 18..
Fig. 01 – AMBROGIO LORENZETTI(1290-1348) O BOM GOVERNO
http://pt.wikipedia.org/wiki/Palazzo_Comunale_(Siena)
O patrulhamento será interno ao campo da arte quando uma única estética busca o controle das forças, impondo, aberta ou subliminarmente, uma única concepção cultural. Externamente este controle visa domesticar ou até eliminar a arte de uma determinada cultura humana. Para atingir esta hegemonia, interna ou externa, recorre ao patrulhamento de toda ordem. Este patrulhamento recorre às forças políticas, estéticas, ideológicos e legais. Se não consegue subliminarmente esta hegemonia pelas desqualificações subliminares, usa força explícita. Força explícita que podem ser doutrinas, leis escritas ou a truculência de repressão policial, militar chegando às fogueiras dos livros ou eliminação física da “arte degenerada”. ou dos próprios “hereges”.
Se de um lado, a criatura humana necessita construir a sua obra com formas artificiais - para se distinguir do caos e da entropia, inerentes à Natureza - do outro lado, esta forma, constitui já um passo para a morte da arte, na concepção de Paul Klee.
O artista, se além da contingência necessária para dar forma da sua obra de arte, for compelido a moldar-se pelas leis externas á sua criação, a sua vida torna-se intolerável, conforme já reconhecia Platão.
“Veríamos desaparecer completamente todas as artes, sem esperança alguma de retorno, sufocadas por esta lei que proíbe toda pesquisa. E a vida que já é bastante bastante penosa, tornar-se-ia então totalmente insuportável” ( Platão, Diálogos, 1991, p.417)
Fig. 02 – AMBROGIO LORENZETTI(1290-1348) - O MAU GOVERNO
http://pt.wikipedia.org/wiki/Palazzo_Comunale_(Siena)
O filósofo deixava o artista fora dos muros da polis por precaução e por estar consciente de quanto uma mente criativa poderia atrapalhar o seu próprio projeto político do poder, nas mãos de uma única pessoa de preferência de um filósofo. Com esta perspectiva a exclusão do artista da polis torna-se absolutamente necessária. O seu sistema político não funcionaria sem o livre curso de todo tipo de patrulhamento no interior dos muros de sua polis. A precaução em relação ao artista era que a atmosfera política de tal polis seria irrespirável pois seria formada por micro-climas tóxicos de ortodoxias, de ideologias e de formas canônicas de condutas arbitrárias e sem fundamento no melhor e no mais justo para todos.
“A lei jamais seria capaz de estabelecer, ao mesmo tempo, o melhor e o mais justo para todos, de modo a ordenar as prescrições mais convenientes. A diversidade que há entre os homens e as ações, e por assim dizer, a permanente instabilidade das coisas humanas, não admite em nenhuma arte, e em assunto algum, um absoluto que valha para todos os casos e para todos os tempos. Creio que estamos de acordo sobre este ponto” ( Platão, Diálogos, 1991, p.406)
Contudo esta constatação não o impediu de propor um patrulhamento ideológico explícito e uma vigilância na sua própria cultura grega com o objetivo de formar um padrão nacional unitário. Nela o filósofo Platão (427-347) escreveu:
“Estas almas indignas da cultura, quando se aproximarem da filosofia e mantiverem com ela indigno comércio, que pensamentos e que opinião, segundo nós, hão de produzir? Sofismas, não é?, para designá-los pelo verdadeiro nome – nada de legítimo, nada que encerre uma parte de autêntica sabedoria.” (República II -p.75)
Evidente que este patrulhamento ideológico não é um privilégio do filósofo e muito menos da cultura grega. Ele é realizado em todos os tempos, e por todas as culturas hegemônicas, com o objetivo de conseguir êxito nos seus projetos. Projetos que necessitam acumular grandes forças, implementos e gigantescos recursos homogêneos e coerentes com a hegemonia que pretendem exercer por muito tempo Para isto há necessidades de guardiões contra qualquer desvio da ortodoxia hegemônica naquele ponto e época. Os contrários, a este projeto,.são rotulados como inimigos.
RAIZES do PATRULHAMENTO IDEOLÓGICO.
Contudo na raiz deste policiamento da ortodoxia, e para atingir este hegemonia, estava algo bem maia grave. Na raiz e no cerne deste julgamento ocultava-se, e mascara-se mal, a busca do controle e patrulhamento da reprodução humana por meio de um projeto da endogenia de uma raça. Só belos corpos poderiam gerar belas idéias segundo Platão. Assim a sua preocupação era com a aparência física:
“Que dirias de algum ferreiro calvo e baixote, que tendo ganho dinheiro, e se libertado recentemente de seus ferros, corre ao banho, aí se limpa, enverga um hábito novo e, adornado como um noivo, vai desposar a filha do seu mestre que a pobreza e o isolamento reduziram a tal extremo?
-É realmente isso.
-Ora, que filhos nascerão provavelmente de semelhantes esposos? Seres bastardos e raquíticos” (República vol. II, 1985-p.75)
Fig. 03 – ARTE POPULAR do ANTIGO EGITO
Esta busca da interação entre a perfeição da aparência exterior e criação de idéias é uma constante na sua busca no exercício do patrulhamento ideológico de Platão O filósofo não se dava conta, naquele momento, da aparência externa dos filósofos gregos. Certamente Heráclito(540-470), Sócrates(469-399) ou Diógenes (404-323) não podiam ser apontados como modelos plásticos por excelência e a sua aparência física podia ser confundida com a do ferreiro baixote e calvo.
Os pretextos para exercer este patrulhamento são os mais variados. Eles surgem a qualquer pretexto, em qualquer lugar e em todas as épocas. O filósofo reconhece esta diversidade e, assim, recupera toda a sua dimensão ao exercer o método dialético onde percebe que.
“Cada governo estabelece as leis para a sua própria vantagem: a democracia leis democráticas, a tirania leis tirânicas e os outros procedem do mesmo modo; estabelecidas estas leis, declaram justa, para os governados, esta vantagem própria e punem quem transgride como violador da lei e culpado de injustiça” (Platão República Vol I - p.84)
Fig. 04 – VENUS de MILO – MUSEU do LOUVRE
http://pt.wikipedia.org/wiki/V%C3%AAnus_de_Milo
“É preciso, segundo nossos princípios, tornar muito freqüentes as relações entre homens e mulheres de escol e, o contrário, muito raras entre indivíduos inferiores de um e de outro sexo.; ademais é preciso criar os filhos dos primeiros e não as dos segundos[...] todas estas medidas devem permanecer ocultas...” (Platão,1985, 2º vol, p.21)
Contudo a própria propaganda do ócio, do feriado e da festa continuada é uma das formas de alienação da vontade. A propagando do ócio funciona como patrulhamento da vontade daquele que poderia fugir do controle de um poder limitado. A vitima não sente a armadilha e perde liberdade e a autonomia de sua vontade.
A propaganda de que “debaixo do Equador não existe pecado” pode não ser apenas o convite para a amoralidade, mas para a alienação da vontade a favor de culturas com projeto hegemônicos bem conscientes e ativos.
RAIZES do PATRULHAMENTO IDEOLÓGICO.
A imagem e o nome de qualquer ameaça possui forças subliminares que conduzem ao congelamento da vontade e a perda da ação que podem ser tão, ou mais, perversos como o fato concreto em si mesmo.
Esta contradição e fragilidade podem ser transformadas em força e complementaridade. Não se planeja nenhum ataque preventivo, mas o exercício da dialética entre contrários.
Certamente as investidas, deste blog, contra aquilo que o seu autor considera como “O QUE NÂO é ARTE”, pode ser incluída neste patrulhamento. Para se contrapor, a este juízo, é necessário afirmar que este blog e as suas matérias não constituem e nem pretendem ser arte. Em segundo lugar, este blog pretende manter a atenção para que não prosperem promessas que não podem ser cumpridas depois. Entre estas promessas impossíveis de cumprir estão os temas aqui tratados. Em terceiro lugar, não constam nas pautas das matérias deste blog, o pensamento único e nem o sorriso fixo.
Fig. 05 –POLICLETO - O DORÍFERO –
. From de:Image:Doryphoros.jpg. Museo archeologico nazionale di Napoli.
“Quanto aos jovens que se tiverem distinguido na guerra e alhures, conceder-lhes-emos, entre outros privilégio e recompensa, maior liberdade de se unir às mulheres, de modo a haver pretexto para que a maioria dos filhos sejam por eles engendrados..” (Platão,1985, 2º vol, p.21)
Contudo o cuidado e a atenção são diferentes da busca de um direcionamento, de um didatismo professoral e em especial de um patrulhamento meramente ideológico.
O fluxo continuado do poder da criação e da emergência do novo sofrem injúria ao caírem apenas nos parâmetros de uma pauta econômica e especialmente ser for comandada por resultados imediatos de propaganda e marketing para quem financia a criação e da emergência do novo.
Percebe-se esta atenção e cuidado nas discussões das rubricas do orçamento francês para a cultura, em debate em 2011
“Não podemos ser descuidados ao incluir na mesma rubrica os gastos fiscais e gastos diretos. Não que este cálculo esteja errado, muito pelo contrário. Há muito tempo já afirmei que o financiamento do patrocínio não é neutro para o orçamento do Estado. Mas não podemos, dependendo do que lhe convém, a inclusão, em alguns casos (quando se quer, como por explicar que o Estado gasta muito dinheiro para museus) e diminuição em outros quando explicou que o projeto é desnecessário, ou nociva (por acaso, algum de reconstrução ou restauro de Versalhes ou a organização de exposições de arte contemporânea no Museu do Louvre e Versalhes) não custa nada, porque eles são financiados por patrocínio.” RYKNER, Didier em 03.04.2011
Se quem financia e o Estado que renuncia, possui claro e sabe justificar um bem elaborado projeto civilizatório compensador da violência que necessita exercer como delegação da cidadania.
A DIALÉTICA diante do PATRULHAMENTO IDEOLÓGICO.
A escravidão voluntária retira qualquer sanção moral e legal da vontade humana e constitui um terreno fértil ao patrulhamento ideológico, visto como fato natural. Para a população que se estabeleceu no Brasil e na América ou vinha de Europa ou da África onde a escravidão estava vigente de fato.
Na Europa a servidão era um fato cultural com profundas e devastadoras repercussões na vontade individual e nos hábitos sociais e provenientes das camadas mais profundas das consciências dos seus ancestrais. Na Idade Média a população tinha de se refugiar periodicamente nos castelos ou conventos, enquanto as suas casas, sua plantações e criações eram saqueadas por hordas de bárbaros ou nações inimigas. As suas vontades e os corpos eram violados e estraçalhados. O feudalismo era um mal menor diante da barbárie e morte certa.Saiu a ameaça física permaneceu o hábito da heteronomia das vontades.
Fig. 06 – LAOCOONTE e os filhos Antiphantes e Thymbraeus,
obra do período Helenístico da Ilha de Rodes c.40 a.C – Museu Vaticano
Os que vieram da África procediam de aldeias periodicamente invadidas por capitães de mato a procura de braços jovens que eram remetidos para a América. Levavam o que havia de mais jovem e na melhor condição física e que para poderiam dar um passo em direção a um futuro melhor para a sua própria terra. Eram vendidos para dar o seu melhor na vida numa terra e ara interesses absolutamente estranhos.
Também no Brasil e na América, passadas as circunstâncias da violência FÌSICA, permanece este histórico do patrulhamento ideológico, visto como fato natural e impregnando toda cultura do dominador e do dominado. Está viva esta MENTALIDADE do MEDO SUBLIMINAR do assalto e escravagista e da periódicas predação do que melhor uma civilização pode produzir. Para este objetivo o patrulhamento ideológico não pode deixar de florescer, frutificar e se reproduzir contra qualquer autonomia física, moral e intelectual.
Fig. 07 –AMBROGIO LORENZETTI (1290-1348)- O BOM GOVERNO: a CIDADE e o CAMPO
http://pt.wikipedia.org/wiki/Palazzo_Comunale_(Siena)
Na libertação e na reconquista da autonomia da escravidão e do feudalismo arraigado, a arte possui um papel fundamental. O escravo e o servo não fazem arte. No máximo são instrumentos de trabalho. A arte, na medida em que mobiliza os campos de suas próprias forças, necessita a aprendizagem do exercício da liberdade e a autonomia. A arte supõe o sentido renovador e a sua coerência com as forças de uma civilização. Ajuda à retirar a mordaça e confere vez e voz para a liberdade e a autonomia. Exercitando a liberdade e a autonomia, ativa os mecanismos e instrumentaliza o artista contra todo tipo de patrulhamento.
O exercício, da liberdade e da autonomia, restabelece também as conexões internas da arte com a vida., uma vez vencidas as ameaças explicitas, ou subliminares, deste patrulhamento de toda ordem, A arte, na sua liberdade e na sua autonomia, supera as desqualificações e transforma as contradições em complementaridades
Fig. 08 – AMBROGIO LORENZETTI(1290-1348) A PAZ no BOM GOVERNO
http://pt.wikipedia.org/wiki/Palazzo_Comunale_(Siena)
FONTES
EUGENIA http://pt.wikipedia.org/wiki/Eugenia
La TRIBUNE de l’’ART http://www.latribunedelart.com/
PLATÃO ( 427-347) A REPÚBLICA Tradução J. Guinsburg 1º vol .São Paulo : Difusão Européia do Livro, - 1985 - 238 p.
http://pt.scribd.com/doc/36631268/A-Republica-Platao-Vol-I
--------– A REPÚBLICA – Tradução di J. Guinsburg 2º vol. São Paulo : Difusão Européia do Livro, 1985, 281 p.
http://pt.scribd.com/doc/28055175/Platao-A-Republica-Vol-II-Do-V-ao-X-livro
--------------- DIÁLOGOS – (5ª ed.) São Paulo : Nova Cultural, 1991 – (Os pensadores)
http://pt.scribd.com/doc/12868010/Colecao-Os-Pensadores-Platao
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